Mia
Mesmo tendo encontrado meu ex-namorado enquanto fazia compras com meu atual, o acontecimento que ganhou o prêmio de mais estranho do dia foi o chilique que minha mãe deu ao escutar a história da foto na jaqueta aviadora.
À tarde, quando terminei de contar tudo (desde o momento em que achei a fotografia de Bethany Hemsworth com o clone do Sr. Muffles nos braços, até a parte em que conheci minha vizinha homônima e idêntica a mulher da foto — o que, na época, me deixou maluca) ela tinha os olhos quase fora de órbita de tão arregalados. Perguntou se a tal jaqueta era a que eu estava usando de manhã, e quando respondi que sim ela quase desmaiou na minha frente. Eu obviamente não entendi nada, mas antes que pudesse exigir qualquer tipo de explicação, tia Luiza chegou com Carol e Celle. Aquilo me distraiu completamente, e foi o único momento que conversei — brevemente — com Luke, antes de ele voltar a jogar após cumprimentarmos meus parentes. Minha mãe então ficou ocupada fazendo sala para a cunhada, e eu fui cuidar do jardim.
Fiquei lá até depois que escureceu, plantando algumas mudas de flores e regrando outras. Estava tudo tão tranquilo sem a barulhada de dentro de casa que quase dormi com as mãos na terra, em tempo de amassar belas margaridas. Terminei de regrá-las e limpei as mãos no avental, me assustando quando olhei as horas no celular. Já passava das sete e meia, e eu ainda tinha que tomar banho e me arrumar para encontrar meus amigos na pista. Mal passei pela porta da frente e já escutei gritos de um bebê que ainda não falava, risadas escandalosas e alguém cantando.
Eu nunca seria capaz de fazer algum mal para o amado PlayStation do meu irmão, mas minha única vontade ao passar pela sala e ver que Luke ainda jogava foi quebrá-lo todinho em um milhão de pedaços. Eu havia concordado com minha mãe quando disse que ele precisava de um tempo para pensar, mas o maldito não desgrudou do sofá o dia inteiro. E agora que Celle havia se juntado aos dois, o jogo parecia ainda mais animado e divertido. Luke provavelmente viraria a noite daquele jeito.
Percebi que encarava demais os três quando Pedro me olhou por cima do ombro, então apenas dei de ombros e subi. Fui direto para o banheiro, afinal estava imunda, e depois de trancar a porta joguei minhas roupas no chão com certa agressividade. Olhei-me no espelho e balancei a cabeça, querendo espantar os pensamentos. Eu não estava com ciúmes do videogame, estava?
Entrei debaixo do chuveiro e girei o registro, deixando a água quente levar toda terra e sujeira embora. Comecei a rir com o pensamento de ser trocada por algum jogo qualquer do Mario, e logo desencanei. Isso era ridículo, ele obviamente só estava me evitando por ainda estar chateado. Não havia por que eu ficar pensando tanto naquele assunto, mas meu cérebro simplesmente não parava. Ser geminiana às vezes pode ser uma tortura.
Quando voltei ao quarto Luke estava saindo, nos esbarramos um no outro e eu comecei a rir, fazendo-o esboçar um sorriso. Eu entrei e fechei a porta enquanto ele foi pra sei lá aonde, e então comecei a desembolar meu cabelo que estava complemente encharcado. Achei melhor me vestir antes que algum membro da família abrisse a porta e se apossasse do meu quarto, e foi isso que eu fiz. Coloquei minha roupa íntima e depois a camisola de manga comprida, sempre fazia isso quando não sabia o que vestir e estava bastante frio. Liguei o secador e comecei a arrumar meu cabelo, vez ou outra me aquecendo sorrateiramente com aquela delicia de ar. Demorei bastante, mas quando consegui o resultado que queria puxei o aparelho da tomada e guardei. Quando me virei pra porta e vi Luke parado no meio do quarto me encarando com as sobrancelhas levemente franzidas, quase desmaiei.
— Jesus! — gritei por impulso enquanto colocava as duas mãos sobre o coração; ele realmente tinha me assustado.
