Mia
Os últimos dois meses tinham passado incrivelmente rápido, e eu estava exausta. Depois do sucesso do festival nosso público só aumentou, desde as curtidas na nossa page do Facebook até os nossos seguidores no Twitter. A banda ganhou seu primeiro prêmio em junho (meu melhor presente de aniversário), e isso também aumentou a visibilidade. Terça-feira passada nosso último single do CD estreou nas rádios, e acabamos as gravações do clipe dele ontem. Algum ser humano sensato e de boa índole convenceu Julie a nos dar uma semana de folga, e por isso eu estava dormindo feito uma leitoa no momento em que escutei o toque do meu celular.
— Alô — atendi com a voz mais sonolenta que consegui emitir, deixando claro pra quem quer que tivesse me ligado que havia interrompido meu sono.
— Mia? Você 'tava dormindo? Aqui é o Luke. — minha mente demorou a assimilar quem era, mas assim que o fez a vontade de esganar o destruidor dos meus sonhos (literalmente) passou. Naquele dia no hotel, enquanto mexia no meu celular, Luke salvou os números de todos os meninos sem que eu soubesse, assim como os seguiu no Twitter. Nós dois tínhamos conversado muito ultimamente, e ele nem parecia o mesmo cara calado de quando a gente se conheceu. Realmente fez jus ao aviso sobre espaço pessoal. — Você ta com voz de sono. Eu não queria incomodar.
— Não, eu não estava dormindo — menti sem ao menos saber porque — É que a minha sinusite tá atacada, sabe como é né...
Muito bom, Mia. Essa desculpa foi tão sensacional quanto seu motivo.
— Hm, tudo bem — Luke não soou muito convencido com a minha explicação meia boca, e eu não o culpava.
Esperei dizer porque me ligou, mas ele ficou mudo do outro lado. Olhei para a tela do celular checando se a ligação tinha caído ou algo do tipo, mas estava tudo normal.
— Luke?
— O que?
— Não vai dizer porque ligou?
— Ah, desculpa — ele pediu, e eu pude sentir seu sorriso mesmo sem vê-lo — Hm, Ashton me pediu pra perguntar se você e as meninas não querem sair pra fazer alguma coisa hoje à noite.
— Aí na Austrália? — ironizei.
— Não, engraçadinha. Achei que você soubesse que nós estamos em Nova Iorque.
— O quê? — me sentei na cama com a surpresa.
— Ninguém te avisou?
— Não, ninguém disse nada — esclareci enquanto chutava o cobertor preguiçosamente — Por que o próprio Ashton não me ligou?
— Houve um acidente com o celular dele, algo envolvendo bananas e creme. Longa história.
— Tudo bem... — anui rindo; algo me disse que era melhor nem querer saber a história toda — Mas, quanto a sair, a verdade é que eu não to muito animada hoje.
— O quê? — ele disse com falsa indignação — Eu não acredito que nós viemos da Austrália só pra te ver e você vai ter a cara de pau de falar um não!
— Não. — disse rindo para irritá-lo, até porque a parte de vir da Austrália só por minha causa era mentira — Vamos deixar pra amanhã, Luke. Por favor, eu to muito exausta.
— Okay — ele disse após uns segundos de silêncio.
— Sério?
— Aham. Eu e os meninos vamos ficar aqui... sozinhos, tristes, desolados, entediados...
— Eu não vou, Luke. Nem adianta fazer chantagem emocional. — o cortei e ele parou de falar, se dando por vencido — Chama as meninas, talvez elas queiram sair.
— Tudo bem. Tchau Mia. — ele disse um pouco desanimado.
— Tchau — desliguei o telefone e me virei na cama. Queria poder sair com eles, de verdade, mas ainda estava exausta.
Não demorei a cair no sono de novo.
Naquela tarde sonhei que corria atrás do gato da vizinha com uma faca, louca e descabelada, enquanto ele ria da minha insanidade. Eu sentia como se aquele gato maldito estivesse fazendo alguma espécie de jogo mental comigo. Balancei a cabeça, tentando me livrar dessa ideia retardada. "Ele é um gato, e não um agente do FBI", pensei. Mas foi aí que ele se revelou, apoiando-se nas patas de trás e gargalhando:
— Meu nome é Muffles. Sr Muffles.
