Millie.
1...2...3...
Peter me segura pela cintura e me eleva. Meu corpo sobe com leveza e ele me gira no ar bem devagar enquanto as bolhas de sabão cor de rosa devido as luzes do palco despencam do teto. A música clássica é Nocturne de Chopin e o som suave do piano, parece vibrar docemente por todo o meu corpo.
Sou devolvida ao chão na ponta dos pés. Meu parceiro põe o braço esquerdo ao meu redor por trás de mim, a outra mão alcança a minha e damos uma leve corridinha até o canto palco onde me encolho no chão e ele me abraça pondo as asas artificiais que estão presas nas mangas de sua camisa na minha frente me encobrindo inteira.
Conto de 0 a 5 e então acontece a troca das luzes para cores mais frias. A música também mudou de tom para um mais dramático. O som do acorde Dó sustenido menor do piano é a nossa deixa para o grande final.
Peter se afasta de mim. Eu me ergo delicadamente do chão na ponta dos pés e rodopio com os braços se agitando levemente imitando asas. Ele aparece ao meu lado e eu despenco em seus braços como uma pluma.
Contamos de 0 a 3 agora e a música finalmente acaba, mas ainda não respiro de alívio por conseguirmos pois o show só termina quando as luzes se apagam.
Quando todos os focos são totalmente apagados, sim. Eu sorrio, me deliciando com a sonora salva de palmas explodindo da plateia do auditório da CleverFalls.
-Parabens. -Peter diz enquanto me ajuda a levantar.
-Parabens para nós dois.
Damos as mãos e ficamos no centro do palco. As luzes são novamente acesas e a plateia surge vibrando na nossa frente, então podemos finalmente nos curvar em uma majestosa reverencia.
Do palco, olhando para a platéia lotada, não consigo distinguir direito os rostos de todos que estão presentes, mas sei exatamente quem está me vendo então nada muda o meu estado profundo de pura felicidade.
Infelizmente não podemos apenas descer do palco para cumprimentar as pessoas. Precisamos sair através da coxia lateral e descer as escadas em direção ao camarim que fica na parte de trás.
A Srta Taylor já está ali junto com todas as outras garotas do balé e a diretora Thompson. A maioria das garotas estão felizes por nós. Nos abraçam e parabenizam, existem algumas que ainda estão chateadas por eu ter sido a escolhida para a apresentação e mostram apenas sorrisos amarelos e sem graça, porém nem isso acaba com o meu maravilhoso estado de bom humor e o meu orgulho próprio.
-Millie e Peter, troquem de roupa para aproveitarem o restante do espetáculo! -A Srta Taylor pede, vendo as outras meninas se aprontando para subirem ao palco para a dança de jazz em grupo.
Eu faço o que ela me pede, mas a minha pressa e intenção não é para continuar assistindo ao festival e sim para encontrar a minha família.
Vou até o espaço privativo onde estão as minhas roupas, mas antes de apenas me despir do figurino, me olho no espelho vendo de novo o trabalho intenso que foi feito em toda a minha caracterização.
Há partículas de purpurina por todo meu corpo. O collant bem justo foi todo feito de seda macia azul celeste e a saia eriçada possui a mesma cor, mas é repleta de pedrinhas brilhantes em cima de camadas e mais camadas de tule branco.
Meus cabelos estão presos em um coque e há um adereço de brilhantes enfeitando as bordas.
Não existe magia maior do que essa. A de me fantasiar inteira para uma apresentação de dez minutos, mas que vou poder lembrar para o resto da minha vida.
Começo retirando as sapatilhas e as meias, depois a saia pois o collant é sempre a parte mais difícil. O tecido parece ter sido costumado no meu corpo e tenho que tomar todo cuidado do mundo para não danificar a peça sensível.
Quando visto minhas roupas normais, o vestido rodado que trouxe para assitir ao restante do festival, desfaço o coque do cabelo e solto as ondas castanhas todas para frente. Está completamente marcado devido a amarração do coque, mas realmente não me importo com isso.
Estou calçando os tênis quando alguém bate na porta.
-Já vou sair! -Grito, pensando ser alguma das outras garotas querendo também se trocar.
-Pirralha, sou eu.
Paro. Mal podendo acreditar quando escuto essa voz. Ele disse que não viria. Como isso é possível?
