Quando se trata de escrever, eu sei que realmente não sou a melhor escolha e, confie em mim, você vai perceber isso logo. Porém, como minha vida nesses últimos anos tem sido fazer basicamente tudo que eu não estou acostumado, não me importo muito e espero que não te incomode também.
Bom, eu me chamo Byun Baekhyun e tenho 66 anos, apesar de, na teoria, ter 25. Calma, você vai entender rápido, de verdade.
Eu estou aqui hoje para contar uma história a vocês. Uma história que, não importa o quão maluca e sem sentido seja, eu juro que é verdade. Jongin e Chanyeol estão de prova, pergunte a eles se resolver não acreditar em mim, apesar de que eu acho que, se algum dia eu te dei motivos para descrença, você não leria uma história a qual eu narrei, leria?
Enfim, essa história começa em algum dia de fevereiro de 2020, daqui a mais ou menos 27 anos. "Ah, mas, Baekhyun, como você pode contar algo que ainda nem aconteceu?" Você deve estar se perguntando agora. Calma! Deixa-me explicar, ‘tá bom? Não digo que vai começar a fazer sentido, contudo, que vocês vão entender eu sei que vão, ou pelo menos espero.
Eu estava no bar, pronto para encher a cara e afogar as mágoas da minha vida na bebida, como sempre fazia. Quando Kyungsoo aproximou-se a passos tão leves quanto os de um leão observando a presa, preparando-se para o ataque que não demoraria a chegar. Ele segurou minha mão com força, impedindo-me de conseguir beber do copo cheio de uísque até o topo.
— Qual é o seu problema, Baekhyun? Você não cansa — Kyungsoo não gritava, ele falava bem baixo na verdade, mas era porque estava com os dentes cerrados.
Com meu plano de beber sozinho completamente estragado, tudo que podia fazer era soltar um suspiro, teria que segurar a barra agora.
— Kyung… — comecei a dizer, mas parei, sabia que estava errado e estava envergonhado.
— Eu sabia! Eu sabia, Baekhyun! — Eu o vi se controlando para não bater o copo com força na mesa, potencialmente quebrando-o. Em vez disso, ele colocou o copo com um tanto de brutalidade na mesa e agarrou meu braço.
Deixei que ele me arrastasse porta afora para o meio do frio congelante de fevereiro e entrei em seu carro quando chegamos. Kyungsoo estava muito bravo e não era difícil perceber isso. Ele deu um soco tão forte no volante que eu achei que o fosse quebrar.
— Desde quando? — ele disse, respirando pesado e deixando a voz sair alta, mas não o suficiente para chamar a atenção de fora. — Quanto tempo?
— Quase 1 ano — disse. Kyungsoo respirou fundo e apoiou a cabeça no volante. Senti vontade de chorar, eu estava bem mais sensível desde que completei 50 anos.
— Puta que pariu — Foi a única coisa que ele disse antes de ligar o carro e começar a dirigir. Eu sei para onde vamos e não digo nada. Deixar Kyungsoo respirar e acalmar-se são as melhores coisas que se pode fazer nesses momentos.
Chegamos ao meu apartamento menos de 10 minutos depois e, com a cabeça abaixada, saí do carro andando para dentro do prédio velho, mas bem conservado para a idade. Kyungsoo me seguiu sem falar nada.
Quando chegamos a meu apartamento, eu não sabia o que fazer. Já faz tantos anos que isto aconteceu pela última vez. Eu apenas fico parado no meio da sala. Poderia muito bem jogar-me no sofá e dormir como fazia na época que não me importava com as revistas quase diárias de Kyungsoo, mas a ideia nem me passava pela cabeça.
Diferente de mim, Kyungsoo parece lembrar muito bem o que fazer e como minha sala é em estilo americano, com apenas uma bancada separando a sala e a cozinha, consigo ver tudo que ele faz. O Kim vai direto para minha geladeira, vasculha por algum tempo e tira duas garrafas de gin lá de dentro. Encolhi meu corpo, contendo o impulso de me abraçar mesmo que ele não esteja olhando para mim.
Agora o alvo dos olhos atentos do Kim é minha despensa. Suspiro, já sabendo o que me espera depois daquela revista. Não sei exatamente quantas, mas lembro de que Kyungsoo tirou garrafas de vodka, whisky e mais gin da despensa.
