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História Hold me Tight - (Não há) razões para temer o amor - História escrita por KiitaT - Spirit Fanfics e Histórias
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História Hold me Tight - (Não há) razões para temer o amor


Escrita por: KiitaT

Notas do Autor


...Oi? Ainda tem alguém aqui? Alguém vivo, de preferência? Eu sei que a proximidade do comeback dos nossos meninos está matando muita gente, então né, é sempre bom perguntar. :v
OLAAAAAAAAAAAAR MEUS AMORES!! <3 Não, não é miragem. Você não tá sonhando, não se preocupe. Eu ainda existo, acredite ou não. q Enfim, vou nem comentar sobre a demora colossal porque todo mundo aqui já me conhece, mas eu disse que jamais abandonaria a fic, então cá estou eu pra cumprir minha promessa. Pode ser que eu tenha demorado mais de um mês pra terminar esse capítulo, pode ser que eu ainda não esteja 100% satisfeita, mas estou aqui. Morrendo de saudade de vocês. ♥
Porém, contudo, entretanto, antes de vocês começarem a devorar o capítulo, eu gostaria de tomar um cadinho das vossas atenções pra dar um aviso. Podemos dizer que o cap 51 marcou o início da segunda metade da fic, mas é a partir do próximo (54) que as coisas começam a esquentar realmente (cofcofarcoyoonseokcofcof). O problema nisso é: como eu já disse algumas vezes, eu comecei a escrever hmt meio no feeling, sem muito (ou quase nenhum) planejamento; esse tipo de abordagem estava dando certo até certo ponto, esse ponto sendo a minha falta de tempo/motivação pra escrever, que consequentemente me fez perder o fio da meada e esquecer de coisas que eu pretendia colocar no caminho. Não me levem a mal, eu ainda sei onde quero chegar com essa história, mas o caminho pra chegar até o final ainda é incerto. Dito isso, eu gostaria de vos informar que a partir de agora, tomarei um tempo pra reler tudo que já escrevi até aqui e planejar com cuidado os capítulos futuros, de modo a não criar uma história sem pé nem cabeça e cheia de furos. Sim, vocês vão ter que esperar pelo próximo capítulo (não mais do que já estão acostumados, espero eu), mas prometo que a espera vai valer e MUITO a pena. Peço encarecidamente pela compreensão de vocês, sua paciência e confiança. Até agora só tenho a agradecer pelos leitores maravilhosos que vocês são, e acredito que isso não vá mudar nunca. ♥
Ah! Falando nisso, ainda não consigo acreditar que no tempo em que estive fora essa fic conseguiu mais de 3 mil favoritos! Nem nos meus sonhos mais loucos eu esperava que hmt fosse alcançar números tão grandes. Eu gostaria de agradecer a cada um de vocês que leem minha história, favoritam e comentam. De coração. Vocês são o motivo de eu perseverar por mais de dois anos com hmt, mesmo com todos as crises de bad e empecilhos que a faculdade cria. Muito obrigada mesmo, eu não seria ninguém sem vocês. <333333 Aliás, eu sei que tô alguns meses atrasadas e tal, mas feliz dois anos de hmt! Eu postei um negócio bonitinho no Twitter no dia (@Raaah_chan, quem quiser pode me chamar lá ;v), mas sei que nem todo mundo viu e acho que devia mencionar aqui também. Espero que continuemos juntos por muitos anos ainda. ♥ (no ritmo que eu tô escrevendo, tenho certeza que sim..............)
ANYWAYS~ sem mais delongas porque eu sou chata pra cacete and i know it, boa leitura!

Capítulo 53 - (Não há) razões para temer o amor


Fanfic / Fanfiction Hold me Tight - (Não há) razões para temer o amor

- Taehyung POV -

O Enforcado era um bar simples, localizado numa das partes mais precárias da cidade. Era verdade que o estabelecimento poderia se beneficiar com um pouco de manutenção e cuidado, visto que o piso de madeira envelhecido pelo tempo fedia a vômito e urina não importava quantas vezes o esfregasse com os produtos de limpeza mais eficientes do mercado, me fazendo crer que aquele cheiro tão repulsivo e característico já fazia parte do local, sem contar os banheiros que mereciam uma reforma há pelo menos cinco anos – ou ainda a falta de empregados que poderiam aliviar minha carga de trabalho, deixando-me encarregado não só das bebidas, mas também da limpeza e da segurança, caso alguém ultrapassasse seu limite alcoólico e começasse a causar problemas.

Eu tinha que admitir que aquele poderia não ser o emprego ideal, mas sinceramente não tinha do que reclamar quando chegava ao bar toda noite para encontrar mesas cheias de rostos agora já familiares, amigos que se reuniam com garrafas – seja de soju ou cerveja – nas mãos e inundavam o recinto com histórias e risadas. O bar era como um porto seguro para aquelas pobres almas – um porto seguro que fedia a vômito e urina, sim, mas um porto seguro de qualquer maneira. Pelo menos os clientes pareciam estar suficientemente bêbados para esse pequeno detalhe passar despercebido; eu já era imune a essa altura, a ponto de achar que o distinto odor só acrescentava ao charme do local.

A ideia de um bar cheio poderia afugentar a maioria das pessoas, principalmente quando boa parte de seus frequentadores não valiam sequer o copo em que tomavam seus respectivos venenos, mas sendo o ser social que era, aquele ambiente era estranhamente aconchegante pra mim. Dentro de pouco tempo trabalhar durante a madrugada não era mais cansativo, mas sim uma forma de recarregar as energias. Poder conhecer pessoas novas e ouvir suas histórias todas as noites, era aquilo que procurava no emprego dos sonhos. O fato da clientela ter dobrado poucas semanas depois que assumi no lugar do ahjussi que cuidou do bar por tanto tempo ainda me causava um orgulho enorme, por motivos cuja origem ainda era desconhecida por mim. Boatos de que clientes antigos e fiéis só tinham elogios para o garoto novo e sua capacidade de manter os ânimos apaziguados mesmo dentre os piores e mais perigosos elementos com seu riso fácil e personalidade ensolarada só alimentavam esse sentimento de orgulho sem explicação.

Esta noite não era diferente – mais uma vez, O Enforcado estava cheio de vida: o burburinho de conversas e eventuais risadas nas mesas somadas às piadas e provocações vulgares direcionadas a quem quer que estivesse dando a tacada da vez dentre o grupo de amigos que se reunia ao redor da única mesa de sinuca conferia ao recinto uma normalidade que era inesperada quando sabia-se que a maioria ali possuía uma índole no mínimo duvidosa, mas bem-vinda quando embalada pelas canções do artista novato que decidira fazer um nome para si no bar mais desprezado da cidade munido com sua voz suave e acompanhado por seu fiel violão. Eu não lembrava seu nome, mas peguei-me apreciando o show íntimo que dava no pequeno palco durante os intervalos que tinha entre uma bebida e outra que precisava servir.

O cantor estava no meio do cover de uma das músicas do aclamado Zion.T por pedido de um dos clientes quando ouvi o leve tintilar do sino acima da porta da frente, o som pequeno e abafado por todo o ruído presente no recinto, mas indiscutivelmente anunciando a chegada de um novo cliente em busca de álcool. Com um sorriso caloroso estampado na face, pausei no ato de lustrar um dos copos baixos e gordos de uísque com um pano para desejar boas-vindas ao recém-chegado, pego de surpresa pela familiaridade de cabelos loiros e pele pálida acompanhados por um par de olhos negros e afiados que definitivamente não esperava encontrar, mas recebi com um sorriso ainda mais intenso do que antes.

- Suga-hyung! – exclamei, alto o suficiente para ser ouvido sobre a música e o ruído constante de conversas animadas ao nosso redor, acenando mesmo que já tivesse sua atenção. – Há quanto tempo não te vejo por aqui. Por acaso se esqueceu do seu barman favorito?

Assisti o mais velho falhar terrivelmente numa tentativa de esconder o próprio sorriso, boca imediatamente comprimida numa fina linha enquanto construía uma fachada de indiferença para usar no rosto, mas o leve espasmo causado em seus músculos faciais ao permitir que o canto dos lábios fossem brevemente puxados para cima não me enganava. Suga não me respondeu de imediato, esperando até que estivesse mais próximo para ser ouvido sobre o barulho sem precisar elevar o tom como eu fizera, apossando-se de uma das poucas banquetas desocupadas que rodeavam o balcão que delimitava o bar propriamente dito e tomando seu tempo para avaliar o cenário ao redor antes de finalmente me dar sua total atenção. – Nah, eu só tenho estado bastante ocupado ultimamente. Sem tempo a perder.

- Problemas com o trabalho? – indaguei, mais como forma de manter a conversa fluindo, mas não sem um tom de genuína preocupação sob a pergunta aparentemente despretensiosa. Na linha de trabalho do outro, um problema nunca era apenas um problema.

- Problemas com o trabalho. – assentiu com um aceno da cabeça seguido de um suspiro pesado, soando, assim como parecendo, mais cansado do que nunca. Franzi o cenho, sentindo minha preocupação dobrar enquanto avaliava a postura de ombros caídos e cabeça baixa do loiro. Jimin não costumava me dizer muitas coisas sobre o “trabalho” de Suga, e pra falar a verdade eu tinha minhas dúvidas de que até ele não sabia de todos os detalhes sórdidos. Ver o loiro daquela maneira só servia para plantar questões em minha cabeça que, pelo bem maior, era melhor continuarem sem resposta.

- Sinto muito em ouvir isso. – era provável que Suga não quisesse minha simpatia, mas por algum motivo eu sentia que ele precisava de um ombro amigo no momento. Talvez fosse o modo como sua voz soava, ou alguma coisa na sua expressão facial que o denunciava. De qualquer modo, o mínimo que poderia lhe oferecer era um sorriso que esperava ser tão reconfortante quanto pretendia. – Espero que tenha conseguido relaxar um pouco com Jimin aquele dia. Fiquei tão surpreso ao sair para o trabalho e te ver na nossa porta. Me perdoe por não ter ficado para te fazer companhia enquanto você o esperava, mas eu estava realmente atrasado.

- Não se preocupe com isso garoto, não queria te atrapalhar de todo jeito. Pelo menos você estava lá pra me deixar entrar, definitivamente foi melhor esperar no sofá confortável de vocês do que em pé no corredor. – devolveu com um sorriso de canto, sua expressão suavizando consideravelmente com a mera menção de Jimin. Oh, mas esse hyung estava tão obviamente apaixonado; seria trágico se não fosse tão adorável.

- Que bom que pude ser útil. – brinquei, de repente me lembrando que o loiro não estava ali como uma visita casual, mas sim como um cliente. – Agora, me diga: o que vai querer beber?