De qualquer jeito apenas empurro os tênis nos pés e abro a porta.
É ele mesmo. Escorado no canto da porta com um sorriso meio sem jeito no rosto. Um pontinho preto dentro da imensidão colorida que é o camarim.
Não sei se fico com raiva agora ou simplesmente ainda mais feliz do que antes. Claro que é a segunda opção.
Nem penso antes de pular em cima dele. Finn me pega sempre a tempo, só que tomba um pouco para trás ao me segurar. O abraço com tanta força ainda sem acreditar que ele tem que dar um leve aperto nas minhas costas para que eu o alivie da pressão.
-Você disse que não vinha! Você mentiu pra mim!
Me afasto para ver a sua enorme cara de pau, mas não me solto dele nem por um segundo.
-Pois é. Acabou que deu pra dar uma passadinha por aqui -Diz dando de ombros.
Mas é mentira. Sei disso pois estou vendo como ele se arrumou exatamente para vir até aqui. Colocou uma camisa jeans escura e a calça que ele diz que odeia mas usa sempre quando quer se arrumar um pouco mais e posso até dizer que também tentou dar um jeito nos cabelos que estão sempre uma bagunça.
-Você é um belo de um mentiroso! Porque não disse logo que iria vir? -Não aceito uma desculpa esfarrapada agora.
Ele abre a boca para responder quando escutamos alguém limpar a garganta.
É a Srta Taylor. Ela nos olha desconfiada e Finn me solta tão depressa que se não segurasse meu braço eu iria cair de bunda no chão.
-Você não pode ficar aqui Sr. Wolfhard. -Ela diz ainda nos inspecionando.
-É... Eu sei... Já vou sair. -Finn responde totalmente sem jeito, aumentando consideravelmente a distância de mim.
-Ele só veio me dizer oi. Já troquei de roupa, vamos voltar pro auditório.
Ela assente e finalmente vai embora.
-Vou só deixar meu figurino de volta na arara e a gente pode sair, tá bem?
-Na verdade. -Ele segura meu braço quando tento sair. -Eu não vou ficar.
"Eu não vou ficar" é bem diferente de "Eu não posso ficar".
E eu entendo automaticamente.
-Você viu meus pais lá fora.
-Só o Dr. Brown.
Cada vez que ele chama meu pai de doutor sinto que tem uma pitada de acidez, mas não é nisso que penso agora.
-Minha mãe não veio então?
Ele suspira e faz que não com a cabeça.
Não é uma surpresa muito grande para mim. Já passei por isso a vida toda, estando só com ela ou só com ele, raramente com os dois.
-Posso dar um beijo no meu pai e depois a gente dá uma volta lá fora. -Sugiro pois realmente não quero que ele vá embora.
Finn coça a cabeça confuso.
-Acho melhor você ficar com o seu pai e aproveitar a noite.
Não existe a possibilidade de "aproveitarmos". Não quando algum dos meus pais estão presentes. Até hoje Finn não me deixou falar sobre ele e nem aceitou meus convites para ir até a minha casa, assim como eu não posso nunca chegar perto da dele.
Eu aceitei sua decisão, mas nem por isso fico feliz com ela.
Não quero que ele vá embora.
-Por favor, Finn. -Imploro com o que ele diz ser minha voz de apelação.
Ele se aproxima de mim, pega um único cacho dos meus cabelos entre dois dedos e os desliza até a ponta, puxando duas vezes como se tocasse um sino.
-Não vai dar, pirralha.
Isso acaba todo o encanto. Sinto meu coração diminuir inexplicavelmente, mas assinto. Consigo persuadi-lo facilmente quando eu quero, mas quando Finn decide alguma coisa pra valer nenhum dos meus poderes são o bastante.
-Tudo bem. Como vai voltar pra casa?
Ele bate no peito onde tem o bolso de sua camisa e escuto o som de moedas, sinal de que ele vai pegar um ônibus.
Eu ofereceria meu pai para lhe dar uma carona, mas simplesmente sei qual vai ser a sua resposta.
-Vou indo. Amanhã a gente conversa. -Ele quase sai. -Ah, esqueci de uma coisa.
Finn me abraça e sou quase totalmente engolida por ele quando faz isso, mas é o melhor tipo de abraço do mundo. Não vejo nenhum problema em ser bem menor do que ele nesse momento.
