Capítulo 4 – O Menino que se Afasta.
Yuuri já havia lido uma considerável quantidade de romances, tanto russos quanto de outras nacionalidades, e sabia bem a diferença entre um “amante” e um “namorado”. O primeiro termo, que era o sugerido por Viktor, implicava apenas em uma relação carnal, baseada na satisfação dos desejos do corpo e, com certeza, não era o tipo de envolvimento que o japonês queria. Sentiria-se usado se esse fosse o caso. Tinha ficado feliz em ser beijado, apesar de sua vergonha, mas a frase proferida após o ato o levara dos céus ao abismo.
Com delicadeza, abaixou a cabeça, deixando que a franja cobrisse seu rosto, para esconder os olhos que começavam a marejar com o choro, e espalmou as mãos no peito do russo, o empurrando para afastar-se dele devagar, quebrando com aquela proximidade, que antes estava prazerosa e agora o sufocava. Havia sido ingênuo demais em pensar que talvez o outro tivesse gostado de sua pessoa e isso doía a ponto de fazer sua garganta engasgar.
Nikiforov estranhou a atitude. Será que o outro não entendera alguma coisa do que falara? Se fosse o caso, ele poderia simplesmente perguntar. Contudo, espantou o pensamento quando viu Yuuri se afastar com passos rápidos e a cabeça abaixada. Correu até ele e fechou os dedos em seu pulso, o puxando e o virando para si. A cena era devastadora e, por mais estranho que fosse, sentiu uma pontada demasiadamente forte em seu peito ao ver a face de Katsuki.
Os olhos castanhos que tanto adorava e que possuíam um brilho que o levava a luxúria agora estavam maculados pela tristeza, pela mágoa e pela dor, e estes sentimentos negativos transbordavam em lágrimas grossas e incessantes. Suas bochechas estavam vermelhas devido ao choro e seu corpo tremia levemente em pequenos espasmos. Naquele momento, Viktor soube que não só havia estragado seu plano como, mais importante, magoara seriamente o garoto.
Por sua vez, Yuuri tentou esconder seu estado emocional e puxar seu braço dos dedos alheios, contudo, travou por um momento ao ver o olhar de piedade que recebia do russo. Aquilo o irritou. Não era isso que queria. Ele não era um pobre coitado e sim uma pessoa inocente que insistia em acreditar que todos agiriam consigo da mesma forma e com as mesmas intenções que agia com elas.
- Yuuri... – Viktor sussurrou seu nome da mesma forma que o fizera quando o beijara.
O russo não pode concluir o que diria, já que um som alto de um estalo ecoou pelo parque, seu rosto foi virado para o lado e uma ardência incomum tomou conta de sua bochecha. Por entre a franja bagunçada, viu o rosto do japonês, que possuía a respiração ofegante e a mão dobrada perto do ombro e do peito. Seu olhar agora era apenas preenchido pela raiva.
- Não fale comigo nunca mais! – Yuuri ordenou em um tom categórico, realmente irritado.
Com um puxão brusco, soltou-se de Viktor e se afastou correndo, logo sumindo de vista e abandonando o outro estático. Nikiforov, por sua vez, não podia acreditar que aquele garoto havia mesmo batido em seu rosto. Tocou a bochecha com delicadeza e encarou a direção por onde o moreno havia sumido, ficando sério. Com uma ligação, poderia ordenar que seus capangas sequestrassem e, no mínimo, torturassem Yuuri por machucá-lo, mas, depois da momentânea raiva ter se esfriado, percebeu que a dor em seu rosto não era nada se comparada a que já infligira ao moreno.
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Yuri ainda conversava com Otabek via mensagem, apesar do horário avançado, quando ouviu o som da campainha da mansão ressoar pelo recinto. Instantaneamente, jogou o celular na cama e pegou a arma que guardava embaixo da mesma, destravando a trava de segurança e conferindo se ela estava carregada. Quando abandonou o quarto com o objeto em punho, constatou que seus seguranças também estavam a postos.
Caminhou com firmeza e encontrou o avô no primeiro andar, também armado, sinalizando para que seus homens ficassem em volta da entrada. O sistema de segurança não havia sido disparado, o portão da entrada não emitira nenhum barulho que indicasse arrombamento e não ouvia nenhum motor de carro ou tilintar de armas, o que deixava tudo ainda mais suspeito.
Novas batidas, agressivas e rápidas e, ao comando do idoso, o grupo abriu a porta e apontou as armas ao visitante, que encarou todos com ódio. A chuva lá fora o havia pego de jeito e tanto seu cabelo quanto suas roupas pingavam. Ele entrou sem cerimônias e parou no hall, encarando Yuri e o avô, onde o loiro de olhos verdes ainda mantinha a arma em riste.
