Uma batida insistente na porta acordou Marcus. Quando sentou na cama, olhou em volta, percebendo que aquele cara estava na porta, olhando para ele. As roupas eram as mesma do dia anterior.
“Oya... Não foi um sonho.” pensou, surpreso, olhando para baixo e vendo as luxuriosas cobertas, bem como pijamas grandes demais. Era aquilo. Essa era a prova definitiva que, por mais suspeito que parecesse, Marcus poderia confiar em Túlio. Afinal, passara uma noite no mesmo quarto que ele e nada acontecera, não é?
— Elisa, bom dia. — Túlio sorriu, abrindo a porta. Mas Marcus não podia ver nada do lado de fora, já que ele estava bloqueando a passagem.
— Bom dia, senhor. — a voz não parecia de uma pessoa jovem, o que foi confirmado quando a mulher se inclinou e cochichou algo no ouvido dele. Seus cabelos, presos em um coque, apesar de castanhos, já apresentavam um tom acinzentado, característico da velhice, além das pregas no rosto da senhora. Túlio se afastou rapidamente, sorrindo, e deixou a senhora passar, com um estranho carrinho.
— Ah, sim. Pode entrar, então. — quando a porta se fechou, a mulher soltou o carrinho e sorriu, olhando para Marcus. Ela lembrava um pouco a mãe de Marcus, para ele, mas fora isso, apenas uma senhora normal como qualquer outra. Usava um vestido de empregada que, apesar de com certeza deixar os jovens mais bonitos, estava longe de estar inadequado a ela.
— Own, que criança fofa. — ela sorriu, voltando a pegar o carrinho e o puxando-o até o lado da cama, parando perto de onde Marcus estava. O garoto não sabia o que fazer, perante uma nova pessoa desconhecida, então olhou para Túlio, procurando uma resposta.
— Oh, não se preocupe, Giotto contou a ela, está tudo bem.
— Pobre criança, deve estar morrendo de fome... — Elisa falou, puxando um prato de torrada com ovos mexidos. Marcus tinha que admitir que o mero cheiro encheu sua boca de saliva e sua barriga deu um solavanco.
— Ah, eu dei comida a ele ontem à noite. — Túlio falou, chegando perto e sentando no canto da cama. Marcus se segurou para não avançar na comida, ainda sem acreditar completamente na senhora, mas não seria capaz de negar tal iguaria.
— Oh, pobre criança. — Elisa falou, entregando o prato a Marcus, que apenas observava os dois, prestando apenas a atenção que não estava voltada à comida. Assim que o prato pousou em suas mãos, tratou de devorar seu conteúdo, enquanto os dois discutiam.
— Waaah! Que má! Ele disse que estava bom!
— Oh, deuses, não consigo imaginar pelo que essa criança passou para dizer algo assim... — a senhora brincou, com um sorriso no rosto. Os lábios de Marcus se levantaram, involuntariamente, mas não parou de comer.
— Fala sério, Elisa! — Túlio reclamou.
— Haha, qual seu nome, pequeno?
— Marcus. — murmurou, já tendo tomado metade da sopa quente, o prato que recebera ao terminar os anteriores.
— Ora, que nome incomum.
— Que belo nome... — Elisa se afastou um pouco, indo em direção à porta. — Deve ter tudo que precisam no carrinho, senão Túlio poderá me chamar, certo?
— Sì.
— Huhu, os mesmo hábitos, huh... — murmurou se dirigindo à porta. — Senhor, devo lembrá-lo que seu pai voltara mês que vem.
— Eu lembro, Elisa, darei um jeito até lá...
— Certo, os deixarei sozinhos, agora... Tenham um bom dia, senhores. — Elisa finalmente saiu, deixando os dois sozinhos no quarto. O silencio se instalou, enquanto Marcus comia o resto e Túlio apenas o observava. Quando o garoto terminou a comida, devolveu o olhar, notando que ele ficou vermelho, mas não desviou os olhos.
— Tem algo errado? — perguntou enfim.
— Eh? Ah, desculpe, não é nada eu só... Er... Achei... Er... Deixa, é melhor deixar pra... — Túlio estava totalmente sem jeito, o que trouxe de volta o sorriso ao rosto de Marcus, bem a tempo de ele interrompe-lo, olhando ainda mais intensamente, apesar que o outro já havia desviado os olhos.