- Só uma garrafa de soju já basta. Preciso estar sóbrio para as coisas que pretendo fazer esta noite. – respondeu enquanto tirava a carteira do bolso traseiro, separando a quantidade exata de notas para pagar a bebida e deixando-as sobre o balcão, o preço já gravado em sua memória a essa altura. Eu não sabia se havia interpretado corretamente o tom de voz que usara para mencionar as “coisas” que tinha pra fazer mais tarde, mas julgando pelo sorriso contido que vi puxar seus lábios somado ao conhecimento prévio que eu tinha sobre Jimin ir à sua casa depois do expediente, poderia facilmente assumir que Suga quis de fato dizer o que eu achava que queria dizer.

- Ok... Uma garrafa de soju saindo! – exclamei com uma animação exagerada, esperando justificar o sorriso estúpido que tinha no rosto e encobrir a risada que ameaçava escapar a qualquer momento. – Aqui está, hyung. – após tirar uma das garrafas verdes do frigobar escondido embaixo do balcão, coloquei-a diante do mais velho juntamente com um pequeno copo de vidro e recolhi o dinheiro, movendo-me para depositá-lo na caixa registradora. – Se precisar de mais alguma coisa é só me chamar.

Suga acenou brevemente com a cabeça como forma de dizer que assim o faria caso fosse necessário, ignorando completamente o copo que deixei à sua disposição em favor de pegar a garrafa e mudar de assento para um lugar mais estratégico, preferindo a banqueta que havia acabado de ser desocupada e que o escondia da vista da maioria dos clientes do bar. O observei por mais alguns segundos, tentando entender o que o levara a vir beber sozinho nessa pocilga em que trabalhava, mas logo fui distraído de meus devaneios pelo chamado de outro recém-chegado, deste modo recordando-me que ainda estava no meio do turno e não tinha tempo para desvendar os mistérios que se passavam na cabeça do loiro.

Eu tinha o costume de perder completamente a noção do tempo quando estava trabalhando, mas devia ter servido pelo menos outros seis clientes antes de ouvir novamente a voz baixa e rouca que atraiu minha atenção para Suga de imediato.

- Hey, Taehyung.

- Sim, hyung? Gostaria de mais uma bebida? – indaguei ao notar que a garrafa que tinha em mãos já estava quase no fim, o pouco líquido que restava girando gentilmente dentro do seu confinamento de vidro, consequência do movimento inconsciente que Suga fazia com o pulso, absorto em seus próprios pensamentos.

- O quê? – Suga piscou os olhos, só agora parecendo acordar de seus devaneios. – Não, estou bem. Eu queria—hm, queria te fazer uma pergunta. – a breve pausa que fez antes de completar a frase me fez perceber o quão nervoso Suga parecia estar. De repente a inquietação de suas mãos não pareciam mais ser fruto de mero tédio ou concentração, mas de outra coisa completamente diferente. O quê, exatamente, eu não sabia dizer.

- Oh, okay. – soltei de maneira um pouco estúpida, pego de surpresa pela subitaneidade do pedido, piscando olhos curiosos que Suga fazia de tudo para evitar. – Manda.

O loiro abriu a boca para falar, mas fechou-a logo em seguida como se não soubesse como frasear o que tinha em mente. Esse jogo de abre-e-fecha prosseguiu por alguns segundos, terminando com Suga enchendo as bochechas de ar e exalando tudo numa lufada frustrada. Enquanto via seu esforço para encontrar as palavras certas, abri um pequeno sorriso encorajador conforme aguardava em silêncio até que ele finalmente vocalizasse seus pensamentos, aparentemente jogando cautela pela janela e soltando sua dúvida da única maneira que podia. – Você já se deparou com uma situação em que sabia que precisava dizer alguma coisa, mas não sabia como?

- Tipo agora? – brinquei, mas Suga só fez uma careta desconcertada e balançou a cabeça em negação, murmurando algo como “não, não desse jeito”. – Hm? Não sei se entendi o que quer dizer, hyung. Talvez você pudesse me dar algum contexto?

- Aish... – Suga bufou mais uma vez, usando a mão que não estava ocupada com a garrafa para despentear a franja com os dedos e bagunçá-la por completo enquanto resmungava irritado coisas ininteligíveis. – Ok, tipo... Tipo quando você gosta de uma pessoa, e realmente gostaria de dizer isso a ela, mas não consegue? Por medo ou... porque simplesmente não pode?

- Oh... Sim. Sim, já me deparei com situações como essa. – admiti, minha voz e expressão facial adquirindo um tom forçosamente neutro enquanto me recordava das várias noites que passei em claro pensando em questões bastante semelhantes à essa.

- E o que você faz para sair de situações assim? – a expressão que Suga tinha no rosto agora era uma que jamais havia visto estampá-lo antes. Seu cenho franzido e orelhas coradas me diziam o quão difícil para ele era superar o embaraço de reconhecer suas incertezas e pedir por ajuda, mas seus olhos denunciavam o quão desesperado estava por ela. Eu não sabia aonde ele queria chegar com esse assunto de repente, mas a única certeza que tinha era que devia levá-lo a sério.

- Sair como? Quer dizer, evitar o assunto ou... o quê, está me perguntando como confessar seus sentimentos? – aproveitei a oportunidade que tinha para me aproximar do loiro, visto que nenhum dos clientes precisava da minha atenção imediata, posicionando-me frente a banqueta que ocupava e apoiando os cotovelos sobre o balcão a fim de ter uma conversa mais íntima consigo. Tudo que recebi em resposta foi um tímido aceno da cabeça. – Bem... – pausei, franzindo o cenho conforme pensava no assunto. – Acho que tudo depende da natureza do seu medo, não? Você sente medo de ser rejeitado ou talvez—outra coisa?

- Não, não é isso. Espere—quem disse que estava falando sobre mim...? – a única reação que tive para seu questionamento era uma sobrancelha erguida. Uma única sobrancelha erguida e bastante julgadora, que parecia dizer “a quem você está querendo enganar, exatamente?”. Pelo menos Suga pareceu perceber a estupidez da pergunta, pois bastou um olhar na minha direção para que desviasse os olhos para outro lugar. Em seguida suspirou. Engoliu em seco. Tentou mais uma vez. – Ok, façamos o seguinte. Vamos supor que existe esse cara, sabe, que gosta de uma pessoa, gosta muito mesmo. E ele sabe que o sentimento é recíproco, porque a pessoa já declarou seu amor. Quer dizer, eu acho. Mais ou menos. – logo a segunda sobrancelha se juntou à primeira, tamanha era a minha descrença com aquilo que estava ouvindo. Suga pigarreou, nervoso. – Aish, tanto faz. Pelo bem dessa situação completamente hipotética, vamos dizer que a pessoa que o cara gosta se confessou. Mas ele não consegue dizer as palavras, não importa o quanto tente. Então, dito isso... o que ele deve fazer?

- Tudo bem, vamos brincar de faz-de-conta por um tempinho. – cedi, ignorando totalmente a carranca que passou a estampar o rosto do mais velho com minha escolha de palavras. – Se eu fosse esse cara, se gostasse de alguém e não conseguisse dizer porque—por quê? – indaguei de repente, genuinamente curioso. Qual era a raiz do problema afinal? – Vamos hyung, me ajude aqui. Me dê algo com o que trabalhar.

- Ahn... p-porque... – gaguejou, como se não esperasse ser questionado dessa maneira. Suga permaneceu em silêncio por alguns instantes, mas não sabia se era para escolher as palavras certas ou se para vasculhar sua mente atrás de uma razão plausível. – Porque ele não é merecedor de tal amor. – disse por fim, com voz e cabeça baixas, olhos fixos no balcão entre nós. Meus próprios olhos o encaravam, notando o modo como tornava a mexer na garrafa com mãos nervosas, como sua franja loira de raízes negras e um tanto longa lhe caía sobre os olhos, efetivamente escondendo-os da minha visão; pisquei, uma, duas vezes. E então disse a primeira coisa que me veio à mente com a voz mais neutra que conseguia fazer.

- Que idiotice. Essa é a pior desculpa que já ouvi em toda a minha vida.

- Ei! Leve meus sentim—quer dizer, leve os sentimentos dele mais a sério! É rude julgar uma dor que não é sua. – Suga imediatamente partiu em sua defesa, erguendo a cabeça tão rápido que pensei ter ouvido um estalo. Chegava a ser engraçado o modo como insistia em acreditar que ambos não sabíamos exatamente de quem falava. Agora não eram só suas orelhas que estavam rubras, pois a cor pareceu ter escorregado para as bochechas também, mas seu olhar ainda era intimidador o bastante para me impedir de rir e apertar uma dessas mesmas bochechas rosadas entre os dedos, ou pior—revirar os olhos completamente exasperado.

- Me desculpe, mas só estou dizendo a verdade. Todo mundo merece receber amor, sem exceções. Se esse é o único motivo em que consegue pensar, então sinto que esse cara só está arranjando desculpas esfarrapadas. Não sou eu que faço as regras. – dei de ombros da maneira mais indiferente que me atrevia sem correr o risco de ofendê-lo ainda mais e potencialmente levar um cascudo na cabeça. Suga não parecia satisfeito, mantendo sua carranca indignada plantada firme no rosto, mas também não disse mais nada, então aproveitei a oportunidade para continuar. – Agora, vou perguntar de novo: por que ele não consegue dizer o que sente?

- Tá bem, escute: esse cara pode ou não estar envolvido com umas merdas bem perigosas, e pode ou não ter muitas pessoas caçando sua cabeça. Então, talvez, se ele se confessar e tornar o relacionamento que tem com a pessoa que gosta... sei lá, oficial ou algo do tipo, talvez... – por um segundo parecia que o loiro deixaria a frase incompleta, seu rosto contorcido numa careta como se o que se passava na sua mente lhe causasse dor, mas então respirou fundo e tentou mais uma vez. – Talvez com isso ele esteja colocando um alvo permanente nas costas dessa pessoa, entende?

