Seattle, Washington; EUA
Ellie Winters
E lá estava ele, o pincel amarelado numa das mãos, os olhos escuros como duas jabuticabas fixados na tela, a camisa branca um tanto larga já estava com alguns filetes das tintas usadas, as tatuagens dos antebraços reluzindo ao meu olhar e os cabelos negros frequentemente caíam-lhe sobre a testa. Lá estava Jeon Jungkook, o rapaz que julgo ser o mais bonito de todo o mundo e quiçá até o mais interessante, a levar por todos os conhecimentos que notoriamente possui.
O intercambista do curso de Artes e Ciências, vindo da Coréia do Sul, conseguiu com perfeita maestria cativar-me, prendendo tanto minha atenção quanto os meus pensamentos em si. Era como um ímã, que apenas Jeon Jungkook possuía e usava para atrair meu olhar em todos os seus atos triviais, desde umedecer o pincel até trocar de posição na banqueta para ter mais conforto. Tudo nele chamava minha atenção, de maneira que ninguém nunca conseguiu, mesmo no esplendor da adolescência.
E embora o rapaz aparenta conter um ímã dentro de si, eu realmente gostava de o admirar, ainda mais quando a Sra. Rodwell propõem uma atividade prática em círculo, pois dessa forma posso olhá-lo sem medo de ser flagrada, o que já aconteceu algumas vezes.
ꟷ Deixem as cores guiarem vocês, conduzirem cada pincelada na tela e aperfeiçoar ainda mais o que consideram como belo. – Ouço o dizer da Sra. Rodwell, entretanto, eu estava ocupada demais com minhas idealizações românticas para prestar atenção.
Jungkook parecia querer sorrir a cada pincelada feita na tela, frequentemente buscando por mais cores em sua paleta e misturando-as, criando novas. Ao observá-lo com atenção, não pude deixar de pensar na pintura que ele está fazendo, mais precisamente, perguntar-me que tipo de beleza Jungkook está usando como inspiração.
O estudo do critério “beleza” e mesclado a prática da pintura em tela, abrange um enorme número de inspirações e mal consigo imaginar qual seja a de Jeon. Paisagens, pessoas, alimentos, figuras abstratas, daria tudo para descobrir.
ꟷ Terra chamando Ellie, câmbio. – A voz de Emily, minha melhor amiga, ressoa por meus ouvidos como um chamado e logo desperto para a realidade, migrando meu olhar de Jungkook para a morena na banqueta ao lado. Um leve constrangimento se apossando de mim.
ꟷ Desculpa, Emz... Falou alguma coisa? – Indago, recompondo-me ao limpar a garganta e voltar a atenção para a minha pintura, à qual faltava muito pouco para terminar.
ꟷ Pedi sua opinião na minha perspectiva de beleza, então trate de olhar e opinar, criatura. – Ditou Emily, naquele comum e facilmente irritável tom de ordem.
Movi a cabeça em negação, prendendo um riso na garganta e entortei lateralmente o tronco para conseguir visualizar a tela da Lancaster, firmando a destra na baqueta para não cair. A perspectiva de beleza da Emily tinha como foco a praia de Santa Mônica, a meu ver, só que o diferencial e aquilo que provavelmente é o mais atrativo, são todas as cores misturadas no tom azulado do mar.
ꟷ Vomitaram arco-íris na praia de Santa Mônica. – Ironizo com uma risada sutil, endireitando-me sobre a banqueta e vejo Emily revirar os olhos.
ꟷ Quando as pessoas vão à praia, ainda mais a famosa de Santa Mônica, acabam deixando qualquer tipo de sentimento ou sensação por lá, na hora que banham no mar ou mesmo tomam sol na areia. E como sentimentos simbolizam cores na minha vida, nada mais justo do que materializá-los no lugar mais bonito pra mim, o mar.
Assenti em concordância, deveras impressionada com o astuto e admirável pensamento da minha melhor amiga. Emily, desde o dia em que a conheci no último ano do colegial, despertou uma profunda admiração em mim por conta de suas diferentes perspectivas, seja com relação a uma pintura ou mesmo um conselho amoroso, a Lancaster sempre vai enxergar as coisas de um jeito diferente. Único, eu diria.