— Heeeeh... Fofo, você quer dizer? — as palavras saíram de sua boca e, na mesma hora percebeu que a postura de Túlio ficou rígida. — Humph... E eu aqui finalmente achando que você não era um pedófilo... Acho que me engan....
— No! — ele se exaltou, surpreendendo Marcus com sua intensidade, mas isso só aumentou o sorriso do garoto.
— Heeeh... Sabia que quanto mais as pessoas negam algo, mais aquilo as incomoda? — Marcus lambeu a comida que ficara entre seus dedos, aos poucos, sorrindo ainda mais ao ver o avermelhado no rosto dele aumentando. Quando ele estava pra protestar, tomou a frente. — Ah, você vai dizer que é mentira, né? Mas, sabe, você pode ainda não saber... ou talvez seja algo que você não quer aceitar... — quando percebeu que ele ficou ainda mais rígido, não pode evitar rir. — Ku... Kufufufu... Kufufufufu... Hahahahahaha!!!
— Ugh! — Túlio ficou ainda mais paralisado, por um momento, mas a risada dele, aos poucos, foi acalmando ele. No final, sorriu, colocando a mão na cabeça dele e suspirando, se levantando. — Hah... É bom ver que já esta rindo.
— Ugh... — Marcus parou, surpreso ao notar as próprias ações. Percebeu então que Túlio estava sorrindo, apesar de ainda meio vermelho.
— E então, o que quer fazer agora? Temos quanto tempo quiser.
— ... Espera... Você... Está admitindo? — Marcus perguntou, de boca aberta. Sem perceber, seu próprio coração disparou quando ele corou ainda mais desviando os olhos e levando a mão à testa, mexendo nervosamente na franja.
— Então... Você quer brincar? Temos tabuleiros de jogos... Tem livros naquela estante... Também posso pedir que comprem algo, se quiser... E... E... — ele ficava cada vez mais nervoso, até que parou de falar e, corado, ainda mexendo na franja, virou o olhar para Marcus, cruzando olhares com eles. — Ha... haha... hahaha... — riu nervosamente, virando imediatamente o olhar pro teto.
— Heh.... — Marcus murmurou, ele mesmo nervoso, mesmo sem entender bem o por que. Desde a noite anterior, não entendia muito bem o que estava acontecendo com si mesmo, mas tinha que dar um jeito nesse clima estranho. — Bom e... E o que você costuma fazer?
— Eh? Ah, eu... Eu gosto de jogar videogames... — o corado foi saindo, enquanto ele voltava ao normal. Parecia que não gostava muito do tema. Marcus percebeu que havia uma televisão no canto do quarto. — Mas, não acho que seria uma boa ideia... Papa sempre reclama quando eu jogo, diz que é inútil e que eu deveria estar treinando e....
— Vamos jogar. — Marcus declarou, serio, surpreendendo o garoto. A intensidade com que Túlio olhou para ele, de repente, fez seu coração bater forte de novo e ele desviou os olhos desconcertado. Mais tarde teria que descobrir o que estava acontecendo. — Quer dizer... Eu nunca joguei, então...
— Ahaha... — Túlio riu, sorrindo. — Então vamos jogar um pouco...
— Waaaah!!! Como assim??? Mas você disse que era sua primeira vez!!! — Túlio reclamou, em sua vigésima derrota. Haviam escolhido jogar Mortal Kombat e, por mais que Túlio soubesse que sempre perdesse para o irmão, achava que suas habilidades seriam o bastante para derrotar um novato. Errado, assim que Marcus pegar o controle e o jogo começara, Túlio mal conseguira tirar algum HP dele...
— É a primeira vez que eu jogo. Mas isso é muito fácil. Desviar, atacar, ataques especiais. Se souber como explorar a fraqueza do adversário... Pff.... — Marcus estava tentando explicar a serio, mas ao ver o desespero completo no rosto dele, mal conseguiu segurar a risada. — Tem certeza que gosta de jogar videogame?
— O que está dizendo??? Eu gosto mesmo, tá??? Se é assim, então vamos mudar de jogo... Se você tem facilidade em jogos de luta isso não fica justo. — Túlio se levantou, mas Marcus ficou lá, sorrindo, vendo-o procurando os títulos. — Esse!
