Terça feira, 18:49 pm.
- Estou exausta. Morta. – eu disse me jogando no sofá de maneira brusca. Abri os braços tentando fazer com que o ar do ventilador batesse em todo o meu corpo.
- Você está muito despreparada pra essas coisas, filha. – meu pai falou, tirando sua camisa de corrida, me olhando esparramada no sofá.
- E aí? Como foi lá? – minha mãe chegou na sala, secando a mão em pano de prato, me encarando com uma cara meio espantada assim que viu meu estado deplorável. Cabelo bagunçado em um rabo de cavalo, suado, assim como meu corpo e minha blusa cinza com uma marca nojenta de suor na barriga.
- Cansativo. – suspirei. – Preciso de um banho. – eu disse me levantando. O rádio estava ligado na cozinha, tocando uma música agitada.
Olhei para meu pai que bebia água na pia, e fui até ele. Parei ao seu lado e o empurrei usando meu quadril. Comecei a fazer uns passos de dança muitos malucos, usando os braços. Dei um giro em torno de mim mesma, e em seguida fazendo dez polichinelos. Gargalhei da cara de meu pai e continuei dançando, mexendo meu quadril de forma exagerada, elevando meu joelho na altura do peito e dando mini pulinhos.
Continuei usando minhas mãos em frente aos meus olhos, imitando danças indianas, e apontando pra ele, que ainda me encarava sem entender nada. Assim que a música acabou, fiz uma pose artística, piscando pra meu pai.
- Viu! Quem é a despreparada mesmo? – sorri, indo até as escadas dando pulinhos, e correndo.
Tudo cena, porque quando cheguei em meu quarto, encostei a porta e cai no chão de madeira com tudo, respirando profundamente e me livrando da camisa nojenta. Eu ficava me abanando inutilmente com as mãos tirando os tênis com os pés, sem desamarrá-los ou usar as mãos.
Continuei respirando fundo, tirando os fios de cabelo da testa e me sentando, ainda no chão. Eu estava horrível.
- Telefone! – minha mãe apareceu de supetão no quarto e eu involuntariamente escondi meu corpo, com medo de ser meu pai. Sim, eu tenho vergonha dele. – Que isso, filha? – ela perguntou, tapando o lugar no telefone onde a pessoa do outro lado da linha poderia escutar.
- Nada não. –respondi sorrindo, torcendo que ela acreditasse. – Quem é? – perguntei.
- Niall. – ela respondeu somente, levando o telefone na minha direção, me entregando. – Não demore muito que estou esperando uma ligação.
- Alô? – eu disse enquanto me levantava, abrindo o guarda roupa para pegar uma roupa nova, limpa, cheirosa, e seca.
- Sua má! Ontem você desligou o telefone na minha cara, depois de ter dito uma coisa muito valiosa! Sabia que aquilo foi muita crueldade da sua parte? Hein? Sabia? Isso não se faz. - Niall começou a falar desesperadamente rápido.
- Nossa, desculpa! Não pensei que iria ficar tão revoltado. –comecei a rir, porque só depois do ataque de nervosismo de Niall, eu consegui lembrar do que eu tinha feito algumas horas atrás.
- Tudo bem. Eu te desculpo. Mas só porque eu sou uma pessoa muito boa e legal. –balancei a cabeça e pensei e dizer o quanto ele era pretensioso, mas segurei. – Porque demorou a atender? E porque essa voz...cansada?
- Porque eu estava correndo com o meu pai. Ele me deixou exausta, Niall. Acabei de chegar, e nunca mais vou repetir isso. Cheguei em casa parecendo um gato que saiu do banho. Na verdade, eu estou só de legging, pronta para tomar banho, mas como sempre, você liga nas horas mais inconvenientes.
- Pronta para tomar banho? Só de legging? Você poderia ocultar essas partes, não é?! É sacanagem comigo, poxa! – eu ri, notando que tudo o que eu falava atualmente, ele levava para o sentindo malicioso.
- Certo. Eu não posso falar agora. Estou morrendo de calor. Preciso tomar banho. Depois eu te ligo, pode ser?
- NÃO. –ele respondeu rápido- Minha mãe vai ter que usar o telefone. Eu só queria dizer para você ligar seu computador. Vamos falar no skype, pode ser?
- Ok. Quando eu sair do banho, nós nos falamos. Tchau. Beijos suados.