Antes que pudesse responder alguma coisa e acabar com a raça daquele gato dos infernos, acordei com o barulho incessante da campainha — parecia que esse era o único jeito que as pessoas achavam para me acordar. Olhei no celular e vi que já eram quase nove da noite, e que eu tinha hibernado durante o dia todo. Minha barriga roncou quando eu me levantei, quase escorregando no chão de madeira devido as minhas meias. Me equilibrei e desci as escadas com cuidado, ficando na ponta dos pés pra olhar quem era pelo olho mágico. Não consegui ver ninguém e gritei um "já vai", procurando a chave na bagunça que era meu aparador. Abri uma fresta da porta e quase tive um ataque do coração quando Calum exibiu seu rosto bem na minha frente.
— Jesus sacramentado! — disse enquanto abria mais a porta e colocava a mão sobre o peito — Você me assustou pra caralho!
Ele riu e me abraçou, eu ainda um pouco tonta com o susto.
— Mia! Que saudades!
— Também estava com saudades. — eu disse. Me desvencilhei do seu abraço e escorei no batente da porta, observando Luke, Ashton e Michael rindo. Não sei se era do meu susto, do meu estado físico ou dos dois.
— Vocês vão entrar ou vão ficar parados aí rindo da minha cara? — perguntei, me encaminhando até Ashton e dando um abraço apertado nele, que ria escandalosamente (como sempre).
— Credo Mia, você nem se arruma pra receber os amigos. Tá toda acabada. — ele disse me empurrando pra longe e entrando no apartamento, espaçoso. — E com bafo.
— Talvez seja porque eu acabei de acordar e não sabia que vocês viriam. — comentei indo até Michael e Luke, colocando os dois pra dentro. — O que vocês estão fazendo aqui?
— Nós tentamos combinar de ir ao cinema com as meninas, mas só Hanna topou. Emily disse que só iria se você fosse. — Luke explicou se jogando no meu sofá — Então a gente decidiu vir pra cá.
Olhei com uma cara de taxo pros quatro, e senti vontade de mandar todo mundo embora dali. Eu digo que quero descansar e o que eles fazem? Vêm todos pra minha casa.
— Hanna vai vir? — perguntei, ponderando se devia deixá-los ficar ou não.
— Ela disse que sim — Michael afirmou inocentemente, parecendo torcer para que eu não voltasse pra cama de novo.
Suspirei.
— Vou tomar um banho e escovar os dentes. — cedi, olhando bem para Ashton na segunda parte — Atendam quem chegar, fiquem longe da minha biblioteca e dos meus vinhos, e tentem não colocar fogo na casa.
Eles comemoraram com vivas e palmas, e antes mesmo de me virar já vi os olhares curiosso dos quatro sobre meus badulaques. Subi as escadas tampando minhas pernas com o blusão que usava e pensando: aonde é que eu fui me meter.
Luke
Eu não fazia ideia de como o quarto de Mia era, a não ser por leves deslumbres que tive dele enquanto conversávamos pelo Skype. Entrei enquanto ela estava no banho, e devo admitir que mesmo não fazendo meu estilo seu quarto era definitivamente um lugar onde eu gostaria de dormir todas as noites de tão aconchegante. Havia um guarda-roupa embutido em uma parede, várias prateleiras cheias de caixas, livros, porta-retratos e badulaques em outra, uma escrivaninha com um quadro de fotos e desenhos e a cama, que parecia tão confortável bagunçada que senti vontade de me deitar.
Andei pelo cômodo observando cada detalhe da Mia que havia nele. Haviam alguns desenhos muito estranhos que eu não entendia, colagens de bandas que ela gostava, fotos antigas suas ainda no Brasil e alguns textos — e cada coisinha dessa parecia ter sua história. Estava tão empenhado em futicar tudo que nem notei quando o barulho do chuveiro cessou. Uma Mia toda molhada entrou no quarto, soltando um grito quando me viu.