- Hyung, pare de mentir pra si mesmo. Eu sei que estamos falando do seu relacionamento com Jiminie. – fui curto e grosso, optando por acabar com a brincadeira e ir direto ao assunto, suspirando ao ver sua expressão dolorida. – Estou cansado de falar através de suposições, hipóteses e indiretas, então direi isso o mais diretamente possível na esperança que você entenda de uma vez por todas: Jimin já tem um alvo nas costas, quer você goste disso ou não. Ou por acaso já esqueceu o que aconteceu com ele? Porque eu não esqueci, mesmo depois de tanto tempo. – relembrar o maldito dia em que um dos membros da gangue rival havia colocado suas garras em Jimin era golpe baixo, eu sabia; isso só se confirmava com a reação do mais velho, seu rosto demonstrando exatamente o quanto aquela memória ainda o machucava. Não era como se eu não sentisse pena por ele, mas certas verdades precisavam ser ditas e, às vezes, certas feridas precisavam ser reabertas para só então poder cicatrizar por completo. – Aquilo foi uma experiência traumática para todos nós, e sim, parte de mim odeia você por tê-lo envolvido nas suas merdas, e uma parte ainda pior odeia a mim mesmo por ter dito a Jimin onde te encontrar depois que você salvou sua vida, porque talvez se eu não tivesse me envolvido nada disso teria acontecido, mas agora não há mais nada que possamos fazer. Já é tarde demais pra tomar precauções.

Certas verdades precisavam ser ditas, mas ainda assim eu deixei de fora a certeza de que mesmo que não tivesse me envolvido, mesmo que tivesse me recusado a ajudar Jimin em sua busca pelo infame Suga, meu melhor amigo ainda daria um jeito de encontrar seu salvador sozinho. Era difícil de acreditar, ainda mais difícil admitir, mas a relação que os dois tinham parecia ter sido traçada muito antes de sequer se conhecerem.

- O que diabos está falando, é claro que não esqueci. – Suga cuspiu com pura raiva no olhar, encarando-me de um modo como se eu o tivesse ofendido como ninguém antes e ignorando o restante da minha fala; se era de propósito ou se a raiva era tamanha que o deixara temporariamente surdo não saberia dizer. – Eu não sei se sabe, mas tenho uma cicatriz para me lembrar do que aconteceu pro resto da vida, e mesmo que não a tivesse—não faria diferença. – por fim o loiro desviou o olhar, focando suas orbes em algum ponto imaginário à sua direita e respirando fundo para tentar se acalmar um pouco. Quando ouvi sua voz novamente, ela não passava de um sussurro. – Nunca serei capaz de apagar a imagem de Jimin naquele estado da minha mente.

Nem eu, pensei, sentindo um gosto amargo na boca. Nem eu.

- Então qual é o problema? – resolvi perguntar ao invés de vocalizar meus pensamentos, afinal nenhum de nós dois se beneficiaria se esse assunto se estendesse mais do que o necessário. –Por que não consegue dizer o que sente, hyung? – insisti, ainda em busca da resposta que queria ouvir. Eu sabia que Suga tinha um motivo real e concreto para sua hesitação além das desculpas que estava futilmente me dando, talvez pensando que eu fosse estúpido o bastante para engolir, ou talvez para poupar a si próprio da realidade; se fosse esse o caso, se Suga de fato temia encarar a raiz de seu medo, então talvez eu pudesse ajudá-lo a enxergar isso de alguma forma. Num momento de clareza resolvi mudar minha estratégia, aliviando um pouco da tensão que se instalara no ambiente com um sorriso encorajador e uma voz muito mais leve e brincalhona, em parte porque não gostava de criar conflitos e em parte porque havia acabado de descobrir que detestava a expressão de pesar que via em seu rosto. – São apenas três palavras, e nem são grandes ou complicadas de dizer. Você pode treinar comigo, se quiser. Finja que eu sou o Jimin e diga: Jiminie, eu amo v—

- Eu não sei! – explodiu de repente, o tom elevado de sua voz atraindo os olhares de alguns clientes curiosos antes que o loiro se desse conta do próprio arredor e se forçasse a abaixar o tom mais uma vez. Com ele, Suga abaixou também a cabeça, encarando as mãos que tinha fechadas em punho sobre o balcão, a garrafa de soju esquecida ao lado. – Eu não sei o porquê, tá bem? Só sei que não consigo formar as palavras, não na frente dele. Às vezes eu as tenho na ponta da língua, mas elas se recusam a sair e sou obrigado a engolir o nó na garganta depois. –pausou, levando uma das mãos à testa e respirando fundo. Após alguns segundos do mais absoluto silêncio, uma risada curta, seca e desprovida de graça escapou de seus lábios, de maneira quase autodepreciativa. – Isso vai soar falso e clichê pra caralho, e você pode não acreditar em mim, mas eu não fui criado num ambiente saudável, não fui criado com amor. Eu aprendi a ser forte e indiferente aos sentimentos alheios, ou aparentar ser, pelo menos, para sobreviver no mundo frio e cruel em que cresci. Ninguém me ensinou a lidar com emoções, muito menos expressá-las. – sua fala foi pontuada com mais uma risada sem vida, e quando seus olhos tornaram a encontrar os meus, tudo que pude identificar naquelas orbes negras foi a mais pura e desesperadora resignação. Como se ele já tivesse desistido de tentar entender o que sentia, e porquê. – Até Jimin entrar na minha vida eu nunca havia sentido nada igual, então realmente não sei o que fazer. Estou perdido, Taehyung-ah. Eu sei que estava criando desculpas antes, e provavelmente você ainda pensa que estou criando desculpas agora, mas a verdade é que não tenho motivo para sentir medo. Não tenho motivo algum, mas eu sinto.

Após sua explosão repentina, ainda perplexo por ter sido calado tão efetivamente, aguardei em silêncio por mais alguns instantes para o caso de Suga ainda não ter acabado de dizer o que tanto precisava dizer. Quando ficou claro que o outro não iria acrescentar mais nada, tão calado quanto eu enquanto mantinha o olhar fixo nas próprias mãos, essas que agora tremiam levemente com o esforço que fazia ao fechá-las e deixava as juntas dos dedos brancos devido à falta de fluxo sanguíneo, soltei o ar que tinha preso nos pulmões com um suspiro fraco e me dirigi ao frigobar mais uma vez, tirando de lá outra garrafa esverdeada, abrindo-a e deixando-a frente ao loiro sem uma palavra sequer. Ao notar a bebida que não tinha pedido diante de si, Suga finalmente ergueu o olhar e com ele uma sobrancelha curiosa, questionando meu pequeno ato. Assim que tinha seus olhos sobre mim, o incentivei a pegar a garrafa com um aceno da cabeça e sorri. – Eu te entendo.

- O quê? – a pergunta estupefata foi a primeira coisa que saiu de seus lábios, agora entreabertos de uma maneira que complementava os olhos arregalados de surpresa. Frente a uma expressão tão cômica quanto essa, não pude deixar de soltar um risinho baixo, mantendo o sorriso firme no rosto enquanto apoiava o queixo numa das mãos e o analisava cuidadosamente.

- Não foi você quem disse que era rude julgar uma dor que não é sua? Pois bem, eu não te julgo. Não mais. – anunciei, tomando orgulho no modo como a expressão perplexa de Suga parecia se intensificar ainda mais. – Nem sempre o medo precisa de um motivo lógico e racional pra existir. Fobias existem por um motivo, afinal. Eu só estou feliz em ver que você finalmente parou de mentir pra si mesmo. Reconhecer e aceitar o seu medo pelo o que é já é um passo na direção da superação. – concluí com convicção na voz, endireitando a coluna, cruzando os braços na altura do peito e acenando positivamente com a cabeça tanto como forma de ênfase assim como forma de passar a falsa impressão de profissionalismo. Eu gostava de parecer alguém que sabia do que estava falando ao dar conselhos.

- Como... Como sabe disso? – Suga perguntou um pouco hesitante, não como alguém que duvida do que está ouvindo, mas como alguém que tem esperanças de que seja verdade.

- Eu sou fascinado pelo cérebro humano. Psicologia era minha primeira opção de curso quando fiz os exames pra ingressar na faculdade, mas infelizmente não fui dedicado o bastante nos estudos para passar, então tive que me contentar com a segunda melhor opção. – contei, dando de ombros. Biologia também não era tão ruim, pelo menos não no começo. Mas para alguém que amava passar as noites em bares e boates, Filosofia era um curso um pouco mais fácil de manter. – E não se esqueça que trabalho num bar. Eu ouço muitos problemas semelhantes de outros clientes que sirvo. Essa espelunca é quase um consultório, se parar pra pensar.

- É, acho que sim. – o loiro concordou, rindo baixinho. Fiquei feliz por notar que sua risada havia recuperado a graça mais uma vez. – Mas acho que pra ser um consultório de verdade você precisa decorar um pouco mais. Um sofá não faria mal. Eu realmente gostaria de me deitar um pouco. – brincou com tom atrevido enquanto corria olhos julgadores pelo recinto, desdenhando a decoração atual—ou melhor, a falta dela.

- Não se preocupe, vou anotar suas sugestões e direcioná-las ao meu chefe assim que puder. Quem sabe seus desejos são atendidos, hm? – sugeri com um sorriso, contente pela nossa conversa ter retomado caminhos mais descontraídos e brincalhões. Era verdade que nós dois não éramos tão próximos, não tanto quanto gostaria que fôssemos, principalmente por Suga ser tão reservado com sua vida pessoal e não permitir que qualquer um ultrapassasse a muralha defensiva que havia construído ao redor de si, mas eu gostava de pensar que estava avançando aos poucos, escalando uma pedra por vez, e que em breve poderia ver o que havia escondido do outro lado.

- Isso seria ótimo. – devolveu com um sorriso que não se deu ao trabalho de esconder dessa vez, pegando-me de surpresa com a doçura e a pitada de afeto que vi estampados em sua face por um momento. O topo da muralha estava próximo, eu podia sentir. Infelizmente não tive oportunidade de comentar nada, pois logo mais um cliente aproximou-se do balcão, exigindo minha atenção absoluta. Mantive-me ocupado por um tempo, tempo esse que Suga usou para esvaziar sua segunda garrafa de soju. Só quando não havia mais ninguém nas proximidades exigindo outra dose de álcool para embriagar-se foi que ouvi sua mais uma vez, ainda que parecesse mais estar pensando alto consigo mesmo do que me adereçando especificamente. – Kim Taehyung... quem poderia adivinhar que você seria um conselheiro tão bom.

- Não tenho certeza se esse comentário tinha a intenção de elogiar ou ofender, mas vou ignorar o leve tom de veneno que posso ouvir na sua voz e encarar suas palavras como um elogio. – anunciei alto o bastante para ser ouvido do outro lado do balcão. O bar não estava mais tão barulhento quanto antes, uma vez que o músico havia encerrado o show alguns minutos atrás, mas as conversas não cessariam tão cedo e pra piorar eu ainda estava de costas para o loiro, ocupando-me na pia enquanto terminava de lavar alguns copos.

