O guardião da casa de peixes estava ainda atordoado com o que havia acontecido, a dor física era algo que ele estava conseguindo lidar bem apesar do impacto sofrido, porém era o estado de seu noivo que o deixara desconcertado e entristecido. Shion entendia que Afrodite precisava de um tempo sem verbalizar nada para processar aquelas informações e sentimentos, em outro momento ouviria a versão de Shun que estava desacordado. Após alguns minutos, ao escutar um gemido de dor do pisciano e ver a expressão sôfrega que era parcialmente ocultada pelos cabelos loiros do dourado, o grande mestre resolveu finalmente romper o silêncio.
- Acho melhor irmos até a enfermaria ver seus ferimentos. Quando se sentir pronto poderá contar-me o que houve aqui.
- Eu... posso contar agora – tentou realinhar a postura, mas, a dor havia impedido fazer isso com perfeição – Está tudo bem, posso ir outra hora lá – dirigiram-se devagar para os aposentos privados da casa e sentaram-se no sofá da sala.
- Camus e eu nos assustamos com a expansão de cosmos de vocês dois, principalmente o de Andrômeda – seu semblante estava sério – Ver-te assim ferido e ele desacordado aqui nos surpreendeu.
- Nós não brigamos, meu amado chegou aqui com uma expressão atordoada e falava sobre nossa batalha nessa casa no passado – enxugou suas lágrimas com o dorso da mão – Acredito que não tenha se lembrado de tudo, mas, de alguma forma soube que estávamos juntos antes da amnésia.
- Então por que ambos se atacaram? Vi tua rosa fincada no chão próximo a ele.
- Shun estava chorando e não percebeu a manifestação do próprio cosmo. Quando eu avisei sobre as correntes de ar e ele as visualizou acabou por entrar em pânico...
- Recordo de andrômeda ter ficado transtornado ao ver as correntes de sua armadura.
- Ele viu a forma das correntes de cosmo e o pânico foi tanto que não sabia como parar. Foi daí que eu precisei lançar minha rosa para nocauteá-lo, mas, descuidei-me por não esperar o impacto da dissipação do cosmo dele.
- Então está a me dizer que foi acidental o ataque de Shun?
- Não haveriam motivos para ele me atacar, eu sentia o remorso na voz dele ao falar sobre o que lembrara de nossa batalha – recordava com pesar – Acho que as memórias dele estão voltando a se manifestar finalmente, mas, foi uma pena ter começado por uma tão dolorosa...
- A depender do que esse rapaz se recordar pode causar outras situações semelhantes a essa – ponderava o ariano – Não irei isolá-lo do convívio com os outros, será bom estimular as lembranças a emergirem. Eu prometi a Ikki que o irmão dele ficaria seguro e acho que a melhor forma de garantir isso é bloquear o cosmo dele temporariamente. Avisarei nossa deusa sobre esse incidente, creio que ela pode ter alguma ideia sobre o que fazer.
- Mas, Shion...
- Nem tente retrucar Afrodite, acredito que o próprio Shun concordará com isso assim que despertar – levantou-se e usou o teletransporte para chegarem depressa à enfermaria – Você fará os exames e descansar um pouco. Conversamos outra hora.
...
Algumas horas depois Shun despertava na sexta casa, Shaka meditava no mesmo cômodo em vigília. O jovem se remexeu um pouco antes finalmente abrir os olhos levantando-se em sobressalto. O indiano tentou transmitir um pouco de calma a partir de seu cosmo dourado ao seu pupilo.
- Shun, por favor, ouça-me – falava em tom sério para chamar a atenção – Precisas acalmar-se para conversarmos. É necessário.
- Shaka? – seus olhos focaram no mais velho – O Afrodite? Como ele está? Eu...eu...
- Acalme-se Shun, ele está bem, é um cavaleiro de ouro – suspirou alto – Shion me comunicou que ele está bem.
- Eu não queria...
- Sabemos disso, Shion pediu para que eu o chamasse assim que acordasse, mas, antes queria falar sobre o ocorrido. Foi alguma lembrança que o deixou naquele estado?
- Começou um pouco antes, não sei como lhe explicar...
- Pode permitir-me investigar? Prometo que serei cuidadoso.
- Por favor, não – colocou uma das mão sobre sua testa, o cabelo ainda ocultava-lhe a face – Estou com dores de cabeça e não desejo passar por aquilo outra vez – Shun sabia o tipo de ajuda que seu mestre o oferecera, pois já haviam tentado acessar a mente dele outras vezes sem sucesso.