Ele pegou um saco de lixo e começou a colocar as garrafas dentro, ainda sem direcionar um olhar sequer para mim. Finalmente resolvo fazer algo e sento-me no sofá verde desbotado que tinha na minha sala (inclusive me desculpem por não descrevê-la melhor para vocês, não me lembro muito bem de como ela era. Isso não vai voltar a se repetir aqui, eu prometo).
Com todas as garrafas balançando e se batendo no saco de lixo, Kyungsoo dá um nó e volta para a sala, deixando-as em um canto perto da porta. Tão tranquilamente quanto quando estava guardando as garrafas, ele anda até minha frente no sofá e me dá um tapa tão forte que faz minha cabeça girar, depois me abraça tão apertado que quase quebra meus ossos.
Eu não digo nada, não reclamo. Na verdade, eu o abraço ainda mais forte.
— Por que, Baekhyun? — Kyungsoo pergunta. Eu estava chorando, não me lembro de quando comecei, nem sei se eu percebi imediatamente.
— Porque eu sou a porra de um alcoólatra, Kyungsoo — eu disse e ele suspirou, tão cansado quanto eu, talvez até mais. Meu choro engrossou. — Porque eu não consigo deixar o Chanyeol para trás. — Escondi o rosto no pescoço do meu amigo. — No final das contas, eu só sou um viciado apaixonado. Igualzinho meu pai. O Byun junior.
Kyungsoo não falou nada, apenas ficou lá me abraçando, me consolando. Ele sabia que era verdade e me conhecia bem o suficiente para saber que mentir não mudaria nada.
Meu amigo soltou –me depois de um tempo e mandou ir tomar banho. Sempre que aquele tipo de coisa acontecia, ele ganhava aquela pose estranha de pai.
E eu fui. Tranquei a porta do banheiro e entrei no chuveiro. A água quente não era o bastante para relaxar meu corpo. Meus músculos estavam cada vez mais tensos enquanto minhas mãos começavam a tremer, eu sabia que não demoraria muito até que começasse a vomitar.
Não bebia fazia cerca de 16 horas e estava em abstinência.
Meu banho não durou muito, tive que sair pouco tempo depois com as pernas tremendo tanto quanto varas, me fazendo cair no chão. Eu mal tinha saído do banho e suor já sujava minha pele de novo.
— Kyungsoo! — gritei por ele, que não demorou a aparecer, provavelmente, já estava a espreita e perceber que ele ainda se lembrava tão bem de como meu corpo se comportava sem o álcool me deixou mal, muito mal.
Porque Kyungsoo era um ótimo amigo. Desde a época em que ele era um adolescente boca suja até o homem casado e pai que ele é hoje, Kim Kyungsoo sempre tinha sido um ótimo amigo.
E eu apenas o decepcionava.
Kyungsoo me tirou do banheiro e deitou-me na cama, me ajudou a lidar com a abstinência. Eu peço desculpas para vocês, mas não vou contar sobre isso não, ainda é um assunto muito difícil para mim e mesmo que eu saiba que não vai se repetir nunca mais e que para Kyungsoo isso nunca aconteceu, eu não gostaria de falar sobre isso.
O importante para vocês saberem é que eu eventualmente dormi e, diferente do que costuma acontecer quando eu estava naquele estado, eu não tive pesadelos.
Na verdade, podemos dizer que o pesadelo acabou naquele momento.
[—]
Quando eu acordei, eu estava com calor, o que não fazia o menor sentido, afinal, era inverno e eu estava de abstinência. Eu estava confuso e a claridade que eu conseguia perceber mesmo sem abrir os olhos me alarmava.
Por que Kyungsoo abriu a cortina?
— Anda logo, menino! — A voz de minha mãe soou extremamente perto, me alarmando. Eu abri os olhos de modo rápido demais e fui bombardeado com a luz, me deu até dor de cabeça. Apesar de eu saber que estava em abstinência, eu raramente tinha alucinações como muitas pessoas tinham. Acontecia de vez em quando.
Então não me culpem por dizer a vocês que quando meus olhos focaram e eu consegui enxergar naquela claridade toda, vendo o rosto bravo de minha mãe na ponta da minha cama eu tive certeza que estava alucinando.
— Ham, Kyungsoo... — comecei a dizer.