- Por mim tudo bem. O que te fizer dormir melhor a noite. – virei-me a tempo de vê-lo encolher os ombros com um sorriso torto nos lábios, e me arrependi imensamente de tê-lo feito. Aproximei-me com passos duros e olhos semicerrados numa careta de falsa ofensa, sem o dignar com uma resposta enquanto pegava ambas as garrafas vazias que o loiro tinha a sua frente a fim de despejá-las na lixeira separada para reciclagem de objetos de vidro, para só então voltar-me em sua direção definitivamente, cruzando os braços na altura do peito com uma postura hostil, parecendo mais ofendido do que nunca.

- Ah, se os papéis fossem invertidos... eu não pensaria duas vezes antes de te dar um cascudo na cabeça por ser tão pentelho, Suga-hyung. – ameacei, esperando que minha expressão fosse intimidadora o bastante.

- Vai sonhando, garoto. – replicou com o mesmo sorriso convencido no rosto, sem demonstrar o menor indício de medo ao estender o braço de repente para me dar um peteleco na testa. O golpe fora leve; minha reação de susto se devia mais à sua espontaneidade do que força, mas ainda assim o peteleco servia bem ao seu propósito de estabelecer a clara dominância do hyung sobre o dongsaeng. Ah, como era injusta essa vida, pensei amargamente. Eu estava massageando o local atingido com um bico colossal nos lábios quando peguei o mais velho desviando os olhos e, mais estranhamente ainda, corando. – Hm, eu acabei de perceber que você ainda insiste em me chamar de Suga. Mas você—você não precisa. Pode me chamar de Yoongi, se quiser.

- ...O quê?! Sério? Posso mesmo? – não consegui esconder minha surpresa ao ouvir aquela sugestão feita de maneira tão tímida, meu tom elevado e olhos arregalados mostrando exatamente o quão surpreso estava. Minha pergunta na verdade era bastante retórica, feita apenas porque queria confirmar que havia ouvido corretamente. Eu nem mesmo sabia o que fazer com aquela informação. Claro, eu já tinha conhecimento do nome verdadeiro do gângster pois ouvi Jimin utilizá-lo diversas vezes, mas sempre pensei que estaria ultrapassando algum limite se me desse a liberdade de fazer o mesmo sem sua autorização. Agora que a tinha, não sabia se ria com o excitamento de finalmente ter alcançado o topo da muralha, ou se chorava emocionado por começar a vê-la ruir diante de meus olhos. – Woah—hyung, que honra. Eu sempre achei que Jiminie era o único autorizado a te chamar assim. Não sei nem o que dizer.

- Yah, moleque, não me olhe desse jeito. – ralhou depois de espiar brevemente que tipo de expressão eu tinha no rosto, e só então notei que estava muito mais próximo das lágrimas do que do riso, embora ainda tivesse vontade de fazer ambos. – Você pode me chamar de Yoongi, ou não, tanto faz. Não faça parecer como se meu nome fosse mais importante do que é. Como você me chama não importa, é só um nome, garoto. – retrucou a contragosto, voltando a evitar meus olhos a todo custo com as bochechas ainda mais rubras do que estavam inicialmente, se é que era possível.

Eu não sabia que o mais velho poderia ser tão adorável quando embaraçado. Se soubesse teria me esforçado para envergonhá-lo mais vezes.

- É, eu sei disso. Ainda assim é bem importante pra mim. Obrigado. – sorri, um sorriso de genuína gratidão que esperava ser capaz de expressar exatamente como me sentia. – Eu realmente agradeço, mas acho que ainda vou te chamar de Suga-hyung, se não se importa. Já me acostumei. Além do mais, não sei se Jiminie gostaria de ouvir outra pessoa chamando seu precioso Yoongi-hyung da mesma maneira. – brinquei ao ver o rubor de sua face se intensificar. – Mas—se me permite, eu gostaria de dizer seu nome pelo menos uma vez... Yoongi-hyung.

Eu tinha que admitir: a maneira como seu nome rolava da minha língua e soava em minha voz era no mínimo diferente. Estranho talvez fosse uma palavra que descreveria melhor. Bizarro até. A vontade de me encolher e esconder era maior do que esperava, então não pude evitar de tampar meu rosto com as mãos, escondendo uma risada envergonhada nas palmas. O mais cômico nisso tudo – ou trágico, dependendo do ponto de vista – era que, embora minha intenção tenha sido deixar Yoongi embaraçado, quem saiu realmente afetado fui eu.

- Não abuse, hm? – disse em tom de provocação, sem dúvida achando graça da minha tormenta enquanto esticava o braço mais uma vez para bagunçar meus cabelos com os dedos. Eu sabia que teoricamente deveria agir como se estivesse irritado, mas não conseguia esconder minha satisfação ao fechar os olhos e abrir um pequeno sorriso com bochechas ainda rosadas, chegando ao extremo de abaixar a cabeça para receber mais carinho. Ouvi Yoongi soltar uma risada baixa e dar leves tapinhas no topo da minha cabeça como um dono faz com seu cão, retirando a mão logo em seguida para checar o celular que tinha acabado de notificá-lo sobre uma nova mensagem no KakaoTalk. – Enfim, tenho que ir agora. Eu só vim pra cá pra matar o tempo enquanto espero Jimin sair do trabalho. Estou indo buscá-lo. – observei o loiro guardar o aparelho e checar seus pertences com um sorriso compreensivo e inocente, como se não soubesse exatamente porque ele tinha vindo pra esse bar em específico; definitivamente não era apenas para “matar o tempo”, como ele gostava de acreditar. – Ele vai dormir na minha casa hoje, então não espere encontrá-lo até amanhã de manhã.

- Eu sei, Jimin já me disse e eu já o provoquei muito por isso. Dirija com cuidado. Usem camisinha. – despedi-me com uma expressão de falsa inocência no rosto, piscando um olho de maneira igualmente sabida e provocativa quando Yoongi virou olhos escandalizados e bochechas mais uma vez vermelhas como tomates na minha direção. – E, por favor, pense no que conversamos. Você precisa decidir se realmente vale a pena se render ao medo e continuar as coisas como estão, ou se pretende dar o próximo passo em algum momento. Eu sei que você o ama, qualquer um que possui um par de olhos que funcionem pode ver isso, mas Jimin é o tipo de pessoa que ama pequenos lembretes diários de afeto. Ele adoraria ouvir você dizer as palavras. Vai por mim, eu conheço meu Jiminie. Apenas diga logo. – encorajei-o com um sorriso, satisfeito por notar que minhas palavras de fato alcançaram o alvo ao ver a expressão concentrada no rosto do loiro. – Ah, e hyung—se você acabar fodendo tudo, ou machucar meu melhor amigo de alguma maneira, eu vou cortar suas bolas e te servir com uísque no lugar do gelo. Não mexa comigo.

Era visível o quanto minha ameaça o pegara desprevenido; por um momento Yoongi viu-se paralisado e estupefato, piscando olhos descrentes frente a maneira como dizia coisas tão horrendas e gráficas com o sorriso ainda intacto no rosto, mas ao invés de praguejar ou responder à altura como imaginava que faria, Yoongi abriu um sorriso próprio, genuíno. – Eu não me atreveria. – assegurou-me, levantando-se da banqueta que ocupava e se preparando para sair. – Obrigado pela conversa, Taehyung. Eu realmente precisava disso.

- Disponha. Sempre que precisar de um pseudo psicólogo ou conselheiro amoroso, você sabe onde me encontrar. – brinquei, satisfeito por ter sido levado a sério. Quando Yoongi fez menção de pegar a carteira para pagar pela segunda garrafa de soju, ergui as mãos com as palmas viradas para si em sinal de recusa, acenando a cabeça em negação como se o primeiro sinal não fosse claro o bastante. – A segunda é por conta da casa. Você realmente parecia precisar de uma bebida, então considere isso minha caridade do dia. – provoquei, rindo ao receber uma encarada de olhos afiados em troca. – Não me olhe desse jeito, vá embora logo. Jiminie está te esperando. Vá pegá-lo, tigrão!

- Está bem, estou indo. – despediu-se com um ar contrariado, mas havia também ofensa na maneira como franzia o cenho e encarava os movimentos que fazia com as mãos para enxotá-lo antes de direcionar aquele olhar intimidador para meus próprios olhos, prendendo-me no lugar com tamanha intensidade. – Nunca mais me chame desse jeito de novo.

- Não prometo nada. – dei de ombros frente a sua careta de descontentamento, sorrindo e acenando para sua nuca depois que Yoongi bufou, concluindo que não valia a pena ficar e discutir, ao invés optando por dar-me as costas e ir embora de uma vez. O perdi de vista assim que saiu pela porta, mas poucos minutos depois pude ouvir o ronco inconfundível do motor do seu carro passando veloz pela rua, sem dúvida a caminho da loja de conveniência onde Jimin trabalhava e agora o estava aguardando. Me permiti dedicar alguns segundos para imaginar que tipo de “coisas” os dois poderiam fazer a sós no apartamento do loiro, mas logo concluí que de nada adiantava perder tempo com devaneios; no dia seguinte eu obrigaria Jimin a me contar tudo de qualquer maneira, então não fazia sentido.

 

Horas mais tarde e muitos copos de bebida servidos depois, encerrei meu turno sem receber mais nenhuma visita inesperada ou cliente particularmente memorável, exceto o membro de uma das gangues menores que faziam do bar sua segunda casa, um garoto que havia acabado de levar um fora da namorada e se recusava a ir embora mesmo depois que todos já se foram e eu precisava fechar o estabelecimento. Se me lembrava corretamente seu nome era Jeehun, e o estado em que se encontrava era no mínimo digno de pena: o garoto estava tão bêbado que fedia mais do que o bar em que se encontrava, completamente alheio ao mundo com a cara plantada sobre o tampo da mesa enquanto balbuciava coisas ininteligíveis para si mesmo em tom de lamúria. Levou bastante tempo e uma dose considerável de adulação para fazê-lo se levantar e apoiar-se em meus ombros ao passo em que o levava para fora e chamava um táxi para si. Eu obviamente não sabia o endereço da sua casa, mas calhava de saber onde sua gangue costumava se reunir quando não estavam no seu bar favorito. Sabia que fazer contatos até mesmo com as pessoas mais improváveis se mostraria útil algum dia.

