— Taehyung? Acorda, seu pedaço inútil de desperdício.
Tae piscou os olhos com força, tentando processar uma porção de informações ao mesmo tempo. Primeiro, havia alguém o chacoalhando pelos ombros. Segundo, havia um cheiro convidativo de café preenchendo tudo ao seu redor. Terceiro, Min Yoongi gritava em seus ouvidos, parecendo impaciente.
— O que diabos... — ele começou, estapeando as mãos de Yoongi para longe de si enquanto se colocava sentado. Tae esfregou a testa, os olhos doloridos por conta do sono. — O que você está fazendo aqui?
— É sábado, esqueceu? — Yoongi lembrou, inclinando a cabeça. Pela primeira vez na semana, ele não estava usando um gorro para esconder os cabelos esverdeados, como se houvesse finalmente aceito a própria derrota ao expor os fios coloridos para o mundo. — Temos que ir ao colégio supervisionar aqueles malditos ensaios.
Taehyung torceu o nariz. Ele havia se esquecido completamente. Já que Jeon Jeongguk não havia ido aos últimos ensaios acompanhar seu amigo pianista, Tae havia perdido o interesse nas manhãs de sábado e nas tardes de quarta.
Jeon Jeongguk.
Taehyung olhou para os próprios braços instintivamente, tendo que morder o lábio inferior com força para segurar um sorriso ao ver a jaqueta preta e branca de Jeongguk ainda com ele. A única coisa que o impediu de fechar os olhos e afundar-se no cheiro do outro foi quando Yoongi pigarreou e disse:
— Hoseok e eu viemos mais cedo pra tomarmos café. Por que você não vai se ajeitar e nós comemos alguma coisa?
Tae arqueou uma sobrancelha, já afastando as cobertas para se levantar da cama.
— Vocês deliberadamente entraram na minha casa e estão usando a minha comida para fazer café da manhã — ele observou. — Sem pedir permissão, nem nada?
Yoongi sorriu com deboche.
— Se você não quisesse que nós entrássemos não teria nos dado uma cópia da chave, Taehyung.
— Eu não dei cópia nenhuma a vocês — Tae lembrou. — O Hoseok roubou a minha chave e fez uma cópia pra que vocês pudessem invadir a minha casa quando bem entendessem.
Yoongi rolou os olhos, colocando as mãos na cintura.
— Você vai mesmo discutir ou vai logo se livrar dessa cara de sono?
Taehyung balançou a cabeça, desistindo.
— Já estou indo.
Yoongi resmungou um “ótimo” e girou nos calcanhares para sair. Taehyung conseguia escutar Hoseok revirando a cozinha — ele não era um ótimo cozinheiro, mas sabia como fazer panquecas e isso parecia ser o suficiente.
Sendo completamente sincero, Tae não se importava que seus amigos invadissem sua casa. Na verdade, ele até sorriu para a ideia quando Yoongi fechou a porta atrás de si, saindo do quarto. Fazia algum tempo desde que eles haviam se reunido na casa de Taehyung pela última vez, e ele sequer se importou de estar levantando mais cedo do que deveria se fosse para ficar com os outros dois.
A última semana havia sido algum tipo de alívio depois de tanto tempo de tensão. Os dias na escola haviam sido menos estressantes. Eles se reuniriam no mesmo lugar de sempre — o corredorzinho cheio de folhas mortas do outono —, deitariam sobre um cobertor durante a hora do almoço e perambulariam pela biblioteca nos tempos vagos, rindo das ilustrações de livros antigos até que a bibliotecária começasse a olhar feio para os três e eles tivessem que sair. Até mesmo Hoseok parecia mais relaxado: parara de correr pelos corredores gritando com calouros e havia começado a resmungar menos sobre como tinha um milhão de coisas para fazer. Sempre que ele tinha uma reunião ou algo do tipo, Yoongi e Taehyung prontificavam-se a pacientemente esperá-lo do lado de fora.
E, somando tudo isso a Jeon Jeongguk, os dias de Taehyung pareciam até bons demais para ser verdade.
Então, ele sorriu enquanto pegava algumas roupas mais ou menos apresentáveis e fazia seu caminho até o banheiro. Era sábado, o que significava que eles tinham a festa — ou jantar, como Jin ironicamente havia chamado o evento — de Namjoon e Seokjin para ir. E Tae, ao tirar a jaqueta para entrar no banho com um último suspiro para sentir o aroma apimentado de rosas, realmente esperava que Jeon Jeongguk pudesse ir.
— Te vemos ao meio-dia.
Taehyung acenou para Hoseok, que acenou de volta da entrada do anfiteatro com um balanço da cabeça enquanto Tae e Yoongi se afastavam em direção ao prédio principal do colégio.
Como de costume, os pianistas já esperavam em frente às portas de vidro do hall de entrada. Por algum motivo, eles nunca entravam na escola sem que Yoongi ou Taehyung estivesse ali para acompanhá-los.
Exceto por Park Jimin, Tae não fazia a mínima ideia e nem queria saber dos nomes dos outros dois músicos — uma garota de cabelos longos e um cara de expressão entediada —, que pareciam igualmente desinteressados na presença dele, mal dirigindo-lhe um olhar. Jimin era o único que estava sempre distribuindo sorrisos simpáticos, sempre o primeiro a dizer “Bom dia” quando eles se encontravam. Taehyung não conseguira evitar se perguntar do porquê de Jeongguk não acompanhar mais o garoto aos ensaios. Sabia que tal coisa não era da sua conta, mas ainda assim estava curioso.
— Bom dia — Park Jimin cumprimentou, seus olhos desaparecendo conforme ele sorria animadamente para Taehyung e Yoongi.
— Nem tanto — Yoongi resmungou de volta. Ele estivera irritado desde que um motociclista os ultrapassara e por pouco não arrancara o vidro retrovisor do Jeep no caminho da casa de Taehyung para a escola. — Mas que seja. Bom dia.
Taehyung fez uma careta para Yoongi.
— Não ligue para ele — tentou desculpar-se, rolando os olhos. — Bom dia pra você também.
Jimin riu, parecendo achar graça no comportamento de Yoongi enquanto seguia ao lado de Taehyung para dentro. Ele era pelo menos dez centímetros mais baixo que Tae.
— Sem problemas — respondeu, remexendo na franja alaranjada. — Kim Taehyung, certo?
Tae arqueou uma sobrancelha, surpreso por perceber que o garoto sabia seu nome. Considerando que eles praticamente nunca se comunicavam além dos bons dias e adeuses, talvez ele se lembrasse por conta daquele primeiro dia em que Hoseok os apresentara, mas Taehyung deixou que uma pequena parte dele pensasse que fora Jeongguk que falara dele para Jimin.
— Certo — respondeu. — Park Jimin?
— Isso — o outro respondeu, assentindo. Eles estavam nas escadas, a caminho da sala de música. Yoongi guiava, indo pelo menos dois metros a frente de todo o resto deles. — Eu fiquei curioso, sabe. Jeongguk falou de você.
Taehyung piscou, por pouco não tropeçando no último degrau. Ele mordeu o lábio.
— Falou?
— É, um pouco — Jimin deu de ombros. Eles avançaram pelo corredor até a porta da sala, onde Yoongi pediu para que esperassem até que ele destrancasse a porta. — Mas Jeongguk não costumava falar muito, sabe? Eles só mencionou o seu nome algumas vezes.
Tae desviou os olhos, o rosto corado.
Jeon Jeongguk havia falado uma porção de coisas para ele — coisas importantes, coisas idiotas, coisas que faziam seu coração aquecer apenas com a lembrança delas, e algumas que faziam-no doer com compaixão. Mas, sempre que eles estavam com outras pessoas, o garoto de cabelos negros tornava-se calado, como se quisesse camuflar-se à paisagem ao ficar o mais quieto possível. Taehyung ainda não entendia o porquê de ele ser tão reservado. Não parecia ser algum tipo de timidez, mas algo completamente diferente disso.
— Ele fala de você algumas vezes, também — Taehyung disse, apenas porque parecia o certo a se dizer. — Vocês são melhores amigos, certo?