— Que Kyungsoo o que, moleque — minha mãe disse e bateu em meus pés cobertos com as costas da mão. — Levanta logo.
Ela saiu do quarto depois daquilo. E agora? Pensei. Acabei optando por voltar a dormir, quem sabe quando eu acordasse estivesse de volta no mundo real.
— Baekhyun! — O grito foi tão alto que quase explodiu meus tímpanos, mesmo que ela estivesse no andar de baixo. — Não me faça ir ai e arrastar-te pelas pernas!
Tá bom, aquilo estava estranho. Não só o fato de Kyungsoo ficar me chamando para levantar sem parar enquanto agia como minha mãe, mas também percebi que não sentia nada. Tipo, nada mesmo. Nenhum sintoma, vontade de beber ou tremedeira, estava novo em folha.
Optei por levantar e lavar o rosto, Kyungsoo provavelmente já tinha se livrado de toda a bebida no apartamento, sendo assim me deixaria andar livremente.
Meu banheiro ficava em uma porta no meu quarto. Era pequeno, tinha apenas uma banheira, um chuveiro e uma pia com um armário embutido, em que eu guardava alguns remédios e maquiagem, esse armário também era um espelho. Quando entrei no banheiro, a claridade ainda incomodava meus olhos.
Lavei o rosto com água fria, tirando o suor acumulado do rosto e o cabelo grudado na testa. Deixando o rosto abaixado para pingar na pia e não em minha roupa toda, eu estendi minha mão e agarrei a toalha, pressionando-a contra o rosto, começando a secá-lo.
Então percebi que estava muito magro e que usava uma camisa do David Bowie que tinha rasgado há muito tempo atrás. Olhei meio receoso para o espelho a minha frente, inspirei profundamente e prendi a respiração vendo meus próprios olhos arregalando no espelho.
Olhos que não tinham as rugas que vieram com a idade. Olhos que enxergavam surpresos os cabelos bem hidratados e azuis que me caiam pela testa, grudando na mesma.
Abaixei a toalha, vendo melhor meu rosto, muito mais jovem e bonito. Reconheci minha versão adolescente. Passei a mão pela pele lisa e macia, finalmente soltando o ar.
Era isso, eu definitivamente estava alucinando, talvez sonhando.
Calmamente, apenas para garantir que não era um sonho, belisquei meu braço e torci com força. Minha pele gritou e eu quase fiz o mesmo. Cacete, eu tinha ido com força demais ao pote, não ficaria surpreso se o local ficasse roxo (e realmente ficaria depois de um tempo).
Tá, então não era um sonho. Era definitivamente uma alucinação.
Calmamente, levei minhas mãos para minha testa e pescoço, checando se estava com febre, não estava. Ok, melhor ainda. Tateei meus bolsos, procurando meu celular. Sabe, ligar para meu chefe e avisar que não iria trabalhar, burocracia.
Meu celular também não estava nos meus bolsos.
Naquele momento minha mãe entrou no quarto, com o rosto raivoso e os lábios comprimidos. Encarando ela através do espelho, senti-me estranho, como se estivesse encontrando aquele velho amigo de quem não se vê há muito tempo e alguns dos traços tinham sumido da minha memória.
— Byun Baekhyun, você vai se atrasar e acabar me atrasando também então, por favor, vai se arrumar — ela falava entre dentes.
Resolvi abraçar o cenário que minha mente criou.
— Mãe, acho que estou louco — falei.
— Quê? — Foi a resposta dela.
[—]
Eu não fiquei muito tempo na hipótese da alucinação, na verdade depois que minha mãe verificou minha temperatura e resolveu me explicar calmamente à realidade, eu me dei noção que alucinação aquilo não era.
— Tá bom, filho. Hoje é dia 23 de junho de 1983, seu nome é Byun Baekhyun, meu filho gay de 15 anos. Agora você tem que se arrumar para ir para a escola — ela disse. — Agora vai.
Eu fui. No meu quarto eu tomei um tempo para analisar as coisas, tentar encontrar algo, qualquer coisa, que indicasse que aquilo não era real.
E, porra, eu não achei. Meu quarto estava perfeito. Meu violão encostado no canto do quarto, os pôsteres na parede, minha coleção de discos, meu toca discos, a máquina de escrever em cima da desorganizada escrivaninha de frente para a cama, as roupas jogadas para todos os lados, a cama com lençóis bagunçados… tudo.