- É melhor esses idiotas abaixarem as armas se quiserem continuar vivos pela manhã – Viktor sibilou com extrema frieza.
O Plisetsky de orbes verdes assentiu para os homens que ainda não comandava e abaixou a própria arma, assim como avô, que pediu para que seus capangas se dispersassem e voltassem aos afazeres anteriores.
- Porra, velhote, quase matamos você, sabia? – Yuri reclamou, se aproximando do primo – O que pensa que está fazendo aqui a essa hora?
Viktor encarou o avô, ignorando o russo miniatura, que se irritou ainda mais.
- Perdão.
O idoso sorriu.
- Pelo menos isso explica a falta de alarde da segurança – ditou – Yuratchka, por favor, peça para arrumarem um quarto para seu primo. Viktor, tome um banho quente, sim? Está tarde, então me explique sua visita repentina pela manhã.
Os dois assentiram e subiram em direção ao segundo andar em silêncio, já que o patriarca estava logo atrás dos rapazes. Era tarde e ninguém ali queria que mais algum alarde fosse provocado, afinal, a ameaça de uma possível invasão já havia sido suficiente por aquela noite. Nikiforov tratou de tomar o tal banho e jogou-se no colchão macio assim que abandonou o banheiro, enterrando o rosto no travesseiro. Logo a porta do aposento foi aberta, mas não se deu ao trabalho de se virar, sentindo, pouco tempo depois, um peso excessivo em suas costas.
Yuri se deitou sobre o primo e abriu os braços, encarando o teto. Os dois desfrutaram de alguns minutos de silêncio, até o russo de olhos azuis soltar um suspiro pesaroso, abrindo os olhos e virando a cabeça de lado para poder falar. O mais novo continuava imóvel acima de si, onde só sentia que o mesmo respirava calmamente.
- Diga logo o que quer, Yuri.
- Não fui eu quem invadiu sua casa no meio da noite, ensopado, com olhar desolado e bochecha vermelha.
- Não estou com o olhar desolado.
- Está sim – retrucou Plisetsky.
Viktor suspirou novamente, derrotado.
- O Yuuri me deu um tapa na cara – confessou o Nikiforov.
O loiro de olhos verdes parou por um momento, avaliando a frase.
- E cadê?
- Cadê o que? – inquiriu Viktor.
- Ah, sei lá, o corpo desfalecido, os braços e pernas desmembrados, a cabeça como troféu ou, no mínimo, a mão que ele usou pra te bater... É só me dizer qual método você usou nele.
O maior se calou por um momento.
- Não fiz nada disso – admitiu Viktor.
- Por que não?
- Por que fui eu quem o magoei.
- E, desde quando isso é motivo para você perdoar alguém que lhe bate? – perguntou, esperando por uma resposta que não veio – Realmente gostou dele, não, Vitya?
Viktor travou mediante a evocação de seu apelido carinhoso ao qual seu falecido pai fazia uso. Sorriu por um momento maculado de nostalgia, logo voltando à melancolia anterior de sua realidade.
- Eu não sei.
- Como assim não sabe? – o loiro de olhos verdes tornou a questionar – Você o deixou impune, alguma coisa deve ter te motivado a isso.
- Não sei o que sinto pelo Yuuri...
Plisetsky bufou, revirando os olhos. Viktor era tão criança às vezes. Rolou para o lado no colchão, puxou o braço do primo pra que esse virasse-se na cama, e subiu em sua barriga, segurando seu rosto entre as mãos. Seus olhos vasculharam os alheios em busca da resposta que justificava a atitude do russo mais velho. Estava preocupado por dentro, pois queria que Nikiforov fosse feliz, não importando como ou com quem.
- Você gosta dele – afirmou de forma convicta – Só precisamos saber se é algo que pode ir além disso...
Viktor tocou os pulsos finos do menor e negou com a cabeça.
- Yuuri é bonito, faz meu tipo e me atraiu desde nosso primeiro encontro, mas era uma atração sexual que virou curiosidade por sua pessoa. Ele é divertido, temos coisas em comum e conversar com ele me fascina pelo fato de ser inteligente – ditou – Eu gosto dele, me machucou tê-lo magoado e isso me surpreendeu, já que é a primeira vez que sinto isso por alguém que não seja da família, contudo, para nisso. Eu não o amo.
O russo menor sorriu de canto e revirou os olhos.
- Eu não disse que o ama... Mas, talvez, esteja começando a se apaixonar por ele e, se isso estiver mesmo acontecendo, pode ser que se torne amor um dia.