Yoongi abriu a porta e eles adentraram na empoeirada sala de música. Taehyung tossiu enquanto tateava a parede para acender as luzes. O lugar ficou iluminado pelas lâmpadas brancas, e Park Jimin disse com um sorriso pequeno:
— É, algo assim. Eu costumava ser o único amigo do Jeongguk, aí você apareceu — ele riu, soando mais brincalhão do que ressentido enquanto balançava a cabeça. — Mas está tudo bem. Bom saber que ele sabe lidar com seres humanos sem precisar da minha ajuda.
Taehyung respondeu com um sorriso simples, odiando o modo como Jimin implicara que Tae e Jeongguk eram apenas amigos. Ele quis rir e dizer que o garoto estava enganado; dizer que era um pouco — senão muito — mais do que isso, mas segurou a própria língua ao notar que Park Jimin não estava lá tão errado.
Jeon Jeongguk e Kim Taehyung não eram simples amigos, mas também não pareciam ser muito além disso. Eles tinham uma promessa a ser mantida, e ela parecia dolorosamente longe de ser cumprida, mesmo depois daquela semana.
— Jimin, temos que ensaiar — a garota surgiu entre eles, entrelaçando o braço no do garoto ruivo, sorrindo polidamente para Taehyung enquanto dizia, num tom superficial: — Se me permite, meu namorado está realmente enferrujado na Serenata Op 15 Número 1 e ele precisa mesmo ensaiar. Certo, Jimin?
Park Jimin olhou para a menina e suspirou:
— Certo, Chanri — ele sorriu uma última vez e acenou para Taehyung. — Parece que eu tenho que trabalhar. Obrigado por aturar o Jeon.
Falando isso, ele se afastou, deixando Tae para trás com um único pensamento.
É ele.
É claro que era por Park Jimin que Jeon Jeongguk estava apaixonado. Fazia sentido. A ideia o fez cambalear até as cadeiras ao lado de Yoongi, sentando-se pesadamente com um suspiro descontentado, espalhando as pernas a sua frente para aliviar a tensão em seus joelhos.
Yoongi comentou algo sobre o tempo estar maluco — ontem estivera praticamente ensolarado, e hoje chuviscava — enquanto Tae apenas assentia, mais do que desinteressado nas variações climáticas. Ele observou enquanto a tal Chanri, namorada de Park Jimin, ria para ele e dedilhava as teclas do piano que ele usava; mexia em seu cabelo colorido e envolvia o pescoço do garoto com os braços magros, parecendo feliz. Taehyung mordeu o lábio inferior, o peito uma confusão de raiva e ressentimento.
Parecia injusto que Jeongguk estivesse apaixonado por Park Jimin. Injusto que Tae ainda temesse seus sentimentos por Hoseok, ignorando-os e odiando-os, sem conseguir entendê-los. Injusto que nem Jeongguk e nem Taehyung fossem tão envolvidos um pelo o outro quanto deveriam, quando eles se faziam tão bem.
Enquanto todas aquelas verdades amargas deixavam um gosto ruim na língua de Taehyung, ele ia sendo lentamente tomado por um sentimento parecido com a revolta. Ele observou Park Jimin tocar uma sequência complicada de notas, tão complicada que chegava a ser entediante, e perguntou-se o que teria levado Jeon Jeongguk a se apaixonar por ele. Não conseguia imaginar o garoto se apaixonando pelos cabelos tingidos ou pela postura impecável de Jimin, e nem mesmo por seu sorriso polido.
Ou talvez fosse só implicância por parte de Tae. Ele sentia-se tão bizarramente diferente do pianista. Tão bagunçado e frustrado consigo mesmo. E lá estava Park Jimin, sorrindo com confiança como se não houvessem imperfeições em sua superfície.
Jeongguk e Taehyung nunca haviam falado sobre suas paixões em particular. Felizmente, mesmo sem combinar nada antes, eles haviam deixado as dores do lado de fora. Haviam ignorado o fato de que eles tinham sentimentos fortes por outras pessoas. E talvez isso houvesse sido um erro, porque agora Taehyung sentia-se miseravelmente descontentado com o fato de que o mundo não era perfeito e de que Jeon Jeongguk não era só dele. Não era nele que Jeongguk pensava o tempo inteiro e não era por ele que seu coração doía.
Park Jimin não sabia o quão sortudo era.
— Kim Taehyung.
Tae piscou, olhando para Yoongi, que estalava os dedos em seu ouvido. O garoto de cabelos verdes revirou os olhos quando Taehyung virou-se, assustado por ter sido tão subitamente retirado de seus devaneios.
— O que foi? — ele perguntou, suspirando.
— Você está sempre no mundo da lua, não é mesmo? — Yoongi franziu o nariz. — Tanto faz. Eu queria perguntar uma coisa.
Taehyung inclinou a cabeça, curioso.
— Que coisa?
Yoongi ajeitou-se na cadeira. Ele carregava um copo de café pela metade, e havia as olheiras de sempre sob seus olhos. O cabelo verde parecia ressaltar o quanto ele era pálido se comparado a Taehyung, que tinha a pele com um aspecto bronzeado mesmo com o inverno se aproximando cada vez mais.
— É sobre o Hoseok — Yoongi falou, remexendo no botão da manga da blusa de flanela azul. Ele então ergueu os olhos, focando as íris muito escuras em Tae, como se quisesse escavar a verdade dele. — Eu sei que as coisas estão melhores entre a gente, mas eu queria saber... Como você está? Digo, em relação a ele?
Taehyung já esperava aquela pergunta. Yoongi parecia estar sempre se preocupando com como ele se sentia em relação ao Hoseok. Tae percebia Yoongi os observando sempre que Tae e Hobi estavam próximos, sempre acenando para Taehyung de um modo encorajador quando os dois tinham aulas juntos, sem Yoongi para acompanhá-los.
— Eu não sei — Taehyung deu de ombros, suspirando. — Estou fazendo tudo o que posso pra esquecer que já senti qualquer coisa pelo Hobi. E acho que está dando certo.
— Já sentiu? — Yoongi enfatizou, arqueando uma sobrancelha. — Não sente mais?
Taehyung mordeu o interior das bochechas, hesitando. Como ele poderia colocar em palavras sentimentos que ele sequer conseguia entender? Quando pensava em Hoseok, tudo o que lhe passava pela cabeça eram as duas semanas depois do luau; o quão fragmentado ele estivera, e como havia sido difícil juntar os pedaços apenas o suficiente para que ele fosse capaz de respirar normalmente.
E ele não queria nada disso novamente. Não mesmo.
— Eu não sei, Yoongi. É estranho — confessou, encolhendo os ombros que pesavam com sua impotência. — Está tudo uma bagunça, só estou fingindo que sei lidar com as coisas.
Era o único modo de expressar o embolo confuso em seu peito. Ao mesmo tempo em que sentia-se faminto pela companhia de Jeon Jeongguk — ao mesmo tempo em que não existia nada melhor que seus beijos e a sensação de entrelaçar os dedos na massa macia de cabelos negros do garoto —, sabia que estava equilibrando-se perigosamente na beira de um precipício. Porque uma parte dele ainda retesava, ainda queria voltar àquela noite, com as mãos de Hoseok em seus quadris e o vento quente em seu rosto, todas aquelas sensações despertadas pela primeira vez e ao mesmo tempo.
— É o Jeongguk, não é?
Taehyung piscou, sendo mais uma vez arrancado de sua linha de pensamento. Yoongi havia desviado os olhos para as próprias mãos, com a sugestão de um sorriso no rosto.
— Uh? — Tae perguntou, ligeiramente confuso.
— Jeon Jeongguk — Yoongi repetiu, erguendo o rosto mais uma vez. — Não se faça de desentendido, Taehyung. Você passou a semana inteira indo para casa com ele, dispensando as nossas caronas sem nem pensar duas vezes. Ajudar num trabalho para a escola? Certo. Essa é a pior desculpa pra transar que alguém já...
— Min Yoongi! — Taehyung deu um tapa na nuca de Yoongi, o rosto já queimando. — Nós nos conhecemos fazem meras semanas. Quem você pensa que eu sou?
Yoongi riu.
— Estamos no século vinte e um, Kim Taehyung. Fala sério — ele empurrou Tae de leve com o ombro, como se quisesse irritá-lo. — Você parece minha avó falando, e olha que ela é adepta aos conservadores extremistas.