Devo admitir, viagem no tempo realmente me veio à cabeça, mas eu não aceitei assim tão fácil, afinal viagem no tempo é uma coisa ridícula que só existe em ficção científica.
Eu acabei realmente me arrumando para a escola. Coloquei uma de minhas roupas favoritas (minha amada camisa do Echo and The Bunnymen com uma calça jeans rasgada e colada), surpreso por minha mente ter criado algo tão perfeito, dentro de mim a ideia de viagem do tempo crescendo, inflando feito um balão.
Então eu fui para a escola.
[—]
Minha escola era tediosamente comum. Um prédio branco de 3 andares e muitos corredores que pareciam exatamente iguais. Cada corredor dividido em 4 salas, também chamadas por códigos, um exemplo rápido, minha sala de química 2B4 (segundo andar, corredor B, sala quatro), em vez dos professores andarem pela escola, trocando de salas, eles ficavam sempre na mesma enquanto a gente andava por aí, acho que era uma técnica para não deixar os alunos dormirem por tempo demais ou algo assim.
Na frente do prédio, separado dos muros brancos e do portão de ferro, tinha um pátio (que mais era um pequeno jardim) com algumas árvores, uma cantina e algumas mesas de madeira cheias de farpas.
Foi quando eu cheguei e encontrei Kyungsoo que todas minhas teorias do que estava acontecendo evaporaram. Não que Kyungsoo estivesse diferente do que eu me lembrava, estava somente um pouco. Com os cabelos pintados de castanho, camisa dos Ramones, jaqueta de couro e calça colada, encontrava-se encostado em um dos muros com a mochila jogada de qualquer jeito do lado.
O que me intrigou foi o menino ao seu lado, que inclusive, eu tinha certeza que nunca tinha o visto antes e, confie em mim, mesmo abusando no álcool eu tenho uma boa memória, além disso, seria muito difícil esquecer alguém como ele.
Não é todo dia que se encontra um coreano de sardas (naturais, no caso), cabelo laranja e roupas mais coloridas do que uma feira. Ele era bonito e alto, tinha um cigarro apagado pendurado na boca, quase caindo, mas não chegando a fazê-lo. Parecia desafiar as leis da física. Eles conversavam como se fossem velhos amigos.
E de fato eles eram.
Eu me aproximei deles meio sem graça, sem saber o que fazer, não conhecia o menino e não estava mais acostumado a agir como um jovem, não me sentia tão confortável com aquela situação.
— Baekhyun, seu desgraçado! — Foi a primeira coisa que Kyungsoo me disse em 1983, quando percebeu que eu estava ali. Eu não entendi nada. — Porque você não foi ontem?
— Onde? — Eu perguntei sentando no chão ao lado deles. Tentei fazer minha voz soar brincalhona, entretanto estava desacostumado de mais, acabou que minha voz saiu mais sarcástica que qualquer outra coisa.
— Onde? Onde? Você acredita nisso Sehun? — Sehun riu da indignação de Kyungsoo, que me encarou com os olhos estreitados. — Se eu não te conhecesse há tanto tempo, Baekhyun, juro que arrancava seu coro fora.
— Ah, tá bom — disse e senti que tive sucesso em fazer minha voz soar natural.
— Conhecer o namoradinho secreto do Kyung, Baek — Sehun disse de uma forma extremamente embolada por causa do cigarro, que não saía de seus lábios. — De quem mais a corujinha apaixonada aí estaria falando?
Eu entendi o que Sehun quis dizer, lembrava-se de algo parecido ter acontecido quando conheci Jongin, e era isso que devia estar acontecendo ali. Kyungsoo queria me apresentar para o futuro marido dele.
Lembrar de Jongin me fez lembrar de Chanyeol, e frente ao mundo de possibilidades que se abria em minha frente, agora eu não fiquei triste. Alguns cálculos rápidos foram o bastante, se no dia seguinte eu ainda estivesse nessa época, então eu conheceria Chanyeol dentro de alguns dias, sendo assim poderia refazer minha relação com ele.
Eu não deixaria Chanyeol ir de novo, se tivesse a oportunidade.
Por mais que não quisesse, não consegui tirar o “se tivesse a oportunidade” da cabeça. Apenas o fato de Sehun estar lá, deixando claro que me conhecia bem por me chamar de Baek, um apelido que até mesmo Kyungsoo demorou a ter o direito de usar, já deixava claro que nem tudo seria igual ali.