-Você foi ótima. Morri de medo de você despencar lá de cima, mas até que você dança bem pra uma pirralha.
Lhe dou um pontapé na perna e ele gargalha. Sai mancando e mandando uns beijinhos no ar para mim enquanto faço de tudo para não erguer o dedo do meio para ele.
E da mesma forma do nada que ele aparece, também vai embora.
--
Finn.
-O que é isso? -Pergunto desconfiado, pegando a caixinha vermelha coberta com um fino laço de fita preto.
Minha mãe sorri nervosa, juntando as mãos embaixo do queixo sobre a mesa.
-Um presente. Abra.
Faz tanto tempo que não ganho um presente que eu hesito em abrir. Não é meu aniversário nem nenhuma data especial. Estamos apenas em um dia comum tomando café da manhã juntos e ela me vem com uma dessas.
-Abe Finn! -Nicolle esperneia ao meu lado impaciente.
Puxo o pequeno laço e abro a parte de cima da caixa. Não precisa ser muito esperto para começar a perceber do que se trata. Tem um peso específico e também a marca aparece assim que rasgo o papel que envolve a caixa.
Minha mãe acabou de me dar um celular.
-De onde tirou dinheiro para comprar isso? -Pergunto, mas mesmo assim continuo a abrir.
O aparelho é novo. Lacrado. Não é dos melhores e com certeza não foi tão caro assim, só que ainda estou chocado pois não estava mesmo esperando por isso.
-Tony comprou para você.
Ah. Merda.
-Não quero.
De imediato devolvo o celular para a caixa e a entrego. Seu sorriso desaparece por completo.
-É só um presente, Finn. Sei que não é tão bom assim, mas foi o que fiquei mais confortável em aceitar.
-Otimo, então fique para você porque eu não quero.
Quando tento levantar da mesa, ela segura o meu braço.
Faz um tempo que não discutimos um com o outro e realmente não estou a fim de fazer isso agora, mas também estou com raiva.
-Eu não vou ficar com ele porque o presente é seu. Você já tem quinze anos, em breve fará dezesseis e precisa de um celular.
Ela tenta devolver o aparelho para mim.
-Foi o que você disse a ele, não foi? Caramba, mãe. Eu já falei que não tenho problema com você namorando esse cara, não me meti na sua vida mas achei que você tivesse entendido que também não quero ele se metendo na minha!
-Finn, não biga. -Nicolle agarra minha perna quando altero o meu tom de voz.
Olho para ela. Para o tanto que minha irmã já presenciou essas brigas e me forço a ficar mais calmo.
-Não tem problema nenhum você aceitar um presente. Tony não está tentando comprar você, ele mesmo nunca forçou nada, apenas me ouviu dizer que queria te dar isso e ele se ofereceu para me ajudar a comprar. -Ela deixa o celular sobre a mesa. -Está na hora de você tentar ser um pouco menos duro comigo, meu filho. Sei que errei muito e talvez eu nunca consiga reparar os dados que causei em você, mas pela primeira vez em muito tempo eu estou bem e estou feliz. Só queria que você pudesse estar também.
Ela é bastante dramática quando fala isso. Tanto que até me sinto culpado pois em partes sei que ela tem razão. Ainda sou duro com ela, porém também não consigo ser de outra forma quando o assunto é esse tal namorado.
-Agradeça pelo celular, mas realmente não precisa. Vou pra escola.
Me abaixo para beijar Nicolle, mas antes de sair, minha mãe inclina o rosto num pedido silencioso para que eu faça o mesmo com ela.
Também a beijo, mas não digo mais nada.
Faz um tempo que estou indo para a escola de ônibus em vez de ela ir me deixar. Nosso carro está velho demais para percorrer distâncias muito longas e assim conseguimos poupa-lo mais um pouco, embora minha mãe sempre diga que Tony é louco para presentea-la com um carro novo.
Sei que ela só não aceita por minha causa. Sei que muitas coisas não acontecem por causa disso também, mas não é que eu seja esnobe para não aceitar coisas das quais nós precisamos, apenas não quero nos ver dependendo de mais uma pessoa ou que achem que precisamos de esmolas. Sou orgulhoso.
