“Tão correto e tão bonito
O infinito é realmente um dos deuses mais lindos
Sei que às vezes uso palavras repetidas
Mas quais são as palavras que nunca são ditas?”
Ouvir a última frase foi árduo para o casal refém. Embora sentissem dor e agonia intensas, gritavam para que o amigo fosse embora. O advogado, acompanhado por três policiais, pensou que se tratava apenas de um pedido de socorro, pois não conseguiam ouvir claramente devido ao peso da porta de metal.
A porta se abre lentamente, revelando apenas parte da cabeça do sequestrador através de uma pequena fenda, juntamente com sua mão segurando uma arma. Ele percebe que, além dos agentes da lei, a mídia também está no local, filmando, fotografando e cobrindo o caso ao vivo. Como sempre, o sensacionalismo explorando o que antes era uma situação pessoal.
— Eu só solto as vítimas com algumas condições... — avisa o sequestrador. — Primeiro: quero sair imune disso. Segundo: quero que liberem meu visto e passagens aéreas para mim e minha companheira sairmos do país sem consequências legais. Terceiro: o animal de teta aí — aponta para Rodrigo. — fica aqui para garantir que vocês cumpram com tudo isso!
— Você está louco! Não há acordo! — contesta o delegado, soltando um pequeno riso.
— Beleza. — o sequestrador expressa de maneira trivial, abaixando a pistola momentaneamente, mas logo a ergue novamente e atira na cabeça de um dos policiais que estava recostado no carro. — E agora, negociamos?
O corpo cai sem vida. Todos se aproximam para confirmar a morte. Rodrigo conversa com o delegado; pleiteiam. Os reféns continuam implorando para que o delegado recuse, mas isso só aumenta a pressão sobre ele, fazendo-o acreditar que estão sendo torturados. Finalmente, o delegado decide. Caminha com as mãos erguidas em direção ao loiro.
— Por favor, deixe meus amigos saírem... — pede.
— Só depois que eu já tiver você! — puxa-o pelo braço, forçando-o a entrar e fechando a porta novamente.
O delegado soca a porta em desespero e berra, mas é completamente ignorado.
Elaine aparece em meio às sombras, desamarra a ruiva, mas a mantém sob controle com um braço, enquanto com o outro aponta um revólver para sua cabeça.
— Sabia que estava envolvida nisso! — diz o advogado, erguendo o dedo indicador. — Troque-a por mim, por favor...
— Claro! — responde a loira, sorrindo. — Que nada! — atira duas vezes na perna da garota, que cai no chão se contorcendo e urrando de dor.
— Pam!!! — corre na direção da amiga, tentando socorrê-la. Olha para Thiago, que bate os pés no chão, serpenteando e gemendo. — Isso já vai acabar, meus amigos. Vai ficar tudo bem, eu prometo! — assegura, alternando o olhar entre eles.
No entanto, assim que termina de oferecer essas palavras de conforto, sente uma dor insuportável nas costas. Ao virar o rosto para trás, ainda amparando a cabeça da ruiva, vê Elaine com um sorriso vitorioso e sádico, apontando a pistola em sua direção.
Lágrimas caem involuntariamente de seus olhos. Nunca imaginara tamanha dor. É algo tão intenso, mais do que pode suportar. Então, se deita de lado no chão, com a visão começando a turvar.
Daniel sai do galpão com uma metralhadora na mão. Sem hesitar, atira contra todos do lado de fora. Acerta várias vezes o delegado, mas não consegue atingir o policial que entra no carro com os vidros quebrados e vai embora. O som da correria e dos gritos histéricos é uma sinfonia para seus ouvidos.
Sua cúmplice vai até o fundo do galpão e se esconde atrás de alguns pallets abandonados. Sabia que o policial fugitivo voltaria com reforços, e não conseguiriam enfrentá-los. Fechando a porta novamente, o malévolo encara Rodrigo e Pâmela agonizando no chão, enquanto Thiago tenta se soltar sem sucesso. A vitória é sua!
A ex-namorada começa a respirar de maneira ofegante e descompassada. Ele observa com curiosidade, nunca tivera visto alguém à beira da morte respirar daquela forma. Depois olha para o advogado e atira mais uma vez contra seu peito e outra contra sua barriga. Aponta para Thiago. Estava prestes a disparar, mas um grito sofrido de Pâmela faz com que ela feche os olhos em seguida.