Tal fato apenas torna suas pinturas e projetos mais impressionantes, pois além de carregarem um imenso talento artístico, segredam importantes significados por trás. Sorri ao olhar novamente para sua pintura, agora compreendendo a razão para tantas cores no mar, como uma aquarela.
ꟷ O significado torna a pintura ainda mais bonita, amiga. De verdade, está perfeita. – Digo, certa de que o elogio animaria Emily. Dito e feito, um enorme sorriso se acendeu no rosto da morena.
ꟷ O importante é a explicação por trás. E olha... – Emily se virou para a minha tela, agora esboçando um sorriso de escárnio. – Me admira o seu ponto de inspiração não ser o bonitinho ali da frente.
ꟷ Cala a boca, Emily. – Falo subitamente, empurrando minha amiga para longe da tela e logo escuto sua risada. Respiro fundo, voltando a procurar por tons rosados na paleta.
Em outras situações, onde não tivesse um grande número de pessoas ao redor, Jungkook até poderia ser o meu ponto de inspiração, afinal o critério a ser trabalhado é “beleza” e isso ele tem para dar e vender. No entanto, achei melhor optar pelas cerejeiras, tanto pelo significado que carregam em minha vida quanto pelo fato de estarmos na Primavera. É mais do que justo homenagear a estação mais bonita de Seattle, ao invés de usar Jeon Jungkook como inspiração, embora seja a minha vontade.
Involuntariamente acabo olhando para aquele que estava na minha frente, pegando-o no flagra enquanto encarava a mim e em fração de segundos seu olhar voltou para a tela, um sorrisinho leve entornado nos belos lábios. Jungkook estava me olhando e apenas por pensar tal coisa, ainda que fosse bobo, senti um estremecer sutil no meu coração. Emily ria de maneira nasalada ao lado, certamente havia visto essa rápida encarada.
Cerca de uma hora havia se passado desde o começo da aula de pintura, e não demorou muito para que eu terminasse a minha, podendo ficar à toa pelos minutos restantes e apenas esperar para que possamos cobrir as telas. Emily acabara de concluir a sua, sorrindo satisfeita com o resultado e acabamos conversando sobre nossas pinturas até o final da aula.
ꟷ Se tivesse algum aspecto portuário, eu poderia jurar que Julia Barminova está na minha aula. – Sra. Rodwell comenta ao se posicionar entre eu e Emily, olhando diretamente para a pintura da minha amiga. ꟷ Lancaster, sua pintura está esplêndida e a sua concepção de cores no mar de Santa Mônica é deslumbrante, dá um requinte a mais.
ꟷ Muito obrigada, Sra. Rodwell. E agradeço a comparação, tenho Barminova como inspiração desde o começo do curso. – Respondeu Emily, subitamente animada. Minha amiga era quase uma entusiasta de pinturas portuárias, e a famosa artista russa não ficaria de fora de suas inspirações.
ꟷ Adorei. Coloque sua assinatura e cubra-o. – Emily assentiu e tratou logo de fazer sua famosa assinatura, um sorriso enorme no rosto. O olhar da Sra. Rodwell migrou para a minha pintura, parecendo impressionado. ꟷ Ah... Cerejeiras, as mais belas e invejáveis árvores da primavera de Seattle.
ꟷ Tê-las como ponto de inspiração me pareceu adequado, ainda mais porque estamos na estação delas.
ꟷ Claro, querida. Céus, os tons rosados me lembram perfeitamente os traços de Blanca Alvarez, a harmonização com o azul, as pinceladas sutis. – Um sorriso enorme brotou em minha face com os elogios da professora, que admirava minha pintura fixamente.
ꟷ Blanca é uma das minhas preferidas. – Digo com sinceridade, lembrando-me das belas aquarelas da artista espanhola.
ꟷ Partilhamos a mesma preferência, Winters. Está perfeita, de verdade.
ꟷ Muito obrigada, Sra. Rodwell.
ꟷ Faça o mesmo que sua amiga. – A mulher de cabelos castanhos se distanciou ao dizer, já avaliando a tela do rapaz ao meu lado.