- Tudo bem, não insistirei por hora – levantou-se do chão devagar – É melhor levantar-se para comer alguma coisa, vamos jantar e convidarei Shion para que junte a nós para a conversa.
- Está bem, obrigado por não insistir.
- Tenho um chá que pode ajudar com essa sua dor de cabeça.
- Agradeço por isso – suspirou, ainda estava apreensivo pelo o que estava por vir – Eu precisava conversar mesmo com o Grande mestre – seu tom era sério.
- O que quer que esteja a pensar, por favor, não seja precipitado – respondeu Shaka – O mestre apenas quer apurar sua versão dos fatos além de querer saber sobre teu estado – Shun apenas maneou a cabeça e eles foram à cozinha.
Os virginianos faziam uma refeição nutritiva, o mais jovem não conseguia se atentar tanto ao prato por estar preocupado com o sueco e aquele sentimento de culpa e ansiedade o fez perder o apetite. Shaka apenas percebia a movimentação ansiosa do aprendiz pelo tintilar dos hashis no prato dele. Antes que pudesse chamar a atenção pelo ato do rapaz, ambos sentiram a presença de Shion pedindo permissão para adentrar a casa de Virgem que fora prontamente concedida pelo anfitrião.
- Boa noite jovens cavaleiros – saudou-os – Podem continuar com a refeição, não quero incomodá-los.
- Mestre Shion, gostaria de juntar-se a nós? – perguntou o anfitrião.
- Obrigado, eu já jantei. Apenas vou sentar-me ao lado de vocês – sentou-se entre os dois rapazes – Shun.
- Perdão mestre, eu estava a pensar em tantas coisas...
- Tenho uma breve ideia do que se trata – olhava para o garoto de semblante abatido – Afrodite está bem, apenas lesionou algumas costelas e o ombro esquerdo, pelo impacto inesperado e estar sem a armadura que o causaram esse dano.
- Pela deusa! Isso é terrível! – exclamou andrômeda – O que foi que eu fiz?!
- Acalme-se, a recuperação de vocês cavaleiros é mais rápida por causa do cosmo. Acredito que em duas ou três semanas ele estará completamente recuperado – tentou acalmar o jovem inquieto que ainda não conseguiu comer nada – O cavaleiro de peixes me contou a versão dele dos fatos e eu vim colher a tua.
Shun explicou brevemente o dia que tivera e os sentimentos inquietantes que o assolaram sua mente durante o dia, que começou a se sentir apreensivo na subida até peixes e ficara hesitante em comentar sobre os cavaleiros de ouro que falaram mal de si, assim pulou essa parte. Quando vira o pisciano aquela lembrança ruim havia eclodido e o descontrole foi uma consequência. Shion estava atento ao rumo que aquela conversa levaria.
- Eu me sinto muito mal pelo o que fiz e não quero que haja uma chance de acontecer outra vez. Então eu te peço para que bloqueie o meu cosmo e aplique o castigo que desejar.
- A parte do cosmo iria falar sobre isso, mas, já se adiantasse. Quanto ao castigo, tu julgas mesmo necessário? Afinal ambos confirmaram que foi um acidente.
- Eu me sinto responsável e não desejo sair impune – levantou-se rapidamente da mesa, ficando um pouco tonto, mas tomou o controle apoiando suas mãos sobre a mesa – Também gostaria de deixar a disposição a armadura de andrômeda para que outro cavaleiro seja digno de vergá-la, eu declino de minha posição.
- Jovem Andrômeda, não tome atitudes drásticas por causa desse acidente!
- Escute o Grande Mestre, você ainda não está em plenas condições para querer renunciar seu posto de cavaleiro – advertiu Shaka – Não se precipite.
- Por causa de minha amnésia? – bufou impaciente – Eu depois desse tempo todo não me sinto como um cavaleiro, tampouco digno de ser um, as correntes de minha armadura e as que foram feitas com meu cosmo me fazem ter um ataque de pânico – disparava em sua fala – Não sou útil para proteger ninguém, eu feri alguém que me ama e nem entendo o motivo da pessoa que eu ceifei a minha vida me amar. Então não desejo continuar com isso.
- Acalme-se Shun – disse o mais velho – Eu não tomarei uma atitude precipitada em seu caso, levarei sua solicitação a nossa deusa e ela julgará melhor a sua situação. Quanto ao seu castigo, eu já tenho em mente o que será.