Tão logo cuidei desse pequeno problema, voltei para o bar a fim de pegar minhas coisas e fazer meu próprio caminho para casa. Como não usava uniforme, a única coisa que restava fazer era apagar todas as luzes e trancar todas as portas antes de ir. A essa hora os ônibus já haviam parado de circular, e infelizmente o pouco dinheiro que tinha comigo havia acabado de gastar me certificando que um dos clientes chegasse em casa – ou algo semelhante – em segurança, então não me restava outra alternativa senão voltar para casa a pé, aproveitando a oportunidade para apreciar a escuridão do céu e o silêncio das ruas de Seoul às quatro da manhã. Muitas pessoas poderiam argumentar que andar sozinho de madrugada, principalmente por ruas conhecidas por suas atividades criminosas, era uma péssima ideia. Mas havia vantagens em ser o barman de um dos poucos bares que aceitava a presença dessa clientela menos “tradicional”, por falta de uma palavra que melhor os descreva, então ao invés de medo, eu me sentia estranhamente reconfortado ao saber que havia olhos em mim o tempo todo.

A distância até o apartamento que dividia com Jungkook e Jiminie não era exatamente curta, mas devo ter levado menos de uma hora caminhando pelas ruas semi-desertas, puxando o casaco que vestia para ainda mais perto do corpo a fim de manter o frio que se aproximava a passos lentos porém constantes longe, até finalmente avistar o edifício que chamava de casa depois de dobrar mais uma esquina. Apressei o passo assim que o prédio entrou no meu campo de visão, sonhando com um banho quente e o conforto do meu lar, e atravessei o lobby no mesmo ritmo acelerado, reservando um segundo para cumprimentar o porteiro que não via a hora do seu turno acabar e que torcia para seu substituto não se atrasar dessa vez, seguindo direto para os elevadores. Assim que as portas automáticas de metal se fecharam atrás de mim, apertei o botão designado para o quinto andar e aguardei a lenta subida que me levava até lá com o ombro apoiado numa das paredes laterais do elevador; meu trabalho podia ser satisfatório, mas também era igualmente cansativo. Voltar para casa pouco antes do nascer do sol todas as noites não era nada fácil.

Chegando no andar desejado, andei até a porta do meu apartamento praticamente arrastando os pés, agora que a adrenalina havia se esvaído e com ela minha pressa para chegar em casa, abrindo-a após ouvir o som automático que fazia ao destrancar com a senha correta, para em seguida fechá-la mais uma vez enquanto tirava os sapatos no pequeno hall de entrada. Fui me livrando de tudo que podia no caminho para a sala de estar – bolsa, casaco, carteira e celular – andando com segurança pelo apartamento mesmo no completo breu em que se encontrava.

- Cheguei... – anunciei num tom baixo para ninguém em especial, fazendo-o mais pela força do hábito, já que sabia que Jimin não estava em casa e Jungkook provavelmente se retirara para dormir. Porém, antes que pudesse ir até a cozinha atrás de um copo d’água, fui pego de surpresa por um ruído à minha direita, um ruído baixo e abafado que se parecia terrivelmente com um soluço que tentaram engolir sem muito sucesso. Alarmado, olhei na direção que ouvira o barulho, vasculhando a sala enquanto tentava acostumar os olhos à pouca luz que vinha da janela, escapando por debaixo das cortinas que a cobriam, até que finalmente pude notar uma figura encolhida como uma bola, sentada no chão com a cabeça apoiada nos joelhos dobrados e pernas pressionadas contra o peito conforme eram mantidas seguras pelo par de braços que as envolviam, parcialmente escondida pelo sofá em que apoiava as costas. Isso explicava porque não a havia visto assim que entrei, mas não era justificativa para minha falta de atenção. E se fosse um invasor?

- Jungkookie, é você? – indaguei ao me aproximar da figura com passos cautelosos, semicerrando os olhos na escuridão do apartamento. Já não era nada fácil enxergar do jeito que estava, e a postura do outro só dificultava ainda mais sua identificação. Ainda de maneira hesitante, acendi o abajur que ficava sobre a mesinha de apoio ao lado do sofá e, assim que tinha luz o suficiente para enxergar mais uma vez, reconheci de imediato a cabeça de cabelos negros e a camiseta branca que ficava larga demais em seu corpo mas que insistia em vestir por questões de conforto. Porém sequer tive tempo de sentir alivio por não ter o apartamento invadido por nenhum estranho, pois a luz me fez notar detalhes que antes a escuridão escondia, como o modo que seus ombros tremiam com o esforço que fazia para manter-se quieto e como as juntas dos dedos estavam brancas com a força que colocava por trás do aperto que suas mãos tinham nos braços. – Ei, Jungkookie... você está chorando?

Como forma de resposta, vi o garoto se encolher ainda mais e balançar a cabeça em sentido negativo, seu rosto agora escondido na dobra do cotovelo. Porém, mesmo que Jungkook levantasse a cabeça com olhos completamente secos e dissolvesse minhas preocupações com uma risada, eu não acreditaria nele. Algo estava definitivamente errado para deixá-lo nesse estado.

- Ei, não minta pra mim. Eu posso ver você secando suas lágrimas. – disse enquanto me sentava no chão do lado oposto ao que Jungkook tinha o rosto virado, expondo sua tentativa fútil de esconder as lágrimas e fingir que nada tinha acontecido conforme continuava esfregando os olhos contra o braço de uma maneira que esperava não ser notada. Quando ficou claro que eu não seria enganado tão facilmente, Jungkook ficou imóvel como uma estátua, seu rosto ainda escondido e fora da minha vista. – O que houve?

- Não é nada. – era a primeira vez que ouvia sua voz naquela noite, e nunca na vida havia ouvido tamanho pesar nela; era nítido o quão embargada pelo choro a voz de Jungkook se tornara no decorrer do tempo que ficara ali naquela posição, mesmo que seu braço a abafasse consideravelmente. E o pior de tudo era que tal realização trazia consigo a pergunta que mais tinha medo de obter uma resposta: por quanto tempo o garoto estaria ali, sentado no chão da sala escura, sozinho e chorando seu coração pra fora do peito?

- Eu posso contar nos dedos de apenas uma mão quantas vezes vi você chorar, e apenas se juntar as pontas do meu indicador e dedão. – brinquei meio sem graça, na esperança que minha tentativa horrível de fazer piada arrancasse pelo menos uma risada de escárnio do menino, mas nem isso foi capaz de quebrar a barreira protetora que o outro construíra ao redor de si. Franzi o cenho, incerto de qual era a melhor maneira de agir diante de uma situação inédita como aquela. – Estou falando sério. Eu sei que, o que quer que seja, é tudo menos nada. Você nunca choraria por nada.

- É um motivo estúpido, deixa pra lá. – Jungkook insistiu, ainda se recusando a virar o rosto na minha direção.

- Ora, vamos, Jungkookie. Estúpido ou não, você sabe que pode me dizer, não sabe? Estou aqui pra você. – eu estava disposto a fazer o melhor que podia para confortá-lo, não importava o preço que deveria pagar por isso. Ver Jungkook dessa maneira, parecendo tão derrotado e... frágil, me cortava o coração de uma maneira que não podia sequer sonhar em explicar. Eu estava um pouco hesitante, já que não sabia se meu toque seria bem-vindo ou não, mas engoli o nó que tinha na garganta e me atrevi a pousar uma mão gentil sobre seu ombro, tomando ainda mais coragem para deslizá-la pela expansão de suas costas em movimentos repetitivos de cima para baixo quando não fui imediatamente recusado.

O conforto que pretendia transmitir com aquele simples toque parece ter funcionado, pois em questão de segundos suas mãos já não apertavam os próprios braços como antes, e pouco a pouco seus músculos relaxavam sob meus dedos. Porém Jungkook demorou um pouco mais para tirar o rosto de seu esconderijo e levantar a cabeça num nível que me permitia ver seu perfil e a trilha fresca de lágrimas que havia corrido por sua bochecha e por pouco escapado seu destino quando Jungkook esfregou os olhos achando que havia se livrado de todas elas. Ainda que não tentasse mais se esconder, Jungkook continuava se recusando a encontrar meus olhos ou sequer dizer alguma coisa, contentando-se em fitar a parede à sua frente de maneira quase catatônica, até que um suspiro exausto escapou de seus lábios ao mesmo tempo em que fechava os olhos.

- É... é só que... nossa, isso é tão embaraçoso. – interrompeu-se, franzindo o cenho conforme abaixava a cabeça novamente, talvez uma reação inconsciente devido a vergonha, mas parou no meio do ato quando apertei seu ombro numa tentativa de impedi-lo de se esconder outra vez. A cabeça de Jungkook pendia pesada entre os ombros, mas seu rosto ainda estava visível quando abriu os olhos, concentrando-se nas próprias mãos ao descruzar os braços para apoiar as palmas sobre os joelhos dobrados. Fiquei em silêncio enquanto o esperava concluir o pensamento, e o tempo parecia se arrastar infinitamente até finalmente fazê-lo. – Eu só... me sinto sozinho? Não sei como explicar, e também não sei se você vai conseguir me entender.

- Você pode tentar. Prometo que escutarei qualquer coisa que tenha a dizer. – incentivei-o, observando Jungkook engolir em seco antes de mudar sua postura por completo, reclinando as costas no sofá para apoiar a cabeça no assento do mesmo e esticando as pernas de uma maneira quase derrotada. O movimento repentino me obrigou a tirar a mão que tinha em seu ombro desajeitadamente e, sem ter o que fazer com ela, a apoiei sobre meu colo enquanto tentava manter uma expressão neutra como se não lamentasse a falta do calor do seu corpo sob minha palma.

- Eu voltei para uma casa vazia hoje. Não que isso seja incomum, já que tanto você quanto Jimin trabalham no horário que tenho livre. Eu já devia imaginar que ficaria sozinho. Talvez o fato de ter sido justamente hoje tenha me afetado mais do que deveria. Trouxe muitas memórias infelizes. – ao dizer tais palavras, Jungkook inclinou a cabeça na minha direção pela primeira vez, mostrando-me o pequeno sorriso triste que estampava sua face. Eu não sabia se tinha ficado mudo pelo o que dizia ou pela expressão que tinha ao fazê-lo, mas sem dúvidas o conflito e confusão que sentia estavam nítidos no meu rosto, de tal maneira que Jungkook decidiu elaborar mais sobre o que queria dizer; as palavras que saíram de sua boca da segunda vez que a abriu me deixaram tão surpreso que comecei a suar frio, com o rosto pálido e mãos trêmulas. – Hoje é meu aniversário. – Jungkook soltou como se aquela não fosse uma grande revelação, enquanto tinha a mesma expressão de triste resignação no rosto.

- Oh. – soltei de maneira estúpida, estupefato, completamente congelado no lugar. Meu coração deu um salto antes de palpitar frenético no mesmo momento em que caiu a ficha: se fosse dizer alguma coisa, essa era a hora para fazê-lo. – E-eu não sabia. Me d-desculpe, Kookie. Eu não sabia.