- Argh! Eca... – ele resmungou rindo e eu o acompanhei, depois desligando o telefone.
Entrei dentro do banheiro e já fui logo retirando as poucas peças de roupas que tinham sobrado no meu corpo. Liguei o chuveiro deixando a água cair em minha cabeça, descendo por todo meu corpo, levando parte do meu suor embora. Como era bom tomar um banho pra relaxar o corpo depois de tanto exercício físico!
Deixei que a água junto com o shampoo e creme lavassem meu corpo e meus cabelos, não me importando com o fato de estar começando a esfriar, afinal, eu só estava com muito calor porque tinha corrido cinco quilômetros direto, mas as temperaturas continuavam baixas.
Saí do banheiro, já com uma calça de moletom cinza e uma blusa fina de manga comprida. Assim que cheguei no quarto, tratei de fechar a janela, por onde entrava um vento incômodo. Liguei o notebook e o deixei em cima da cama, e enquanto ele estava iniciando, desci as escadas para comer algo, já que minha barriga estava clamando por alimento, já que eu não comia nada desde que fui correr com meu pai.
Minha mãe estava lá embaixo, secando a pia e guardando as últimas louças, com o telefone apoiado entre o ouvido e o ombro, conversando com alguém que eu não conhecia. Meu pai estava no banho, e a televisão ligada para a parede. Arrumei um sanduíche rápido e deformado. Coloquei no copo o suco de uva que tinha sobrado de ontem e caminhei até a escada, como um equilibrista em uma corda bamba. A alface estava saindo pra fora, e o copo estava torto, quase tudo derrubando.
Abri a porta usando a bunda já ela estava encostada,e coloquei desajeitadamente tudo em cima da cama. O notebook já estava ligado, então só digitei minha senha no skype esperando que Niall me chamasse.
Não foi preciso esperar nem mesmo dez segundos para que uma janelinha aparecesse, como uma chamada de vídeo. Aceita-a e logo apareceu um quadrinho maior, todo preto. Estranhei e acenei para a minha webcam, e se tivesse alguém do outro lado, me responderia. Mas não aconteceu nada.
Dei de ombros e subi em cima da cama, colocando o notebook em cima do meu colo e levando o meu sanduíche à boca, mordendo um pedaço grandioso, com bastante queijo derretido. Passei a mão na boca para limpar os farelos, e comecei a tossir compulsivamente assim que na tela do computador apareceu a imagem de uma pessoa, com uma blusa branca de mangas dobradas. Mas, o mais chamativo foi o fato de que, na cabeça dessa pessoa, tinha a máscara de um cavalo.
Comecei a rir descontroladamente e a engasgar compulsivamente, ao mesmo tempo. Levantei meus braços para o alto, tentando respirar melhor, mas estava difícil. Assim que consegui engolir o resto do sanduíche que estava na minha boca, comecei a gargalhar em uma altura estrondosa. Do outro lado da tela, o “cavalo” levantou da cadeira giratória e começou a fazer uns passos de dança, como se estivesse com uma corda invisível, prestes a laçar algo, como um cowboy.
O notebook tremia em cima das minha pernas esticadas e minha barriga doía, além de que, meu rosto parecia um tomate de tão vermelho, devido às risadas.
- O quê... O quê é isso? – falei tossindo e me abanando com uma almofada. Mas o “cavalo travesso” não respondeu, só chegou mais perto da câmera, me fazendo rir ainda mais por ver aquele nariz gigante, quase em 3D.
Pude escutar um barulho estranho e abafado vindo do outro lado. Era como se Niall estivesse imitando um relincho. Eu dei um grito agudo, tentando fazer o ar sair da minha boca, já que ele parecia só entrar. Eu estava realmente sem oxigênio. Comecei a tossir ainda mais, levantando os braços tentando desengasgar, sem me importar se Niall estava vendo ou não minha garganta, já que eu abria minha boca como se estivesse no dentista.
- AH MEU DEUS! – gritei tirando o notebook do meu colo e saltando para fora da cama.
- Carol? – a voz de Niall ainda saía estranha e distorcida por estar com a máscara.
- Quê? –perguntei aumentando meu tom de voz, ainda rindo, enquanto tentava arrastar o tapete peludo, antes que o líquido roxo do suco o manchasse.
- Tudo bem aí? – ele perguntou, e só assim virei meu rosto na direção da cama e notei que o notebook tinha virado. A webcam estava virada para o teto, me fazendo rir ainda mais.