Taehyung revirou os olhos, se recusando a responder. Mesmo que o que ele fazia — ou, no caso, deixasse de fazer — com Jeon Jeongguk não fosse da conta de Yoongi, ele ainda sentia-se na defensiva.
— Mas estamos nos desviando do assunto aqui — Yoongi continuou. — O Jeongguk é um cara legal, pelo o que eu vi. Suportável, pelo menos. Você não deveria usá-lo pra esquecer o Hoseok. Os dois vão sair fodidos dessa, e não de um jeito bom.
Tae apertou os dedos juntos, pego de surpresa pelo tom honesto e ríspido das palavras do outro. Ele não deveria sentir-se tão afetado. Afinal, nada disso era verdade, certo? Ele não imaginara, por um segundo sequer, Jeongguk como alguém em segundo plano, usado apenas para sobrepor outra pessoa ou tomar o lugar de outro.
Não. Jeongguk era como a luz nova e convidativa que ofuscava Hoseok, mesmo quando o outro ainda estava brilhando para Taehyung. Jeongguk não estava substituindo Hoseok, mas aos poucos superando-o. Tomando o próprio lugar e fazendo com que Taehyung quisesse — precisasse — olhar para ele, e apenas para ele. Porque, quando Jeongguk se colocava a vista, todo o resto tornava-se corroído e desinteressante.
E, quando ele estava com Hoseok, as coisas simplesmente queimavam. Doíam, sufocavam, aqueciam, extasiavam. Com Hoseok tudo era imprevisível e inconstante, e havia uma parte de Taehyung que ainda queria isso.
Ele deveria ser maluco.
— Não é isso — Taehyung disse, aliviado ao ouvir a convicção em sua voz. — Não estou usando ele.
Yoongi arqueou uma sobrancelha.
— Tem certeza?
Taehyung odiava ter seus sentimentos questionados — ele já fazia isso consigo mesmo vezes o suficiente. Com um suspiro de impaciência preso na garganta, ele apontou discretamente para Park Jimin.
— Está vendo aquele cara de cabelo laranja?
Yoongi olhou, procurando e rapidamente achando o garoto.
— A-ham. Ele é bonitinho. Amigo do Jeongguk, certo? Mas o que ele tem a ver com o assunto?
Taehyung teve que forçar as palavras garganta acima, sentindo-as mais pesadas e difíceis de admitir do que deveria. Teve que cravar as unhas nas próprias palmas para afastar a amargura em seu tom quando pronunciou:
— Jeon Jeongguk é apaixonado por ele.
O rosto de Yoongi iluminou-se imediatamente com o entendimento. Ele abriu a boca como se fosse dizer algo, mas fechou-a logo em seguida conforme suspirava, parecendo procurar pelas palavras certas.
— Entendeu agora? — Taehyung perguntou, a voz um oitavo mais baixa.
— Eu já entendi tudo — Yoongi respondeu. — Vocês estão usando um ao outro. Isso só deixa as coisas mais horríveis ainda.
Taehyung arqueou as sobrancelhas. Ele não enxergava nada daquele jeito. Tae e Jeongguk haviam prometido que não usariam um ao outro. Que deixariam que tudo viesse naturalmente antes de mergulhar de cabeça. Que teriam certeza absoluta de que eram apenas um do outro, antes que pudessem afirmar qualquer outra coisa. Que não iriam fantasiar mentiras e nem se machucar.
— O que está tentando dizer, Yoongi? — Taehyung murmurou, incerto.
Yoongi tomou uma longa respiração.
— Que só existem duas opções de como relacionamentos assim terminam, Taehyungie. Ou você sai machucado, ou ele sai. É inevitável. Seres humanos não são analgésicos. Eles não servem pra aliviar a sua dor.
Tae encolheu os ombros, atingido pelas palavras.
— Você está enganado, Min Yoongi. Não é nada disso — ele olhou para Jimin, tentando enxergar o garoto pelos olhos de Jeongguk.
Como seria estar apaixonado pelo ruivo? Seria desconcertante ou simplesmente vicioso? Um tipo de enjoo que nunca some ou um constante arrepio agradável no estômago que, vez ou outra, poderia ser agradável? Seria tão doloroso quanto se apaixonar por Jung Hoseok — ou talvez pior?
— Pelo menos, não pra mim — completou, sem conseguir drenar a amargura de sua voz dessa vez.
— O que isso quer dizer? — Yoongi franziu o cenho.
Taehyung procurou por um jeito melhor de formular as palavras.
— Acho que já é tarde demais para eu voltar atrás — confessou, percebendo apenas ali a verdade contida naquelas simples palavras. — Jeon Jeongguk foi um caminho sem volta.
Yoongi olhou para ele com toda a compaixão do mundo. Taehyung quase estranhou o calor nos olhos sempre tão desinteressados do amigo conforme ele balançava a cabeça, como se dissesse “Eu entendo”.
Mas deveria ser outra coisa, porque Taehyung sabia que era impossível que o garoto o entendesse. Min Yoongi nunca havia se apaixonado. Se isso já houvesse acontecido, Taehyung tinha certeza de que seria o primeiro a ficar sabendo. Se havia uma coisa de que poderia ser orgulhar, era de ser a única pessoa em que Min Yoongi confiava — mesmo que muito raramente — para dizer o que sentia de verdade.
— Mas, para Jeongguk — Yoongi questionou —, Kim Taehyung também foi um caminho sem volta?
Taehyung umedeceu os lábios, pensativo. Tentou não deixar sua frustração transparecer na postura quando sussurrou fracamente:
— Eu não sei.
Yoongi estendeu as mãos para brincar com o pingente da pulseira de Taehyung, um sorriso fraterno nos lábios rosados e machucados.
— Só não quero que você se machuque mais do que já se machucou — Yoongi tocou de leve o pulso exposto de Taehyung, passando as pontas dos dedos gelados sobre as cicatrizes finas.
Tae apertou os lábios, apreensivo. Era estranho expor seus machucados para quem quisesse ver, depois de tanto tempo os escondendo com desculpas esfarrapadas. As cicatrizes ainda doíam como feridas abertas e expostas, mas ele dissera a si mesmo, muito tempo atrás, que conseguiria lidar com elas depois — e havia sido por isso que decidira escondê-las, para início de conversa. Empurrara tudo para um fundo esquecido de sua mente, fingindo que não estavam lá.
E agora, com nada para protegê-lo da verdade crua, tudo era real demais, voltando à tona com o que aparentava ser uma camada nova de angústia acumulada ao longo de anos.
Mas Tae havia prometido a Jeongguk que superaria isso, e era o que pretendia fazer. Mesmo que levasse muito tempo.
— Fico feliz que você tenha decidido tirar aqueles malditos braceletes — Yoongi comentou, estreitando os olhos para os braços do garoto. — Eles me incomodavam.
Tae não conseguiu evitar um sorriso pequeno e envergonhado ao se lembrar da noite anterior: como Jeongguk gentil e pacientemente desatara cada um de seus braceletes, e como o fizera usar apenas a corrente que ele enfeitara com uma flor vermelha como pingente; a expressão em seus olhos quando ele pediu que Tae prometesse que ele nunca voltaria a se machucar; o tom sincero de sua voz, como se ele realmente se importasse.
E, acima de tudo, como ele sentira-se perigosamente perto de apaixonar-se por Jeongguk ali. Como ele ainda não estava muito certo do que havia mudado em si agora, com uma porção de sentimentos embolando-se e colidindo dentro de si.
— Foi Jeongguk que os tirou — ele murmurou.
Yoongi arregalou um pouco os olhos, surpreso, e deu uma risada breve.
— Esse cara acabou de subir um pouquinho na minha escala de simpatia. E olha que essa é uma manobra bem difícil.
— É — Taehyung balançou a cabeça. — Eu sei.
Yoongi se afastou, voltando a colar as costas ao encosto da cadeira enquanto dizia:
— Não se machuque mais, Taehyungie.
E Taehyung não conseguiu responder, porque, acima de tudo, ele não tinha certeza se seria capaz de manter tal promessa.