Emily já havia colocado o tecido preto por cima de sua tela e a levava para o canto da sala, onde estavam as outras. Tomei um pincel fino em mãos, pincelei na tinta preta e fiz minha assinatura, que nada mais era do que a inicial do primeiro nome mesclado ao Winters. Ao terminar, cobri a tela com o tecido escuro e levantei-me da banqueta, levando o trabalho concluído ao lugar que deveria.
Volto para onde estava minha banqueta, a fim de recolher todos os meus materiais de pintura e guardá-los no estojo. Emily e algumas outras pessoas faziam o mesmo, enquanto a Sra. Rodwell avaliava a tela de alguém.
ꟷ Uau, acho que temos um descendente direto de Renoir nessa turma. Que obra extraordinária, rapaz.
Subitamente olho para a nossa professora, curiosa com a pintura que despertou tamanha admiração na mulher. E sem surpreender absolutamente ninguém, a Sra. Rodwell estava de frente para a tela de Jungkook, olhando a pintura com um brilho enorme no olhar e as mãos tampando os lábios.
Não era nenhuma novidade que o intercambista sul-coreano era dono de um baita talento, pois desde o primeiro semestre seus dons artísticos já eram explícitos, mas compará-lo com Pierre – Auguste Renoir, um dos pintores responsáveis pelo início do desenvolvimento impressionista e totalmente prestigiado no mundo das Artes, é de se deixar qualquer um de queixo caído.
ꟷ Renoir dizia que um quadro deve ser algo amável, alegre e belo, assim como transparecia uma singela harmonia nas cores e traços. Vejo tudo isso na sua pintura, Jeon. Estou impressionada. – Ditou a mulher, admirando a pintura feito uma verdadeira entusiasta. Jeon sorria, levando a mão até a nuca evidentemente acanhado. Mesmo assim consegue ficar lindo, céus.
ꟷ Obrigado, Sra. Rodwell. – Disse Jeon, com aquele lindo tom aveludado e gostoso de ouvir. Eu o olhava, totalmente encantada.
ꟷ E esse seu ponto de inspiração... – Vejo a professora abaixar o óculos de grau, encarando Jeon de forma sorrateira. Confesso ter ficado curiosa, ainda mais pelo riso constrangido do coreano. ꟷ É o que considera como bonito?
ꟷ Demais. Pra mim é a personificação do que chamam de beleza, e como tenho mais afinidade com tons frios, juntei o útil ao agradável. – Respondeu ele, sinalizando com a canhota algumas coisas na tela, fazendo a Sra. Rodwell assentir com um sorriso no rosto.
ꟷ Magnífico, Jeon. Se quiser colocar a sua assinatura fique a vontade, mas eu estou definitivamente apaixonada pela sua pintura.
Jungkook fez uma reverência e a mulher se encaminhou para a pessoa ao lado, Carlyn Smith, a garota que é conhecida por sua paixão platônica no coreano. Sim, eu não era a única a ser rendida pelos encantos do Jeon e, infelizmente, acredito que a Smith tenha mais chances com ele, a levar pela proximidade excessiva.
No entanto, não era Carlyn Smith que dominava meus pensamentos, e sim a pintura feita por Jungkook. Eu queria vê-la, descobrir que ponto de inspiração era esse e o que ele considerava como a personificação da beleza, mas não tenho coragem para ir até lá e muito menos bisbilhotar escondida. Suspirei, voltando a organizar meus materiais dentro da mochila.
ꟷ Pronta? – Indagou Emily, e logo a vejo com a mochila nas costas ao meu lado.
ꟷ Quase. – Apresso-me em guardar tudo na mochila, coloco-a em minhas costas e recolho a paleta que usei. ꟷ Vou só guardar ela e já podemos ir.
Emily assentiu e eu tratei de correr até o armário, queria guardar logo a paleta e sair dessa sala. Mas antes que eu conseguisse trancar o armário que pertencia a mim, sinto uma pessoa ficar ao meu lado e logo reconheço aquele aroma único, um tanto mentolado e amadeirado.
ꟷ A Alvarez é uma ótima inspiração. – Ouço sua voz e logo respirei fundo, tentando controlar os batimentos cardíacos.
ꟷ Renoir também. – Digo, felicitando-me internamente por não ter gaguejado. Tranco o pequeno cadeado do armário e viro para o lado, contemplando um Jungkook sujo de tinta nas mãos e na camisa branca. Seu olhar se conectou ao meu e isso foi suficiente para meu coração saltitar no peito.