Ela abaixa-se, coloca dois dedos no canto esquerdo do pescoço do advogado para verificar seus batimentos. Estão fracos como nunca. Ela percebe que está tendo mais uma de suas crises, mas desta vez está pior. Chama-o, sacode-o e desespera-se quando não obtém resposta. No fundo, fazia tudo aquilo apenas porque o amava.
Surpreendentemente, com forças tiradas de algum lugar imensurável, Rodrigo pega o revólver que Daniel abandonou quando foi verificar a situação da garota. Dispara pelo menos cinco vezes contra ele, fazendo-o tombar. Depois, fita Thiago que chora.
— Rodrigo, você está sangrando muito. Precisa ser resistente, precisa ficar aqui! Preciso de você, meu amigo!
— Verdade... Você sempre precisou de mim... — retruca com dificuldade. — Mas eu também sempre precisei de você! Eu te amo, meu amigo! — manifesta em meio ao choro. — Mas agora é minha vez... Estou de saída... — sorri para ele, erguendo a mão para acenar no ar. Depois, a mão despenca, o sorriso se desfaz e ele solta seu último suspiro.
Elaine vai até o parceiro e verifica seu estado. Ele cospe sangue, demonstrando estar debilitado.
— O dinheiro do tráfico... — fala ele, com dificuldade. — Está embaixo do meu colchão! Guardei lá para que ninguém descobrisse, caso esse momento chegasse... Talvez se você chamar a ambulância, eu ainda tenha uma chance...
Ela não tem tempo de concluir a frase. Atira em sua cabeça sem piedade.
— Valeu pela informação!
Um barulho forte de algo batendo contra o metal da porta é ouvido. Elaine se prepara para correr para o fundo do galpão novamente, procurando as chaves que Daniel lhe dera antes para uma possível fuga. Encontra-as, abrindo uma fenda que dá acesso à esquina de baixo.
Foge correndo, enquanto os homens da lei entram no local. Eles até tentariam persegui-la, mas Thiago suplica para que salvem a vida de Pâmela. Um dos policiais verifica os batimentos dela e confirma que ela está prestes a morrer.
[x]
Pâmela é levada a um hospital particular, cuja conta foi paga pelo namorado. Os corpos de Daniel e Rodrigo são recolhidos, e o justiceiro é desamarrado de um lado e algemado do outro.
Um reconhecimento é feito rapidamente. O coração de Daniel é compatível com o de Pâmela, possibilitando a realização da tão aguardada cirurgia. É impossível não chorar em um misto de alegria e tristeza. Os ex-colegas de profissão amparam, abraçam e parabenizam o justiceiro pelos feitos, coragem e honra.
— Estamos fazendo isso porque somos obrigados, justiceiro. Se houver algo que possamos fazer por você...
— Deixem-me acompanhar a cirurgia de Pâmela! Por favor, preciso ficar com ela até que acorde! — reivindica antes que o outro termine a frase.
Consentem.
[x]
Driblar os jornalistas e a multidão do lado de fora não foi uma tarefa fácil. Alguns se manifestavam a favor do justiceiro, enquanto outros queriam linchá-lo. A mídia só queria garantir pontos na audiência.
Ainda mais difícil foi encarar os pais da garota que ama, vê-los lamentar e encará-lo com desgosto. Apesar de tudo, ele os abraçou, confortou e foi retribuído. Já era fim de tarde quando a amada deles entrou para a cirurgia. Os policiais ficariam nos arredores, cercando a clínica, caso ele tentasse escapar.
[x]
Foram sete angustiantes horas até que o sucesso das cirurgias fosse confirmado. Além do transplante, foi necessário remover as balas alojadas na perna de Pâmela. Depois, tiveram que aguardar quase mais oito horas para poderem vê-la, pois precisavam esperá-la acordar naturalmente.
Um policial, grande fã do justiceiro, havia entregado flores para Thiago, orientando-o a dá-las à namorada quando ela acordasse. Com o buquê nas mãos, ele olha para os sogros, que acenam com a cabeça em concordância.
Entra no quarto, a vê com os olhos vermelhos, o rosto um pouco amassado, os cabelos desalinhados. Todavia, ainda continua sendo a garota mais linda que ele já vira em toda sua vida:
— Tenho andado distraído, impaciente e indeciso. E ainda estou confuso, só que agora é diferente, estou tão tranquilo e tão contente... — canta um trecho da música “Quase Sem Querer” do Legião Urbana, arrancando-lhe um sorriso.
— Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém? — o acompanha.
— Me fiz em mil pedaços pra você juntar e queria sempre achar explicação pro que eu sentia...
— Como um anjo caído, fiz questão de esquecer que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira... — solta um longo suspiro. — O Rô dizia que era nossa música. Sabe que até que faz sentido?
— Já te disseram o que aconteceu? — ela confirma com a cabeça. — Vou sentir falta daquele desgraçado! — expressa, dando um pequeno riso. — Trouxe essas flores pra você! — cede-a.
— Obrigada! — exprime. — O que será de nós agora?
Ele inspira; expira, vagarosamente.
— Infelizmente, terá que descobrir sozinha... — abre a boca para questioná-lo, contudo, é interrompida. — Preciso pagar pelo que fiz, mas você não. Você não tem nada a ver com minhas atitudes, foi uma vítima em tudo isso. Não quero que participe da minha penitência.
— Mas eu te amo! Nós passaremos por isso juntos!
— Não, Pâmela! — pega uma de suas mãos. — Se eu for preso, ou se eu fugir, serei morto de qualquer forma. Há muitas pessoas atrás de mim, não quero que seja um alvo delas!
— Já perdi tudo o que tinha. Não posso te perder também...
— Não está me perdendo! — se levanta. — Olha, eu também te amo, mas não posso te expor a isso. Precisa seguir sem mim...
— Vou sentir saudades... — murmura em meio ao pranto.
— Eu também, amor... — abraça-a forte. — Eu também... — desvencilha-se um pouco para encarar seus orbes verdes mais uma vez. — Mas quando eu quiser lembrar de você, olharei para o céu, pode estar de dia ou de noite, lembrarei de você! Espero que também olhe para ele e se lembre que estaremos olhando na mesma direção. — ergue seu dedo mindinho. — Promete?
— Prometo! — se beijam por um longo tempo.
[x]
Depois de alguns longos minutos, Fábio e Maria o veem sair de lá com o rosto um pouco marcado devido às lágrimas.
— Já deixei a conta do hospital paga. — avisa-lhes. — Ela está liberada para vê-los. Adeus! — sai, sendo cercado por dois policiais.
Antes de chegarem na porta da clínica, estende as mãos para frente, num sinal para que o algemem.
— Não vamos fazer isso. — o capitão diz. — Você é um herói! Deveríamos te agradecer, mas isso é impossível. Fuja! Vá para o mais longe que puder! Daremos cobertura até que consiga sair do país e, quando conseguir, carbonizamos um corpo de algum vagabundo e diremos que é você. — comunica. O ex-policial fica boquiaberto. — Anda, garoto, vá!
[x]
Com a cobertura dos policiais vai à sua casa; junta todo o dinheiro e roupas que tem; vai ao cabeleireiro, opta por um cabelo curto, tira a barba. Vai a um lugar que falsifica documentos, tira uma nova identidade: agora seria chamado de Jonathan Wick.
Despede-se deles; vai até o aeroporto sem que ninguém perceba quem é; compra passagens para o próximo voo com destino a Angola, país que fala português, tendo em vista que não é bilíngue. Aguarda com o rosto escondido atrás de um livro, até que é anunciada a decolagem de seu avião em dez minutos.
Embarca, se senta sozinho na janela. Antes de colocar o celular em “modo avião”, abre a playlist de seu celular e põe a música “Quase Sem Querer” do Legião Urbana. Acomoda-se na poltrona, coloca os fones de ouvido. Fecha os olhos assim que o piloto anuncia que iriam partir.
Enquanto isso no hospital, a jovem e frágil Pâmela chora abraçada aos pais sem nada conseguir dizer. Porém, em sua cabeça mil pensamentos a perturbam sobre o que faria da sua vida agora. Não tem mais nada, nem ninguém.
O médico adentra ao quarto, pedindo para que os pais se retirem, pois ela precisa descansar um pouco. Obedecem. Assim sendo, urge para que dê a ela seu celular, pois deseja ouvir música. Relutante, acaba por concordar após insistência dela.
Deita-se, fitando o teto, ouvindo “Quase Sem Querer” do Legião Urbana. Mantém-se em lamúrias, enquanto ouve a canção ecoar pelo ambiente:
:
“Me disseram que você
Estava chorando
E foi então que eu percebi
Como lhe quero tanto”
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