Eu não sabia exatamente pelo que estava me desculpando: seria por tê-lo deixado sozinho e, consequentemente, o feito chorar? Por não ter comprado nenhum presente? Simplesmente por não saber que era seu aniversário? Eu não sabia porque estava me desculpando, mas sabia que, de algum modo, precisava do seu perdão da mesma forma que precisava de ar pra respirar.

- É claro que não sabia. Eu nunca te disse. – Jungkook voltou sua atenção para o teto mais uma vez, cruzando os dedos sobre o estômago enquanto fazia o possível para controlar o leve tremor que podia ouvir retornando à sua voz. – Nunca tive o costume de comemorar meus aniversários, porque nunca tive muitos amigos e meus pais sempre estiveram muito ocupados de qualquer maneira. Então por isso acho que perdi o hábito de contar para as pessoas o dia em que nasci. Mas Jimin sempre soube quando era meu aniversário. Ou pelo menos costumava saber. – o garoto interrompeu-se com uma risada curta e sem vida, bastante semelhante àquela que ouvi escapar de Yoongi horas antes, no bar. A mesma risada que fizera meu coração apertar dentro do peito, porém agora ele estava a ponto de sangrar. – Dessa vez eu achei que seria diferente. Não sei porquê, mas achei. Eu estava realmente aguardando a hora que Jimin voltaria para casa, e até me atrevi a esperar ver um bolo em suas mãos quando ele passasse pela porta da frente. Quando a hora chegou e passou, e ainda nenhum sinal dele, eu mandei uma mensagem. Jimin disse que dormiria na casa de Yoongi. Sabia disso? – Jungkook riu mais uma vez, porém agora sua risada soava pesada com o nó que ameaçava obstruir sua garganta. – Foi nessa hora que percebi que estava realmente sozinho. Eu sei que é estúpido me chatear por causa disso, afinal eu sempre soube que os dois estavam juntos, e é isso que namorados fazem, não é? Eles passam a noite na casa um do outro. Isso é normal. Esquecer a data do aniversário do seu amigo de infância deve ser normal também. – o garoto estava resoluto em manter o tom casual e levemente sarcástico enquanto falava, mas a nova trilha de lágrimas que caía de seus olhos sem descanso denunciavam como ele realmente se sentia. Assisti com o coração pesado a fachada de indiferença do mais novo finalmente ruir junto com sua barreira protetora, ainda que tentasse se segurar a ela enquanto secava os olhos com as costas das mãos, até que finalmente desistiu de lutar contra o inevitável e escondeu parte do rosto pela segunda vez, jogando o antebraço sobre os olhos. – D-droga. Que merda, por que não consigo parar de chorar? Eu disse que era estúpido. Eu sou estúpido.

- Oh, Jungkookie. – meu coração estava mais pesado do que nunca, angustiado até, e tinha certeza que isso ficava claro no meu tom de voz. Mas agora não sabia o que dizer ou o que fazer para confortá-lo; não sabia como ele reagiria ao que tinha em mente, então resolvi segurar a mão que tinha mais próxima de mim e entrelaçar nossos dedos enquanto a colocava sobre meu colo, aproximando-me a ponto de colar a lateral da minha perna à perna dele, na esperança de que a proximidade pudesse ao menos lhe fornecer um pouco de calor. Jungkook pareceu travado por um momento, mas nada disse sobre meu pequeno ato, então tomei seu silêncio como autorização para continuar. – Claro que você não é estúpido. Jimin é seu melhor amigo, não é? Você sente falta dele. Isso sim é normal.

- Esse é o problema. Eu não sinto apenas falta dele. – admitiu com mais uma risada embargada pelo choro, fazendo meu coração quase parar pela antecipação do que diria a seguir. – Eu o amo, Tae. – Jungkook fez questão de tirar o braço da frente dos olhos e me encarar enquanto confessava seu amor pelo melhor amigo, revelando toda a sua extensão com a crueza e dor que podia ver refletidas em suas lágrimas. De repente era a minha garganta que parecia se fechar ao redor de si mesma, impedindo-me de falar ou sequer respirar direito. – Eu o a-amo, e isso está me consumindo, porque preciso vê-lo feliz com outra pessoa sem poder fazer nada. Não posso dizer nada. Se o fizer, poderei estragar nossa amizade ou o relacionamento deles, e eu não quero nenhuma dessas coisas! – Jungkook finalmente fechou os olhos, deixando que mais lágrimas gordas lhe escapassem por entre os cílios negros, dobrando novamente os joelhos e tirando sua mão da minha enquanto se fechava outra vez. – Eu o-odeio isso, odeio amá-lo desse jeito, mas não consigo p-parar. Não consigo parar de amar Jimin, assim como não consigo parar de chorar por ele a-agora.

Permaneci mudo e imóvel por um período de tempo que jamais saberia mensurar, assistindo os ombros de Jungkook sacudirem violentamente com a força de seus soluços agora que chorava abertamente, fechando-se como uma bola no chão mais por uma questão de buscar conforto em si mesmo do que tentar esconder seus reais sentimentos de olhos invasivos. Diante de uma cena arrasadora como aquela, eu sinceramente não sabia o que fazer, muito menos o que pensar. Eu não era cego. Durante todo o tempo em que Jungkook esteve morando conosco, eu podia ver o sentimento cru e feio que espreitava por trás daquelas penetrantes orbes negras toda vez que a atenção de Jimin estava voltada para o homem que amava. Eu via, mas ao mesmo tempo teimava em fechar meus olhos. Eu preferia acreditar que a dor que via no olhar ansioso do mais novo não passava de ciúme bobo, talvez uma simples inveja infantil, como a de uma criança que vê seu irmão mais velho com um novo amigo, ou nesse caso, um namorado. Mas o amor de Jungkook não era um simples amor fraternal.

No fundo eu já sabia disso. Eu sabia, mas para proteger meus próprios sentimentos, decidi ignorar os dele. Eu decidi fechar os olhos e virar o rosto para uma dor verdadeira, bruta e avassaladora, a dor de alguém que não suporta mais ver o amor da sua vida nos braços de outro. E Jungkook tornava minha decisão de ignorá-lo tão fácil, porque se tinha uma coisa na qual o garoto era realmente bom, era em esconder os próprios sentimentos atrás de inúmeras máscaras. Cada vez que caía uma, ele tinha outras três prontas para substituí-la. Jungkook era mestre em morder a própria língua, engolir o nó na garganta, e parecer mais forte do que era... até agora. Agora aquela mesma dor estava de volta, pronta pra me dar um belo soco na boca do estômago, ou talvez um gancho de direita no meio da cara, e eu quis rir pela ironia do universo, mas rapidamente reprimi a risada seca que ameaçava escapar. A última coisa que Jungkook precisava era minha autopiedade – o que ele realmente precisava era da minha atenção e apoio.

- Sinto muito, Jungkook. Eu nem ao menos sei o que te dizer para que se sinta melhor... Eu só—sinto muito. – minhas palavras soavam vazias até para meus próprios ouvidos quando as proferi em tom baixo e culpado, evitando olhar para o mais novo conforme deixava minha cabeça pender entre os ombros com um sentimento de pura derrota. As palavras pareciam vazias, mas seu significado era genuíno; eu realmente sentia muito. Sentia muito por ter ignorado o que havia visto há tanto tempo, sentia muito por deixá-lo suportar essa dor sozinho, sentia muito por ser covarde demais para fazer o papel de amigo presente que era esperado de mim. Tudo que queria agora era segurar a figura trêmula de Jungkook em meus braços e procurar transmitir tudo que sentia através do contato, e quando ouvi o choramingo doloroso que escapara por entre seus lábios comprimidos, essa vontade era algo que não podia mais suportar. – Ei, Jungkookie. Eu posso—posso te abraçar?

Mal soltei a pergunta hesitante, deixando meu braço pairar no ar de forma desajeitada ao redor do seu ombro, me surpreendi quando o próprio Jungkook foi o primeiro a iniciar contato, se atirando contra mim de maneira quase violenta e afundando o rosto úmido de lágrimas em meu pescoço. Sua proximidade repentina e a intimidade que trazia com ela foi o que bastou para um arrepio percorrer minha espinha como um choque elétrico, mas não levei sequer dois segundos para me recuperar e envolvê-lo num abraço de urso. Deixei que o garoto chorasse livremente, sem me importar com o quão encharcadas a pele do meu pescoço e a gola da minha camiseta estavam ficando, concentrando-me apenas em seu bem estar enquanto tinha mechas do seu cabelo negro entre os dedos.

Não vou mentir; levou um tempo, tempo suficiente para me dar cãibras na parte inferior das costas devido a posição em que ficara preso, mas aos poucos Jungkook foi se acalmando, seus soluços cada vez mais escassos e espaçados entre si. Esperei mais um pouco até que o garoto tirasse o rosto da curva do meu pescoço, mas ao invés de se afastar completamente como eu achava que faria, Jungkook apoiou a cabeça em meu ombro, relaxando por completo em meus braços. – Sabe o que é pior nisso tudo? – indagou uma vez que sua voz soava estável novamente, aguardando algum tipo de ruído da minha parte para lhe assegurar que estava prestando atenção antes de prosseguir. – O que me machuca mesmo não é nem o fato de Jimin ter esquecido do meu aniversário, mas sim ele ter se esquecido de mim, de nós quando éramos crianças. Isso dói muito. Por que ele não se lembra de mim? – aquela era uma pergunta que eu jamais poderia responder, mas Jungkook não parecia esperar por uma resposta de qualquer maneira. – Eu passo noites em claro me fazendo essa pergunta, pensando que talvez esteja sendo injusto com ele... sei que não passamos muito tempo juntos porque minha família teve que se mudar, mas eu me lembro de tudo perfeitamente. Minha mãe dizia que éramos muito pequenos, que eu não deveria ficar chateado por Jimin-hyung não me procurar mais agora que morávamos do outro lado da cidade, que deveria esquecê-lo e seguir com a minha vida. Mas eu não podia. Não podia me esquecer dos dois anos que passamos sendo vizinhos, de cada dia repleto de brincadeiras, risadas e abraços. Eu jamais poderia me esquecer dos melhores dois anos que tive na vida, então por que ele podia? Será que aqueles dias não significaram nada pra ele? Será que eu sempre fui o único que se importava?

Era visível o quanto aquele assunto o deixava agitado; a mágoa e ressentimento que guardara por tanto tempo no peito eram transparentes no tom da sua voz. Se estava entendendo corretamente, Jungkook sofria de um amor unilateral desde a infância. Se eu achava que sofrer desse mal por alguns meses era quase enlouquecedor, nem me atrevia a tentar imaginar o tamanho da real dor que o garoto suportou e continua suportando, mesmo depois de anos e anos. Não consegui conter meus impulsos ao apertá-lo ainda mais contra meu peito, procurando amenizar nem que seja uma parcela ínfima do seu sofrimento, nem que seja por alguns poucos instantes. Minha maior surpresa foi quando Jungkook retornou o abraço em igual intensidade.