- Por favor, diga-me qual será a minha punição – enxugava suas lágrimas com o dorso da mão e prestava atenção na fala do ariano.
- A serva de Afrodite entrou de férias ontem e uma substituta seria designada, mas, como o jovem deseja tanto um rebaixamento, eu o farei temporário. Ficarás na posição de servo até a recuperação do guardião da casa de peixes.
- Não haveria outra punição? Eu não queria...
- Já está decidido, afinal não fostes tu a pedir um castigo? Não estás arrependido dos danos que causara a Peixes?
- Sim, eu estou...
- Então amanhã começarás em sua nova função e quando Atena me der a resposta dela ao seu caso não tardarei em comunicar-te, está bem?
- Sim senhor – disse tristonho – Vai bloquear o meu cosmo agora?
- Certamente – olhou rapidamente para o mestre de Shun que apenas abaixou a cabeça suspirando baixo. O dourado estava chateado com a decisão precipitada do garoto, mas, sabia que o bloqueio do cosmo dele era essencial para evitar outra tragédia – Tu sentirás uma estranheza inicialmente, mas, logo se acostumará. Advirto que não tente fazer tarefas mais pesadas na primeira semana, pois poderás sentir uma fraqueza súbita – o rapaz assentiu – Melhor irmos para seu quarto aqui para que repouses em seguida.
- Vamos lá – Shaka guiou o caminho – Irei recolher as coisas na cozinha, qualquer problema pode chamar, com licença – retirou-se.
- Ele está chateado comigo – disse o virginiano sentado na cama – Será que algum dia hão de me compreender?
- Shaka deixou nítido isso, vocês tinham uma relação além de mestre e aluno. Era bonito de se ver a troca de aprendizados e sentimentos entre vós – puxou a cadeira próximo a cama – Tudo bem, respire fundo para acalentar essa energia – fazia o jovem de madeixas castanhas repetir seus movimentos de respiração – Será preciso compreender-se primeiro para deixar claro para os outros sobre o que queres ser compreendido – executou um selamento de forma mais branda e delicada – Shun?
-E-eu... vou ficar...bem – falava ofegante e um tanto atordoado pelo bloqueio do cosmo – Não se preocupe comigo – o ariano ajudou-o a recostar-se na cama para dormir.
- Bom, como já resolvemos o que tinha de ser resolvido hoje, nada melhor a fazer do que retirar-me – despedia-se Shion – Falarei com o cavaleiro de peixes sobre a sua punição, esteja lá às 6:30. Boas noites! – teletransportou-se para a entrada da casa de peixes.
O servo temporário mal conseguia se mexer, suas energias pareciam completamente drenadas de si, não somente pelo bloqueio de seu belo e poderoso cosmo róseo, mas, também da negligência que cometera a si mesmo. A exaustão só não era maior do que o sentimento de culpa que carregava. O jovem pensava em seu ex-mestre Shaka e na memória do cavaleiro que o treinou, que seus amigos contaram para si, o tamanho da decepção que havia causado com sua decisão. Nem queria ter que pensar em Ikki, que diferentemente do indiano, gritaria consigo. Shun não se importava em ser motivo de chacota, principalmente por parte de Shura e Kanon, pois inferiorizado do jeito que se sentia acreditava que aquele lugar o pertencia.
Naquele momento Afrodite tomava conhecimento por Shion sobre a punição do recém-servo do santuário e estava estarrecido. O ariano apenas tentou serenar os ânimos do pisciano, dizendo-lhe que apenas estava a criar uma oportunidade de aproximação, que assim ficaria mais fácil estar de olho nos passos de Shun e tentar convencê-lo a desistir daquela ideia absurda. O sueco acabou por aceitar sem mais resistências a decisão do grande mestre, pois acreditava na sabedoria e do senso de justiça dele. O guardião da décima segunda casa sabia que o dia seguinte seria longo e mentalmente cansativo para si, as dores em seu corpo não o incomodavam mais do que sentir-se impotente quanto a situação de seu amado. Ele teria que se acostumar a ver o olhar triste de Shun mais uma vez e saber como colocar a estratégia de Shion para funcionar.
- Amanhã será um longo dia – disseram juntos os ex-amantes em casas diferentes em tons diferentes de desânimo, o mais velho pelo desafio e o mais novo pelo sentimento de vergonha, ambos tristes.
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