Taehyung estava faminto. O Namjin’s sempre fechava cedo aos sábados e, como já passava das uma da tarde, eles haviam decidido parar numa lanchonete qualquer para comprar lanches rápidos. Depois de longos minutos discutindo e uma porção de competições de pedra, papel e tesoura, ficou decidido que seria Yoongi a ter que sair do carro debaixo da chuva fina para comprar os lanches para todos. E, mesmo depois de muito reclamar, o garoto pulou do carro e correu até a lanchonete do outro lado da rua, deixando Tae e Hobi para trás.
— Você vai à festa do Jin e do Namjoon, não é, Tae?
Taehyung, estirado sobre o banco traseiro com um dos fones no ouvido, pausou uma música do Twenty One Pilots bem no meio e arqueou as sobrancelhas.
— É claro que vou — respondeu. — Eu não perderia a comida do Jin por nada.
Hoseok assentiu, concordando. Um silêncio desconfortável passou por eles, e Taehyung desejou que Yoongi se apressasse. Mesmo que Tae e Hoseok estivessem se habituando rapidamente à presença um do outro, ainda era difícil achar um tópico de conversa que não fosse estranho para os dois. Por isso, Taehyung apenas ficou calado, os olhos fechados e com os dois fones no ouvido sem tocar nenhuma música, apenas para aliviar ligeiramente a estranheza da situação.
Passaram-se pelo menos dois minutos até que Hoseok se pronunciasse de novo. Ele mexeu-se desconfortavelmente no banco do carona e perguntou, sem olhar para Tae:
— Jeon Jeongguk também vai?
Taehyung mordeu o interior das bochechas. Hoseok não parecia muito feliz com a presença constante de Jeon Jeongguk. O garoto sempre fora do tipo protetivo quando se tratava de seus dois melhores amigos — era ele que sempre se oferecia para levar a culpa e defendia Yoongi e Taehyung quando era preciso, mas também era o primeiro a torcer o nariz à ideia de outras pessoas em seu estrito grupo de amigos —, e Tae imaginava que Hoseok não estava assim tão animado com a quantidade tempo que ele estava passando com Jeongguk.
— Eu não sei — admitiu. Não conseguira reunir coragem o suficiente para mandar uma mensagem para Jeongguk e perguntá-lo do jantar para qual Jin os convidara. — Por quê?
Hoseok balançou a cabeça uma vez.
— Por nada. Eu só estava imaginando. Jin-hyung o convidou, então... — ele deixou a frase inacabada com um dar de ombros.
Taehyung se ajeitou no banco, puxando os joelhos e os colocando debaixo do queixo. Respirou profundamente, tomando coragem para perguntar:
— Você não se incomoda com o Jeongguk, não é, Hobi?
— O quê? — Hoseok franziu o cenho, se virando para Taehyung com uma expressão confusa. — Não sei do que você está falando?
Os ombros de Tae caíram.
— Sinceramente — resmungou. — Você fica incomodado sempre que ele está por perto e é óbvio que não quer que ele vá à festa do Seokjin.
Hoseok deu uma risada cínica.
— Ah, me desculpe. É só que eu não entendo, tudo bem? Só não estou certo do que pensar sobre ele. Esse cara chegou do nada e você já... ugh, eu não sei.
— O quê? — Taehyung balançou a cabeça, retribuindo a risada sarcástica com o mesmo tom seco. Antes que pudesse parar a própria língua, ele continuou, o tom baixo e taciturno: — Parei de perambular por aí choramingando por causa de você?
A expressão de angústia no rosto de Hoseok — que o outro tentou e falhou em esconder — não atingiu Taehyung nem um pouquinho. Antes que o outro tivesse a oportunidade de responder alguma coisa, a porta do carro se abriu e lá estava Yoongi, carregando sacolas de papel gordurosas e um recipiente de papelão com três copos de refrigerante. Ele fechou a porta com força, resmungando:
— Maldito tempo.
Taehyung, mordendo os lábios para disfarçar a tensão, inclinou-se entre os bancos e estendeu as mãos para pegar a comida e os refrigerantes.
— O que você trouxe? — perguntou, já vasculhando dentro das sacolas. Haviam três pacotes de sanduíches e batatas fritas de tamanho grande, além de uma sacola extra de ketchup e daqueles molhos especiais que Hoseok tanto adorava. — Sem sobremesa?
— Não abuse da minha boa vontade, Kim — Yoongi respondeu, estreitando os olhos enquanto ligava o carro. — E feche essa maldita sacola. Vocês não vão sujar o carro de molho de churrasco. Vamos comer em casa e debaixo dos cobertores, de preferência.
Taehyung obedeceu, deixando a sacola de lado — embora estivesse morrendo de fome —, e encolheu-se num dos cantos do banco, encostando a cabeça na janela e tentando, a todo custo, não colocar os olhos sobre Hoseok. Estava realmente muito frio naquele dia. Ele ignorou o nó em sua garganta, fingindo que a discussão com Hobi não havia acontecido conforme deixava que a música em seus ouvidos fizesse o trabalho de entretê-lo. E, ainda assim, enquanto encolhia-se debaixo do cobertor que sempre ficava de reserva no carro e contava as gostas de chuva que escorregavam pelo vidro fechado da janela, era difícil focar numa coisa só.
Hoseok, Jeongguk e Park Jimin faziam um bom trabalho deixando-o confuso, disputando fervorosamente por um lugar no topo de seus pensamentos. Isso causava-lhe dor de cabeça. Taehyung suspirou conforme o carro o balançava de um lado para o outro. Hoseok e Yoongi estavam em silêncio, ambos focados em seus próprios mundos.
Tae, com um suspiro de desistência, puxou o celular do bolso do casaco e abriu as mensagens.
Você: jeon jeongguk?
Ele esperou, encarando a tela com certa apreensão. Já havia passado do meio-dia havia muito, então parecia difícil que Jeongguk ainda estivesse dormindo. Ainda assim, demoraram longos minutos — ou pelo menos pareceram longos para Taehyung, cujo estômago revirava — para que o outro se pronunciasse.
Jeongguk: Kim Taehyung
Taehyung sorriu para a resposta, sem conseguir controlar o modo como seu estômago se agitou ansiosamente e como seu coração acelerou em seu peito, deixando seu rosto quente. Ele mordeu a língua, obrigando-se a formular a pergunta que queria fazer.
Você: vai estar ocupado hoje à noite?
Jeongguk: Na verdade sim
A animação de Tae dissipou-se de uma vez só. Ele estava prestes a responder um “ah, tudo bem então” quando outra mensagem chegou.
Jeongguk: Esse tal de Seokjin me chamou para uma festa e eu pretendia ir com você
O peito de Tae se aqueceu de novo. Ele sorriu para a tela do celular. A música que tocava em seu ouvido — Roll Deep da HyunA — não combinava com o momento. Ficou feliz por aquela ser uma conversa por mensagem, porque pôde fingir que estava levando tudo sem surtar quando respondeu:
Você: se você insiste
Jeongguk: Insisto, sim
Taehyung sorriu. Antes que pudesse digitar uma resposta, eles haviam estacionado na calçada de sua casa. Enquanto descia do carro, encolhendo-se por conta da chuva e carregando um almoço nada saudável nos braços, ele sequer lembrou-se de que estava com raiva de Hoseok.
Os três sentaram-se no mesmo sofá na sala, as pernas de um jogada sobre as dos outros enquanto eles dividiam uma porção de cobertores, discutindo sobre qual filme veriam. Ainda havia um bom tempo até a festa de Namjoon e Jin, e eles estavam entediados.
Mas Taehyung, que vez ou outra checava o celular e sorria para uma mensagem de Jeon Jeongguk, não estava realmente interessado no filme de terror que Yoongi escolheu — um chamado O Ritual.
Em certo ponto, quando o assunto com Jeongguk parecia ter acabado, Taehyung lembrou-o:
Você: você deixou sua jaqueta comigo
Jeongguk demorou um minuto ou dois para responder enquanto Tae mordia os lábios nervosamente. Ele havia deixado a jaqueta sobre a cama durante a manhã, esperando que o cheiro de Jeongguk se misturasse às suas cobertas.
