Maldito anjo, era tudo culpa dele, Crowley não conseguia acompanhar tamanha montanha-russa emocional, por que as coisas não poderiam ser mais simples? “Ei eu te amo, agora vamos transar como se não houvesse amanhã” viu? Simples, mas não, o anjo tinha que complicar as coisas, tinha que colocar regras, fodam-se as regras, Crowley queria amar e ser amado, era pedir demais? Só porque ele era um demônio significava que era proibido que o mesmo tivesse sentimentos e que os nutrisse por um certo anjo?
Os humanos dizem que quando Deus fecha uma janela Ele abre uma porta, os humanos não sabem de nada, para Crowley Deus não havia fechado uma janela, Ela havia o jogado num porão trancado com trinta portas de metal, sem janelas e com um cano vazando inundando o lugar a ponto em que sua única escolha era morrer afogado. Sim, essa era sua metáfora de seu amor por Aziraphale, e se achas que não faz sentido, foda-se, nem tudo na vida precisa de sentido, às vezes tudo que é necessário é apenas um par de olhos azuis tão claros quanto as águas caribenhas, bochechas perfeitamente rosadas, pele tão alva que até o mais leve raio de sol poderia lhe queimar e cabelos tão claros que pareciam mais com vários fios de algodão unidos… Enfim, tudo o que a vida precisava era de Aziraphale, pelo menos a vida de Crowley precisava.
E o anjo era um maldito bastardo que não enxergava isso pois estava ocupado demais achando que tudo o que Crowley queria era lhe tentar, por que sempre ele tinha de ser o vilão? Crowley não poderia querer passar as tardes de domingo fazendo piquenique no parque com pássaros voando ao seu redor e coelhos fofinhos saltitando? Não, essa ideia o deixa enjoado. Mas o ponto é, ele queria passar sua vida com Aziraphale, queria fazer parte daquelas comédias românticas que ele via passando na TV enquanto surfava por canais esbravejando de tédio. A campainha tocou e Crowley gritou dizendo que a porta estava aberta, uma mulher entrou, sua pele era cor de caramelo, seus cabelos tão negros quanto a noite mais escura e seus olhos eram de um castanho tão escuro que mais pareciam duas poças de chocolate, era Carmen, Crowley suspirou ao olhar para ela.
– Eu estava entediada e pensei se você não estava a fim de alguma coisa – Disse ela andando em direção a Crowley.
– Não estou no clima – Crowley bateu as costas contra a parede e deixou seu corpo deslizar até o chão, ele sabia que se Aziraphale o visse diria que ele estava sendo dramático.
– O que foi? – Carmen indagou se ajoelhando em frente ao vizinho
– Estou de coração partido, não vê? Sinceramente, humanos são tão mesquinhos quanto demônios – a mulher lançou um olhar confuso para Crowley – Esquece – ele suspirou – Se lembra do homem de cabelos claros que vem aqui com frequência? Eu o amo tanto que doí, mas o filho da puta acha que eu sou incapaz disso.
– Você já fez algo para provar o contrário?
Que pergunta idiota era aquela? Crowley fizera tantas coisas para provar que o amava, ele o salvara de ser decapitado durante a revolução francesa, de ser assassinado por nazista e mais recentemente trocara de corpo e enfrentara as chamas do inferno para impedir que ele se desintegrasse. Quer provas maiores que essa? Ele o amava tanto, mas aos olhos do anjo, Crowley era apenas um demônio imundo.
– Bem, posso lhe ensinar algo que aprendi em todos esses anos de vida? – Quem aquela humana achava que era para querer ensinar algo para um demônio? Ah foda-se, ele estava desesperado então simplesmente balançou a cabeça em concordância – A cura para um coração partido está no fundo de uma garrafa de whisky – Ouo ela era realmente mais inteligente do que Crowley havia pensado.
Por sorte Crowley tinha algumas garrafas de single malt que Aziraphale tanto gostava. Maldito anjo, por que ele não saía de sua mente? Com certeza era por causa daqueles angelicais olhos azuis, malditos olhos. Carmen foi até a cozinha e voltou com uma garrafa e dois copos entregando um a Crowley.
– Ah foda-se os copos, me dá a garrafa – Disse o demônio esticando a mão
– O segredo está em beber de vagar – Carmen serviu um copo e deu a ele – Agora diga como vocês se conheceram – ela se serviu e sentou em frente a ele.
Essa era uma pergunta difícil de ser respondida sem que ele revelasse todo o plano divino e a existência de anjos e demônios vagando pela Terra.
– Eu estava andando por aí cuidando da minha vida e criando alguns problemas, então o encontrei, ele estava parado observando as nuvens. Meu maior erro foi olhá-lo nos olhos. Sabe, ele devia ter um letreiro em cima da cabeça “Não olhe para esses olhos angelicais”, teria evitado-me muitas dores de cabeça – Crowley deu um sorriso orgulhoso, não estava mentindo, mas também não estava falando a verdade, humanos podem ser um pouco sensíveis com a verdade.
Enquanto isso no Soho, um anjo abria sua livraria para tentar quem sabe talvez, espantar seus pensamentos. E se ele realmente tivesse passando dos limites? Não, Crowley deveria saber quem até mesmo anjos podem perder a paciência e que as atitudes dele tinham consequências, e Aziraphale não estava se comportando como uma criança mimada, estava? Não importa, Crowley precisava experimentar um pouco de seu próprio veneno.