O outro de olhos azuis se calou. Seu primo o surpreendera com sua maturidade relativa a sentimentos. Talvez fosse por causa de Otabek, mas preferiu não tocar no assunto.
- Pode ser que seja esse o caso – confessou, levemente constrangido – Mas, mesmo que seja, e não estou dizendo que é, um hipotético relacionamento entre nós jamais poderia acontecer. Eu sou um líder mafioso, esqueceu?
- E? Transforme em seu puto – zombou o menor, vendo o outro fazer cara feia – Ok desculpe. Um problema de cada vez, velhote, afinal você nem sabe se vai vê-lo de novo depois de hoje.
Viktor se calou, os olhos enegrecendo por causa da imagem de Yuuri chorando que surgiu em sua mente. Era verdade. Não sabia mais se veria o belo moreno e, sequer pensar nisso, deixava seu peito aflito.
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Correu sem rumo, confiando que seus pés o levariam para um local seguro, já que sua visão estava turva por causa das lágrimas. Seu peito doía por ter se envolvido emocionalmente com aquele russo cruel. Deveria ter se afastado, esquecido completamente dele, como fizera com muitos outros, mas a curiosidade o envolvera e agora pagava o preço por sua inocência. Por quê? O que fizera para ser visto apenas como um objeto sexual e não um amigo? Algo em sua atitude talvez? Ou sua fala?
Seu cérebro martelava em busca de algum deslize seu que justificasse o que acontecera anteriormente. Não se arrependia do beijo, já que naquele momento, queria ser beijado e sabia que Viktor queria beijá-lo. Faria de novo, desde que o sentimento que preenchia seu peito naquele instante fosse o mesmo que tomasse conta de Nikiforov. Aquele sentimento de companheirismo e curiosidade, assomado ao gostar. Era isso que queria em troca, e é por isso que seu peito doía e chorava tanto. Havia apenas se iludido.
Pelo menos, seus pés eram confiáveis, já que o haviam levado até seu apartamento. Abriu a porta e a fechou com o pé, sem se importar em trancar, buscando alento na própria cama. Abraçou o travesseiro e tirou os óculos, fechando os olhos ao tempo em que chorava copiosamente como uma criança. Não sabia ao certo a razão de tanta dor, apenas sabia que doía e que queria chorar até não poder mais. Queria sua família ali, sua irmã mais velha e os braços protetores da mãe, contudo, eles estavam longe de si agora. Tudo o que tinha era Mila, mas sabia que ela seria suficiente.
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Yuri tinha voltado ao seu quarto e Viktor agora se encontrava totalmente sozinho no imponente quarto. Pegou o celular e encarou o contato de Katsuki, sentindo vontade de lhe dizer algo, mas não sabia ao certo o que. Se falasse algo errado, poderia piorar tudo e magoá-lo ainda mais.
- Perdão, Yuuri – sussurrou para o aparelho eletrônico – Não pensei que ficaria tão ofendido... Com vergonha sim, mas achei que acabaria cedendo depois de certa insistência minha...
Sentou-se no chão frio e perdeu os dedos nos cabelos prateados de sua franja, encarando seus pés. Não deveria se importar, mas se importava e não entendia o porquê disso. Se queria sexo, e era o que queria de Katsuki, seu celular estava cheio de contatos que o atenderiam a qualquer momento, onde poderia até mesmo escolher entre uma bela mulher ou um rapaz, ou até mesmo os dois ao mesmo tempo.
Um estalo ocorreu em sua mente. Era essa a questão e era por isso que estava tão incomodado em ter magoado Yuuri. Não era só sexo que queria dele, mas buscara no moreno de olhos castanhos alguém com conteúdo, alguém com quem pudesse transar loucamente e depois ter uma conversa intelectual sem frescuras sentimentais. Alguém maduro com quem pudesse desenvolver um vinculo além do carnal. Um amigo.
Era isso! Gostara de Yuuri como pessoa e não como objeto, divertira-se com suas conversas, encantara-se com seu jeito e viciara-se em seus belos olhos. A impressão de apenas um garoto para foder que tivera no primeiro encontro, e que ocorria toda vez que conhecia alguém que fazia seu tipo, fora desmantelada pela personalidade de Katsuki, o que não acontecera com os outros, e isso estimulara sua ânsia para vê-lo, conversar com ele e, acima de tudo, beijá-lo.