- Não diga isso. – murmurei contra o topo da sua cabeça enquanto acariciava os fios em sua nuca, mudando de posição de modo a deixar nós dois mais confortáveis. Agora eu me encontrava deitado no chão da sala, com uma almofada sob minha cabeça e Jungkook aninhado contra a lateral do meu corpo. Era difícil me concentrar no que tinha a dizer dessa maneira, mas minhas costas agradeciam imensamente, então tudo que me restou foi engolir em seco antes de prosseguir. – Não posso te dizer porque Jimin tem tão poucas memórias de vocês juntos, porque eu mesmo não sei a resposta, mas sei que não é de propósito. Você disse que eram bem jovens quando eram vizinhos, certo? – com a confirmação do mais novo, tornei a afagar seus cabelos negros, observando atenciosamente o modo como as mechas grudavam em meus dedos conforme os puxava para cima antes de cair novamente de maneira graciosa. – Sabe... nem todo mundo tem um hard drive grande o bastante para guardar todas as lembranças que fazemos durante nossa vida, principalmente quando tão jovens. Ok, pode ser que pra você esses dois anos tenham sido mais significativos, ou pode ser que você só tenha uma ótima memória. O motivo pelo qual você foi capaz de guardar tudo até hoje não importa, mas não diga que pra Jimin não foi nada. Eu tenho certeza que seu esquecimento tem uma razão, e talvez nem o próprio Jiminie tenha consciência disso. Você não deveria se prender tanto no passado, Jungkookie. Isso nunca acabou bem pra ninguém. Pelo menos vocês dois tem a chance de reconstruir essa amizade de novo, não?

Houve um longo momento de silêncio antes que Jungkook pudesse me responder, e quando finalmente o fez, ele ainda soava um pouco hesitante. – Sim, acho que sim... – pausou, parecendo pensar no assunto. – Mas... mesmo agora, eu sinto que nossa amizade vale mais pra mim do que pra ele.

- Posso falar o que penso livremente? – indaguei, esperando sua permissão porque sabia que o que tinha a dizer poderia ofendê-lo mesmo sem pretender, mas meu dever como amigo me impelia a soltar as palavras que tinha na ponta da língua. Aguardei até que Jungkook me desse o sinal para prosseguir, na forma de um tímido aceno da cabeça, e só então endureci meu coração para o que diria a seguir. – Jungkookie, por favor, não me leve a mal. Não estou tentando diminuir sua dor ou coisa parecida, mas pela minha visão de espectador me parece que você se apaixonou pela visão do Jimin-hyung que construiu quando criança, e acabou projetando esse ideal no Jimin-hyung de agora. Isso não é justo. Você não pode esperar que ele atinja suas expectativas, porque Jimin é apenas humano. Ele é um Jimin diferente daquele que você conheceu a tantos anos atrás. Talvez seja melhor largar as lembranças e se concentrar em conhecer o Jimin de agora pelo que ele é, e não pelo que você acha que deveria ser?

- Você... você realmente pensa isso? – eu sabia que minha sugestão poderia soar atrevida e talvez até desrespeitosa, mas Jungkook não parecia ofendido ou irritado; não no modo como me olhava com olhos grandes de surpresa e curiosidade, ou no modo como sua voz soara incerta ao fazer tal pergunta. No máximo ele parecia hesitante. Como se eu tivesse lhe dado algo para pensar que nunca havia cruzado sua mente antes. Com a minha confirmação, Jungkook voltou seu olhar para o teto mais uma vez, perdido em pensamentos. – Eu—eu acho que talvez tenha razão. O que disse faz sentido.

- Claro que faz, já que sei do que estou falando. Eu sou um gênio. – agora que Jungkook não chorava mais, eu me sentia à vontade para brincar de novo. Porém o garoto não fez a menor questão de responder ou sequer reagir à piada quando voltou aquelas orbes negras pra mim; se minha pequena brincadeira passou despercebida ou se foi completa e intencionalmente ignorada, eu jamais saberia dizer.

- Como pode saber tanto? – Jungkook indagou com olhos inocentes e curiosos, soando genuinamente maravilhado com o meu modo de pensar. Naquele exato instante me dei conta de que Jungkook era de fato o maknae entre nós; como o garoto odiava demonstrar fraqueza em qualquer situação, era raro vê-lo tão desprotegido, aberto e simplesmente jovem como agora. A vontade de apertar suas bochechas foi realmente difícil de controlar, mas consegui.

- Bem, quer dizer—eu não posso saber com certeza o que se passa na cabeça de Jiminie porque não sou ele, assim como não sei o que se passa na sua porque não sou você. Mas eu passei tempo suficiente com os dois para fazer deduções baseadas em algumas verdades conhecidas. Posso até não estar certo cem por cento, mas acredito que não esteja tão errado também. Além do mais, eu era tão fascinado pelo cérebro humano quando mais novo que queria ser psicólogo. – anunciei de maneira quase presunçosa, assistindo a expressão deslumbrada do mais novo se transformar em uma de completa confusão.  

- Mas você estuda filosofia agora. – o tom que usara não era de pergunta, mas seu rosto indicava claramente que Jungkook precisava de algum esclarecimento.

- Isso foi porque não me dediquei o bastante para o exame de entrada na faculdade, então não consegui nota para o curso de psicologia. – admiti, encolhendo os ombros como se não me arrependesse desse pequeno deslize—o que não era, nem de longe, verdade.

- Deixe-me adivinhar: você gastou seu tempo se divertindo em boates e clubes ao invés de estudar? – Jungkook não parecia surpreso ao fazer tal suposição, mas podia ouvir a decepção em seu tom de voz. Não era um sentimento agradável, porém a essa altura eu já era quase imune aos seus efeitos. Não era como se não tivesse me acostumado a esse tipo de expressão toda vez que o assunto surgia.

- Algo do tipo. – assenti com uma postura que poderia ser considerada sem vergonha, tentando esconder o gosto amargo que tinha na boca com um sorriso apertado.

- Você sequer gosta do que estuda? – a preocupação parecia superar a decepção que estampava sua voz e face, e essa era uma mudança mais do que bem-vinda. Por algum motivo, decepcionar Jungkook era algo que não me caía bem.

- Hm... acho que sim...? Quer dizer, eu tentei cursar biologia antes, mas acho que filosofia é um curso que se adequa melhor ao meu estilo de vida. Bom, pelo menos as matérias não são terríveis. – ri, ainda que um pouco sem graça. – Por quê? Você acha que fiz a escolha errada? – questionei-o, genuinamente interessado na resposta que me daria. Como será que Jungkookie imaginava me ver no futuro?

- Não—talvez. Eu realmente não sei dizer. – Jungkook pausou, com cenho franzido e lábios comprimidos numa linha, parecendo em conflito com a mensagem que queria transmitir. – Acho que não posso julgar as escolhas que você faz, mas... qual é o seu sonho, realmente? Do que você gosta a ponto de transformar isso numa carreira?

 - Além de cérebros? – brinquei, mas Jungkook não se juntou a mim na risada. – Bem, quando pergunta desse jeito—acho que eu gostaria de trabalhar com moda. Talvez. Não sei. O que acha? – voltei-me para si cheio de dúvidas e com uma careta incerta na face, careta essa que aos poucos foi substituída por um sorriso que me tomava o rosto de orelha a orelha, ao passo que fui me animando com todos os cenários que minha mente fornecia. – Imagine só, Jungkookie. Kim Taehyung, o estilista mais badalado de Seoul. Ou talvez um editor de revista de moda? Quem sabe um modelo com fama internacional? – as possibilidades eram muitas, e todas eram igualmente interessantes.

- Acho que você pode ser o que quiser, Tae. Não é como se você tivesse uma família que te obrigasse a trilhar um caminho mesmo que o seu sonho esteja em outro, certo? – Jungkook tinha um sorriso no rosto, mas era um sorriso pequeno que nada fazia para esconder a tristeza que sentia quando pensava na sua própria situação. Com aquela imagem de cortar o coração, o excitamento que sentia morreu na mesma hora que meu sorriso adquiriu um tom tão agridoce quanto o do garoto em meus braços. – Acho que não custa tentar, pelo menos.

- Você tem razão. Eu devo isso a mim mesmo. Tentar é o mínimo que posso fazer. – eu não queria desrespeitá-lo ao criar empecilhos inexistentes quando Jungkook tinha barreiras bastante reais em seu caminho, mas também não queria que o garoto perdesse as esperanças de alcançar seus próprios objetivos. – Sabe, Jungkookie—não é só porque seus pais te obrigam a estudar algo que não é do seu interesse na faculdade que você não possa perseguir seu sonho de outra maneira. Não se engane; você também tem o poder para ser o que quiser.

O silêncio que seguiu não era nem um pouco desconfortável; naquele momento, éramos apenas dois amigos que pela primeira vez conheciam as fraquezas e forças do outro, e por isso poderiam apreciar e apoiar um ao outro sem reservas. Foi num momento calmo como aquele que me dei conta de que não havia nada que não faria pelo garoto. Só de ver o sorriso contente em seu rosto já fazia tudo valer a pena. – Obrigado, Tae.

- Não há de quê—Ei! – comecei a retribuir seu sorriso genuíno com um próprio, até me dar conta de que a conversa havia tomado um rumo completamente diferente daquele em que começara. – Por que estávamos falando de mim esse tempo todo?! Hoje é seu aniversário, deveríamos estar falando apenas de você.

- Eu prefiro quando não tenho toda a atenção voltada pra mim. Me sinto mais seguro, relaxado. – Jungkook admitiu em tom tímido, sorriso um pouco mais contido frente ao cenho franzido e bico indignado que eu tinha nos lábios.

- Tudo bem, dessa vez vou deixar passar. Mas só porque tenho um fraco por aniversariantes. – brinquei, torcendo para que minha máscara de indiferença misturada com uma pitada de irritação estivesse tão impecável quanto pretendia. – Mas agora é sério, Jungkook. Você deveria ter me dito antes que era seu aniversário. Eu teria tirado o dia de folga, ou—ah, já sei! – interrompi-me de repente, dando um pequeno tapa no seu braço com um sorriso maior que a cara, tamanha animação. – A gente poderia fazer a sua festa lá no bar! Tenho certeza que os clientes adorariam a mudança de rotina. Eles ganhariam bolo de graça, e talvez você pudesse fazer alguns amigos enquanto isso.