Jeongguk: É porque quero que fique com ela
Taehyung olhava com incerteza para o seu reflexo no espelho do banheiro enquanto escovava os dentes rapidamente. Yoongi estava ao lado dele, dividindo o espaço de um dos únicos espelhos da casa e usando os dedos para desembaraçar os cabelos verdes.
— Você não tem uma jaqueta decente, Tae? — Hoseok gritou do quarto. Dali, Taehyung conseguia escutá-lo revirando suas gavetas e provavelmente deixando tudo uma bagunça.
Como o filme havia acabado mais tarde do que eles pretendiam, os três tiveram de se arrumar na casa de Taehyung para que não se atrasassem.
Tae limpou a boca e revirou os olhos para Yoongi, silenciosamente reclamando da personalidade exigente de Hoseok. O outro deu de ombros com uma risada, voltando a tentar arrumar o cabelo. Taehyung suspirou e foi até o quarto. Hoseok havia jogado uma porção de roupas sobre o chão e agora vasculhava a última gaveta do guarda-roupa minúsculo de Tae.
— Essa jaqueta é sua — o garoto de cabelos castanhos apontou para uma jaqueta de couro com desenhos coloridos nas costas que Hoseok deixara ali algum tempo atrás, e agora estava jogada ao lado das outras roupas de Tae. — Por que não usa ela?
— Só a deixei aqui pra me livrar dela — Hoseok bufou, levantando o rosto para Tae. — Ei, espera. Essa jaqueta que você está usando. Ela ficaria perfeita com os meus jeans.
Taehyung olhou para si. Estava usando a jaqueta de Jeongguk. Ele colocou as mãos nos bolsos e balançou a cabeça.
— Nem pensar.
— Por que não? Você ficaria bem com qualquer uma dessas suas roupas, mas eu estou tendo uma emergência aqui.
Yoongi surgiu pela porta, parecendo ter finalmente ficado satisfeito com o estado de seu cabelo molhado. Ele usava uma blusa branca de Tae que parecia enorme em seu corpo magro e seus próprios jeans claros e rasgados, que ele achara por acaso no guarda-roupa de Tae. Os amigos de Taehyung sempre esqueciam roupas em seu quarto depois de dormir ali, e ele sempre se esquecia de devolver. Tae era grande demais para usar as roupas dos amigos, então só as deixava enfiadas no fundo do guarda-roupa.
— Você é dramático — Yoongi reclamou. Ele pegou um casaco qualquer das pilhas de roupas espalhadas pelo chão, sem sequer olhar para a peça de roupa antes de jogar o moletom preto sobre os ombros. — Viu? Simples. Agora ande logo, Hoseok. Jin vai ficar chateado se nos atrasarmos muito.
Depois de pelo menos quinze minutos tentando, Taehyung conseguiu convencer Hoseok a usar a maldita jaqueta de couro, e eles foram em direção ao carro. No caminho, Tae parou para deixar um bilhete para sua mãe, já que ela estava trabalhando e não poderia ir à festa.
prometo que volto antes de meia-noite
hobi e yoongi estão comigo
vou tentar trazer algum dos doces do jin-hyung pra você
te amo
ass: o único outro residente da casa
Enfeitou tudo com uma porção de corações e pendurou o bilhete na geladeira, sabendo que ali ela o veria, e então seguiu os outros para o carro. Do lado de fora, a chuva havia cessado um pouco, sendo transformada numa brisa fria que fez os ombros de Tae se encolherem instantaneamente. Ele teria que dirigir, já que era o único que sabia onde Jeongguk morava, então apressou-se em sentar no banco do motorista e fechar a porta.
— Não — Yoongi impediu que Hoseok entrasse nos bancos traseiros, empurrando-o em direção ao banco do carona. — Eu vou atrás com o Jeongguk, e você na frente.
Taehyung fingiu não escutar quando Hoseok bateu a porta do carona com força, sem dizer nada. Ele estava convencido a não deixar nada estragar seu bom humor, e não seria Hoseok a desfazer isso.
— Estão prontos? — ele perguntou, virando-se para checar Yoongi, que acenou rapidamente. — Certo. Vamos lá então.
Ele mordeu a língua para evitar o enorme sorriso que ameaçava surgir em seus lábios apenas com a ideia de encontrar Jeongguk novamente. Depois da noite anterior, ele vinha ansiando pela sensação das mãos de Jeongguk ao redor de si mais uma vez. Sentir os lábios de Jeongguk nos seus e poder abraçá-lo.
Não seria perfeito, porque eles não estariam sozinhos. Mas, ainda assim, teria que ser o suficiente.
— Coloque uma música — Hoseok reclamou, procurando pelo cabo no porta-luvas para ligar seu celular ao rádio do carro. — A noite está terrivelmente desanimada e eu me nego a chegar à uma festa nesse humor.
Já fazia algum tempo desde que eles haviam ido a uma comemoração juntos, então é óbvio que Jung Hoseok, que fora eleito pelo universo como a eterna alma da festa, queria deixar tudo perfeito, mesmo que fosse só uma coisa meio formal na casa do Jin-hyung. Por outro lado, falando por experiências passadas, Seokjin tinha um dom para festas. Ele tinha uma porção de amigos malucos e interessantes que não deixavam a comemoração morrer. No aniversário de Namjoon, alguns meses antes, Jin havia alugado um salão e feito a festa durar até a manhã sem que Taehyung sequer houvesse reparado. Ele acabara ficando de castigo por uma semana, mas valera a pena.
— É só um jantar, sabe — Yoongi lembrou.
— Não quando se trata do Seokjin-hyung — Hoseok retorquiu, enquanto aumentava o volume de uma música eletrônica qualquer. — Quero dizer, pode ser um jantar, mas não vai ser só um jantar.
Yoongi revirou os olhos, mas, em silêncio, Taehyung concordou com Hoseok.
Eles dirigiram. Quando Good Boy começou a tocar, até mesmo Yoongi se rendeu e cantarolou algumas partes, o que fez Hoseok rir para o tom desafinado do garoto. Taehyung sorria vez ou outra, apenas observando, sem dizer muito. A ansiedade apertava um nó forte em seu estômago, e ele praguejava cada um dos sinais vermelhos que o atrasavam.
Demoraram longos minutos para chegar em frente ao prédio duplex em que Jeongguk morava. Ao parar no acostamento, Taehyung só percebeu que Jeongguk já esperava na calçada quando este se moveu, começando a caminhar em direção ao carro com um sorriso.
Taehyung foi atingido por algo tão forte quanto um soco na cara ao observar Jeongguk se aproximando. Ele usava uma blusa azul-marinho de mangas longas, de um material fino que se ajustava perfeitamente ao redor de seus braços fortes. Taehyung apertou as mãos ao redor do volante, tendo que segurar-se para não arfar.
Jeon Jeongguk era bonito com seus jeans desbotados e blusas amassadas, mas estava completamente estonteante com o cabelo devidamente penteado e calças de couro que apertavam-se ao redor de suas coxas.
Enquanto o outro caminhava em direção ao carro, Tae perdeu um pouco da noção da realidade. Ele só conseguia pensar no quanto queria bagunçar o cabelo penteado de Jeongguk com os dedos; em como queria sentir o cheiro de seu pescoço exposto e o toque de suas mãos geladas sobre sua pele aquecida.
E então, remexendo-se desconfortavelmente no banco, ele piscou seu caminho de volta à vida real no mesmo momento em que Jeongguk parava ao seu lado e batia no vidro da janela de leve com os dedos.
Taehyung abriu-a apressadamente, e Jeongguk colocou a cabeça para dentro, sorrindo de leve para ele com os lábios a pouco mais de quinze centímetros dos seus. Tae não conseguiu evitar respirar fundo para absorver o máximo do cheiro de Jeongguk na primeira oportunidade que teve.
Estava começando a ficar obcecado com rosas e pimenta.
— Bonita jaqueta — Jeongguk murmurou, e, antes que Taehyung pudesse gaguejar uma resposta, ele virou-se para Hoseok e Yoongi, dizendo: — Oi, olá.
Hoseok acenou a cabeça em resposta, mas Yoongi ignorou o cumprimento e disse:
— Entre logo, Jeon Jeongguk. Não queremos que você pegue um resfriado e passe para o resto de nós depois.