Sorriu docemente, tocando os lábios com as postas dos dedos ao tempo em que recordava a sensação de ter a boca macia de Yuuri na sua. Sua língua enroscando-se na dele, explorando sua boca, enquanto a carícia era correspondida de forma mais inocente e inexperiente. Ele tinha uma noção excelente e, com um pouco de prática, aquela boca levaria muitos a loucura, incluindo o próprio Nikiforov.
De fato, estava mesmo gostando de Yuuri. Seu primo estava certo quanto a isto e, se pensasse positivamente, não seria tão ruim manter esse sentimento, já que, pelo menos, não estava direcionado a alguém que não valesse à pena. Katsuki valia à pena e, ali, sentado no chão com a luz da lua a iluminar sua pele, Viktor decidiu que o reconquistaria. Teria sua confiança de volta, independente do preço.
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Mila saiu da pequena cozinha do apartamento do moreno de olhos castanhos com duas canecas brancas de porcelana em mãos com um chá quente e calmante dentro de cada uma. Yuuri finalmente havia parado de chorar e conseguira lhe contar tudo o que acontecera, o que a deixou triste, zangada com o russo e preocupada com o estado emocional do amigo. Katsuki era demasiado frágil quando o assunto afligia seus sentimentos, já que era fechado, além do fato de sua insegurança, que o fizera se culpar pelo que ocorrera. Era difícil confiar e se abrir com alguém, o que justificava a dor que sentia.
A ruiva caminhou com calma até a sala, onde o outro estava sentado com o olhar perdido e estendeu a porcelana, sorrindo de forma reconfortante enquanto este a pegava e sorvia o líquido contido nela. Sua expressão se suavizou e, quando Mila sentou-se ao seu lado, Yuuri recostou a cabeça em seu ombro.
- Me perdoe de novo por fazê-la vir até aqui sozinha e no meio da noite – murmurou.
- Deveria se desculpar comigo se não tivesse feito isso, Yuu.
Ele riu fracamente, bebendo mais chá.
- Está um pouco melhor? – Mila arriscou perguntar.
- Uhum, mas ainda dói um pouco...
- Ah, Yuu, você se abriu com ele e confiou nele, o que você faz com pouquíssimas pessoas, então é normal se sentir assim quando é traído, mas, eu digo e reitero, a culpa não é sua.
O japonês se calou por um momento, encarando o chá de cor sépia.
- Obrigado, Mila. Eu não sei o que seria de mim sem você.
- Você é minha família, Yuu, e é isso que uma família faz – sorriu – A gente cuida um do outro. Irmãos de pais diferentes, lembra?
Dessa vez Yuuri riu de verdade.
- Irmãos de pais diferentes – repetiu – Quando contei isso pra minha mãe, não esqueço da minha irmã mais velha gritando ao fundo que não ia sustentar mais ninguém.
- Ela diz isso por que não me conhece – respondeu a ruiva, rindo também.
- Prefiro não emitir comentários – zombou.
Mila segurou uma de suas bochechas, a puxando.
- Eu sou maravilhosa, ok? – ditou.
- Sim, senhora.
Os dois voltaram a rir, aos poucos se acalmando. Yuuri depositou a caneca no braço do sofá e colocou os pés sobre este, abraçando os joelhos.
- O que eu faço agora, Mila?
- Diz em relação a que?
- Ao Viktor – comentou em voz baixa.
- Ah, Yuu, eu não sei ao certo. Minha vontade é socar aquele bonitão até ele ficar feio e depois jogá-lo de uma ponte e vê-lo morrer congelado, mas, ao mesmo tempo, eu acho que não é bom guardar rancor... Uma das qualidades que mais admiro em você é que você trata todo mundo bem, independente de quem seja, e não quero que perca esse seu jeito. Tenho medo que, se guardar rancor do Viktor, isso te deixe pior do que se você perdoá-lo.
- Acha que ele merece uma segunda chance?
Ela parou por um momento para pensar, escolhendo bem as palavras.
- Isso só você pode decidir, Yuuri. Se ele aparecer na livraria e você quiser que eu o espante, eu farei isso, mas, se quiser conversar com ele, não vou te julgar. Te apoiarei independentemente do que escolher fazer.
Katsuki se remexeu no sofá e abraçou Mila com força, agradecendo aos céus por receber uma amiga tão preciosa como ela.
- Eu te adoro, sabia? – comentou ele.
Ela sorriu, retribuindo o carinho, sem comentar o fato de que, ao longo de todos esses anos de amizade, essa era a primeira vez que Yuuri a abraçava sem que esta pedisse ou fosse alguma data importante.
- Temos isso em comum... Eu também me adoro – brincou, rindo.
