Eu dormi nas profundezas da escuridão
E acordei com uma luz cegante
Presa em mais uma ilusão
Ou encarando uma realidade distante?
.......
Enquanto a campainha soava, alta e estridente, avisando que a primeira aula estava prestes a começar, apertei ainda mais o passos, apertando minha bengala com dedos trêmulos e suados.
Era meu primeiro dia naquela escola, e não queria começá-lo mal.
Mas, bem, quase nada que se quer se tem, certo?
Então, comecei-o perdida em meio a uma multidão interminável de adolescentes que reviam seus amigos, prontos para dividir todas as grandes aventuras vividas nas férias.
Quase podia sentir o tempo passando, como se houvesse um relógio na minha cabeça, tiquetaqueando insistentemente, me lembrando de que já estava atrasada e passaria vergonha justo no primeiro dia.
Os corredores já haviam se esvaziado e se encontravam em um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelas batidas da minha bengala no chão de mármore.
Eu estava prestes a desistir, me sentar no chão e ficar por ali mesmo quando ouvi uma voz ao meu lado, intrigada e sonolenta.
-Perdida?
Apenas assenti, me encolhendo um pouco.
Habilidades sociais nunca foram meu forte, especialmente depois dos anos de bullying e isolamento aos quais fui submetida nas escolas anteriores.
A perspectiva de ser motivo de zombaria, ou de que todos sempre me veriam como anormal, como a única habitante de um mundo paralelo, me assustava e me fazia querer sumir a cada vez que alguém se dirigia a mim.
Os próximos instantes, desesperadamente silenciosos, se arrastaram, e pensei que a garota havia ído embora.
-Você está no primeiro ano, não é?
-S-sim.
-Eu também.
Te levo lá. -, sua voz pareceu mais animada, e ela tocou meu ombro suavemente, me conduzindo pelo corredor.
-Aliás, meu nome é Yoo Jeongyeon.
Muito prazer.
-Myoui Mina.
O prazer é meu. -, praticamente sussurrei, e duvidei que ela tivesse escutado.
-Você consegue subir escadas?
Ouvi dizer que tem uma rampa de acesso em algum lugar.
Podemos procurar, se for melhor pra você.
Neguei levemente com a cabeça, praticamente me forçando a dizer:
-N-não, tudo bem.
Eu...
Acho que consigo subir escadas.
O resto do caminho foi torturantemente silencioso.
A cada passo, minha mente era preenchida por perguntas.
Será que Jeongyeon havia me achado antipática ou mal educada? Será que deveria puxar algum assunto? E, se sim, qual?
Perguntar se ela havia se atrasado era muito invasivo, certo?
Eu mal a conhecia, por que a garota me contaria uma coisa dessas?
-Chegamos. -, sussurrou, e ouvi o barulho da porta se abrindo.
O professor, que falava algo aos alunos, parou imediatamente e, alguns segundos depois, disse:
-Estamos na primeira aula do primeiro dia, e você já chegou atrasada, SRTA.
Yoo.
-Desculpe, senhor.
-Qual é sua justificativa desta vez? Seu cachorro comeu seus cadarços de nnovo?
-Não.
O ônibus quebrou.
-Achei que a SRTA.
Vinha caminhando.
-Eu vinha?
A, é.
Hoje vim de ônibus.
O professor bufou, e precisei segurar uma risada.
-Entre.
-Pelo menos você encontrou a aluna nova.
Por favor, leve ela até aquela carteira desocupada.
Jeongyeon obedeceu, me conduzindo por entre mesas, cadeiras e mochilas jogadas pelo chão, com um ou outro esbarrão ocasional seguido de um "desculpa" baixinho.
-A cadeira está na sua frente.
Boa sorte.
-Obrigada. -, respondi, apesar de não ter certeza se ela ouviu ou não, visto que não obtive resposta.
Retirei a mochila das costas e comecei o longo processo de arrumar meu material enquanto o professor dava continuidade a apresentação que fazia antes.
Estava falando sobre seus muitos anos de experiência, seu amor pela arte e sobre como seu principal objetivo era formar grandes pessoas, e não apenas grandes profissionais.
Coloquei o notebook sobre a mesa, ligando-o antes de conectar os fones de ouvido, para acelerar o processo, e coloquei a mochila cuidadosamente sob a cadeira.
Tinha medo de produzir qualquer ruído, de chamar a atenção das pessoas ou de atrapalhar o professor.
Enquanto a voz robótica pedia para incerir a senha do computador, me perguntava se teria algo para fazer ou se teria que recorrer novamente aos jogos online ali instalados.
Embora para a maioria dos adolescentes parecesse uma ótima ideia passar todas as aulas jogando, quando só se tem essa opção, acredite, ela é a pior de todas.
E era assim que acontecia nas outras escolas.
Alguns professores simplesmente não se lembravam de mim, enquanto outros preferiam desconsiderar o fato de que tinham uma aluna cega.
Afinal, por que procurar alternativas acessíveis quando as opções cheias de gráficos, imagens e cores estão em qualquer lugar?
Perdi as contas de quantas vezes precisei chutar respostas em atividades e provas antes que minha mãe pudesse reclamar com os professores, apenas para receber alguma desculpa esfarrapada.