- ...Obrigado, mas não, obrigado. Eu não quero ter nada a ver com os bandidos que você chama de clientes. – Jungkook tinha a expressão neutra e tom de voz monótona ao recusar a ideia tão logo lhe fora apresentada, mas seu aparente descaso não foi o suficiente para me magoar, pois eu conseguia ver em seus olhos que o garoto dissera aquilo mais como uma maneira de me provocar do que qualquer outra coisa. Ah, como era bom ter o velho Jungkook de volta.

- Haha, muito engraçado. – retruquei com uma voz igualmente monótona, dando-lhe a língua de maneira birrenta. – Não importa o que diga—já me decidi. Eu vou te dar uma festa de aniversário que você jamais vai esquecer, nem que seja a última coisa que faça. Apenas me aguarde.

- Okay, estarei esperando. – surpreendentemente, Jungkook concordou de primeira. Confesso que esperava que o garoto bancasse o difícil como sempre, mas aquela foi uma surpresa melhor do que poderia imaginar. O que me deixava realmente nas nuvens era ver o sorriso verdadeiro que o garoto tinha no rosto depois de todas aquelas lágrimas, e o conhecimento de que era eu o motivo para tal. – Obrigado mesmo, hyung. Me sinto bem melhor agora que conversamos. Você me deu muito no que pensar.

Minha resposta não foi imediata; uma pequena palavra em meio à fala de Jungkook me impediu de dizer o que já tinha na ponta da língua, deixando-me paralisado por alguns segundos. Hyung—essa era a última coisa que eu esperava que o mais novo me chamasse.

Mesmo que as normas da nossa sociedade impusessem que era assim que deveria ser tratado, Jungkook sempre fora o tipo de pirralho que ignora regras desse tipo e sai impune. Eu já havia me acostumado a ser tratado de forma casual. Às vezes até me esquecia que era dois anos mais velho que o garoto. Mas não podia negar que ouvir aquela palavra fazia coisas comigo; me trazia sentimentos que não sabia explicar. Porém seu uso não deve ter passado de um pequeno descuido, um deslize que passara despercebido pelo menino que não demonstrava o menor sinal de ter notado meu conflito interno, então, pelo bem de nós dois, decidi que era melhor não comentar o assunto conforme me recuperava do choque. – É pra isso que os amigos servem, não? – indaguei com um sorriso, em parte satisfeito e em parte de coração partido.

De repente, a conversa que tive com Yoongi no bar era a única coisa na qual conseguia pensar. Você já se deparou com uma situação em que sabia que precisava dizer alguma coisa, mas não sabia como?—foi o que me perguntou. Talvez aquele momento era a maior prova de que sim, já havia me deparado com situações terrivelmente semelhantes. Inúmeras vezes.

O medo de Yoongi podia não ter um motivo para existir, mas o meu tinha; e tal motivo tinha rosto, nome e endereço.

- É, acho que sim. – Jungkook admitiu com uma expressão de falsa inocência no rosto, antes de assumir o tom provocador de sempre enquanto me encarava de esguelha com um sorrisinho travesso puxando o canto dos lábios. – Apesar de nunca esperar que você fosse esse tipo de amigo.

- Yah! – esbravejei indignado, minha reação instantânea e calorosa arrancando risadinhas endiabradas do outro, que agora escondia o rosto no meu ombro como se quisesse me fazer acreditar que sentia muito pela brincadeira de mal gosto. – O que quer dizer com isso, pivete?

- Nada, nada. – Jungkook assegurou-me ainda rindo, o que não lhe dava muita credibilidade, mas ao menos servia para jogar a angústia que sentia há minutos atrás pela janela. Assim que sua crise de riso passou o mais novo se descolou da lateral do meu corpo, deitando-se de barriga pra cima no chão e usando meu braço como travesseiro, de modo que nós dois parecíamos duas estrelas-do-mar estiradas na areia lado a lado para tomar sol. – Ah... minha cabeça está mais clara, mas meu coração ainda dói.

- É claro que dói. Ninguém está esperando que você supere um amor que nutriu por anos tão rápido. Ainda vai doer por um tempo, infelizmente. – eu sabia que Jungkook não precisava que eu tentasse amenizar a situação com mentiras e falsas esperanças, então deixei que as palavras fluíssem de maneira livre, sem medo de que pudesse machucá-lo com o que tinha a dizer. Entretanto, eu também não queria que o garoto se sentisse completamente desamparado, então virei o rosto em sua direção e me permiti analisar seu perfil conforme elevava a voz uma segunda vez. – Mas, talvez—quem sabe algum dia você possa olhar para o lado e encontrar um novo amor.

- Eu não tenho certeza se quero um novo amor. Só quero me livrar desse, de uma vez por todas. – disse em tom amargo, ainda fitando o teto como se procurasse as respostas para todas as suas perguntas ali. Engoli em seco, forçando meu coração a se acalmar antes que Jungkook pudesse ouvi-lo se quebrar em pedaços. Quase parei de respirar por um instante quando o garoto se voltou pra mim de repente, temendo ter sido pego em flagrante, mas Jungkook tinha uma expressão quase suplicante no rosto ao invés de uma acusatória. – Você pode me ajudar, Tae? Pode me ajudar a superá-lo?

- Eu seria capaz de fazer tudo por você. – as palavras escaparam de meus lábios antes que pudesse contê-las, antes que pudesse sequer registrá-las, mas não me arrependi de tê-las proferido. Seu significado era mais verdadeiro do que jamais seria capaz de admitir, e era isso que tornava tudo mais doloroso. – Mas, se me permite o atrevimento... – continuei com menos de dois segundos de pausa, feliz por Jungkook não ter notado o real significado de minhas palavras mas também não querendo correr nenhum risco ao dá-lo tempo de digeri-las. – Eu acho que o melhor a se fazer seria conversar com Jimin sobre como se sente. Eu sei que você tem medo de estragar tudo ao fazer isso, mas te garanto que não é o caso. Jiminie vai ficar triste, sim, e pode até se sentir culpado por tudo que você sofreu até agora, mas sei que vocês dois vão dar um jeito de resolver as coisas de maneira amigável e harmoniosa pra todo mundo. Vocês são melhores amigos! Foram melhores amigos no passado, e mesmo que tenham perdido contato por um tempo, voltaram a ser melhores amigos agora. Se isso não for prova o bastante para te fazer acreditar que o laço entre vocês é mais forte do que qualquer coisa, eu não sei o que mais poderia ser.

Apesar de manter a fachada de um simples amigo preocupado, as palavras que dizia deixavam um gosto amargo na minha boca e me apertavam o peito a ponto de me fazer perder o fôlego, mas ao contrário do que se acreditaria, era por mais de um motivo. Além do óbvio, havia também o sentimento de que estava traindo a confiança que Yoongi depositara em mim mais cedo naquela mesma noite. Eu sabia que estava dando praticamente o mesmo conselho para duas pessoas diferentes com interesses completamente conflitantes, mas não podia evitar. Acima de tudo, Jungkook também era meu melhor amigo, e vê-lo sofrer era insuportável.

Me desculpe Suga-hyung, mas Jungkook precisa de mim.

- Não sei se serei capaz, Tae. Não sei se teria coragem. Mas agradeço o conselho, de coração; com certeza manterei nossa conversa em mente. – Jungkook parecia sereno sob a luz amarela do abajur sobre nossas cabeças, apesar do medo aparente que havia em seus olhos. Deixamos que o silêncio nos confortasse por alguns instantes agora que tudo havia sido dito, nos embalando ao som de uma cidade que acordava aos poucos. Mais uma vez me vi igualmente maravilhado e humilhado pela força demonstrada por esse menino; a força não só de admitir o que sente para si mesmo, mas também de expor-se para aqueles em que confia. Talvez Jungkook e Yoongi não fossem assim tão diferentes afinal. Ambos são pessoas fortes que me fazem querer esconder em vergonha por ser tão fraco. – A única coisa que desejo é que, se decidir confessar meu amor por ele—quando decidir me confessar, espero que ainda possa dizer que tenho dois incríveis melhores amigos ao meu lado.  

Meu coração doía com a resignação que podia ouvir em seu tom de voz, como se Jungkook já soubesse que tipo de resposta Jimin lhe daria antes mesmo de dizer o que sentia. O fato do garoto não esperar uma resposta positiva, mas ainda desejar que Jimin continue sendo seu amigo apesar de tudo, mostrava exatamente o quão puro e altruísta Jungkook realmente era. Era justamente por causa dessa pureza que eu precisava, mais do que nunca, engolir o nó em minha garganta e sorrir para o garoto que, numa única noite, partiu meu coração mais vezes do que durante todo o tempo em que o tivera.

- O que quer que aconteça, você sabe que sempre estarei aqui pra você.

 

Sempre ao seu lado. 


Notas Finais


Vkookas, por favor, não me matem! *foge*

P.S.: ah, esqueci de mencionar nas notas iniciais, mas eu tenho um questionamento e gostaria que vocês opinassem nos comentários, se puderem: quando eu tirar um tempo pra reler os capítulos passados de hmt, é fato que vou encontrar trechos ou capítulos inteiros que não me sinta tão satisfeita/orgulhosa. Minha escrita progrediu muito ao longo desses dois anos, assim como meus gostos e estilo, então a dúvida é: eu devo manter tudo como está a fim de preservar essa progressão, ou fazer pequenas edições a fim de manter um estilo de escrita mais coeso e satisfatório? Lógico que qualquer edição que eu fizer não vai influenciar em nada na linha do tempo e nos acontecimentos da fic; seriam coisas do tipo: mudar alguma frase mal construída, acrescentar descrições de cenário/ambiente/sentimentos para deixar a cena mais rica, etc. Talvez a maioria possa nem notar que alguma coisa mudou, a não ser a perfeccionista chatona que vos fala ou aqueles que releram a fic 34864 vezes e tem uma memória muito boa. q Editar os capítulos passados pode parecer bobagem, mas eu como autora com certeza terei momentos de "pqp não acredito que eu escrevi e postei essa porcaria!!!!", então queria saber de vocês o que acham. Editar ou não editar; eis a grande questão. :v
[Lembrando que caso eu opte por editar, vou deixar bem claro nas notas iniciais de cada capítulo editado que assim o fiz, pras pessoas que decidirem reler a fic (não que seja necessário, já que não vai mudar em nada na história em si) saibam se tem algo diferente naquele capítulo ou não.]
Enfim, é isso. Muito obrigada por tudo até agora, e conto com a colaboração de vocês para que possa criar uma história ainda mais digna de tanto amor. Qualquer coisa estarei sempre à disposição no Twitter. Até logo~! ♥


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