O pessoal da escola ainda nos envia muitas compras, mas desde que minha mãe finalmente conseguiu quitar todas as nossas dívidas, sonho com o momento em que conseguirei arranjar um bom emprego e finalmente ajuda-la em casa para que não precisemos mais da ajuda de ninguém, muito menos do seu namorado.
De ônibus, até consigo também chegar mais cedo, mas isso não é mais tão legal assim. Antes eu podia conversar com Millie antes da aula, mas esse ano acabamos pegando algumas aulas diferentes então ela sobe direto para o terceiro andar enquanto eu fico no térreo para a aula no laboratório de biologia.
Eu só sei disso porque ela fez uma tabela com todas as minhas aulas para que eu não falte ou me perca.
Millie é extremamente metódica e organizada. Gosta de anotar tudo na agenda em forma de lista e ir riscando o que já fez durante o dia e me força a fazer a mesma coisa.
As vezes eu esqueço e acabo levando uma bronca, por isso sempre que termina a aula tenho de conferir na minha agenda se eu chequei tudo antes que a minha inspetora particular chegue para verificar ela mesma.
Apesar de também não gostar de estudar longe dela, tenho de admitir que tem sido até melhor assim em relação as aulas. Consigo me concentrar melhor quando Millie não está por perto, embora ela mesma diga que não vê a menor diferença. Digamos que ela tem melhores níveis de atenção do que eu, especialmente quando é algo que não me interessa nenhum pouco como biologia.
Não me sinto mais um gigante na turma. Os garotos até que cresceram bastante apesar de eu ainda passar todos eles, mas isso é apenas no sentido físico da coisa.
Hoje por exemplo, durante o tema da aula que é anatomia, quando o professor põe sobre o balcão dois bonecos anatômicos nus, escuto as risadinhas, os comentários ridículos dos garotos e as meninas todas vermelhas, mas concentradas e quietas.
Garotas evoluem mais rápido nesse sentido. Não sei se é só por causa da timidez, mas pelo menos não ficam tão chocadas ao verem um pinto de plástico pela primeira vez.
Devo me lembrar que todos ainda tem treze anos, alguns quatorze, e mesmo não sendo uma diferença tão grande de idade assim, com quinze, acho que consigo entender melhor como certas coisas funcionam.
Quando o professor começa a falar sobre o processo de reprodução é que a coisa fica feia mesmo. Ele tem que mandar os garotos ficarem em silêncio para continuar a explicação.
Nesse momento, enquanto ele fala sobre penetração, ejaculação, óvulos, fecundação e todas essas outras merdas, estranhamente também fico nervoso pois me lembro de algo que vem acontecendo com uma certa frequência e que me assusta.
As vezes acordo meio estranho. Com uma sensação e uma certa "rigidez" entre as pernas que não consigo controlar, mas que já percebi que talvez seja algo normal.
Mesmo assim não me sinto confortável com isso, principalmente quando uma vez minha mãe entrou no meu quarto de manhã e me pegou naquele "estado". Ela tentou me explicar, mas eu simplesmente a expulsei e corri para o banheiro.
Desde então preferi pôr de volta Nicolle para o quarto dela e passei a trancar a minha porta quando estou sozinho.
Quando penso de novo que minha mãe queria me dar um celular, junto uma coisa com a outra e imagino que ela pense que eu talvez queira sei lá, mexer em certas coisas na internet devido ao que pegou acontecendo.
Tento bancar o esperto e o inteligente, as vezes xingo falando coisas que nem entendo só porque já ouvi alguém dizer no tempo em que estava rua, mas a verdade é que não sei como essas coisas funcionam, pelo menos não da forma prática.
As vezes imagino que se meu pai estivesse aqui até seria mais fácil de entender, ou talvez se eu tivesse algum amigo verdadeiramente próximo, mas não tenho ninguém além de alguns colegas para tirar uma onda e Millie que além de ser uma garota, é alguém com quem eu jamais falaria esse tipo de coisa. Posso contar a ela o segredo mais podre e sujo que eu tiver, mas sobre isso realmente não rola.
Millie é a pessoa mais inteligente que eu conheço. Sei que ela não me julgaria e quem sabe até me ajudaria a sanar algumas dúvidas, mas ainda a vejo como uma criança, apesar de saber que ela não é mais tão criança assim, para mim ela vai ser sempre a minha pirralha.
Dou graças a Deus quando aquela aula estranha acaba e chega a hora do nosso intervalo.