ꟷ Eu queria...
ꟷ Jungkook, vamos? – Carlyn Smith interrompe a fala do rapaz, fazendo com que tanto eu quanto ele a olhasse. Encolhi meus ombros, certa de que provavelmente eles almoçariam juntos e ela estava o esperando.
Embora eu quisesse saber o que Jungkook queria me falar, ou mesmo pedir, resolvo sair daquela situação antes que a mesma fique mais vergonhosa, andando em direção a porta sem olhar para trás. Ainda que nós dois trocássemos algumas palavras durante as várias aulas do dia, não acho que seja suficiente para termos algum tipo de relação amigável, sem contar que sou o auge da vergonha e timidez.
...
Depois de meses chuvosos e dias curtos, o tempo em Seattle começa a melhorar aos pouquinhos na Primavera. As folhas crescem, as cerejeiras florescem, as pessoas voltam para os parques e a neve nas montanhas começa a derreter. É um momento mágico. Até o mais ranzinza dos cidadãos fica animado.
E para a nossa alegria, a UW é uma das primeiras a demonstrar animação com a Primavera, ainda mais com o fato de que o Verão está chegando e trazendo consigo duas importantes coisas: as férias e a tão esperada Feira de Artes e Ciências, a qual é aguardada pelos estudantes desde o começo do semestre. É o evento que podemos expor nossos projetos, trabalhos, pinturas, esculturas e contemplamos a chamada “Festa de Verão”, feita todos os anos como uma verdadeira tradição.
Embora faltem algumas semanas, ao andar pela Red Square, a praça central que consideram como o “coração” do campus, já é possível ver todos os preparativos. A empolgação estava reluzindo por todos os cantos da UW.
ꟷ Estou sonhando com a feira desde o começo do Outono, acredita? – Emily quebrou o silêncio, atraindo minha atenção.
ꟷ Claro que acredito, afinal não é qualquer aluno de Artes e Ciências que vai apresentar um projeto sensacional como você. – A respondo com um riso, bebendo o resto do meu suco de morango e amassando a embalagem do sanduíche que comi, jogando-a na lixeira ao lado do banco que estávamos.
ꟷ Mal vejo a hora de apresentar o “Infinitas cores”. Sério amiga, esse momento vai ser o auge da minha vida acadêmica. – Disse ela, um tanto animada enquanto comia as balinhas avermelhadas.
ꟷ Eu não duvido. Falando nisso, falta muita coisa pra terminar?
ꟷ Só alguns detalhes dos sensores, mas isso é com o Noah. A minha parte está feita e aguardando a hora do show.
ꟷ Já que você entrou no tópico show, qual é o tema do pessoal do curso de música? – Indago ao olhar para o local que estava sendo preparado uma espécie de palco, já próximo da Biblioteca Suzzallo. Pessoas andavam de um lado para o outro.
ꟷ Aquele musical do Hugh Jackman, O rei do show.
Assenti em concordância, mas o meu foco não pertencia mais a Emily, e sim àquele que agora andava pela Red Square, acompanhado de seus amigos. Jungkook carregava alguns livros e conversava animadamente com Taehyung, o outro intercambista sul-coreano que estudava História, e Luke Mitchell, um dos estudantes de Música.
Os reflexos da luz solar iluminavam sua pele, dando-lhe um brilho mais do que atraente, assim como os cabelos escuros que se eriçavam no ar de maneira charmosa. Mesmo as tatuagens dos antebraços pareciam brilhar. Jungkook era bonito de todas as formas possíveis, eu poderia admirá-lo por horas e ainda assim não perderia o encanto.
ꟷ Eu tive uma ideia pra acabar de uma vez por todas com esse chove e não molha. – Emily chamou minha atenção. Paro de admirar o Jeon feito uma idiota e a olho, intrigada.
ꟷ Que ideia? – Indago curiosa e Emily joga a embalagem de doces na lixeira, para então abrir um sorriso pretensioso ao me olhar.
ꟷ Você tem vinte minutos pra escrever uma carta, propondo um encontro no Quad assim que formos embora da última aula. E eu vou me encarregar de colocar na mesa que o Jungkook senta, já que vamos ter Teoria da Aprendizagem agora.
