A música tocava alto no andar de cima, local onde uma jovem cantava a músicas que amava e dançava feito uma louca, em sua companhia, estava um de seus melhores amigos.
"– I've been up in the air
Lost in the night
I wouldn't trade an eye for your lies
You lust for my life
Is this the end? – o chinês cantou, enquanto pegava sua camisa e colocava no corpo levemente bronzeado.
"– You were the love of my life
Darkness, the light
This is a portrait of the tortured you and I
Is this the, is this the, is this the end?" – sua amiga completou, pulando da cama para o chão e usando um pente como microfone.
– EI?! QUE BAGUNÇA É ESSA? – ouviram batidas na porta do quarto que dividiam.
– Ele sempre acaba com nosso show. – Lucas revirou os olhos.
– Ignora ele. Vem, continua cantando! – puxou o maior e eles começaram a dançar no meio do quarto, parecendo que dividiam o mesmo neurônio e convenhamos, era isso mesmo.
– Rafa, vão matar a gente. – Lucas falou e ela fez cara de tédio.
– Ten não é dois, a gente vence essa, será molezinha. – se gabou, indo até a porta e abrindo ela. – Ih, fodeu Lucas.
– O que está acontecendo aqui? Parece que está tendo uma rave? – Xiaojun estava possesso.
– Estávamos nos divertindo, apenas isso. É o 30 Seconds to Mars, Xiaojun. – a cacheada foi até Xiaojun, fazendo uma cara de "cão sem sono".
– Não caio mais nessa, Rafa. – empurrou ela para o lado.
– Sejam mais responsáveis, o café da manhã está na mesa. – Chittaphon saiu dali impaciente, indo em direção a cozinha.
– O que deu nele hoje? – ela terminou de arrumar os cabelos.
– O problema é tudo, Rafa. Tá geral desempregado, as coisas estão difíceis. – Xiaojun expôs sua frustração.
– País de mer…
– Não. – Lucas tapou a boca dela.
– Vamos sair dessa, mas não estava nos meus planos voltar para a China tão cedo. – Xiaojun fez uma carinha triste que era de partir o coração.
– Vamos sair dessa, eu prometo.
– Como, Rafa? Você foi a única que chegou mais perto de ficar rica e jogou a chance no lixo. – Xiaojun após dizer aquilo, saiu do quarto de Lucas e Rafa, descendo as escadas rapidamente.
– Ele está maluco?!
– Vamos logo, sabe que ele exagera as vezes. – Lucas tentou apaziguar os ânimos entre os amigos.
– Eu não vou falar nada. – ficou um tempo em silêncio, até que saiu correndo do quarto, indo tirar satisfação com Xiaojun.
– Finalmente! – Chittaphon havia acabado de colocar torradas em quatro pratos.
– O cheiro está delicioso. – Rafaela se aproximou dele.
– Obrigado, eu acabei de tomar banho. – Ten sorriu.
– Palhaço, não estou falando de você. – deixou os braços e o tailandês riu. – Enfim… você!
– Sai daqui, cupim! – Xiaojun fugiu dela.
– Qual o problema de gostar de pessoas mais velhas? – a jovem indagou confusa.
– Nenhum, mas tipo, você bem que podia ter mirado no avô em vez do neto. – aquele assunto iria render.
– O senhor Chang era um anjo, mas não houve nada entre nós. Nunca! – se defendeu.
– Não é você que curte sugar daddy? – Chittaphon perguntou confuso.
– Eu falo na brincadeira. Jamais ficaria com alguém pelo dinheiro da pessoa. – respondeu calma, sorvendo goles de café de sua xícara, servida segundos antes por Lucas.
– Isso é óbvio, você terminou com um herdeiro.
– Qual é, Ten? Hoje todo mundo tirou o dia pra me atacar? – ela ficou incrédula com aquele assunto àquela hora da manhã.
– Não. O pessoal está pensando na vida de luxo que teríamos se você ainda estivesse com o Kun.