— Me desculpa, eu não queria te assustar. — ele riu coçando a cabeça, mas ainda com aquela expressão de quem tentava entender alguma coisa. — O secador tava ligado quando eu entrei então você não deve ter escutado.
— Ah, deve ter sido isso mesmo. — eu ri mais uma vez, encarando-o pela primeira vez desde o supermercado. — O que foi?
— Hm, nada... Nós não vamos mais sair com seus amigos?
Eu o estranhei por duas a razões: a primeira porque ele não havia falado comigo durante o dia então consequentemente achei que ele havia desistido da ideia, e a segunda porque eu não disse que não iria. Então acompanhei seu olhar das próprias roupas até as minhas, e mais uma vez ri. Luke estava de jeans e blusa de frio preta, o cabelo estava arrumado e só lhe faltava calçar os tênis. Eu por outro lado estava de camisola e pantufas, então logo entendi o porquê da pergunta que ele havia me feito. Abri minha mala no canto do quarto enquanto ria, e logo de primeira puxei uma calça de cintura alta preta e um cropped de mangas longas amarelo. Virei-me pra Luke, que ainda esperava uma resposta, com as peças na mão.
— Eu só estava de camisola porque ainda não tinha pensado no que vestir, mas o problema está resolvido. — disse e ele assentiu com um meio sorriso. Pegou o tênis e se sentou na beirada da cama, começando a calçar as meias. — Eu achei que você que não fosse. Nem quis saber a hora marcada ou falou comigo o dia inteiro...
Puff, estava plantada a sementinha da conversa que eu queria ter. Tornei a me virar procurando na escrivaninha uma tesoura para cortar a etiqueta do cropped, sentindo os olhos de Luke sobre as minhas costas. Ele suspirou ao mesmo tempo em que eu achei a tesoura, então me coloquei de frente pra ele mais uma vez. Com os olhos na etiqueta o ouvi falar.
— Sinto muito por só ter jogado o dia todo, mas não pensei que houvesse muito que falar depois daquela sua reação no supermercado.
Eu larguei a tesoura com as roupas em cima do móvel, então o encarei.
— Não deveríamos ter nada pra falar depois daquilo mesmo, mas você ficou estranho e aqui estamos nós, tendo essa conversa. — disse calma. — Luke, eu sei que deve ter sido muito desconfortável pra você encontrar o ex da sua namorada, principalmente sabendo como nosso termino foi... Estranho. Mas aquilo não foi nada demais, eu estou bem. E apesar dele ainda ser tão arrogante quanto antes, parece ter encontrado outra pessoa e está feliz com ela. — me referi à mulher loira que o chamou e ele denominou de "patroa". — Não precisa ficar assim por isso.
— Mia, não é por isso que eu fiquei assim. — ele riu fraco, sem humor, um pouco acanhado de continuar. — Eu quis sim socar a cara dele quando ele me mandou cuidar de você tendo feito tudo que fez, mas foi o de menos.
— O que te incomodou tanto então, uh?
— Você... Ah, Mia, você sabe! — ele passou a mão pelo rosto — Você ficou toda nervosa perto dele, de um jeito que eu nunca vi, de um jeito que você nunca ficou perto de mim! Eu fiquei surpreso com a sua reação, não imaginei que você ainda sentisse algo por ele a ponto de ficar daquele jeito.
Ah, o ciúme. Não era surpresa pra mim que essa fosse a razão pela qual Luke estava estranho, era bem a cara dele sentir isso assim. Eu sorri e me aproximei, me sentando ao seu lado.
— Luke. — chamei o loiro, que encarava o chão. — Hey, olha pra mim. — o belisquei e ele revirou os olhos, me encarando. — Eu não sinto mais nada por ele, pelo menos não desse jeito que você imagina. Luiz ainda me deixa insegura, sim, mas porque ele me lembra do passado, da pior parte, pra ser mais exata. Eu nem sempre fui tão durona assim, e quando nós namoramos, eu mal tinha entrado na adolescência. E fazia muito tempo que eu não o via, então me senti de volta aos treze anos, quando eu ainda travava perto de pessoas desconhecidas num primeiro momento. Isso não significa que eu ainda goste dele, seu idiota. — quem revirou os olhos agora fui eu. — Você é meu namorado, e não quero nenhum outro cara que não seja você.