- Meu suco caiu no chão! Viu! Sua culpa, pequeno cavalo! – eu me levantei segurando o copo, sem antes tropeçar em um par de tênis, e colocar o notebook do jeito certo. – Oh meu Deus, Niall. – eu ainda ria, limpando uma certa umidade que tinha acumulado no canto dos meus olhos. – Tira isso, seu louco.
- É legal. – ele disse ainda com aquela coisa na cabeça. – Mas já estou ficando sem ar. – ele falou colocando os dedos no próprio pescoço, puxando a mascara para cima, descobrindo seu rosto, tão ou quanto mais vermelho que o meu.
-Nossa, Niall! Você tem sérios problemas. – eu falei, arregaçando as mangas da minha blusa até os cotovelos, pois eu tinha ficado com calor.
- Eu sou absoluta e extremamente normal. – ele disse, arrumando o cabelo em um topete de sempre
- Sim, claro! Totalmente!- ele notou minha ironia e riu colocando a máscara na mão como um fantoche.
- Olá! Meu nome é red horse. Eu participei, como ator principal, no clipe da Katy Linda Perry. Só que tingiram meus pelos de preto. Mas agora já estão voltando ao normal! Que bom!
- Meu. Deus! – falei pausadamente, batendo a mão em minha própria testa, enquanto Niall continuava rindo fazendo um bico adorável, mexendo as mãos, imitando o movimento de galope.
- Filha? – olhei para porta assustada, e vi minha mãe escorada no batente. – O que aconteceu aqui? Um alienígena chegou surfando em um maremoto?
Olhei para a tela do computador, onde vi Niall gargalhar com a fala da minha mãe, com as duas mãos pressionadas na barriga. Comecei a rir junto com ele e minha mãe continuava me encarando com as sobrancelhas erguidas como se eu fosse louca. Na verdade, eu parecia uma.
- Eu... Eu derrubei o suco no chão. – disse massageando meu estômago que estava dolorido pelas risadas.
- E não limpa, não? Que gracinha! – ela também foi sarcástica e saiu do meu quarto balançando a cabeça negativamente.
- Sua mãe é muito engraçada. Que sorte a minha! Tenho uma sogra legal. –ele comemorou, levantando a parte da frente da blusa e a colocando na cabeça. Comecei a rir ainda mais, enquanto ele continuava com a blusa escondendo seu rosto, e balançando os braços como se fosse um boneco de plástico de postos de gasolina.
- Para com isso! Eu estou ficando sem ar, de novo! – eu implorei, jogando minha cabeça contra a cabeceira de cama e respirando profundamente. – Hoje vou ser obrigada a usar minha bombinha de asma. Por sua culpa!
- Pensei que já tivesse acabado há muito tempo com essas crises de asma. – ele disse, voltando com a camisa ao corpo.
- Eu também pensei... – dei uma pausa o encarando. – Até você chegar com uma máscara de cavalo, e quase me fazer morrer engasgada. E aliás.... também me fez derrubar meu suco no chão.
- Foi mal! Oi dona Helen. – Niall disse e só então notei que minha mãe estava agachada ao meu lado, com um frasco de plástico de limpeza e um pano molhado, tentando limpar a bagunça que eu tinha feito.
- Hã? Essa voz é do Niall? – minha mãe me encarou, logo depois rodando os olhos por meu quarto, procurando por algum vestígio do loiro.
- Aqui, mãe. – apontei para a tela do computador, me forçando a não rir, pois ela odiava que a zombassem pois não sabia nem mesmo qual botão apertar para ligar o notebook.
- Ah! Oi, Niall! – minha mãe chegou com a cabeça tão perto da webcam, que suponho que Niall só tenha visto a testa dela do outro lado.
- Oi! Tudo bem com a senhora? – ele perguntou educado.
- Senhora está no céu, querido. – a puxei gentilmente pelos ombros até ela sentar ao meu lado, e não mostrar todos os poros da testa para que Niall enxergasse até seu suor. – Mas eu vou muito bem, obrigada. E você, meu doce?
- Eu vou indo. Estou com saudades de uma pessoa, mas agora já melhorou um pouquinho... – ele falou mudando o olhar de minha mãe para mim.