Jeongguk riu e, depois de olhar uma última vez para Tae, virou-se e foi se juntar a Yoongi nos bancos de trás, deixando Taehyung encarando o nada. Ele suspirou, obrigando-se a recompor enquanto girava a chave novamente.
— Você tem toque de recolher ou alguma coisa assim? — Hoseok perguntou, virando-se para Jeongguk. Tae ficou aliviado ao perceber que o tom do amigo não era rude, apesar de não ser dos mais simpáticos também. — Porque não temos hora pra voltar.
Jeongguk riu, debochado, e Taehyung sabia por quê. Mesmo que os pais de Jeongguk se importassem em estabelecer um horário para que ele voltasse para casa, ele não parecia ser do tipo que avisa quando ia sair ou que respeitava toques de recolher.
— Não — o garoto respondeu, simplesmente. — Mas achei que fosse só um jantar.
— Não é só um jantar — Hoseok repetiu o que dissera para Yoongi alguns minutos antes. — É uma festa.
— Ele já disse isso um milhão de vezes — Yoongi falou para Jeongguk. — Não é uma rave nem nada, e o máximo que o Jin-hyung vai deixar a gente fazer é tomar uma piña colada sem álcool.
— O Namjoon sempre arruma um jeito de desviar os olhos quando nós nos aproximamos das bebidas nas festas deles — Taehyung lembrou.
— É o aniversário de casamento deles — Yoongi deu de ombros. — Não vai ser nada extravagante.
— É de Kim Seokjin que estamos falando — Hoseok riu.
E, mais uma vez, Tae tinha que concordar com Hobi. Ele deu partida no carro e não conseguiu evitar sorrir para o reflexo de Jeongguk sempre que seus olhos se encontravam no espelho retrovisor. Ele queria tanto que aquela viagem de carro acabasse para que ele pudesse se aproximar do outro, mas seriam mais alguns minutos até o prédio de Namjoon e Jin.
O apartamento de Jin e Namjoon ficava num prédio bonito, do tipo que a mãe de Taehyung teria de trabalhar vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana para conseguir comprar. Ele já havia ido até lá em uma porção de ocasiões — certa vez, haviam preparado uma festa surpresa para Yoongi no grande terraço dos dois —, e sabia que eles haviam conseguido um apartamento tão caro por conta da vez em que Jin ganhara um importante concurso de gastronomia americano.
Depois de deixar o carro na garagem, eles subiram pelo elevador ao lado de outras duas pessoas desconhecidas que ignoraram completamente a presença dos quatro. Yoongi e Hoseok comentavam sobre a quantidade de carros que estavam parados no acostamento do lado de fora, e Taehyung, caminhando lado a lado com Jeongguk — que também estava em silêncio —, precisou atar as mãos em frente ao corpo para que elas não fossem em direção ao garoto.
Apesar de tudo, Hoseok não sabia de nada sobre a relação indescritível dos dois e Yoongi apenas fazia uma ideia. Então, ele preferiu manter suas mãos para si mesmo enquanto subiam até o apartamento, mesmo que essa fosse a última coisa que quisesse fazer.
Ficava no penúltimo andar. Eles desceram animadamente e seguiram até o número 1308.
Mesmo a três metros da porta do apartamento de Jin e Namjoon, eles conseguiram ouvir a música. Não era exatamente animada, mas do tipo que consegue fazer você balançar a cabeça e bater os pés no ritmo das batidas do fundo.
Quando eles abriram a porta destrancada, sem se dar ao trabalho de bater antes, foram envolvidos pelo aroma de comida e a luz amarela morna da sala. O cômodo amplo estava revestido de pequenas decorações de tecido vermelhas, e os lustres haviam sido renovados desde a última vez em que Taehyung estivera lá. O teto era alto, e os sofás haviam sido tirados da sala de estar, substituídos por mesas redondas forradas por tecido branco. Uma mesa maior no centro exibia uma porção de comidas, a maioria delas caras demais para serem vendidas no Namjin’s, e um grande bolo de chocolate adornava o meio da mesa, exibindo dez pequenas velas, uma para cada ano de casamento.
Taehyung sorriu, o peito aquecido. Só um jantar. Certo.
Sentia-se tão privilegiado por ter conhecido Namjoon e Jin. Com seus conselhos, seus abraços, sua comida deliciosa e até mesmo os puxões de orelha, Tae não conseguia imaginar sua vida sem os dois. E era aquilo que ele queria para si: uma relação tão fácil quanto a deles, a ideia de Feitos Um Para O Outro que os livros de romance tanto vendiam.
— Uau — Jeongguk exclamou ao lado de Tae, tirando-o de seu devaneio enquanto girava a cabeça para olhar para a grande sala do apartamento conforme eles entravam. — Isso aqui é um bom exemplo do que eu nunca vou conseguir ter.
— Pessimista — Taehyung acusou, empurrando Jeongguk de leve com o ombro enquanto balançava a cabeça.
— Realista — o outro corrigiu, sorrindo.
Mesmo depois de algum tempo juntos, Tae não conseguia parar de arquivar todos os sorrisos de Jeongguk num lugar reservado apenas para ele em sua mente. Já havia perdido as contas de quantos haviam sido, mas lembrava-se de todos desde o começo, e havia decorado os aspectos de cada um deles. Quando estava feliz, Jeongguk franzia o nariz ao sorrir. Seu sorriso convencido vinha junto a um levantar do queixo, o pescoço esticado e os olhos estreitos.
Já quando eles estavam a sós, os olhos focados demais um no outro para enxergar qualquer outra coisa, o sorriso de Jeongguk era o mais bonito de todos — entrava em harmonia com seus olhos e todo o seu rosto ficava relaxado, livre de qualquer outra inibição —, e Taehyung se orgulhava de despertar isso no outro garoto.
Mas ali, parado ao lado de Jeongguk, ele imaginou qual seria seu tipo de sorriso quando ele estava com Park Jimin. Seria possível que fosse ainda mais bonito? Ele imaginava, num ponto escuro de seus pensamentos: o que a paixão deveria acrescentar ao sorriso de Jeon Jeongguk.
Taehyung gostaria de descobrir um dia.
Essa vontade fez sua confiança fraquejar, mas ele não teve muito tempo para refletir sobre isso porque, no próximo segundo, havia braços envolvendo seu pescoço, e Jin o balançava, dizendo:
— Vocês demoraram, mas vieram! Ah, estou tão feliz que vieram!
E então já o estava o soltando, indo abraçar os outros. Ele deixou Jeongguk por último. Abraçou o garoto com a mesma animação, e Taehyung sorriu para o olhar de surpresa — e certo desconforto — no rosto de Jeongguk enquanto Seokjin falava:
— Você merece um abraço também. Obrigado por vir, Jeon Jeongguk! — ele soltou o garoto de cabelos negros, sorrindo enquanto acenava para eles. — Eu fiz coquetéis de frutas sem álcool pra vocês quatro, venham, venham.
Depois de Jin ter se virado, Jeongguk comentou:
— Quantas doses daquelas piñas coladas ele já bebeu?
— Por incrível que pareça — Yoongi respondeu. — Jin é sempre animado desse jeito. Com piñas coladas ou não.
Eles seguiram o loiro até a mesa de bebidas. O lugar já estava cheio, então eles tiveram que desviar de algumas pessoas para chegar até Jin. Nenhuma das mesas estavam ocupadas, pois todas as pessoas — amigos de Jin e Namjoon que Tae reconhecia de outras festas — estavam de pé, alguns com copos de bebidas nas mãos e outros devorando alguns dos salgadinhos sobre a mesa.
— Aqui — Jin apontou para alguns pequenos copos de plástico cheios de líquidos coloridos, de cores distintas. — Coquetéis de frutas sorteados. Não tem nenhum que seja igual aos outros. Fiz isso pra deixar menos entediante, porque sei que bebidas não-alcóolicas não são divertidas.
— Estava tentando amenizar o nosso fardo? — Hoseok perguntou, já estendendo o braço para pegar um dos copos. — Muito obrigado, Jin.
— Não há de quê — Seokjin respondeu. — Eu vou chamar o Namjoon. Ele vai querer ver vocês. Esperem aqui.