~ Uma hora e algumas derrotas mais tarde ~
— Qual é???? Até no Mario Kart??? — Túlio bufou, frustrado. O sorriso de Marcus só aumentava. — Tsk... Ainda não acabou! — Túlio declarou, se levantando e procurando pelos títulos novamente. — Agora sim, você não vai vencer!!!
~ Algumas hora, alguns jogos e várias derrotas mais tarde ~
— Não pode ser...!!! — Túlio caiu pra trás, se jogando no chão. — Smach bros, Sonic, Pokémon, qualquer coisa que eu te pusesse pra jogar... Tem algo de errado com você... algo muito errado... — Túlio tremia, no chão, traumatizado.
— Kufufufufu... Nem... A culpa não é minha se só esta me dando jogos fáceis....
— Fáceis... — Túlio tremeu, perante a face de êxtase do pequeno. E foi então que seu rosto se iluminou e ele se pôs imediatamente sentado. — É isso!!! — Ele se levantou, correndo, indo até o armário e pegando um laptop praticamente novo. Marcus observou atentamente enquanto ele trazia-o consigo e logo começou a mexer nas teclas, abrindo e fechando coisas. Como Marcus não conseguia ler, não conseguiu entender o nome do jogo. — Aqui! Se você conseguir ganhar esse jogo, sem perder uma vida, eu... Eu...
— Hehe... Vai fazer qualquer coisa que eu pedir? — Marcus sorriu, de orelha a orelha, um brilho malicioso se fez presente em seus olhos. Surpreendentemente, longe de parecer fora de lugar por sua condição infantil, aquilo só lhe deu um ar mais adorável e maníaco.
— Gugh! ... Hummm.... Tá! Qualquer coisa!!! Eu prometo!!! — Túlio apertou as mãos em um murro, parecendo determinado. — Eu acredito no poder de Unfair Mario! Você vai morrer rapidinho!
— Haha!! Então esse era o nome... — Marcus riu, se virando para o teclado. — Então, como eu jogo isso? — Túlio explicou e ele começou. Ele andou para um lado, andou para o outro e então olhou de volta para Túlio. — Pff... Você está brincado? Isso é igualzinho àquele jogo que você fez me jogar agora a pouco. Tem certeza que vai apostar um pedido tão importante nisso?
— Humph. Se eu fosse você não duvidaria do poder desse jogo. — Túlio zombou, se sentindo superior. É bem verdade que não havia motivo pra isso, já que ele nunca ganhara o jogo e obviamente não fora o criador, mas a mera existência do jogo estava o fazendo feliz nesse momento.
— Heh... Bom, se esta tão disposto assim a fazer qualquer coisa que eu digo, então... — Marcus apertou o botão, fazendo o Mario pular e cair na plataforma mais perto, à direita. Túlio sorriu, enquanto via o rosto dele passando da vitoria à fúria em questão de segundos, enquanto a plataforma caia e o jogo passava a mensagem “Nem tudo é o que parece”. — Não!!! Como assim??? Isso não é justo!!!
— Hehe... Mas é claro... É o Mario injusto afinal... — Túlio sorriu, tão feliz que não poderia descrever, mas o garoto não estava mais prestando atenção nele. Túlio quase conseguia sentir uma aura assassina saindo de seus olhos enquanto ele recomeçava o jogo.
Evitou morrer. Morreu. Evitou de novo. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu. Perdeu na primeira morte. Morreu. Evitou. Morreu. Morreu. Morreu. Morreu....
Túlio já havia perdido a conta de quantas vezes ele havia morrido, obsecado com aquele jogo, quando chegou a hora de dormir. Já haviam comido, estava tudo pronto para dormir, mas o garoto continuava lá, teimosamente jogando.
— Marcus, vamos, você tem que dormir. — Túlio tocou em suas costas, levemente, mas ele não se mexeu. — Marcus, já passou da meia noite. — Ele continuou imóvel. — MARCUS. — Túlio chamou, chacoalhando ele. Foi então que ouviu o barulhinho do bonequinho morrendo. Engoliu em seco, tremendo de medo, quando ele se virou para ele, com os olhos de quem estava prestes a matar alguém.