Luke, que tinha escutado tudo calado, desviou os olhos do meu para encarar a parede, e depois voltar a me olhar. Ele suspirou novamente e eu comecei a rir quando ele também o fez.
— Caramba Mia, como você consegue não sentir ciúmes assim? Isso é muito revoltante, principalmente porque eu sei que a situação fosse contrária você não estaria desse jeito. — ele fez um bico infantil fofo, o que só me fez rir ainda mais. — Como você consegue? Por Deus!
— Luke, eu realmente não sei, é natural pra mim. Tenho uma lógica que ajuda muito, e talvez você devesse usar mais. Mas se te serve de consolo, eu senti ciúmes daquele videogame hoje.
Luke riu mais uma vez, ao passo que eu ainda nem tinha parado.
— Me sinto muito melhor sabendo disso, obrigado. — ele me abraçou e beijou minha bochecha, o que me fez gargalhar sobre seu peito. — Mas me fale mais sobre essa tal lógica, qual é ela?
— Bem, sempre que eu vejo uma garota te olhando com segundas intenções, a primeira coisa que eu faço é pensar que você namora comigo, e se você namora comigo, é porque foi a mim que você escolheu. Pensa, de todas as garotas do mundo, você me escolheu. Tem algum jeito melhor pra passar segurança pra outra pessoa do que esse? — perguntei enquanto Luke me puxava pro seu colo, mas respondi antes que ele abrisse a boca. — Não, não tem. Por isso não vejo motivo pra ficar achando que outra pessoa vai roubar meu lugar. Você deveria fazer o mesmo.
— Pra você é fácil falar, é uma mulher linda e incrível, os caras fazem fila pra falar contigo.
— Aham, tudo bem. — revirei os olhos e ameacei levantar, mas ele segurou minha cintura mais forte. — Você fala como se não fosse vocalista de uma banda mega famosa, com fãs incrivelmente lindas que dariam tudo pra arrancar esse seu piercing no dente.
— Meu Deus, Mia, de onde você tirou isso? Arrancar meu piercing no dente... Isso é doentio!
— Que foi? — arqueei uma sobrancelha rindo. — Eu já fiquei com tanta raiva de você que pensei em como seria fazer isso. — dei de ombros, passando o indicador pelo local.
Luke gargalhou profundamente dessa vez, me contagiando com a risada. Jogou a cabeça pra trás e riu até não aguentar, voltando ao normal de novo depois de terminar sua crise, mas com um olhar diferente no rosto. Ele estava divertido e me provocando.
— Você pode tentar, se quiser. — desdenhou, me virando de frente pra ele no seu colo, já que até então eu estava de lado. — Mas não desse jeito com raiva.
Estiquei o pescoço pra trás e espiei a porta, apenas para conferir se estava fechada. Depois me voltei pra Luke, fitando sua boca com um sorriso sapeca. Passei a mão em suas costas a fim de me segurar e provoca-lo um pouco, então aproximei minha boca da sua e mordi de leve seu lábio perto do piercing. Seu pescoço se arrepiou todo na hora, e eu tive que me afastar pra soltar uma bela gargalhada. Não tive tempo de falar nada, porém, porque Luke me beijou com vontade assim que parei de rir. Ele me guiou com uma mão enroscada no meu cabelo e praticamente me levantou do seu colo apertando minha bunda com a mão livre, fazendo com que eu me segurasse ainda mais forte nas suas costas para não cair. Mesmo com o risco de rachar a testa no chão ou quebrar o nariz eu continuei naquilo, porque minha nossa, tava muito bom.