E logo o clima suavizou. Apesar da insistência do japonês para que a russa ficasse, pensando em sua segurança, Mila pegou um táxi na madrugada e voltou para casa, não sem antes deixar em clara a tarefa que Yuuri deveria realizar.
- Se eu ficar, você vai evitar pensar nisso e não é essa a minha intenção. Você tem que decidir o que quer fazer, Yuuri, e só você pode fazer isso.
E agora, o moreno se encontrava novamente em sua cama, encarando a porcelana vazia que jazia ao longe em sua escrivaninha. Deveria perdoá-lo ou não? Tinham pouco tempo de convivência e o japonês não sabia ao certo que tipo de pessoa Viktor era, ou sequer se este estava incomodado em tê-lo magoado. Será que valia a pena? Bom, sempre fora da teoria de que todos mereciam uma segunda chance.
Depois de muito pensar, tomara uma decisão que seria satisfatória e ainda o protegeria de mágoas futuras. Perdoaria Viktor para não se prender a ele, já que, quando se guarda rancor de uma pessoa, você não a esquece facilmente e, caso o próprio russo procurasse por seu perdão, o concederia, sob ressalva de que este deveria novamente conquistar sua confiança para que pudesse, novamente, considerá-lo alguém além de um estranho.
Satisfeito, sorriu, e sua cabeça finalmente descansou. Os olhos ardiam um pouco pelo choro e também estavam inchados, mas com o amanhecer que logo viria, suas energias seriam renovadas e os traços de tristeza, que uma vez macularam suas faces, sumiriam. Um novo dia e um novo Yuuri, que, no momento, começava a sentir sono. Como não teria aula ou trabalho no dia subsequente poderia então se dar ao luxo de dormir o quanto quisesse.
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O sol começava a surgir no horizonte e Viktor não havia dormido. Estava de olhos fechados devido à dor de cabeça que o assolava, contudo, estava ciente das ocorrências ao seu redor. Teria de explicar ao avô sua repentina aparição durante a madrugada chuvosa e seu cérebro procurava por um motivo menos frívolo que ter sido rejeitado pelo japonês. Apesar do parentesco, o idoso não seria tão compreensivo quanto o primo fora, então precisava de uma boa razão.
Precisava de algo que justificasse sua aparição sem gerar um alarde e isto tornava a situação mais difícil. A porta sendo aberta o fez abrir os olhos e encarar Yuri em trajes extravagantes. O russo menor adorava estampas de animais, principalmente de felinos de grande porte e sempre dava um jeito de assomar seu gosto pessoal a suas sóbrias roupas da máfia. Seu terno era preto assim como a gravata, mas a camisa tinha estampa de onça.
- Não sabe bater? – reclamou Nikiforov.
Plisetsky revirou os olhos e cruzou os braços sobre o peito.
- Esta casa é minha – retrucou.
- E isso que dizer que você não precisa ter modos?
Yuri estreitou os olhos verdes e depois os revirou.
- Foda-se – replicou – Só vim aqui pra avisar que, assim que se vestir, o vovô quer falar com você sobre ontem.
Viktor suspirou e sentou na cama, claramente preocupado, o que não passou despercebido pelo russo loiro.
- O que vai dizer a ele? – inquiriu em tom mais ameno.
- Não faço ideia – admitiu – Mas tem que ser um motivo melhor que o real.
- Diga que eu o chamei – ofertou Plisetsky.
O russo de olhos azuis e cabelos prateados levantou o olhar.
- Até seria uma boa desculpa se não estivesse surpreso em me ver ontem. Esqueceu que estava apontando uma arma pra mim?
Deu de ombros.
- Só dizer que te mandei a mensagem e ela atrasou pra chegar – explanou com simplicidade – Aí quando recebeu, pelo horário, achou que era algo sério e veio para cá.
- Não sei se o vovô cairia nessa.
Plisetsky bufou.
- Quem tem que se explicar é você e não vejo nenhuma sugestão vinda da sua parte – esbravejou, indo em direção a porta – Criticar é fácil, então boa sorte, senhor “sempre tenho um argumento”.
Dito isso, abriu a porta, saiu, e a fechou atrás de si em um estrondo, abandonando Viktor sozinho novamente. O russo de olhos azuis ficou a encarar a entrada de seu aposento por alguns instantes, para depois sorrir.
- Até que não é uma desculpa tão ruim no final das contas – murmurou para si.
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Apesar de ter ido dormir no meio da madrugada, Yuuri acordou antes do horário do almoço com Mila lhe ligando. Suas pálpebras ainda estavam pesadas e seu corpo reclamou ao sair da cama, mas a amiga havia sido tão solicita quando precisou dela que não achou justo ignorá-la e, após descobrir a razão da russa para contatá-lo, animou-se um pouco mais. Era um convite para um almoço no restaurante favorito de Katsuki, que era especializado em culinária japonesa.