Quando Túlio estava quase temendo por sua vida, no entanto, ele voltou imediatamente ao jogo. Sua concentração era tanta, que ele repetia os movimentos em voz alta, mas estava, provavelmente, tão cansado que morria da mesma forma. Túlio, no entanto, tinha bastante certeza que era melhor deixa-lo fazer o que queria, se queria que seu pescoço continuasse no lugar.
Foi bem mais tarde, quando o sol já estava para nascer e Túlio já estava quase dormindo, quando ouviu.
— Ganhei... eu... Ganhei!!! — a voz era fraca, mas despertou Túlio imediatamente. Quando abriu os olhos, percebeu o modo como os olhos de Marcus brilhavam, olhando para a tela do computador. Não pode evitar o sorriso que se formou nos próprios lábios.
— Parabéns. — sussurrou, se aproximando. Ele chegou até a sorrir, cansadamente a Túlio. — Eh? Mas... Está dizendo na tela... Que tem mais um nível.
— Wah... Mas só tinha dez... — Marcus reclamou, de boca aberta. — Ugh... Jogo maldito... Eu vou até o fim!!! — ele apertou a barra de espaço e então... — Eh?
— O que foi? Não vai jogar?
— O que? Um problema...? — Ele estava dizendo, surpreso demais, quando seu rosto iluminou, de repente. — Ku.... Kufufu... fuahahahahaha!!! — ele explodiu em risos, assustadoramente.
— Er... Marcus? — Túlio chamou, sem entender nada. — O que houve? E o nível?
— Isso... é o nível que eu acabei de acabar... — ele respondeu enfim, limpando as lagrimas que caiam de seus olhos, de tanto que havia rido. Túlio não entendeu. — Hah... você não entendeu, não é? Esse jogo é tão maldito que o “próximo nível”, depois do nível final, não é nada além da repetição do nível final.
— Eh? Ah, é? — Túlio questionou, aturdido, principalmente pelo sono.
— Oya? Você não sabe? Não terminou? — Túlio sorriu, esfregando os olhos, de novo. Dessa vez, no entanto, era obviamente de sono. Sua boca abriu, lentamente, fazendo sua fofura infantil aumentar cada vez mais de nível.
— Vamos. — Túlio estendeu as mãos, passando-as pelos braços do pequeno. Talvez, em outra situação, ele tivesse se debatido, negado ser carregado no colo, reclamado... Mas estava com tanto sono, que o mero ato de piscar os olhos exigia toda sua vontade, para abri-los de volta.
— O que está... Fazendo...? Eu não posso parar de jogar agora... Tenho que começar de novo... E terminar tudo sem... mortes... — Marcus sussurrou, no ouvido de Túlio. Mas, diferente do que dizia, seus braços fizeram o caminho pelas costas dele e se agarraram a sua blusa.
— Certo, certo. Faremos isso amanhã. — Túlio declarou, sorrindo, andando até a cama.
— Nyaaaumm... — Marcus reclamou, fechando os olhos. Abrir de novo se tornou impossível e o calor humano que o corpo de Túlio proporcionava era simplesmente irresistível. Seus dedos se agarraram à sua roupa, quase involuntariamente, enquanto a maior parte de sua consciência já estava adormecida.
— Marcus? — Túlio chamou, quando tentou puxa-lo para coloca-lo na cama. Não deu, estava agarrado a ele. — Marcus? Solte, tenho que te colocar na cama...
— Nyaaummm.... nyaaauuuummmm.... — ele resmungou, agarrando ainda mais.
— Oi, oi!!! Assim eu não consigo te colocar na cama!!! — Túlio implorou, tentando soltar as mãos dele, mas não conseguiu. Sem saber o que fazer, seu rosto corou quando a solução lhe passou pela cabeça. — Então... Vamos ter que dormir juntos... Você se importa?
— Nyaaaummmm... — Marcus resmungou de novo, se aconchegando ainda mais no colo de Túlio. Com o coração na garganta, Túlio engoliu em seco, ao mesmo tempo se sentindo mal por se aproveitar do momento frágil dele.
— Então... Vamos dormir juntos, ta? — Túlio se deitou na cama, ainda com ele no braço. Assim que eles se deitaram, Túlio percebeu que aquela talvez não fosse uma boa ideia, pra ele. Não importa o quanto fechasse os olhos, quanto mais Marcus se aconchegava em seu corpo, menos ele conseguia se acalmar. E foi assim que Túlio só conseguiu dormir de meio dia.
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