Quando perdemos o fôlego nos afastamos e ele me olhou, sorrindo e depositando vários beijos pelo meu rosto. Aquilo foi tão fofo e tão carinhoso, que eu quis chorar. Afastei-me de novo e o empurrei na cama para que ele se deitasse, uma vez que minhas pernas já estavam doendo de ficar naquela posição. Então, enquanto ele levantava minha camisola e passava a mão pelas minhas coxas, o beijei da maneira mais carinhosa que encontrei. Aquela energia que ele me passava a cada beijo se intensificou em trilhões de vezes nesse, e me senti mais feliz do que nunca — tão feliz que foi inevitável soltar um logo suspiro ainda com os lábios colados nos dele. Poucas vezes aquela emoção tinha tomado conta de mim; era como um calor sendo bombeado do meu coração, indo através das minhas veias em direção a todas as partes do meu corpo.
Era felicidade. Amor.
Era... o toque do meu celular atrapalhando aquele momento com meu namorado.
— Não acredito nisso. — grunhi ainda com a boca muito perto da de Luke, querendo matar quem quer fosse o cabeçudo a me ligar naquela hora. O clima que antes nós tínhamos foi embora junto com o silêncio, então sai de cima dele e atendi.
— Alô. — disse sem animo nenhum, e Luke riu da minha reação.
— Puta merda, que voz de enterro é essa? Mia, cadê sua animação? Depois de meses eu finalmente posso te ligar sem gastar todos os meus créditos numa ligação internacional e assim que você me atende?
Sorri antes de olhar o visor, já sabendo quem era. Aquela criatura loira nunca mudaria, não importa quanto tempo ficássemos afastadas.
— Ah Duda, cala a boca! Eu tava no maior amasso com meu namorado e você atrapalhou. Queria o que? — aproveitei que falava em português para brincar, e ela gargalhou do outro lado.
— Nesse caso eu peço desculpas, um Deus grego como aquele te beijando loucamente... É, foi um grande vacilo meu dessa vez.
— Meu Deus, você continua tarada como sempre. Aposto que já fantasiou mil e uma coisas com nós três e uma cama.
— Calma Milinha, eu respeito o boy das amigas, okay? E se fosse pra fantasiar algo, seria nós dois e uma cama, você já deve ter aproveitado demais. — ela riu, mais uma vez me levando a fazer o mesmo. — Mas enfim, te liguei pra saber se vocês vêm mesmo, porque aí vai ser algumas garrafas de catu a mais e salgadinhos também.
— Hm, nós vamos sim, mas se você quiser eu posso comprar no caminho praí. Acho que Aline e minha prima Ana também vão, você provavelmente não se lembra dela, mas de qualquer forma posso comprar pra nós quatro.
— Ah, então se é assim tudo bem, até facilita pra nós. — disse simpática — Então agora eu tenho que ir Mia, vejo você e seu boy mais tarde.
— Tudo bem Duda, até mais.
— Ah, já ia esquecendo, se protejam e não façam nada que eu não faria... — ela começou, mas logo ri e encerrei a ligação.
Olhei pra Luke que agora estava de tênis calçado, e repassei o que Duda queria ao me ligar. Eram quase oito e meia e nos sairíamos as nove, então daria tempo de jantar tranquilamente com minha família antes de passarmos na casa de Aline e irmos pra pista. Eu troquei de roupa, coloquei um casaco, calcei minhas botas e arrumei o cabelo e a bolsa, e então desci com Luke.
Minha mãe sorriu ao nos ver de mãos dadas e rindo um pro outro, mas não falou nada e logo voltou a conversar animadamente com Carol e Tia Cristina. Celle e Pedro agora jogavam sozinhos, enquanto Ana e Tia Luiza brincavam com Lucas fazendo-o rir. Na cozinha, meu pai fazia o jantar acompanhado de um ser enorme de capuz, que logo reconheci como meu irmão mais velho.
— Arthur! — corri até ele e o abracei, porque ele era o que eu menos vi durante a semana. Ele se mudou pra um apartamento com Caio no começo do mês, e nem sempre tinha disposição para vir aqui depois do trabalho. — Não sabia que vinha jantar com a gente hoje.
— Nem eu, mas queria ver a madrinha e acabei vindo. — explicou, olhando por cima da minha cabeça. — E aí Luke, como tá?
— Bem, e você cara?