Cada um dos quatro pegou um copo. O de Taehyung tinha gosto de kiwi e algo bem no fundo que se parecia, ao mesmo tempo, com manga e maracujá. Ele fez careta no início, mas logo se habituou ao gosto. Afinal, estava convencido de que nada que Kim Seokjin fazia poderia, em hipótese alguma, ter gosto ruim.
— O meu tem gosto de xarope de pêssego — Jeongguk falou, franzindo o cenho para seu copo. — É estranho. Mas eu gosto.
— Eu peguei um de frutas vermelhas — Hoseok reclamou, bebendo de uma vez só o resto do conteúdo de seu copo. — Chato. Quero outro.
— Não consigo decidir se o meu tem maracujá ou manga — Taehyung falou, tentando apurar o gosto. — Ou talvez os dois.
— Não é tão divertido quanto bebida alcóolica — Yoongi deu de ombros. — Mas talvez seja o suficiente para me entreter pelo resto da noite.
— Crianças.
Os quatro se viraram num movimento quase único para ver Namjoon se aproximando. Ele acenou com a cabeça para algumas pessoas enquanto abria caminho até eles. Diferente de Jin, ele apenas abriu um sorriso como cumprimento, ao invés de espremê-los com um abraço sufocante.
Namjoon não dava muitos abraços, apenas alguns raros e reconfortantes.
— Espere — ele parou, franzindo a testa para Jeongguk. — Você é novo.
Jeongguk sorriu de um jeito educado.
— Jeon Jeongguk, senhor. Sou amigo do Taehyung.
Ah, certo.
— Quer dizer que não somos amigos, Jeon Jeongguk? — Yoongi perguntou, fingindo estar ofendido. Num tom exagerado, ele disse: — Palavras machucam, sabe.
Jeongguk riu, levando Taehyung a sorrir. Ele ficava feliz ao ver que Yoongi e Jeongguk se davam bem. Hoseok revirou os olhos para Yoongi e resumiu:
— Nós andamos com o Jeongguk por aí de vez em quando.
— Eu o convidei, querido — era Jin, aparecendo mais uma vez para envolver um braço ao redor de Namjoon, apoiando o queixo sobre o ombro do marido. — É uma criança adorável, também.
— Seja bem-vindo, Jeon Jeongguk — Namjoon disse, inclinando-se num breve cumprimento, que Jeongguk retribuiu. — Fico muito feliz que vocês tenham vindo.
— Namjoon me convenceu a não fazer uma festa de verdade — Jin contou, falando baixo como se Namjoon não estivesse bem ali. — Então me desculpem se isso estiver uma chatice. Eu prometo que vou fazer alguma coisa decente da próxima vez.
— Você acabou de dar coquetéis sem álcool para eles e quer falar sobre chatice — Namjoon riu. Antes que Seokjin pudesse protestar, ele virou-se para Tae e falou: — Taehyung, será que pode me acompanhar?
Tae franziu a testa, mas balançou a cabeça, dizendo:
— Claro — virou-se para Jeongguk e murmurou: — Eu já volto.
Jeongguk assentiu, apesar de parecer muito incerto. Namjoon, depois de garantir a Jin que já estaria de volta para receber os outros convidados, caminhou com Namjoon até a cozinha, que ficava nos fundos. O lugar estava escuro e desarrumado — Jin provavelmente passara a tarde trabalhando ali —, e Namjoon não se demorou em perguntar, depois de ter fechado a porta:
— Quem é Jeon Jeongguk?
Taehyung suspirou. Ele já esperava por uma pergunta do tipo.
— Um amigo — forçou a resposta.
Namjoon riu, balançando a cabeça para Tae.
— Certo — ele falou, sarcástico. — Tente de novo. Sem mentir dessa vez.
Taehyung bufou, indignado.
— Como é possível que você mal o conheça e já saiba... — ele deixou a pergunta morrer no ar, derrotado.
— Já saiba que vocês não são apenas amigos? — Namjoon perguntou, as mãos apoiadas nos quadris em sua típica pose confiante. — Jin já havia falado dele antes. Disse que vocês foram ao restaurante na semana passada, e eu estava curioso para saber quem é.
— Ah...
— Ele não é só um amigo, é?
Taehyung já não sentia mais tanta convicção para negar. Ele baixou o rosto para as próprias botas, refletindo sobre a melhor resposta. Quando não conseguiu uma, desistiu e apenas colocou tudo para fora:
— Não. Mas eu não sei o que somos, também. E ficaria feliz se você não perguntasse, Namjoon, porque isso está me deixando mais abatido do que eu queria que estivesse.
O sorriso sabe-tudo de Namjoon amenizou, tornando-se solidário. Ele colocou a mão pesada sobre o ombro de Tae, apertando-o.
— Está tudo bem, Taehyung — falou. Depois de alguns segundos de silêncio, ele acrescentou: — Isso quer dizer que você e Hoseok já se acertaram?
— Não. Por isso é tão confuso — Taehyung fechou os olhos, pressionando as têmporas como se sua cabeça doesse. Ele suspirou profundamente. — E porque... Bem, porque o Jeongguk também está apaixonado por outra pessoa.
Quando ele abriu os olhos, o rosto de Namjoon parecia estar cheio de compreensão.
— É uma relação mútua, então?
— É. Mais ou menos isso — Taehyung murmurou. — Talvez não muito mútua da minha parte.
— O que quer dizer?
Taehyung teve que se esforçar para colocar aquele sentimento confuso em palavras. Levou mais do que alguns segundos para organizar seus pensamentos e medos e colocar tudo em simples frases:
— Hum, ontem... — ele começou. — Ontem eu meio que percebi que já era tarde demais para voltar atrás. Pelo menos para mim.
— E agora não sabe o que fazer porque não faz a mínima ideia se ele se sente do mesmo jeito — Namjoon concluiu.
Taehyung abriu um sorriso que de feliz não tinha nada. Ele brincou com o pingente em sua pulseira, e disse, simplesmente:
— É.
— Eu sei que não vai adiantar muito pedir isso — Namjoon falou, suavemente, como se entendesse. — Mas, por favor, não se machuque mais, Taehyung.
Tae riu com a ironia daquela frase.
— Você é a segunda pessoa que me pede isso só hoje.
Namjoon sorriu.
— Yoongi? — perguntou.
Tae balançou a cabeça.
— Ele mesmo.
— É claro que sim. Agora, vamos voltar para a festa antes que o Jin venha atrás de nós.
Em algum momento, Hoseok, Jeongguk, Yoongi e Tae haviam acabado jogados num dos cantos, sem sequer se incomodando com os olhares que recebiam de alguns adultos por serem quatro adolescentes jogados sobre o chão com uma porção de mesas e cadeiras ao redor. Eles haviam bebido todos os coquetéis de frutas sem álcool, e agora, entediados e com uma porção de salgadinhos no centro do círculos que suas pernas formavam, resmungavam sobre o quanto não queriam crescer.
— Não entendo por que alguém iria querer ser adulto — dizia Hoseok, brincando com um dos botões de sua jaqueta. — Digo, as responsabilidades da escola já são uma merda. Imagine como deve ser mais merda ainda ter que arcar com dívidas, um emprego ruim e a pressão de formar uma família.
Yoongi, apoiado numa parede, riu, cínico.
— Bem, eu sei que eu nunca vou formar uma família. Então já é uma preocupação a menos.
— Acho que o pior de tudo é a obrigação de ser alguém — Jeongguk comentou. — Porque, antes de você completar vinte anos, eles dizem que você não é ninguém. E, no momento em que isso muda, querem que você faça algo de útil, que ganhe o próprio dinheiro, que tenha sua própria marca.
— É por isso que eu odeio essa maldita sociedade — Taehyung suspirou. — Por isso e por umas outras coisas.
Os outros três suspiraram em uníssono, concordando. Hoseok resmungou enquanto se levantava.
— Vou buscar mais salgadinhos. Os de queijo acabaram.
Falando isso, ele se levantou e afastou-se em direção à mesa. Yoongi, depois de um suspiro, começou a se levantar também.
— Tantas sucos de fruta misturados me deixaram com vontade de ir ao banheiro. Eu já volto.