Uma jovem cutucou seu ombro o tirando de seu transe, ela tinha em mãos um exemplar de “As viagens de Guliver”, o anjo nem lembrava que tinha tal livro.
– Com licença, eu gostaria de saber qual o preço deste livro – Ela disse com um sorriso extremamente simpático, simpático até demais, pobre coitada, a vida acabaria com seus sonhos e a comeria viva. De onde veio tais pensamentos?
– Ele não está à venda – Aziraphale respondeu pegando o livro da moça.
– Mas eu achei que…
– Na verdade, nada está à venda – Ele disse passando pelas pessoas e coletando os livros – Estamos fechado. Todos para fora, agora!
Humanos ingratos, só sobreviveram ao armagedom por causa dele, e como o agradecem? Querendo levar todos os seus livros “Eles nem sequer devem saber cuidar desses tesouros” pensou o anjo enquanto passava a mão pela capa de um livro, tirando uma fina camada de poeira.
Tudo bem, talvez abrir a livraria não tivesse sido uma boa ideia, mas quem sabe uma xícara de chá o fizesse se acalmar, não havia problemas que não pudessem ser resolvidos com uma boa xícara de chá. Deixou os livros em cima de uma mesinha, passou as mãos por seu blêizer bege e deu um longo suspiro enquanto caminhava para a cozinha. Sentia poças de lágrimas se formarem em seus olhos, quando foi que as coisas ficaram tão complicadas? Deu outro suspiro e dessa vez permitiu que as lágrimas rolassem por seu rosto.
Às vezes ele queria ser como Gabriel ou os outros anjos, fortes, sem sentimentos por demônios, ou apreciação pela humanidade, ele estava tempo de mias na Terra, havia adquirido muitos sentimentos, ficado mais fraco ou talvez sempre fora, afinal ele dera sua espada para Adão e Eva.
Aziraphale ouviu o telefone tocar e quando atendeu o aparelho ficou mudo, deu de ombros, talvez fosse engano, mas quando virara as costas o telefone tocara mais uma vez. Enquanto isso num apartamento não muito longe dali, Carmen tentava tirar o telefone celular das mãos de um Crowley já consideravelmente embriagado.
– Eu preciso falar com ele! – Esbravejou Crowley escondendo a mão com o celular atrás de suas costas.
– Ah é? E você vai dizer o que hein? Sinto muito por ser um cretino? Porque é isso que você tem que dizer – Carmen disse apoiando uma mão no joelho de Crowley e usando a outra para tentar alcançar o aparelho.
– Não – o demônio respondeu fazendo cara de emburrado – Eu vou dizer o quanto ele está sendo ingrato e egoísta depois de tudo que eu fiz por ele. Aquele ingrato só está vivo porque eu o impedi de ser guilhotinado na revolução francesa.
Carmen ficara confusa por um momento, mas finalmente conseguira pegar o celular, então apenas sentou de pernas cruzadas em frente a Crowley.
– Seu erro está aí, amor não é “eu fiz isso por você então você é obrigado a fazer aquilo por mim”. Amor é compreensão, reciprocidade.
– Exatamente! Reciprocidade, ele deveria dizer que me ama. – Crowley disse batendo em seu peito – Por que ele não diz que me ama?
– Olha, Tony, amor é como comer espaguete com molho vermelho enquanto usa uma camisa branca.
– Primeiro: não me chama de Tony – Ele disse balançando o dedo indicador em frente ao rosto da mulher – Segundo: isso não faz o menor sentido – Crowley jogara as mão para cima.
– Escuta, faz sim. Veja bem, você vai comer espaguete com bastante molho e está usando uma camisa branca, e quando menos percebe você já derrubou molho na camisa, e não importa quantas vezes você a esfregue e a lave, aquela mancha vai ficar lá, te lembrando do momento magnífico que é comer espaguete.
– Isso ainda não faz sentido, e agora eu quero comer alguma coisa.
Carmen suspirou enquanto passava a mão pelo rosto e se levantava.
– Olha, você está ficando chato já. Eu vou indo porque tenho uma aula daqui cinco minutos – disse ela caminhando até a porta.
– Você está em condições de dar aula?
– Meu amigo… – Ela disse fazendo um espacate e em seguida se levantando graciosamente – … Eu estou ótima. – Carmen jogou o celular para Crowley – Não faça nada do que você sabe que eu te bateria se descobrisse – disse antes de abrir a porta e sair.
Crowley deu de ombros e sibilou mostrando sua língua bifurcada para aporta fechada. Ele esperou alguns minutos antes de discar o número que já tinha decorado há anos, seu plano era dizer umas boas verdades para aquele maldito anjo ingrato, mas quando Aziraphale atendera, Crowley não conseguia dizer nada, era como se sua voz tivesse congelado em sua garganta e tudo o que saía era uma respiração pesada.
– Crowley é você? – O anjo disse do outro lado.
O demônio desligou o celular, ele deu um grito enquanto arremessava o aparelho contra a parede do outro lado da sala.
– Eu te amo – ele disse deixando seu corpo deslizar ainda mais na parede, assim ficando deitado no chão frio.
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