— Estou ótimo, meu pai é um ajudante de cozinha excelente. — ele brincou e todos nós rimos quando um pimentão voador o acertou na orelha. — Pai, não jogue pimentão em mim na frente do namorado da sua filha! O que ele vai pensar?
— Eu sou seu pai, se eu quiser jogo pimentão em você até na frente do Axl Rose. — apontou a faca que usava pra cortar legumes na direção do filho, e eu e Luke só fazíamos rir. — Luke meu filho, tem uma coisa que você precisa saber se quer entrar mesmo pra essa família. — começou e eu revirei os olhos. — Quem comanda essa cozinha sou eu, e não aceito que ninguém tire minha autoridade aqui dentro. — falou sério, porém brincando, e Arthur não segurou o riso. Meu pai o olhou rindo e abriu a boca indignado, levantando mais uma vez a faca para acrescentar: — Talvez só a Mia tenha esse direito, porque ela sim sabe cozinhar.
Luke e eu gritamos um "ohhhh" ao mesmo tempo em que Arthur fechou a cara, e meu pai gargalhou. E esses eram os homens da minha vida.
Em menos de três minutos os dois acabaram tudo, e meu pai chamou todos para comer. A mesa só tinha oito lugares e nós éramos onze, sem contar com o pequeno Lucas, que tinha aqueles carrinhos especiais, então foi hora daquela confusão pra decidir quem comeria na mesa e quem comeria na sala. Eu aleguei que devia comer na mesa porque era hábito meu e não gostava de fazê-lo em outro lugar, minha mãe concordou e disse que Luke devia fazer o mesmo porque era meu namorado e visita na casa. Seguindo a política dos visitantes, e considerando que minha mãe já havia ocupado seu lugar na mesa, Pedro, Arthur e meu pai acabaram de fora. Isso me fez rir muito, porque Arthur realmente odiava comer na sala, mas quando Carol disse que estava sem fome e não queria jantar, o lugar dela foi cedido ao meu pai. Arthur ficou bravo e resmungando, mas jantamos mesmo assim e a comida estava ótima.
Olhei no relógio e já eram nove horas, então avisei a Ana que não demoraríamos a sair e fomos escovar os dentes. Mandei uma mensagem pra Aline e peguei minha bolsa, então saímos de casa. Line nos esperava dentro do carro na porta do prédio em que morava, e Ana acenou eufórica quando a viu. Ela entrou na frente e eu e Luke atrás, tentando amenizar o frio abraçados.
— Olá casal! — ela nos cumprimentou antes de girar a chave e ligar o carro.
— Oi Aline! — Luke fez um Hi-5 com ela e Ana riu.
— Line, temos que passar em alguma loja de conveniência que venda bebidas geladas pra comprarmos algumas coisas. — avisei em inglês mesmo para não deixar Luke de fora, já que todas ali falavam o idioma.
— Tudo bem, eu preciso abastecer o carro então podemos comprar tudo isso na lojinha do posto de gasolina. — concordou e deu partida, não sem antes sintonizar o radio em alguma estação.
Passamos no posto e compramos muitos salgadinhos, duas garrafas de vodca, três de catuaba, duas de vinho e um litro de refrigerante. Enfiamos tudo no porta-malas do carro, pois eram muitas garrafas, e seguimos até a pista.
Eu estava quase pulando no carro de tanta emoção, sentindo mais saudades ainda agora que estava prestes a matá-la.
Alguns poucos postes iluminavam o local, mas era o suficiente pra que nos divertíssemos ali. A pista continuava quase a mesma coisa de sempre, porém novos grafites cobriam os antigos e deixavam tudo ainda mais bonito. Aline mal tinha estacionado o carro quando algumas pessoas já vinham correndo feito cavalos em nossa direção, liderados pela égua esguia que era Duda. Ela me abraçou provavelmente fraturando algumas costelas minhas, enquanto falava uma série de coisas que não consegui distinguir. Seu hálito de vinho bateu no meu rosto assim que nos soltamos, e imaginei desde que horas ela estava ali. Dei um breve oi pra todo mundo antes de começar a conversar mesmo com ela, e abracei Hugo, o cara que tinha me apresentado aquele lugar.