- Sério? Com saudades dela?- minha mãe apontou para mim, enquanto eu a encarava de lado. - Como assim? Você deveria estar agradecendo de joelhos por estar longe dessa garota! Ela é chata demais, não é? Pode confessar. Não vou contar pra ela. – abri a boca e balancei a cabeça. Ela fingia que eu não estava ali, ao lado dela, escutando tudo.
- Só um pouquinho. Eu ainda posso suportar por mais alguns anos. – ele falou, encarando minha mãe, e meu coração vibrou sem querer, por escutar a profecia: “anos”. Ninguém tinha dito algo parecido para mim antes. Ficar juntos por mais alguns anos. Era difícil alguém me suportar por muito tempo.
- Tudo bem. Você está envergonhado para dizer isso para mim. Mas eu sei que você a acha muito chata. Não vou brigar com você. – ela riu e Niall a acompanhou. – Vou deixar você “matar” essas saudades... mesmo não entendo como alguém pode sentir saudades dela...
- Ah tá. Tudo bem... Olha quem fala! Aquela que diz: “ ah meu bebê, que saudades” – tentei imitar a voz de minha mãe enquanto ela saía do meu quarto gargalhando e rodando o pano em torno a própria cabeça.
- Ela é uma peça de comédia. – Niall me despertou e eu voltei a olhá-lo através da pequena câmera.
- Tenho que admitir. Ela é mesmo. – falei amarrando meu cabelo com uma presilha que tinha ao lado da cama.
- Acredita que aqui está chovendo? – ele fez uma pergunta retórica.
- Pois é.... Parece que aqui também vai chover. – tentei olhar pela janela, mas o céu já estava escuro, e a cortina tampava um pouco a minha visão.
- O verão acabou tão rápido, que nem vi passar. E lá vem mais uma vez o frio.
- Ah, eu não odeio tanto o frio... – falei, dando de ombros, voltando a pegar meu sanduíche e a comê-lo, já que agora os nossos risos já tinham cessado.
- Eu também não odeio o frio. Eu até gosto... DESDE QUE –ele frisou – desde que eu não precise dormir sozinho. – ele balançou as suas sobrancelhas para cima e para baixo e sorriu.
- Pegue um urso de pelúcia, que aí você não se sentirá sozinho. – falei dando mais uma mordida na comida.
- Acontece que um urso de pelúcia não tem boca para me beijar, nem pernas para que eu possa entrelaçar às minhas, nem braços para me envolver em um abraço, nem uma bunda, para apertar e passar a mão.
Engasguei com o comentário de Niall, levantando mais uma vez os braços. Parecia que um pedaço tinha agarrado na metade da minha garganta, e pior que nem um copo de água tinha por perto.
- Como é? – perguntei depois de pigarrear, tentando voltar à minha voz normal.
- Oras... Só estou dizendo a verdade. Não tenho culpa se você não sente minhas mãos no seu corpo durante a noite.
- NIALL! Vai começar! – resmunguei enquanto rolava os olhos, e tentava disfarçar minha vergonha que transparecia através das minhas bochechas.
Conversa vai, conversa vem. Vários minutos se passaram. Duas horas sentada na cama, conversando à distancia com Niall, que parecia ter vários assuntos para tratar. Mal vimos quando o relógio marcou nove horas da noite e nossas mães já estavam implorando para que parássemos de rir. Eu escutava a todo momento Niall pedir desculpas pelo barulho, e eu fazia o mesmo com minha mãe.
- Eu tenho que ir, ou se não minha mãe me arranca pelos cabelos. – eu falei me espreguiçando.
- Tudo bem, eu também tenho que ir. Estou um pouco cansado, já que não dormi quase nada e acordei cedo. Nos vemos amanhã?
- Com isso você quer dizer que eu tenho que te encontrar aqui no skype?
- YEAH! – ele gritou sorrindo abertamente. – No mesmo horário, pode ser? Sete horas da noite.
- Tudo bem. Sete da noite. Confirmado. – fingi anotar algo nas minhas mãos fazendo Niall rir.
- Abraço! – ele falou e chegou bem perto da webcam abrindo os braços.
O imitei, abrindo os braços e passando meus braços por meus ombros, como se estivesse mesmo o abraçando. Depois, ele fez um biquinho e colocou os lábios na tela. Fiz o mesmo e fingimos estar selando nossos lábios. Eu sorri,e acenei para ele.
- Até mais. Foi muito bom rir tanto com você. Eu estava com saudades disso. – eu disse.