— Meu Deus! Hoje vocês tiraram o dia pra me assustar! — ela exclamou, indo até o guarda-roupa e tirando de lá o que parecia ser um short jeans e uma camiseta comum. Mia não demonstrava se incomodar com a minha presença, ou muito menos se sentir desconfortável por estar só de toalha.
— O que é isso? — perguntei apontando para um dos desenhos que estava perto de um pôster do Coldplay. Parecia algo que uma criança faria.
— Isso é meu mapa astral — ela respondeu, voltando para o banheiro — Gosta de astrologia? — sua voz saiu abafada pelas paredes do cômodo.
— Não sei nem meu signo. — respondi — Na verdade, é um milagre que eu saiba o que astrologia significa.
Ela entrou no quarto de novo, penteando os longos cabelos castanhos e se sentando na cama, agora devidamente vestida.
— Seu aniversário foi no último dia dezesseis, então você é canceriano. — ela disse, puxando uma revista de debaixo da bagunça de sua escrivaninha e procurando alguma coisa nela.
— Canceriano? — perguntei confuso.
— Você é de câncer.
— Ah sim. Credo. — eu disse e ela riu.
— Câncer não é ruim, apesar do nome, e é o mesmo signo do Ash. Cancerianos são geralmente sensíveis e românticos, e isso é ótimo... Aqui. — ela parou o indicador num ponto de uma figura colorida com uma escrita miúda bem pro meio da revista e me chamou pra ver. — Esse mês o Sol e Vênus estão em Libra, e por isso você pode se desentender com algumas pessoas queridas. O mais aconselhado é que você tenha paciência, mas eu precisaria fazer o seu mapa pra uma previsão mais precisa e... Bem, você nem pediu uma previsão, não é mesmo? — ela riu, ainda encarando a página — Eu provavelmente já estou falando demais.
Ela estava tão concentrada falando aquelas coisas, e tão linda, que senti vontade de beijá-la. Meus olhos corriam de sua boca até os seus, que brilhavam de excitação.
Fiquei surpreso com esses pensamentos, e os tirei da minha cabeça com a mesma rapidez que chegaram. Eu sabia que não podia fazer isso, afinal de contas nos conhecíamos a apenas três meses, e Mia era boa de mais pra mim. Então apenas concordei:
— Isso é legal, Mia. Você poderia me explicar mais depois.
Ela olhou pra mim e sorriu. Aquele sorriso lindo, onde seus olhos se fechavam quase por completo e ficavam em perfeita harmonia com as enormes maçãs de seu rosto. Ela era a única pessoa que sorria daquele jeito, um sorriso tão largo que nem Julia Roberts era capaz de dar.
A campainha tocou, me despertando do transe e fazendo com que eu finalmente parasse de lhe olhar.
— Devem ser as meninas — o sorriso de Mia foi apagando. Ela esqueceu de me responder sobre o mapa, mas eu poderia tocar nesse assunto uma outra hora — Liguei pra Emily antes de entrar no chuveiro e ela disse que viria com Hanna.
Nós descemos a escada e eu fui pra cozinha, onde Mike e Calum estavam, e Mia foi até a porta. Emily e Hanna entraram, e Emily deu a Mia um abraço apertado, cumprimentando o resto de nós com apenas um aceno, já que a sala era visível da cozinha. Olhei para Calum, lembrando do que conversamos a respeito dela mais cedo. Ele também olhou para mim e tenho certeza que pensava a mesma coisa que eu, mas ali não era o lugar certo pra falar sobre isso.
— Eu vou fazer alguma coisa pra gente comer porque 'to morrendo de fome. — ouvi Mia explicar para as meninas, que assentiram e se sentaram no sofá. Ela entrou na cozinha e foi direto para o armário, procurando alguma coisa lá dentro.
— O que você vai fazer, Mia? — Michael perguntou.
— Comida.
— Jura? — Calum perguntou brincando. — Queremos saber que tipo de comida.
— Ainda não sei, mas provavelmente comida brasileira. — deu de ombros, ainda compenetrada em sua tarefa. Seu corpo impossibilitava a visão do que quer que tivesse lá dentro, mas ela não parecia estar tendo muito sucesso. — Argh...