— Hey, olha como você tá diferente, Mia! — ele disse com a fala mansa, me olhando, e eu concordei animadamente. — Fiquei sabendo que agora você bebe ainda mais que antes, se é que isso é possível!
— É possível sim, os boatos que chegaram até você não poderiam ser mais verdadeiros. — eu ri e procurei Luke, puxando-o pela manga da camisa até ali. — Gente, esse é meu namorado, Luke. — disse pra galera que se acumulava ali perto, e eles o cumprimentaram com barulho. — Ele é gringo e não entende nada de português, então não impliquem com ele ou eu faço como nos velhos tempos e quebro a cara de um por um. — Duda riu e fez um sinal de aprovação ao fundo. — Luke, esses são Hugo, Duda e... Ah, você conhece todo mundo depois! — disse em inglês e depois ri, levando-o em direção ao resto da turma.
— Duda, eu sei que tequila esquenta, mas como você não sente frio com a barriga de fora? — perguntei, visto que minha amiga usava apenas um cropped e um moletom na parte de cima, com muita pele a mostra. Ela estava ainda mais bonita agora, mais loira e com um corpo incrível.
— Eu trabalhei duro por essa barriga, vou esfregá-la na cara de todo mundo até no Polo Norte. — deu de ombros e nós começamos a rir uma pra outra.
Eu não sabia mais quanta bebida tinha passado pelo meu copo descartável, mas tudo estava extremamente divertido e adorável lá. Ana, que não bebia, conversava animadamente com Hugo, enquanto Luke tocava violão — que brotou de alguma dimensão mágica — numa rodinha com outras pessoas e uma Aline bêbada era a interprete dele quando necessário. Eu e Duda conversávamos um pouco mais afastadas, devorando uma garrafa de vinho e um pacote de Doritos.
— Estou passada com o quanto seu namorado se enturma rápido. — ela refletiu enquanto lambia os dedos, e eu dei de ombros de forma convencida. — E também como ele é ainda mais gostoso pessoalmente...
Eu soprei o ar antes de entrar numa crise de riso ainda mais profunda do que as anteriores, levando Duda comigo. Ela me contou histórias do ultimo ano na escola, de como deslocou o joelho quando caiu tentando fazer uma manobra no skate, e como conheceu um cara que achou ser legal da ultima vez que viajou pra praia, mas que na verdade era um idiota. Ela falava muito e eu gostava de ouvir, preferia só comentar a contar minhas aventuras.
Hugo veio em nossa direção com Luke e Aline e os três se sentaram, Luke se acomodando atrás de mim com o rosto na curva dos meus ombros.
— Ah Camomila, seu namorado é muito divertido. — ele riu tirando um cigarro do bolso. — Bia, você tem isqueiro? — gritou para garota que estava longe, e a mesma negou. Ele agradeceu e balançou a cabeça, enfiando a mão em outro bolso e tirando um isqueiro azul de lá. — Droga, vou ter que usar o meu.
Nós rimos, inclusive Luke, mas acho que mais por efeito da bebida do que pelo o que tinha acontecido. Eu virei minha cabeça para o lado até encará-lo, pisquei pra ele e depois o beijei rapidamente. Me aninhei mais no abraço de Luke, que de fato estava sendo meu casaco humano.
Um skate foi jogado no chão ao longe e logo uma garota fofa parou na nossa frente. Ela estava ofegando e pousava as mãos nos joelhos, a fim de recuperar o ar perdido pela pequena corrida. Quando levantou o rosto reconheci aquelas bochechonas e olhos puxados de primeira.
— Que isso Maria, o que aconteceu? — Hugo perguntou e riu, dando uma tragada no cigarro em seguida. Ele nos ofereceu, mas todos negaram, eu apontando logo pra minha garganta enquanto balançava a cabeça.
— Isso... Isso aconteceu! — ela enfiou a mão no moletom cor-de-rosa e tirou de lá um papel todo amassado, jogando-o no colo do amigo. — O Thiago, ele me mandou uma carta! — ela sorriu animada, faltava pouco bater palmas. — Olha que coisa mais fofa! Eu tenho o melhor namorado do mundo!