ꟷ Uma carta? Mas Emily...
ꟷ Isso, uma carta, amiga. Chegar no cara ou pedir pra uma amiga é muito clichê, e sinceramente, isso não combina com alunos de Artes. – Interrompeu-me, parecendo bem animada com a ideia. ꟷ Esse plano é infalível, ainda mais porque a Carlyn não vai estar por perto e, na minha humilde opinião, cartas e encontros no Quad da UW são sinônimos de perfeição. Escreva e não se reprima, lindinha.
Sorri, ponderando se deveria ou não ceder para a ideia de Emily. Só por não precisar falar diretamente com Jungkook, chamando-o para um momento a sós e longe do radar da Smith, já tornava esse plano uma maravilha a meu ver. Sem levar em conta o que foi dito por Emily, sobre cartas e encontros no estonteante Quad da UW, que realmente eram a personificação do perfeito.
Talvez eu deva me arriscar, tentar colocar para fora o que sinto por Jungkook, e fazer isso embaixo de todas as cerejeiras que florescem no Quad, uma das marcas registradas da Universidade, parecia-me muito agradável.
Assenti para Emily, concordando em escrever a carta.
(...)
Após duas horas, a última fala do Sr. Crandall, o professor que lecionava Teoria de Aprendizagem, sinalizou que estávamos liberados e que aquele longo dia de aula havia terminado. Mas, divergindo de todos os outros dias, a minha ansiedade estava voltada para o que aconteceria agora. Mal consegui prestar atenção nas explicações do professor, pois a ansiedade corria-me por inteira, de um pensamento para o outro.
Eu e Emily não perdemos tempo; guardamos nossos materiais, colocamos as mochilas nas costas e corremos sala afora, o enorme Quad sendo o nosso destino. Na carta especifiquei o lugar, quem eu era e qual era a minha intenção com aquele convite, então a única coisa que restava era esperar até que ele viesse ao meu encontro.
ꟷ Vou ficar perto da reitoria, tem um bom ponto de visão e ele não vai me ver. – Disse Emily, assim que adentramos a enorme extensão gramada. Assenti com a cabeça, um tanto sem fôlego. ꟷ Arrasa, amiga. O boy já é seu, só falta atitude.
ꟷ Vou arrasar. – Digo, uma repentina animação tomando conta de mim.
Emily se encaminhou até o prédio da Reitoria e eu me sentei no banco que ficava próximo a um dos edifícios administrativos, de frente para algumas cerejeiras e postes de iluminação. Aquele lugar era magnífico, um verdadeiro ponto de paz para todos os estudantes da UW. Soltei o ar com calma, ajeitando minha roupa no corpo e alinhando os fios loiros do meu cabelo, imaginando o que falaria para Jungkook quando ele chegasse.
Olhei para o relógio em meu pulso, constatando que ainda estava em tempo do Jeon vir até aqui. Ao menos era o que eu imaginava, já que os ponteiros continuaram a andar e a única coisa que acontecia era o esvaziamento do Quad.
Passaram-se quase duas horas e Jungkook nunca apareceu.
(...)
ꟷ Será que ele não pegou a carta? – Indago, observando Emily andar de um lado para o outro com as mãos na cintura, um tanto pensativa.
ꟷ Isso não é possível, Ellie. Eu já reparei e o Jungkook olha embaixo daquela maldita mesa todos os dias. – Respondeu-me, o tom de voz levemente exasperado e logo seu olhar pairou sobre mim, um suspiro escapando pelos lábios. ꟷ Desculpa, amiga. Achei que essa ideia daria certo.
ꟷ Tudo bem, Emz. Vamos embora, o vento está começando a ficar gelado. – Levanto-me do banco, forçando o melhor dos meus sorrisos para Emily e a vejo assentir.