Tomou um banho relativamente demorado, despertando durante a realização deste, e vestiu algumas roupas que lhe agradavam, pegando a carteira e a chave de casa. Encontrou Mila na frente da livraria e, de lá, foram andando até o restaurante. O local não era muito perto, mas os dois riram tanto durante sua caminhada que nem se deram conta disso.
- Mas, sei lá, Yuu, parece que isso já está impresso no DNA de vocês.
- Nada a ver. A única diferença é que aprendi a manusear quando era bem novo. Treine com canetas e uma borracha, deve ajudar.
A russa lhe deu um soco leve no ombro, rindo.
- Vou fazer isso quando estiver à toa na livraria.
- Se alguém perguntar, diga que é um estudo aprofundado da arte de comer utilizando pequenas hastes de madeira – argumentou Yuuri.
- Vou até parecer intelectual dizendo isso.
- É como dizem... As aparências enganam – zombou, rindo.
A ruiva fez cara de brava, mantendo a pose por míseros segundos, desabando em uma deliciosa gargalhada após isso. Era bom ver que o japonês estava animado, apesar de ainda notar a tristeza em seu olhar.
- Já sabe o que vai querer comer, Yuu? Sabe que sempre peço o mesmo que você, então espero que esteja a fim de comer aquele sushi em forma de cone que eu sempre esqueço o nome.
- Você só pede o mesmo por tem dificuldade em pronunciar os nomes japoneses corretamente e fica com vergonha de errar – ditou o moreno – E o nome do “sushi em forma de cone” é temaki.
- Esse mesmo! – Mila se animou, ignorando a crítica de Katsuki.
A dupla chegou ao restaurante, que estava relativamente vazio, e pediu uma mesa ao fundo. O ambiente era agradável e o serviço rápido e atencioso, onde, graças a tal fato, logo mais Yuuri e Mila desfrutavam de seus pedidos. Era um tanto nostálgico para Katsuki e o fazia sentir falta de casa, ao mesmo tempo em que amenizava tal sentimento.
- É bom ver que está mais animado, Yuu.
Ele sorriu.
- Como não estar? Estou comendo em meu restaurante favorito com minha melhor amiga.
Foi a vez da russa sorrir.
- Que bom – disse – Mas, está bem mesmo? De verdade? Ou só está fingindo para não me preocupar?
O moreno de olhos castanhos a encarou.
- Estou bem de verdade, claro, ainda um pouco triste pela situação, mas eu decidi o que fazer em relação a Viktor.
Ela arqueou uma sobrancelha, curiosa.
- Jura? E, o que decidiu? Se me permite saber, é claro.
- Vou perdoá-lo, independentemente de ele pedir isso ou não, pois não quero que o rancor me prenda a ele.
A ruiva assentiu.
- Muito maduro de sua parte – elogiou – Mas, e se ele quiser seu perdão e vier pessoalmente pedi-lo?
- Eu o darei – respondeu com convicção – Contudo, se ele quiser ter algum tipo de laço afetivo comigo, terá que reconquistar minha confiança.
- Então, pretende dar a ele uma segunda chance?
Yuuri deu de ombros.
- Talvez... Para eu ter certeza disso, precisaria vê-lo novamente e entender o que ocorreu ontem.
Mila concordou.
- Ele não tentou entrar em contato contigo nenhuma vez?
O japonês negou, sorrindo amarelo, voltando à atenção para a comida. A russa fez o mesmo, sabendo internamente que aquele detalhe ainda afetava Yuuri. Ele queria saber pelo menos que Viktor se importava com o fato de tê-lo magoado, era seu lampejo de esperança que estava, aos poucos, morrendo.
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- Hey, velhote, quando vamos buscar o Beka? – Yuri inquiriu, sentado no carro a caminho da casa da família Noviskaya.
Viktor desviou a atenção do celular para encarar o primo.
- Ele não te contou?
- Se ele tivesse me contado, eu não estaria perdendo o meu tempo te perguntando – retrucou, emburrado.
- Eu achei que, já que vocês dois conversam todo dia, ele tivesse te falado – provocou, encarando o russo menor, vendo-o corar. Riu suavemente, voltando a olhar para o celular – Na quarta – ditou enfim.
Plisetsky murmurou um “hm” qualquer e voltou a encarar a janela.
- Mande logo mensagem praquele porco, velhote. Vê-lo encarando esse telefone de forma tão miserável é patético – disse, de repente, sem desviar os olhos do vidro.