Aline riu e tomou a carta da mão de Hugo, que passou por Duda e depois por mim, mas nenhum de nós conseguia se concentrar muito bem pra ler, então a devolvi a Maria.
— Vocês parecem ser muito fofos. — elogiei mesmo achando que ela ainda não se lembrava de mim, até porque ela se lembrando ou não, minha opinião sobre o casal que eu não conhecia continuaria a mesma.
Confuso, mas faz sentido.
— Ah, obrigada! Vocês dois também são muito fofos! — disse com uma expressão alegre depois de guardar a carta novamente, ajeitando o boné também cor-de-rosa depois. — Você parece uma amiga minha que se mudou...
Eu comecei a rir da expressão dela, Maria parecia viver num outro mundo, completamente desacelerado e mais colorido que o nosso. Ao contrário de Duda, estudou junto comigo e Aline, e viramos amigas depois que descobrimos que ela já conhecia o Hugo. Ela era fofa como um filhote de gatinho ou algodão doce, e tão lerdinha quanto uma menina de cinco anos.
— Maria, sua anta, essa é a Mia! — Duda gargalhou feito uma hiena, até que Maria chegou bem perto do meu rosto e constatou que era verdade.
— Eu estava esperando pra ver se você se lembrava de mim! — ri e ela pulou para me abraçar antes mesmo que eu me levantasse.
Maria beijou minha bochecha e me apertou por um bom tempo, até que nos soltamos e ela se sentou na minha frente. A apresentei a Luke e Luke a ela, enquanto Aline tentava traduzir os últimos acontecimentos pra ele.
Então, do nada, Maria começou a chorar. Ela escondeu o rosto entre as mãos pequeninas e começou a soluçar, fazendo todos nós rirmos e Luke parecer preocupado.
— Maria, por que você tá chorando? — Aline perguntou e ela levantou a cabeça, as lagrimas desciam sem dó nem piedade dos olhinhos castanhos, mas ela ficava fofa até mesmo nessa situação.
— Eu fico triste... — começou, mas logo depois voltou a chorar ainda mais forte, até que eu estiquei o braço e comecei a consolá-la. — Eu fico triste, p-porque eu sinto falta da escola, e não reconheci a M-Mia.
— Ei Maria, tá tudo bem, não precisa chorar por isso. — segurei sua mão e o meu riso ao mesmo tempo, enquanto Hugo gargalhava ao nosso lado. — Eu já conheço sua cabecinha, não me magoou você não ter me reconhecido de primeira. E, bem, acho que todos nós sentimos falta da escola.
Ela me olhou com carinha de filhote de cachorro e eu assenti com a cabeça, querendo confirmar que o que disse era verdade.
— Então t-tudo bem. — fungou limpando as lágrimas, e em seguida girou o corpo pra trás. — Amanda! Trás essa amarula aqui!
Nós rimos da mudança repentina de humor, enquanto Amy trouxe a garrafa e aproveitou pra se sentar conosco.
— Hey, o que aconteceu aqui? — Luke apontou pra Maria enquanto eu me aconchegava novamente.
— Maria começou a chorar porque não reconheceu a Mia de primeira, mas agora já está tudo bem. — Aline esclareceu me fazendo rir; alguém tinha gostado de ser Google Tradutor por uma noite.
— Ah, eu achei que a Mia tinha dito alguma coisa pra fazer a menina chorar. — o alivio de Luke ficou evidente em sua voz, assim como a dor quando ele levou um tapa meu após essa declaração. — Ai, Mia! Sua mão é pesada!
— Isso é por você pensar coisas ruins de mim, seu ridículo! — disse em meio aos risos, que apenas Aline entendeu o motivo. Olhei pra Maria, que mostrava a carta para Amy toda apaixonada, e sorri involuntariamente. Virei-me pra Aline e comentei em inglês mesmo: — Não sabia que a Maria estava namorando.
Ela deu de ombros, largando seu copo no chão depois de dar um longo gole.