– Lucas, não fala o nome dele. – ela pediu.
– Desculpa.
– O término de vocês foi a coisa mais estranha que eu vi. De uma hora pra outra ele acabou tudo e foi embora. – Xiaojun pensava no que de fato havia acontecido.
– Pra ser sincera, amigos, eu não ligo mais. Isso já faz dois anos, cada um seguiu seu rumo. – ela explicou como se aquela lembrança não fosse incômoda.
– Poderíamos estar bem, financeiramente falando. – Xiaojun falava sério, enquanto comia do seu café da manhã.
– Você é muito mercenário! – Rafaela apontou.
– E você lesada! – e mais uma vez, ela e Xiaojun começavam com um "arranca rabo".
– JÁ CHEGA!! – Lucas bateu na mesa, assustando todos ali. – Eu ainda não morava com vocês na época, mas acho errado esse posicionamento de vocês. A Rafa fez a escolha dela e mesmo que passemos por momentos difíceis, sei que vamos sair dessa. – Lucas deu um breve abraço na jovem, que retribuiu um selar na bochecha dele.
– Não vivemos de sonhos e belas palavras, Lucas. Apenas Chittaphon está trabalhando ultimamente, precisamos fazer alguma coisa o quanto antes. Meus pais não querem mais me ajudar. – Xiaojun revelou e Rafaela ficou chocada.
– Vou sair para entregar alguns currículos hoje. – ela tomou o restante do seu café.
– Não vai comer a torrada? – Ten perguntou.
– Estou de dieta e com pressa. – pegou sua mochila no armário e alguns papéis sobre uma mesinha próxima da porta da sala.
– Se você passar mal, te mato. – Xiaojun falou alto, para que ela pudesse ouvir.
– Está cismada de que quer perder peso, não adianta, ela não me escuta. – Lucas fazia o mesmo que ela, mas diferente, havia comido suas torradas.
– Me liguem se algo acontecer. – Chittaphon se levantou, pegando sua mochila e ajeitando sua camisa social.
– E vamos a luta! – Xiaojun terminou de comer, juntando as coisas para ir lavar e ser o próximo a sair em busca de emprego.na grande Nova York.
E essa era a realidade dos quatro amigos que movaram num sobrado pequeno no subúrbio de Nova York. Todos intercambistas que após concluir os estudos, decidiram continuar ali e ganhar suas vidas, mas acabou que não saiu como planejado.
Acabou que as portas se fecharam para eles, onde quer que fossem, nunca encontrava nada, nem mesmo "bicos". Era assustador a ideia de ter que desistir de tudo, mas não queriam se dar por vencidos.
Cada um saiu para um canto, entregando currículos, conversando com gerentes de empresa, mas nada vinha. Após horas na rua, Rafaela se sentou num banco qualquer de um parque e bebeu um pouco de água.
– Já está tarde. – pegou o celular e viu mensagens dos amigos no grupo onde eles estavam juntos.
"Hoje o movimento na loja está ótimo! Isso significa comissão gorda haha" – viu a mensagem de Ten.
"Consegui um emprego provisório numa boate, como bartender. " – Lucas mandou em seguida.
"O cartório me passou alguns serviços e irei ganhar uma quantia satisfatória. Glórias!" – por último foi Xiaojun.
"Ainda estou procurando por algo, nos falamos a noite. Beijos!" – respondeu aos amigos rapidamente.
– Isso é frustrante! – estava desanimada. Não tinha emprego e suas economias estavam quase esgotadas. Para piorar, seus amigos haviam tocado no assunto de seu antigo relacionamento.
Qian era de outra realidade, bem diferente da sua no caso. Eles tinham uma boa sintonia, mas um certo dia o rapaz surtou, discutiu feio e a acusou de tê-lo traído.
Após isso, eles decidiram nunca mais se falar e era isso que estava acontecendo, anos depois e ela ainda se perguntava como ele devia estar.
– Patético! – se colocou de pé, sentindo um pouco de fraqueza por não ter se alinenyado direito. – Céus!