— Eu ouvi comida brasileira? — Hanna apareceu na cozinha. Eu nunca havia reparado isso antes, mas ela parecia uma boneca japonesa. Isso acontecia porque seus olhos azuis eram enormes, e talvez o cabelo colorido ajudasse. — Quero.
Mia, que estava concentrada em sua busca, fez uma virada digna da garotinha do exorcista e olhou pra amiga do mesmo jeito que minha mãe faz quando escuta uma piada sem graça do Jack, e em seguida deu uma única e lenta piscadela.
— Não tem nada nessa casa. — Mia engoliu em seco e olhou pro armário, que de fato, estava quase vazio. Bastou que Michael soltasse uma risadinha para que ela redirecionasse o olhar mortal a ele. — Nunca me senti tão humilhada... Como eu pude esquecer de comprar comida?
Olhei pra Calum, que tinha a mesma expressão confusa que eu. Mia era louca, eu não estava entendendo nada, mas mesmo assim Hanna parecia estar acostumada com aquela situação.
— Amiga, calma. Não é o fim do mundo. — ela abraçou Mia pelos ombros, e a mesma apenas fechou os olhos e fez bico — Você nem parou em casa, não é culpa sua. E nós ainda podemos pedir uma pizza, certo?
Mia fez uma careta mas concordou.
— Então não vai ter mais comida? — Michael quis saber.
— Pizza é comida. — Hanna disse o óbvio enquanto Mia saia da cozinha, com o celular já em mãos — Pode ser calabresa?
Calum ia abrir a boca pra dar sua opinião, mas um grito — muito alto — irrompeu da sala.
— VAI SER CALABRESA! — Mia avisou. Ela disse de maneira tão ditadora que nenhum de nós ousou discordar.
Assim, nós jantamos pizza aquela noite. As quatro gigantes e maravilhosas pizzas da Dominio's demoraram um pouco para chegar, mas a espera valeu totalmente a pena. Todos nós, sem exceção, comemos feito porcos, além de que tudo foi pura risadas e uma história mais louca que a outra. No fim, Mia disse que se recusava a lavar a louça suja, e que eu e os meninos que deveríamos limpar tudo por termos sido aqueles que a tiraram do sono de beleza. Nós aceitamos depois de muita teimosia, mas assim que Mia viu o "jeito australiano" como fazíamos, ficou nervosa e acabou lavando tudo sozinha.
Quando ela acabou, fomos para a sala procurar alguma coisa para assistir na TV. Apesar de já termos nos divertido, ainda não estávamos afim de voltar pro hotel.
— Eu comi tanto que estou começando a ficar com sono. — Calum comentou, colocando os pés na mesa de centro de Mia.
— Vocês me acordaram e eu não vou deixar ninguém dormir. — Mia avisou enquanto tirava seus pés do lugar.
— Vamos fazer alguma outra coisa então, porque assistir TV dá sono. — disse Ashton.
Nós olhamos uns pros outros, pensando no que fazer.
— A gente podia jogar algum jogo! — Hanna aprumou as costas.
— Que jogo? — perguntei.
— Verdade ou desafio. — Ashton sugeriu, e eu Mia, Mike e Calum concordamos, apesar de eu não gostar muito.
— Eu odeio esse jogo. — escutei Emily reclamar. — Sempre acaba com alguém chateado, ou seja, sempre acaba mal.
— Ah Emily, por favor! — Mia se levantou e foi até ela para tentar convencê-la. — Vai ser legal! Vamos, vamos, vamos...
— Okay — Emily cedeu — Mas eu só brinco se a cada dois desafios a pessoa tiver que virar uma dose. Fica mais fácil.
Eu sorri, concordando. Não era uma má ideia.
— Tudo bem, vocês três tirem tudo de cima da mesinha — Mia mandou, apontando pra mim, Calum e Michael, enquanto subia as escadas correndo, voltando quase no mesmo minuto com uma garrafa de vodca na mão.
Hanna foi até a cozinha e depois se juntou novamente a nós, trazendo uma segunda garrafa, porém vazia, e a posicionando em cima da mesa, que logo depois nós fizemos uma roda envolta.
— Fundo pergunta e boca responde — Michael disse girando a garrafa, que parou em mim e Emily.
O jogo mal tinha começado e eu sentia que ia dar merda.
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