Isso deixou Taehyung e Jeongguk sentados um de frente para o outro, sob a luz estranha dos lustres e ao som de uma música lenta e um tanto entediante. Jeongguk sorriu para Tae, que sorriu de volta.
— Venha cá — Taehyung se levantou, puxando Jeongguk pela mão para que ele o seguisse.
Quando suas mãos se tocaram, um arrepio percorreu a espinha de Tae. Ele estivera as últimas três horas querendo entrelaçar seus dedos — tocar o outro, por mais mínimo e singelo que esse toque fosse. Enquanto guiava Jeongguk por entre as pessoas na sala, querendo chegar às portas que levavam ao lado de fora, ele não se importou no que Hoseok e Yoongi pensariam ao voltar e perceberem que os dois haviam sumido. Ele não conseguiu se importar porque, com todas as suas forças, tudo o que queria era passar os dedos pelo rosto de Jeongguk, envolver seus braços ao redor dele e juntar seus lábios.
— Para onde está me levando? — Jeongguk perguntou no ouvido de Tae, o sorriso aparente em seu tom.
— Para o terraço — respondeu, sem enigmas ou charadas.
Ao dizer isso, eles chegaram às portas de vidro. O prédio de Namjoon e Jin, apesar de bonito, era antigo. Por isso, havia sido construído num estilo meio nova-iorquino dos anos 90, e, ao invés de uma simples sacada, tinha um terraço quadrado, onde Jin construíra alguns canteiros de flores e colocara um par de mesas brancas e cadeiras de metal.
Quando os dois emergiram no terraço, o vento golpeou o rosto de Taehyung, e ele suspirou a sensação gelada do ar em seu rosto. Não chovia e nem chuviscava, e Tae secretamente agradeceu por isso conforme puxava Jeongguk até a beirada.
— Você não tem medo de altura, não é?
Antes que Jeongguk pudesse negar com um aceno da cabeça, eles já estavam colados à beirada de cimento do terraço, observando a imensidão lá embaixo. As ruas eram um mar de luzes, carros, buzinas, pessoas, prédios, casas, fábricas.
Taehyung sorriu para a lua tímida por entre as nuvens de outono, com as mãos de Jeongguk ao redor de seu quadril. As estrelas não estavam visíveis, mas ele sabia que elas estavam lá, em algum lugar.
— É uma vista bonita aqui de cima — murmurou. Por sua visão periférica, podia perceber que Jeongguk o encarava com uma sobrancelha arqueada. — A cidade e tudo o mais. Faz você sentir aquele tipo de coisa clichê de estar no centro do mundo. Do universo, talvez.
— Não sei você, mas eu não estou interessado na vista, Taehyung — Jeongguk falou, tão perto de seu ouvido que seu hálito fez um arrepio percorrer o corpo inteiro de Tae.
O de cabelos castanhos se virou para ficar cara a cara com Jeongguk.
— Você está tão bonito hoje — ele falou, estendendo as mãos para brincar com um fio que fora bagunçado pelo vento para fora do penteado de Jeongguk. — Você fica bem de qualquer jeito, mas... Ah. Eu não. É a primeira vez que eu o vejo com o cabelo penteado.
Jeongguk sorriu. Ele inclinou-se para beijar um dos cantos dos lábios de Taehyung, fazendo o de cabelos castanhos suspirar diante da delicadeza do toque. Ele se afastou apenas alguns sentimentos, mas ainda perto o suficiente para que suas respirações se misturassem, geladas por conta do vento.
— E você está absolutamente perfeito, como sempre. Ainda mais com a minha jaqueta.
Taehyung não conseguiu negar-se à urgência de beijar Jeongguk. Quando seus lábios finalmente se juntaram, um peso enorme foi tirado de seu peito. Ele estivera tão ansioso para deslizar seus dedos entre os cabelos de Jeongguk, e foi exatamente isso o que fez. Puxou-o pela nuca, aprofundando o beijo sem conseguir esperar mais. Queria absorver tudo sobre Jeongguk: o gosto de frutas em sua língua, a maciez de seu cabelo, o cheiro de sua pele. Queria colocar seus braços ao redor do pescoço do outro e o puxar inteiro para si, e queria sentir Jeongguk o apertando com a mesma intensidade.
Porque — ele notou com uma pontada de tristeza — não sabia o quanto mais aquilo duraria. Não sabia se Jeongguk se cansaria dele em breve, ou dali algum tempo. Temia não ter o outro por inteiro, e queria aproveitar aquilo que lhe era proporcionado enquanto ainda podia.
E, por isso, todo o peso que foi tirado de Taehyung foi substituído por um novo: o medo. Ao mesmo tempo em que os lábios de Jeongguk eram macios sobre o seu, ainda deixavam um gosto agridoce em sua língua. Uma dor no fundo de sua garganta que ele precisava colocar para fora.
Taehyung afastou o rosto, odiando-se por acabar com aquilo. Jeongguk o olhou, as sobrancelhas franzidas em confusão.
— O quê... — Jeongguk começou.
— Eu vi o Jimin hoje — Tae interrompeu.
O rosto de Jeongguk acendeu em entendimento. Ele mordeu o lábio inferior, que estava rosado, e inclinou uma das mãos para acariciar o queixo de Tae.
— Então você já descobriu — ele murmurou.
Taehyung não sabia por que continuou naquele assunto. Parecia idiota estragar aquele momento, mas ele não conseguiu se segurar. Não quando aquilo o incomodava tanto, e não quando já havia tantas outras coisas preenchendo sua cabeça. Ele obrigou-se a colocar as palavras para fora:
— Ele disse que era seu único amigo antes de mim. Foi fácil presumir — com a voz um oitavo mais baixa, ele acrescentou: — E ele também é muito bonito.
Taehyung temeu como Jeongguk reagiria. Talvez achasse que Tae estava sendo estúpido ao se importar com aquele tipo de coisa. Talvez revirasse os olhos para a sua burrice, ou admitisse que sim, Park Jimin era muito bonito.
Ao invés disso, porém, um sorriso quase triste se espalhou pelo rosto de Jeongguk. Ele se inclinou e deixou um beijo leve e doce sobre os lábios do outro enquanto dizia:
— Você é bonito, Kim Taehyung.
Um arrepio agradável tomou o estômago de Taehyung. Ele não conseguiu evitar um sorriso, mas, ainda assim, enquanto Jeongguk beijava sua bochecha e seu maxilar, ele comentou:
— Não precisa me confortar, Jeongguk. Eu... Eu já sabia que você era apaixonado por alguém. Só estou dizendo que agora sei quem é. Só isso.
Jeongguk se afastou para olhá-lo, os olhos escuros sob a luz prateada da cidade.
— Sabe? — O garoto perguntou.
Seu cabelo negro havia sido bagunçado pelo vento, estragando seu penteado. Mas Taehyung percebeu que preferia-o desse jeito.
Jeongguk inclinou a cabeça, colando suas testas antes de dizer:
— Se você já sabe por quem eu estou apaixonado, então você está sabendo melhor do que eu, Kim Taehyung. Porque eu já não faço mais a mínima ideia.
Eles se aproximaram devagar. Tão devagar que era doloroso, mesmo que a distância fosse pequena. Quando seus lábios se tocaram, o peito de Taehyung foi aquecido por um tipo reconfortante de calor. Ele deixou que os lábios de Jeongguk envolvessem os dele com delicadeza e cuidado, como se fosse uma primeira vez. Enquanto se dedos se perdiam no material macio da camisa de Jeongguk, ele murmurou:
— Nem eu.
Conforme o beijo ia se aprofundando muito lentamente, Taehyung foi preenchido pela certeza de que, sim, aquilo que sentia por Jeongguk havia se transformado drasticamente num curto período de tempo. Ao entrelaçar seus dedos no cabelo escuro de Jeongguk, a sensação era muito diferente do que ele sequer imaginara que poderia ser.
Taehyung sentia algo novo e egoísta. Algo que queria ter Jeon Jeongguk só para si, apesar de todas as dúvidas que ainda o corroíam. E ele teve que segurar tudo isso enquanto, sujeito ao vento frio e potente do inverno que se aproximava, não podia fazer muito além de beijar o outro com tudo o que tinha.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.