Talvez eu nunca encontrasse Chanyeol.
Talvez ele nem mesmo existisse ali.
Joguei os pensamentos para longe, odiando sequer pensar neles. Coloquei na minha cabeça que tudo aquilo não passava de uma possibilidade irreal de viagem no tempo, que é algo que não existe.
Mesmo assim fiz uma anotação mental sobre Chanyeol e deixei bem guardadinha no meu coração.
Eu evitava sequer pensar sobre Chanyeol, não me fazia bem, mas tecer um pensamento partindo da possibilidade de ter uma segunda chance me deixou feliz.
Pela primeira vez em muito tempo, pensar em Chanyeol não me deixou com vontade de beber o suficiente para transformar meu sangue em álcool.
Fomos para a aula algum tempo depois quando o sinal tocou, e uma ressalva não tão importante aqui: A escola é um milhão de vezes melhor que o trabalho. Eu não prestei atenção em nada do que os professores daquele dia falavam, nada mesmo. Porém, tive a oportunidade de conversar com Kyungsoo como há muito tempo não fazia. E eu também conheci Sehun melhor.
Atualmente, e quanto a atualmente me refiro ao agora em que estou escrevendo isso, se não fosse completamente apaixonado por Chanyeol, não seria nem um pouco difícil para eu cair de amores por Sehun.
Quando a aula estava mais ou menos perto do fim eu senti vontade de fazer uma loucura. Foi incrível, eu não precisei de muito tempo para voltar a me sentir o garoto de 15 anos que eu não era, mas ao mesmo tempo era. Foi tão rápido que quando eu percebi não precisava mais pensar em qual seria a resposta ideal para alguma circunstância, a resposta vinha sozinha, guiada pelas emoções.
Quando eu me dei conta, não tinha passado nem 1 semana e eu já sentia como se 2020 não tivesse passado de um pesadelo muito real, e que eu era e sempre tinha sido Byun Baekhyun de 15 anos e cabelos azuis.
Voltando para o primeiro dia. Eu queria fazer uma loucura.
— Acho que vou pular o muro. Alguém vem comigo? — perguntei parando de andar, estávamos indo para a próxima aula, do outro lado da escola.
— Eu vou — Sehun disse. — Não aguento mais essa merda.
— Eu não, estou pendurado pelo pescoço em matemática. — Kyungsoo estragou a brincadeira. — Vão vocês e me tragam um sorvete de limão na saída.
— Vish, tá grávido é? — Sehun brincou.
— Ha há. — Foi a resposta de Kyungsoo.
Já estávamos nos preparando para se esconder até termos a oportunidade de pular o muro quando Kyungsoo me chamou.
— Amanhã você não me escapa, moleque. Você vai para a Strawberry fields nem que eu tenha que te arrastar pelo cabelo.
— Nossa — respondi — Você é um amor, Soo.
Então eu e Sehun nos escondemos, jogamos as mochilas sobre o muro e pulamos para a liberdade, demos sorte que estávamos em um ponto cego das câmeras. Nunca conseguimos mapear a escola e nunca ficava tudo bem quando éramos pegos.
[—]
Fomos jogar nos fliperamas, eu queria jogar os jogos antigos novamente. No caminho, eu e Sehun conversamos bastante, principalmente sobre o que Kyungsoo e seu namorado. Sehun era um fofoqueiro do caramba.
— Sua sorte é que você mora do lado do Strawberry Fields, então se ele for realmente te arrastar, não vai ser por muito tempo — Sehun disse daquele jeito embolado e riu. Eu ri também, já era praticamente um profissional na linguagem Sehun.
— Você acha que vou me dar bem com ele? — Perguntei mesmo já sabendo a resposta. Eu já tinha percebido que Sehun me conhecia muito bem. Atualmente eu sei que é porque crescemos juntos, o conheci antes mesmo de conhecer Kyungsoo, mas na época eu não sabia.
— Não tenho tanta certeza, falei pouco com ele — Sehun respondeu. Estávamos quase chegando no fliperama agora. — Tive a impressão que a única coisa que ele tem em comum com você é o cabelo azul.
— Mas é claro, o que você esperava? — perguntei.— Kyungsoo não aguentaria outro Baekhyun na vida dele. — Sehun riu tanto que quase deixou o cigarro cair. Quase.