Saiu caminhando em direção ao ponto de ônibus, já não tinha mais vontade de continuar a procurar emprego. Lembrar do ex já era ruim, mas passar mal e se sentir frustrada eram piores ainda.
Ficou no ponto de ônibus por pouco tempo e após pegar a condução, se sentou no fundo e foi embora enquanto ouvia uma playlist de lofi para se sentir mais calma.
Tudo se é difícil quando está crescendo, é tanta pressão e cobrança para que você seja o melhor e tudo que isso bagunça a cabeça dos jovens.
Ela era uma garota simples que conseguiu com muito esforço ir para fora do Brasil, isso deixou as pessoas que amava, orgulhosas. Mas sempre havia o maldito "mais". Ninguém lhe cobrava, mas lá no fundo ela sentia isso, que deveria morrer de tanto se esforçar para conseguir algo nessa vida.
Após alguns minutos de reflexão, ela finalmente estava próximo de casa. Caminhava pelas ruas em direção ao local onde morava, foi quando viu uma figura estranha parada na porta de sua casa.
Era um homem jovem e asiático. Ele trajava vestes caras e segurava uma maleta. Quando se aproximou dele, o rapaz se virou para ela e sorriu mínimo.
– Boa tarde. Pois não? – perguntou desconfiada.
– Você é Rafaela Moreira? – perguntou e ela aquiesceu. – Precioso conversar com você, é um assunto muito importante.
– Tudo bem. – abriu a porta de casa e deu passagem para o estranho.
– Você mora com mais alguém aqui? – ele perguntou e ela aquiesceu. – Me chamo Dong Sicheng e sou responsável de te entregar isso.
– O que é? – pegou o papel que havia no envelope, o abrindo em seguida e não acreditando no que havia ali.
– O senhor Qian faleceu faz três dias e eu fui encarregado de te noticiar. – na hora ela não acreditou nisso.
– Rafa, você não sabe da última! – Lucas entrou ali e viu aquele estranho. – Quem é você? – perguntou.
– Advogado.
– Lucas… o senhor Qian faleceu. – deixou os papéis caírem no chão, segurando o choro e tentando controlar seu nervosismo. – Ele está morto.
– Se acalme. – Lucas foi até ela, ajudando a amiga a se sentar no sofá.
– Tem mais. – Sicheng se mantinha impassível. – Você precisa viajar o quanto antes para resolver sobre o testamento.
– Testamento? – Rafaela e Lucas falaram em uníssono.
– Sim. Não posso dar muitos detalhes aqui, preciso que viaje para Xangai o quanto antes.
– Não, eu não vou. – cruzou os braços e seu amigo a abraçou de lado.
– Se não for, perderá sua parte da herança. – tirou um cartão do bolso do paletó. – Pense com calma, estarei esperando por uma resposta. Meus pêsames. – pegou sua mala e foi até a porta, se virando brevemente para ver a jovem que agora não controlava suas lágrimas.
– Esse que morreu, era o avô dele? Do Qian? – Lucas perguntou e ela aquiesceu com dificuldade. – Eu sinto muito!
– Ele me ajudou muito quando me mudei pra cá, ele era como um pai pra mim, mas após eu terminar com o Kun, acabamos nos afastando. Eu não devia ter feito isso, Lucas. Eu não mereço isso. – se referiu a possível herança.
– Você precisa ficar calma primeiro, depois pensa nisso. – afagou as tranças dela.
Ele ficou poucos minutos consolando a amiga, até que Xiaojun e Chittaphon chegaram juntos. Depois de uma breve explicação, os meninos disseram que a escolha dela seria a deles, que confiavam nela naquele momento.
Era mais complicado do que se imagina. Ela havia perdido alguém importante e agora, possivelmente, teria que rever alguém que foi importante em seu passado.
Naquele momento não queria pensar nisso, queria apenas um momento para se afogar em sua dor e fingir que seu mundo não estava virando de ponta cabeça novamente.
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