Nikiforov sorriu.
- Me acobertou na desculpa que dei ao vovô e agora está preocupado comigo? Se continuar assim, vou acabar achando que tem sentimentos, Yuri.
O menor levantou o dedo médio, sem responder, o que fez o outro rir, contudo, sua alegria foi efêmera. Seu primo estava certo, deveria mesmo mandar uma mensagem para Yuuri, mesmo que o conteúdo desta fosse um mero e simples pedido de desculpa. Entretanto, não pode dar continuidade ao seu raciocínio, já que Plisetsky atraiu sua atenção.
- O que acha que a família Noviskaya pretende com esse almoço? – perguntou o russo loiro, quebrando o silêncio.
- Eles sabem da parceria entre a Casa Principal, a família Nikiforov e a família Altin e também estão cientes do lucro que esta parceria vai gerar, então desconfio que pretendem nos agradar enquanto sorrateiramente tentam fazer parte do negócio.
- Não vou permitir – ditou Yuri, convicto.
- Nós não vamos, Yuri, não se preocupe. A família Noviskaya pode fazer parte da liderança, mas de fato só serve pra limpar os restos que deixamos e isso, qualquer outra das duas famílias pode fazer. Peões são descartáveis.
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Após o maravilhoso almoço, Mila e Yuuri decidiram dar uma volta para espairecer e também auxiliar na digestão. A ruiva pousou a mão na barriga e deixou que um longo suspiro abandonasse seus lábios, observando o japonês ao seu lado com o canto dos olhos, vendo-o pegar o celular e arregalar os orbes castanhos em clara surpresa.
- O que houve, Yuu?
- Vi-Viktor... – murmurou, surpreso.
- O que tem ele? – perguntou, se aproximando.
A tela do celular brilhava indicando o recebimento de uma mensagem cujo remetente era ninguém menos que Viktor Nikiforov. Avidamente, os dedos de Katsuki deslizaram pela tela e abriram o arquivo digital, seus olhos devorando as palavras ali escritas.
“Olá, Yuuri. Tenho relutado muito ao te mandar esta mensagem, pois sou teimoso e não sei se vai dar atenção a ela, mas, quero lhe pedir desculpa pelo que ocorreu ontem. Sinto por tê-lo magoado e gostaria de uma nova oportunidade para conversarmos sobre isso. Passei a noite perturbando meu primo com esse assunto. Espero sua resposta – Viktor Nikiforov.”
- Uau! – Mila exclamou após terminar de ler o texto – Ele parece estar bem preocupado, não?
- Sim – murmurou – Mas, tem algo estranho...
- Como assim? – a russa inquiriu.
- Não parece muito com as mensagens que o Viktor mandou antes... Ele está bem menos formal nessa...
A ruiva deu de ombros.
- Ah, Yuu, é um pedido de desculpa e talvez ele esteja nervoso enquanto digita com medo de você não vá aceitar... Pensou nisso?
O japonês negou com a cabeça.
- Então... – ela continuou – Vai responder?
- Acho que sim... Eu queria mesmo uma explicação e agora a oportunidade de tê-la surgiu – ditou, mesmo que no fundo ainda suspeitasse daquela mensagem.
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Viktor sorriu de forma charmosa, saindo do círculo de conhecidos que anteriormente fazia parte, caminhando em direção ao primo. Yuri estava afastado de todos e encarava o celular fixamente, o que fez Nikiforov rir, imaginando que o menor esperava uma mensagem de Otabek, contudo, assim que se aproximou mais, pode ver que o eletrônico em mãos não era o de Plisetsky, mas sim o seu próprio, habilmente furtado pelo russo loiro de seu bolso traseiro.
- Yuri, o que pensa estar fazendo com meu telefone? – perguntou.
Plisetsky não respondeu de imediato, apenas pegou o celular e o bateu no peito de Viktor, caminhando para longe do russo de cabelos prateados.
- De nada – ditou simplesmente o loiro de olhos verdes – Me deve mais uma.
E, com essa frase solta no ar, Yuri voltou a se misturar com os convidados. Já Viktor pegou o aparelho de comunicação sem fio e viu que uma mensagem de Yuuri brilhava na tela com seu conteúdo exposto.
“Concordo que seria bom conversarmos e aceito seu pedido de desculpa. Se pudermos resolver isso o mais breve possível, eu ficaria grato. Estou no aguardo de sua resposta – Katsuki Yuuri.”
- Pedido? – perguntou a si mesmo.