- Eu também estava com saudades disso. – ele confirmou e mandou beijo. – Até mais. Eu amo você. – ele falou baixinho e eu sorri.
- Eu também te amo, oxigenado. Ou seria... pequeno cavalo travesso? – e dito isso rimos mais um pouco até finalmente desligarmos a chamada de vídeo de vez.
O resto dos dias passaram voando, literalmente. Talvez seja porque a cada dia da semana eu e meus pais fazíamos um passeio diferente. Fomos à um circo, cinemas, a praças e até passeamos de barco. Foi legal e foi bom passar muito tempo com eles. Mas a minha vontade maior era reencontrar Niall. Quase todos os dias nos falávamos pelo telefone, ou mandávamos mensagens de texto, mesmo que fosse somente por alguns minutinhos. Porém, escutar a risada dele somente do outro lado da tela do computador, não era nada bom. Eu me sentia ainda mais distante. Como se tocar nele não estivesse nunca mais nos planos.
E então, e aí que você nota: quanto maior a distância, mais o sentimento é nutrido.
Naquele domingo frio e tedioso me senti muito mais sozinha. Meu pai tinha ido comprar pizza. E minha mãe deveria estar conversando com alguém no telefone. A chuva já tinha passado há três horas e eu estava cansada de não fazer nada. Não era assim quando eu e Niall estávamos juntos. Sempre tínhamos algo para fazer, nem que fosse tentar acertar pipoca um na boca do outro, de longe.
Levantei da cama, entediada de ficar olhando para o teto branco sem graça. Coloquei minhas luvas e um casaco de lã por cima de outra blusa que eu estava vestindo. Quando cheguei na sala, minha mãe estava mesmo conversando mesmo no telefone, passando os canais da televisão pelo controle.
Lancei um olhar rápido pra ela, que pareceu não perceber. Não me importei, somente abri a porta frontal e saí de casa. Poucos carros passavam na rua, pois a moradia de meus pais não era no centro da cidade, e por isso eu nem sempre os visitava frequentemente. Sentei-me no degrau da varanda arrumando a gola da blusa em volta do meu pescoço.
Soltei o ar profundamente, vendo aquela fumaça sair de minha boca arroxeada de frio. E enquanto isso eu olhava um casal passar rindo. Eles estavam se equilibrando em cima de uma bicicleta. Cada uma em seu veiculo, enquanto uma das mãos apoiava o guidão e com as mãos soltas entrelaçavam seus dedos. Eu sorri também, os observando ir sumindo do meu campo de visão, ainda gargalhando.
- Saudades, não é? – senti uma mão em meu ombro,e levei minha mão ao peito, tentando acalmar meu coração.
- Que susto, mãe. – assistia suas mãos arrumando o casaco e logo depois sentando-se ao meu lado no degrau.
- Desculpa. – ela riu. – Amanhã você vai encontrar com ele. Pode ficar despreocupada.
- Hã? – olhei para ela com as sobrancelhas em uma carranca.
- Niall. – ela disse somente. – Não é amanhã que vocês vão se encontrar? Na Irlanda?
- Ah sim... É.. Amanhã. – concordei com o olhar perdido no vazio.
- Você está com saudades, não é? – ela perguntou, também olhando para frente.
- Estou... E isso é estranho. Nunca me senti assim. Parece que estou... sozinha. – eu mesma estranhei a frase, por ela ser tão verdadeira.
- Com a distância as pessoas passam a enxergar quanto a outra faz falta. É por isso que você está se sentindo assim. Vocês viviam juntos e agora ficaram separados. De vez em quando é bom sentir saudades. É o que faz você perceber que o que sente não é tão passageiro assim. – ela disse olhando para baixo.
- É, percebi isso... – suspirei e voltei a acompanhar o movimento dos carros. Eu e minha mãe ficamos em silêncio durante mais um tempo, até que sinto ela se aproximar de mim, colocando uma mão em minha perna.
- Filha, posso te perguntar uma coisa?
“Não, não, não... por favor”. Essa era a resposta que eu tinha em mente. Esse era o tipo de pergunta que eu mais tinha pavor quando vinham dos meus pais.
- Claro. – sorri amarelo torcendo para que ela perguntasse se eu tinha visto o pano de prato amarelo.