— Não posso dizer que é mentira.
Depois daquilo chegamos ao fliperama, não falamos mais no assunto Do Kyungsoo pelo resto do dia, pelo menos não até a hora da saída do colégio chegar e termos que ir comprar o tal picolé de limão.
[—]
Na noite daquele mesmo dia, eu me sentei em minha escrivaninha, peguei um caderno e uma caneta e coloquei meus pensamentos em ordem.
Escrevi no topo da página “O que está acontecendo?”, eu não tinha uma resposta para aquilo ainda. Parecia duradouro, mas eu saberia apenas no dia seguinte. Estava sendo longo demais para uma alucinação e eu já tinha noção de que não era um sonho. Circulei o tópico e passei para o próximo.
Escrevi: O problema do álcool. umas 5 linhas abaixo do primeiro e escrevi embaixo: Nunca, jamais, colocar uma gota sequer de álcool na boca. Circulei o item umas 5 vezes. Senti a vontade de beber várias vezes ao longo do dia, porém consegui esquecer com facilidade, eram claramente pedidos de minha mente, não de meu corpo.
Esse é um corpo saudável e eu não estou disposto a entregá-lo aos vícios de novo, não quero ser como meu pai, foi o que eu escrevi embaixo.
Então eu pulei umas 2 linhas e fui para o último tópico, casualmente chamado de Park Chanyeol. Logo embaixo do nome eu escrevi uma pequena listinha das coisas que eu lembrava que ele gostava, como Echo and The Bunnymen, cinema drive-in, chocolate amargo e romance água com açúcar. Fiz uma pequena descrição do nosso primeiro encontro e escrevi embaixo usando mais força que o habitual para deixar a letra grossa:
Não seja um babaca filho da puta
Satisfeito com meu progresso, fiz um coração do lado do nome de Chanyeol e fui deitar. Queria que o tempo passasse o mais rápido possível para que eu me encontrasse com Chanyeol.
Depois de mais de 35 anos sem ver o rosto bonito dele, como será que meu coração iria reagir. Eu definitivamente não queria chorar nem nada assim. Teria os dias que me separavam dele para treinar conter minhas emoções também.
Tudo bem, até lá eu ia apenas aproveitar. Eu me sentia mais vivo do que me lembrava de um dia ter me sentido.
[—]
No dia seguinte eu acordei em 24 de junho de 1983, chegando então à conclusão que a mudança seria permanente. Não que isso me incomodasse, não, na verdade eu gostei muito. Fugir de tudo aquilo que fazia mal, fugir de mim mesmo... Soava perfeito, uma segunda chance me concedida pelo acaso.
Não fugi da aula aquele dia, aguentei firme e forte sentadinho naquelas cadeiras desconfortáveis e anotando uma coisa ou outra que o professor falava quando Sehun e Kyungsoo não estavam conversando comigo, o que era praticamente o tempo todo, mas realizar os vestibulares para a SKY* ainda estavam 3 anos na frente.
Aquele dia escolar terminou com uma ameaça de Kyungsoo. Não me lembro ao certo, contudo, tenho quase certeza que era algo tipo “Se você não for no Strawberry fields hoje às 18 horas, eu te mato, seu merda.” e um Sehun fugindo para casa sem mal se despedir, ele disse que iria atrás de um ar-condicionado. O dia estava mais quente que o inferno.
Eu voltei para casa depois da aula, ainda faltavam 5 horas para as 18 e eu estava com muito tempo livre. Diferente do que eu achei que aconteceria, eu não senti saudades desesperadas da internet ou do meu telefone, claro, fazer as coisas não era mais tão práticas, mas aquilo não estava me incomodando.
Passei boa parte daquele dia ouvindo Porcupine e Crocodiles, incríveis álbuns do Echo and the Bunnymen que, infelizmente, não eram os melhores da banda, mas o que mais eu poderia fazer? Meu álbum favorito só lançaria no ano seguinte. E aprendendo a tocar violão de novo. Em minha cabeça eu criei vários cenários: Eu e Chanyeol ouvindo Ocean Rain, meu álbum favorito do Echo and the Bunnymen quando ele lançasse. Eu tocando músicas bonitinhas para Chanyeol no violão. Ah, eu pensava em Chanyeol em momentos específicos do dia, mas quando eu pensava simplesmente não conseguia deixar para lá, meu coração acelerava e eu não conseguia conter o sorriso.