Então, mais que rapidamente, acessou seu histórico de mensagens enviadas e leu a que seu primo clandestinamente mandara para o moreno de olhos castanhos sem sua autorização e ainda por cima se passando por si. Ficou bravo por um momento, mas depois sorriu. Plisetsky tivera coragem de fazer o que deveria ter feito. É claro que, se tivesse escrito a mensagem, teria sido bem mais formal, mas não ligou muito pra isso.
Era sua oportunidade de começar a reconquistar o japonês e, com certeza, não iria desperdiçá-la. Rapidamente, começou a formular uma resposta que soasse como a mensagem anterior e enviou-a, juntamente com a nomeação de um ponto de encontro relativamente neutro, o horário em que estaria disponível e o dia. Um garçom passou por si com uma bandeja com taças de champanhe, e se serviu de uma ao tempo em que esperava uma resposta.
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- O que acha, Mila? Já que foi você quem digitou a mensagem anterior... – Yuuri disse, lendo o texto em seu celular que estava em posse da russa.
O japonês travara ao enviar a mensagem, já que não sabia ao certo o que responder, então, com agilidade, a ruiva tomou o aparelho de si e respondeu.
- Bom, quanto a ser amanhã, acho uma boa, assim na segunda você estará com a cabeça em paz tanto para estudar quanto para o trabalho. O que acha do local?
Katsuki deu de ombros.
- A cafeteria é um lugar neutro e é perto de onde moro, então não tenho objeções.
- Ok então – ela murmurou – Agora, quanto ao horário, vamos mudá-lo.
- Por quê? Estou livre nesse horário.
- Pra demonstrar que você não está aceitando tudo o que ele impôs.
Yuuri riu, negando com a cabeça.
- E, que horário sugere?
- Uma hora depois – afirmou, convicta – Assim parece que você tinha um compromisso importante, mas não tão importante que valha a pena ser interrompido para conversar com aquele russo bonitão duas-caras. Você dá importância à situação, mas não tanta.
- Você deveria ser conselheira amorosa sabia?
Mila riu, piscando pro moreno de olhos castanhos.
- Quem sabe... Então é bom você aproveitar por que por enquanto a consultoria é de graça – brincou, exibindo a tela do celular para Yuuri – O que acha? Posso mandar assim?
- Pode.
E a russa apertou enviar. Um minuto depois, a mensagem de Viktor concordando com o encontro surgiu na tela.
- Está marcado então, Yuuri.
Katsuki assentiu, de repente sendo assolado por uma ansiedade nervosa. Não achou que receberia tão rápido um pedido de desculpa e um pedido para se encontrarem novamente, o que só comprovava o fato de quão pouco conhecia sobre Viktor.
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Nikiforov sorriu, sentindo uma real ponta de felicidade em seu peito. Yuri viu o primo ao longe e negou com a cabeça, surpreso em como ele agira de forma imatura e indecisa quanto a mandar uma mensagem ao “porco”. Era totalmente o oposto de como Viktor normalmente agia e viu ali um ponto fraco nele onde, ao mesmo tempo em que ficou feliz com a ideia de que talvez, apesar de não aprovar, o rapaz que vira na cafeteria poderia trazer um pouco de luz a escuridão do mundo do russo de olhos azuis, se preocupou, já que em seu mundo, demonstrar fraqueza era um risco que poderia ter como consequência a morte.
Infelizmente, seu caso não era diferente, o que o fazia ter ainda mais ciência da periculosidade da situação. Otabek era seu ponto fraco, apesar de que, talvez, para Altin o sentimento não fosse recíproco. Relacionamentos amorosos eram arriscados demais em seu meio de vivência, principalmente quando um dos envolvidos não pertencia à máfia.
Viktor se aproximou de Yuri e tocou seu ombro, arqueando uma sobrancelha, estranhando o olhar compenetrado do menor.
- Algo errado?
- Estava estranhando o fato de você não ter surtado por eu ter mandado a mensagem pro seu querido porquinho.
- Engraçadinho – disse, aproximando-se mais de Plisetsky – Eu negarei até minha morte que disse isso, mas, obrigado.
O loiro de olhos verdes riu.
- Eu também negarei que disse isso, mas, somos uma família, e eu quero você feliz, Vitya.
Os dois trocaram um olhar cúmplice e depois rumaram de volta a festa, todavia, Viktor não conseguiu desviar seu pensamento do fato de que amanhã se encontraria com Yuuri novamente. Seu peito ardia em nervosismo, um sentimento que nunca sentira antes, pelo menos não desta forma. Já ficara nervoso, um misto de raiva e ódio, em divergência com o que sentia agora. Não sabia descrever o que era, só sabia que sentia uma enorme urgência em ver o japonês.
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