- Você e o Niall já fizeram alguma coisa que foi além do ponto? – dessa vez eu sentia que ela me encarava e eu já estava vermelha de vergonha.
- Bem... – encarei minhas mãos, puxando a ponta da luva em cada um dos meus dedos. – A gente já fez algumas coisas, digamos que.... mais íntima.
- OH! Sério? – ela levou a mão até a boca, surpresa, e eu concordei com a cabeça. – E usaram preservativo, não é?
- NÃO! NÃO! – eu comecei a balançar a cabeça compulsivamente de um lado ao outro, negando e minha mãe ainda me olhava com os olhos arregalados. Ela tinha entendido tudo errado. – Eu e o Niall, ainda não fizemos... aquilo. – fechei os olhos com força e virando a cabeça para baixo.
- Mas... O que seria então, “momentos íntimos”? –ela perguntou totalmente confusa.
- Olha, mãe... não quero entrar em detalhes, por favor. –eu pedi ainda de olhos fechados.
- Tudo bem... – ela disse baixo. Tinha ficado um clima bem tenso entre nós duas. E nenhuma de nós se atrevia a iniciar um novo dialogo ou se levantar e ir para dentro de casa.
Minha mente ficou vagando por vários outros acontecimentos passados. Todas as vezes que minha mente parecia querer explodir com minhas dúvidas sobre o assunto tão desejado da parte de Niall. Todos os pensamentos impróprios que tive quando começávamos a nos animar um pouco além da conta e extrapolarmos.
Todas as vezes que eu notava o olhar de Niall cair sobre mim de um modo desejoso. Lembrei-me de todas as vezes em que ele dizia coisas atrevidas e um calor me subia pela espinha. E infelizmente também lembrei de várias vezes em que eu acabava com o clima bom.
- Mãe... – criei coragem e a chamei. Imediatamente ela me encarou e seu olhar me dizia para continuar. – Eu, eu tenho medo, insegurança, sei lá... – continuei passando a mão no cabelo.
- Por que? Niall por acaso disse algo que você não gostou? Está te pressionando? – ela já sabia exatamente o assunto.
- Não. Não. Totalmente diferente disso. –balancei a cabeça, negando junto com a fala. – Ele até me elogiou, e sempre diz que só devemos dar um próximo passo quando eu estiver certa , com certeza absoluta. Ele é ótimo nesses quesitos. Mas... eu não sei, acho que não consigo.
- Como assim? Você não disse que tiveram um momento íntimo?
- É,nós tivemos, mas... quando parece que vai rolar, algumas coisas vêm à minha mente. Vários fatores me deixam nervosa e com medo.
- Como o que?
- Uma vez, quando começamos a nos beijar mais intensamente, eu não consegui continuar porque... – abaixei a cabeça e falei bem baixo. – Me lembrei daquela vez com o Bruno, quando ele tentou me obrigar. Só que eu não disse isso pro Niall. Ele ia ficar triste.
- Você não deve mais pensar nisso. Agora você tem uma pessoa que gosta de você e que consegue respeitar o seu tempo. Você não precisa ficar com medo de nada. Mesmo que Niall não seja mais virgem... suponho... – ela me olhou e eu confirmei que ele não era. – Pois então, mesmo que um de vocês não tenha toda experiência do mundo, eu acredito que ele saberia te deixar feliz.
Eu não soube o que dizer. Fiquei somente olhando para a rua. Pensando. Talvez ela estivesse certa. Não devia ter medo.
- Pode parecer difícil, mas quando as coisas começarem a esquentar entre vocês dois, eu tenho certeza que você vai esquecer essa insegurança e só vai querer aproveitar o momento. Te garanto que é muito bom. – mamãe disse brincalhona e eu escondi meu rosto no meio de meus joelhos, não acreditando no que ela disse.
- Eu sei que vai ser bom. Já tive uma prévia do quão bom Niall pode ser. –falei ainda com o rosto escondido.
- Não vai mesmo me dizer o que aconteceu?
- Eu nem sei como chamar isso que fizemos. Prefiro deixar quieto, sem você saber.- eu ri e depois olhei-a – Acho que na hora vou ficar muito nervosa. E se eu fizer algo de errado?
- Olha, minha filha, eu acho que tudo tem seu tempo e você não deve se preocupar com isso. Fale com Niall, talvez ele possa te aconselhar ou te instruir para que o fluxo não perca o calor do momento. Mas também, não significa que você conversou sobre isso comigo que você já tem chegar no aeroporto e levar Niall para um hotel, motel, ou seja lá o que for. Somente vai rolar um clima, e aí vai acontecer.