— Eles não têm muito tempo de namoro, acho que devem ter menos tempo que vocês dois. — disse no mesmo idioma. — Ele é militar e foi servir no Rio. Por isso das cartas.
— Ah, isso explica muita coisa. — ri e Luke me acompanhou. — Sabe, eu achei isso muito fofo da parte dele. Cartas são clássicas, lindas e românticas. Maria tem razão de se sentir assim.
— Você gosta de cartas? — Luke perguntou com a cabeça novamente escorada na curva dos meus ombros. — Eu não sabia disso.
— Acho que eu nunca comentei isso com ninguém. — sorri ao levar um beijo na bochecha, era gostoso ficar de chamego assim no frio.
— Então você gostaria se nós trocássemos cartas? — ele perguntou, me fazendo pensar que daqui a alguns dias nós estaríamos separados por oceanos de distância mais uma vez.
— Eu amaria. — respondi com um selinho.
Ele me deu um breve beijo depois de murmurar um “okay”, que mesmo sem ser muito profundo me fez sentir aquele calor novamente.
— Você vai mesmo me mandar cartas? — perguntei com a testa colada na dele.
— Vou sim, por quê?
— Por nada. — dei de ombros, beijando sua testa antes de me virar pra frente mais uma vez. Pensei em todos os livros que já li e ri, não acreditando que aquilo estava acontecendo comigo. — Não acredito que vou receber cartas do cara que eu amo. Vou me sentir num romance. — comentei e senti sua risada nas minhas costas.
Virei a cabeça pro lado ao sentir o olhar de Aline em mim, mas ela apenas sorriu e se voltou pra frente. Dei de ombros, não entendendo o porquê daquilo, mas meus amigos eram estranhos, então talvez não tivesse mesmo muito que entender.
Amy dividiu um pacote de Cheetos comigo, que virou mais farelo na minha roupa do que qualquer outra coisa. E ficamos nisso até umas duas da manhã, comendo, bebendo, tocando, cantando e rindo, quando por fim comecei a ficar com muito sono e Ana se prontificou a nos levar pra casa. Quando me levantei pra despedir de todo mundo percebi que estava mais tonta do que desejava, mas esse fato só me fez rir. O pessoal disse pra eu não sumir e tentar ir ali mais uma vez antes de voltar para Nova York, e eu apenas assenti e joguei um beijo no ar para todos.
Nós estramos no carro, agora com Ana no lugar de Aline. Antes de dar partida nossos amigos começaram a cantar Mulher de Fases como uma homenagem pra mim, por isso coloquei meu tronco pra fora da janela do carro, rindo e acenando, até que Ana saiu e o coro de marmanjos gritando na madrugada diminuiu até parar.
Eu abracei Luke no banco traseiro, ele conversava com as duas garotas animadamente, mas meu sono era tanto que acabei dormindo. Acordei novamente quando ele me pegou no colo para me tirar do carro, então deduzi que tivéssemos acabado de chegar ao prédio de Aline. Ele não me largou e eu não reclamei, até aproveitei pra fingir que ainda dormia e ver se assim ele me deixava de boa na minha cama sem problema nenhum.
Senti que ele andou um pouco, até que paramos na porta de casa. Ana foi à frente, pegou a chave na minha bolsa e abriu o portão, enquanto Luke deu boa noite a ela e subiu comigo direto pro quarto. Ele me deixou na minha cama e jogou o colchão emprestado de Aline no chão, apenas chutando os sapatos antes de me cobrir com edredom. Luke deu um beijo na minha testa e tirou umas mechas de cabelo do meu rosto, que escorregaram pelo meu nariz no caminho e quase me fizeram espirrar e estragar meu disfarce.
— Boa noite, Mia. — ele disse baixinho, antes de ir até o interruptor e apagar a luz. Perguntei-me se ele sempre falava com pessoas que estavam dormindo, mas a resposta veio logo em seguida. — E eu sei que você tá acordada, não engana ninguém assim. — disse e eu abri os olhos, sendo obrigada, pela milionésima vez na noite, a rir.
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