Um novo mundo se abria em frente aos meus olhos.
No final às 5 horas passaram voando e, quando eu percebi, já era hora de ir encontrar Kyungsoo e Jongin.
[—]
A Strawberry Fields era uma cafeteria com o tema dos Beatles que tinha em Bucheon, a melhor da cidade. Ela era completamente decorada com fotos dos Beatles pela parede, teto e chão em várias épocas, desde a Beatlemania até o fim da banda. Tocava música dos caras sem parar por nenhum minuto, principalmente o álbum Sargent Peppers e as comidas tinham nomes personalizados tipo, Milkshake McCartney, que vinha com uma foto do Paul McCartney no copo. Era algo realmente bem feito.
Eu já estava lindamente sentando em uma mesa esperando Do Kyungsoo que, não surpreendendo ninguém, estava atrasado uns 10 minutos. Usando outra roupa muito boa minha; Minha camiseta do Echo and The Bunnymen com a estampa do álbum Porcupine, minha calça rasgada e apertada e um bando de pulseiras nos braços. Eu queria me dar bem com Jongin, afinal, ele viria a ser o marido do meu melhor amigo. Eu estava disposto a tentar, por isso tinha me arrumado tanto (apesar de achar que já tinha estragado essa primeira impressão com o bolo que dei neles no outro dia).
— Cabelo legal. — Eu já tinha desamarrado e amarrado meus cadarços umas 5 ou 6 vezes quando ele puxou conversa comigo. A voz grave me deu arrepios, senti meus músculos praticamente pararem de funcionar, deixando os cadarços desamarrados esquecidos. Meu coração quase saiu pela boca, meu estômago se revirava e eu estava começando a sentir meus olhos marejarem quando olhei para ele.
E lá estava ele, Park Chanyeol, com os cabelos azuis completamente cacheados, uma camisa do The Psychedelic Furs, calça colada, coturnos e aquele sorriso de lado que deixava sua covinha a mostra.
Céus, Chanyeol é tão lindo, mas tão lindo.
Senti todo ar sair de meus pulmões, saudade e ansiedade e felicidade bombeando nas minhas veias para todas as partes do meu corpo.
— Valeu — foi a única coisa que consegui falar antes de sermos interrompidos, Kyungsoo entrou no Strawberry Fields e Chanyeol, com um sorriso amplo e bonito, levantou da cadeira e foi abraça-lo, beija-lo.
Eu senti o impacto daquilo. Senti mesmo. Muito. Meu coração se contraiu, parecendo ficar menor, minhas mãos começaram a tremer e eu tive a súbita certeza de que começaria a chorar.
Não, porra, não. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia. Não… Era tão injusto… Doía tanto.
Não me lembro bem da sequência de fatos naquela hora. Sei que eu me levantei e disse para Kyungsoo que precisava fazer alguma coisa relacionada com minha mãe, algo importante o bastante que o fez aceitar aquilo até bem. Disse que só tinha ido ali para ele não ir me caçar e arrastar pelo cabelo.
E quando me dei conta estava andando por aí. Só percebi que chorava quando o primeiro soluço saiu, me pegando de surpresa.
Não mais de surpresa que dois braços me puxando para um beco, esse sim me pegou tão desprevenido que nem consegui lutar ou gritar, apenas fui, porque porra, estamos na Coreia, esse tipo de coisa não acontece aqui.
Eu fui segurado firme e jogado contra o muro, por pouco não bati a cabeça, uma das mãos me cobriu a boca enquanto a outra segurava meus braços para que eu não lutasse, coisa que eu tentei fazer.
— Baekhyun. Baekhyun, olha pra mim, cacete. — E eu olhei e parei de me debater na hora. Ele me soltou também.
Na minha frente estava uma versão jovem e um tanto estranha de Kim Jongin. Ele estava vestido normalmente, como qualquer adolescente, mas os cabelos caiam em uma cascata castanha e lisa até os ombros. E os olhos, ah, os olhos de Jongin.
Tinha um quê de antigo naqueles olhos, um quê de alguém que sabia demais. Aquilo foi o bastante para que eu entendesse. Jongin era como eu. Aquele era o Jongin do Kyungsoo, o Jongin de 2020.
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