Eu ganhava os pontos pelas questões, e fora apenas isso que garantiu que não repetisse muitos anos.
Meus devaneios foram interrompidos por um burburinho que se iniciava ao meu redor, seguido do som do giz do professor batendo no quadro com certa força.
Suas palavras saíram num tom alto, firme e pausado, como se ele quisesse ter certeza de que todos pudéssemos absorvê-las:
-E agora...
Vamos dar início ao nosso primeiro trabalho, que valerá metade da nota do ano.
-Mas já? -, uma voz masculina veio lá do fundo, soando indignada.
-O senhor ainda nem nos explicou nada.
-Mas dei aula para vocês no ano passado, não dei?
E, como disse, quero que vocês sejam grandes pessoas antes de serem grandes profissionais.
E duas das características mais indispensáveis, tanto em boas pessoas quanto em bons profissionais, são a criatividade e a observação.
Por isso, quero ajudá-los a desenvolver e aprimorar essas capacidades.
-Então você vai colocar fotos de quadros muito antigos, a gente vai responder perguntas e quem acertar mais ganha um chocolate?
-Não, srta.
Yoo.
Melhor.
-Então quem ganhar tem nota máxima pelo resto do ano?
-Não, embora eu precise admitir que isso de fato seria melhor do que o que vou propôr.
Risadas ecoaram pela sala.
-Vocês vão formar duplas... -, os sussurros recomeçaram, cadeiras se arrastaram e pés bateram contra o chão de madeira antes que o professor pudesse voltar a falar.
-Escolhidas por mim!
Murmúrios de irritação, frustração e melancolia invadiram meus ouvidos em um turbilhão, junto com mais cadeiras se arrastando, provavelmente de volta aos lugares originais.
-Cada dupla escolherá um tema abstrato, e terá a missão de retratá-lo artisticamente.
Com vídeos, fotos, quadros...
Como quiserem.
-E como o senhor vai escolher as duplas? -, a voz do fundo da sala, que reconheci ser do Imai, agora parecia intrigada.
-Sorteio?
-Não.
Já escolhi.
Apliquei meus próprios critérios, SR.
Imai, e, acredite, eles são bastante confiáveis.
Agora, vou anunciá-las, então, silêncio.
Retirei o fone dos ouvidos, mesmo podendo escutar perfeitamente com eles.
Prestei atenção aos nomes, na esperança de associar algum as vozes que ouvia ao redor, mas sem muito sucesso.
Além disso, era o único jeito de me distrair da ansiedade de ter que fazer um trabalho com outra pessoa, totalmente desconhecida, cuja companhia seria frequente durante todo o ano.
E se eu não soubesse o que falar? E se passasse uma má primeira impressão? E se a pessoa simplesmente desistisse de mim e resolvesse fazer o trabalho sozinha, ou pedisse para mudar de dupla?
-Myoui Mina e Minatozaki Sana. -, assim que o professor terminou de pronunciar o nome da outra garota, pude ouvir sussurros e exclamações abafadas.
Aquilo, claro, só aumentou meu nervosismo.
Sana era uma pessoa conhecida? Ou estavam sussurrando por minha causa?
Bem, podia ser os dois, o que era ainda pior.
Os segundos pareceram se arrastar enquanto esperava, meio descrente, que Sana viesse até mim, já que não fazia a menor ideia de onde ela se sentava.
Talvez ela não viesse.
Talvez tivesse ído falar com o professor para trocar de dupla, como sempre acontecia.
Mas ele continuava falando, unindo pessoas que trabalhariam juntas pelo resto do ano.
-Bom dia! -, ouvi uma voz animada, quase eufórica, ao meu lado, e seguida do som de uma cadeira sendo arrastada.
-B-bom dia...
-Muito prazer.
Meu nome é Minatozaki Sana, e sou sua nova parceira de trabalho.
Me remexi no acento, procurando em minha mente alguma coisa, qualquer coisa, que pudesse dizer além do meu nome, para não soar antipática ou desinteressada.
Ao não encontrar, resolvi que era melhor uma resposta incompleta do que nenhuma.
-Sou Myoui Mina.
O...
O prazer é todo meu.
-Você está bem?
Assenti, mas ela não pareceu muito convencida quando voltou a falar:
-Certo.
Então, tem algum tema em mente?
Tinha.
Muitos.
Podíamos retratar a solidão, a diferença entre amor e paixão, a mentira, o ego e até mesmo o que se passa na mente de um filhote de hamster.
Mas nenhum desses era realmente bom, era?
Neguei com a cabeça, e a garota ficou em silêncio por um longo tempo antes de dizer:
-Vamos falar sobre a noite.
Quer dizer, ela não é exatamente abstrata, porque está lá, não é? Mas também não é concreta...
Você já parou para pensar em quantas coisas ela pode significar?
Calmaria ou curtição, melancolia ou tranquilidade.
A voz de Sana era doce e melodiosa, e suas palavras eram proferidas com tanto entusiasmo e paixão que não pude resistir a um pequeno sorriso, que não tive certeza se ela viu antes de conseguir fechá-lo novamente.
-Tudo bem.
É uma ótima ideia.
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