Enfrento a fila da lanchonete e lá está Dayse com seus cabelos loiros e seu sorriso aberto para mim. Ela está no primeiro ano, onde eu deveria estar também, mas ultimamente sempre vem comprar lanche nesse andar.
Me sinto nervoso perto dela. Só conversamos na saída pois ela também pega ônibus para ir para casa, mas aparentemente para ela já somos tipo melhores amigos de infância.
E ela é do tipo que gosta de tocar.
Até quero pegar alguma coisa para comer agora, mas apenas dou um sorrisinho e um tchau com a mão e saio para o jardim de fora da escola.
Millie já está sentada no banco sob a árvore e ela faz um gesto com a mão perguntando onde está a nossa comida.
-A fila estava lotada. Depois passo lá de novo.
De novo penso em dizer a ela que me sinto estranho com Dayse, mas já sei o que ela vai dizer então não digo nada.
-Eai? Como foi a sua aula?
Ela puxa o celular que deve ter o dobro do tamanho do que eu recusei e me entrega a outra parte do fone de ouvido. Antes que eu responda, ela me puxa e deito a cabeça sobre suas pernas, o corpo estirado no banco.
-Uma merda. -É quase sempre a minha resposta. -Que música é essa?
Olho para cima. Ela sorri antes de responder.
-É a melodia da minha próxima apresentação no balé. Estou decorando o tempo da música.
-E eu sou obrigado a ouvir também?
Ela faz cara feia e assente.
-Claro. Você vai ouvir o que eu quiser.
Dou de ombros afastando seus cabelos enormes que ficam caindo na minha cara.
-Pelo menos não é você tocando piano. Eu ficaria surdo se ouvisse isso no fone.
Ela é péssima no piano, mas admiro que depois de tantos anos ainda não tenha desistido.
Millie enfia a mão no bolso, descasca um bombom de caramelo pois ela ainda é extremamente viciada nessa merda e o enfia totalmente dentro da minha boca.
-Você também é um poeta quando fica de boca fechada.
Mastigo o bombom achando graça das suas péssimas respostas. Ela finalmente muda a música, eu já até sei de cor a sua playlist. Só tem romance chato, mas eu gosto de ouvir isso de vez em quando.
-Estamos perto do verão. Já tem ideia do que vai fazer nas férias? -Ela pergunta começando a mexer no meu cabelo.
-Nada. -Também é sempre a minha resposta. -E você?
-Acho que vamos viajar de novo. -Ela usa um tom entendiado para dizer isso. -Minha mãe quer me dar uma festa de aniversário aparentemente longe daqui.
Fico mal quando escuto isso. Até tentei juntar uma grana para comprar um presente para ela, mas as conduções diárias me apertam e mesmo assim não sinto que conseguiria dinheiro o bastante para comprar uma coisa legal e que ela ainda não tenha.
Me anima um pouco que o aniversário dela caia enquanto estamos de recesso. Pelo menos não preciso ter a cara de pau se aparecer na escola sem um presente, embora eu saiba que ela não se importe com isso.
Acabamos nem lanchando. O intervalo acaba antes disso e Millie e eu temos que correr para dentro do prédio de novo.
Quando aparecemos no pátio, ela está agarrada a mim para subir para sua aula quando vejo Beth, a secretária da Sra. Thompson passando e sacudindo a cabeça para o que está vendo.
Não é a primeira vez que ela faz isso. Nem apenas ela. Já aconteceu outras vezes, no dia da apresentação de Millie com a Srta Taylor e algumas vezes até com a própria diretora. Elas me olham como se eu fosse arrancar um pedaço de Millie e mesmo as vezes sendo um pouco lento, sei o que elas estão pensando.
Talvez a gente realmente se trate de uma forma um pouco estranha para algumas pessoas. Millie não nota isso, não vê nenhuma maldade e eu também não, mas venho me sentindo desconfortável quando somos pegos como se estivessemos fazendo algo muito errado.
Me afasto dela rápido dizendo que estou atrasado e ela sobe, mas Beth continua a me observar durante todo o caminho que faço.
Sinto algo repuxando minha nuca. Quando toco na parte de trás da minha cabeça e sinto pequenas ondulações estranhas, eu acho graça.
Millie fez um monte de trancinhas no meu cabelo.
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