- Tomara que dessa vez eu não estrague tudo... – suspirei. – Eu fico com medo de ele não me querer mais por causa disso.
- Isso é uma completa bobagem, e nem se atreva a dizer isso a Niall. Você estaria insinuando que ele só está com você por causa de sexo. E isso não é verdade. Não é o que me parece. Niall não é assim, pelo menos eu acho. E eu acho que você deveria dar mais aberturas para ele. Não ficar tão tímida. Você tem noção de uma coisa... Você cobriu o seu corpo de mim, que sou sua mãe, já te vi pelada mil vezes.
- Mas com ele é diferente. Eu fico muito envergonhada. – falei olhando para o céu.
- Tudo bem, eu entendo, mas você deve ser mais próxima a ele. Se ele te ama, ele vai pegar na tua mão, mas também vai pegar na sua coxa e na sua bunda. Ele vai borrar seu rímel e seu batom de propósito e depois vai rir da sua cara. Vai te ligar de madrugada e dizer que não para de pensar em você, mas também vai te mandar mensagem só pra te acordar e te deixar irritada. – eu ri lembrando que tudo o que ela dizia era verdade. - Vai te elogiar quando você não estiver arrumada, mas vai gargalhar quando te ver com o cabelo todo desgrenhado. Vai te chamar de ”meu amor, minha linda” e também de ”minha gostosa”. Ele vai largar as outras pra ficar contigo mas quando passar alguma menina bonita ele vai olhar e ainda vai comentar com você: “gostosa, né?” só pra te ver com ciúmes. Ele vai te fazer feliz, e vai saber esperar seu tempo, eu sei disso.
-PARABÉNS! – comecei a aplaudir e a rir ao mesmo tempo. – Helen, a grande filósofa do século XXI. – Eu continuava rindo, mas ela tinha feito um belo discurso, e confesso que foi este que me fez mudar uma parte grande da minha opinião.
- Certo, obrigada! – ela imitou uma bailarina agradecendo depois da apresentação e me estendeu a mão. – Acho que vai chover. Vamos esperar seu pai lá dentro. Espero que ele chegue antes da chuva.
O dia tinha amanhecido tão rápido que pareceu míseros minutos. Talvez, não tivesse passado tão rápido assim. Talvez fosse só minha ansiedade dando sinal de vida. Eu queria vê-lo, e estaria daqui a poucas horas ao seu lado, novamente.
- Boa viajem, querida. –minha mãe disse em meu ouvido, enquanto me abraçava.
- Obrigada, mãe. –eu beijei sua bochecha e depois soltei-a para ir abraçar meu pai que estava atento às chamadas dos voos.
- Tchau, minha filha. Boa viajem. –ele desejou o mesmo que minha mãe e me abraçou forte, espremendo meu rosto contra seu casaco quente. – Juízo. –ele sussurrou no meu ouvido, beijando minha testa e eu ri.
- Tudo bem, juízo é algo que eu tenho de sobra!. – mais ou menos; completei mentalmente.
- Acho melhor você ir andando para a área de desembarque ou se não perderá o voo. – mamãe disse, e meu pai foi empurrando minha mala até chegarmos em frente ao portão onde guardas e seguranças conferiam se ninguém carrega nenhum objeto perigoso metálico no corpo.
- Lembre-se do que eu te disse. Niall só quer te fazer sentir segura. Dê liberdade a ele. Niall é um bom garoto. Vai te entender, mas entenda o lado dele também. Ele te quer, e você também o quer. –minha mãe sussurrou no meu ouvido antes que eu fosse para o portão de desembarque.
- Ok, eu vou tentar. Prometo. –sorri, e mentalizei que aquilo iria dar certo. Dessa vez eu não estragaria as coisas.
- Tchau ! – acenei uma última vez quando meu pai gritou e fui puxando minha mala, que depois foi colocada em uma esteira rolante para ser conferida. Eu passei também pelo detector de metais e fui em direção ao avião, empurrando minha mala com rodinhas.
- É, tomara que dê tudo certo. –eu disse baixo, subindo no avião, que pela primeira vez, eu entraria sozinha. E que daqui há algumas horas, estaria perto de quem eu queria. Muito.
Continua...
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