A grande verdade, que talvez nem eu mesma esteja disposta a aceitar, é que não estou nada bem e muito menos preocupada com o vento gélido, pois a razão para eu querer ir embora é simplesmente a vergonha de ter ficado aqui por mais de uma hora, esperando uma pessoa que nunca viria. Sinto-me uma verdadeira idiota, tanto por ter tido a esperança de conversar dignamente com Jungkook quanto por ter acreditado na ideia de Emily, a qual está me parecendo extremamente boba agora. Pessoas chegam umas nas outras quando possuem interesse mútuo, propõem um encontro particular ou mesmo uma troca de números, porém, eu tinha que seguir o pensamento da Emily e escrever uma carta, que pode muito bem parar nas mãos de qualquer um caso Jungkook não tenha pegado.
Suspirei enquanto caminhávamos de volta para o campus de Artes e Ciências, Emily abraçando-me de lado carinhosamente, ou apenas tentando amenizar minha terrível decepção. A Lancaster sempre foi um porto seguro em minha vida, jamais hesitando em ficar ao meu lado ou consolar-me por alguma tristeza, logo me pareceu cruel culpá-la pelo bolo que acabei de levar.
Eu também tinha culpa, pois se não fosse tão envergonhada e medrosa já teria conversado com Jungkook, se não para desenvolver uma relação, apenas para sermos amigos, mas não o fiz. Em contrapartida, limitei-me a ficar admirando-o e idealizando romances inexistentes, como uma adolescente apaixonada.
ꟷ Vamos tirar a prova. – Subitamente ouço a fala de Emily e a olho confusa.
ꟷ Que prova?
ꟷ O Sr. Crandall sempre deixa a sala dele aberta e nós duas vamos atrás dessa carta, se ainda estiver lá é porque o bonitinho realmente não viu, caso não esteja você vai á uma festa comigo superar a rejeição indireta. – Disse minha amiga, entrelaçando nossos dedos e puxando-me para corrermos pelo corredor.
Não a contestei, muito menos me neguei a fazer o que ela queria, afinal também era uma curiosidade minha o paradeiro da carta que escrevi, e já que a sala do Sr. Crandall realmente fica aberta após o período de aulas, não nos custa nada ir até lá. Para duas pessoas que ficaram quase duas horas no Quad da UW, apenas vendo alguns universitários entrando e saindo das repúblicas, alguns minutos a mais na sala de Teoria da Aprendizagem é o mesmo que nada. O que é uma goteira para uma pessoa que já está toda molhada?
Atravessamos o enorme prédio de Artes e Ciências durante alguns minutos e logo paramos em frente a sala de número dez, a qual exibia uma plaquinha dourada com o nome da matéria que ali era lecionada. Emily foi na frente e eu estava em seu encalço. Ao entrarmos vejo minha amiga seguir diretamente para uma das últimas mesas da sala, onde Jungkook normalmente sentava, e eu a segui sem pestanejar, a curiosidade para saber se a carta ainda estava no lugar que foi deixada me dominando.
Emily passou a mão no compartimento abaixo da mesa e em fração de segundos um envelope é retirado de lá, fazendo com que a garota me fitasse com os olhos levemente arregalados. No entanto, uma única coisa passou pela minha cabeça quando encarei aquele papel na mão de minha amiga; a carta que entreguei para ela não tinha envelope.
ꟷ Essa não é a sua, né? – Perguntou ela, buscando por algum nome no pequeno envelope branco. Respirei fundo, pressentindo o que estava por vir e temendo que eu esteja certa.
ꟷ Tem algum nome? – Indago e Emily assentiu, mostrando-me o meu próprio nome como destinatário e o de Jungkook como remetente, escritos em tinta vermelha no canto do papel.
Pego-a em minhas mãos, não contando os segundos para abrir o envelope e tirar de dentro a carta propriamente dita. Ao conseguir, vejo logo dois curtos parágrafos redigidos e respiro com força, começando a ler.
“Cara Ellie Winters, fico imensamente honrado por seu notório interesse em mim e não nego que é uma jovem muito bonita. Mas receio dizer que não quero lhe corresponder, pois seu interesse não é recíproco e, na realidade, já estou de olho em outra garota do nosso curso.
Se está lendo isso, é porque desistiu de esperar minha ida ao Quad e veio até a sala buscar sua carta. Bom, joguei-a fora e tive que escrever essa para colocar no lugar. Lamento muito. Atenciosamente, Jeon Jungkook.”
Eu não sabia bem o que era ou como descrever, mas alguma coisa dentro de mim acabava de ser machucada com aquela carta.
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