Lee Hyuna
Acordo com a cabeça latejando, como se alguém estivesse martelando meu crânio por dentro. Abro os olhos devagar, sentindo o peso do choro da noite anterior. Minha garganta ainda está seca, a respiração irregular e os olhos pesados. O quarto tem aquelas cortinas grossas que bloqueiam totalmente a luz, e, por um momento, me pergunto onde estou.
Até encontrar Elenna já acordada, no colchão perto da cama que ela cedeu pra mim. Seu cabelo está desgrenhado, com as mechas loiras despontando pelo preto curto, e ela me observa com aquela paciência típica dela. Ela não diz nada de imediato, só espera. É como se soubesse que, eventualmente, eu vou desmoronar.
— Bom dia. — ela finalmente fala, com uma voz suave.
Eu tento responder, mas sai só um murmúrio confuso. Tudo parece enevoado, como se a noite passada ainda estivesse me assombrando. O que não deixa de ser verdade. Me limito a repetir suas palavras.
— Bom dia.
Lenna me observa, mas sem forçar a barra. Ela sabe que precisa ir devagar comigo. Eu fico em silêncio, deixando a mente vagar até o inferno que foi a noite passada. A traição nua e crua que ele nem se deu o trabalho de esconder, e o meu enorme papel de trouxa.
— Como você tá se sentindo? — Lenna pergunta, me tirando do transe.
Eu suspiro, me afundando mais no travesseiro.
— Como uma idiota. — murmuro. — Como eu pude ser tão burra?
Ela respira fundo e se aproxima, sentando na beirada da cama.
— Yun… você confiou nele. Isso não faz de você burra. Só faz dele um total babaca.
As lágrimas começam a subir, e eu fecho os olhos, tentando manter o controle.
— Eu sempre pensei que o problema era comigo, sabe? Que ele não queria mais estar comigo porque... porque eu não era suficiente, e por isso tentei ao máximo atingir as expectativas que ele tinha sobre mim, mas…
Lenna balança a cabeça.
— Hyuna, não. Olha, bem lá no início, pode até ter rolado algo sincero por parte dele, alguma atração ou coisa assim, mas depois… ele só quis o que você representava. A fama, o status... e, vamos ser sinceras, ele queria te levar pra cama. Quando percebeu que não ia conseguir, partiu pra outra.
Eu engasgo, sentindo a bile subir na garganta. As palavras dela são como uma faca, mas eu sei que são verdade. Sempre soube. Só que nunca quis acreditar. Eu sempre preferi pensar que o problema estava em mim, que eu não era boa o suficiente.
— Eu fui tão cega…
— Não vou mentir e dizer que não. Sabe, eu tentei te fazer cair fora antes que tudo piorasse mas você estava apaixonada. — Lenna hesita, com cuidado, tentando não me fazer sentir culpada. — E quando estamos apaixonadas, prima, sempre achamos que tudo vai se resolver, que vai mudar pra melhor. Mas tem caras que não mudam, e Namjoon é um deles. Essas coisas ninguém te convence, você precisava ver por si mesma em algum momento.
Balanço a cabeça, sentindo as lágrimas escorrerem. Aperto o travesseiro contra meus braços e deixo que meu choro molhe o tecido fino do lençol. Lenna me abraça, apertando meu ombro.
— Você só queria acreditar que ele era diferente, mas agora você viu a verdade e vai superar isso. E alguém que realmente te mereça vai aparecer quando você menos esperar.
Eu dou uma risada curta, sem humor.
— Alguém que me mereça? Acho difícil. Quem vai querer alguém que foi tão idiota assim? Nossa, só de lembrar tudo que eu fiz e pensei em fazer por ele… — aperto os olhos. — Todas as coisas que me submeti por um babaca… — fungo. — O que os meus seguidores vão achar de mim agora? Ou melhor, será que ainda tenho uma reputação ou ela também foi pro ralo?
Ela sorri, me puxando para mais perto.
— Ah, por favor! Você é incrível, por dentro e por fora. No tempo certo, você vai encontrar alguém mil vezes melhor que aquele lá. — Lenna me solta devagar, passando a mão pelos meus cabelos. — E, olha, não se preocupa com redes sociais por enquanto. Tira um tempo pra você. E com isso eu quero dizer se distrair um pouco, gastar sua mesada milionária, sair com sua querida prima…
Levanto a sobrancelha, desconfiada do sorriso malicioso que queria aparecer no seu rosto.
— O que está tramando?
Ela se conserta, dobrando uma perna sobre a outra. Parece animada de repente.
— Nunca saímos juntas, principalmente depois que você começou a namorar. Você precisa conhecer os lugares legais da cidade.
— Quais? — desconfio.
— Se eu te disser, você não vai querer ir. Mas confie em mim, vai ter muita música e muitas pessoas legais. Não é o suficiente?
Faço uma careta.
— Duvido que o seu significado de legal seja igual ao meu, mas… — respiro fundo. — Hoje eu só quero ficar no meu quarto, processando tudo que aconteceu. Talvez outro dia.
— Ok. A oferta vai continuar de pé, de qualquer forma. Pensa nisso depois.
Balanço a cabeça.
— E falando em evento, preciso passar no Café. Pedir desculpas ao Jin e à Moon antes que as últimas semanas de trabalho acabem. Não posso deixar o projeto todo desandar por causa do que aconteceu.
— Faz sentido. — ela concorda. — Eles são muito agradáveis. Loucos, mas agradáveis. E você já tá quase no fim do projeto. Só sugiro uma mãozinha de tinta naquele lugar, sabe, pra ficar mais jovial. Tá com uma pegada meio vampírica.
Penso um pouco. Se o retorno do evento tiver sendo positivo, posso sugerir uma mini reforma para atualizar um pouco o espaço. Não seria de todo ruim e ainda ocuparia a minha cabeça de toda essa catástrofe.
— Tem razão.
— Mas... mudando de assunto, você… vai contar pros seus pais hoje?
Oh, céus. Eu não tinha lembrado disso.
A ideia de enfrentar meus pais me dá pânico. Eles nunca foram exatamente próximos de mim. Na verdade, nunca se importaram muito com o que eu fazia, contanto que eu me comportasse como a filha perfeita. Eles sempre estiveram mais preocupados com meu irmão mais velho. Eu sou só…o acessório bonito. Sempre fui.
Mas ultimamente meu relacionamento com Namjoon estava se tornando algo vantajoso pra eles, quase uma aliança estratégica, e não consigo nem imaginar o que acontecerá quando descobrirem que não existe mais nada. Por isso decido não encarar a reação deles por enquanto.
— Você sabe que isso pode ser perigoso, né? Não contar…
Eu confirmo, cansada demais para argumentar. Ela percebe, e mais uma vez muda de assunto, tocando na única coisa que talvez seja ainda mais complicada do que o término.
— E o seu terapeuta íntimo? Como ficam as consultas agora?
Meu coração para por um segundo. A venda nos olhos, o cheiro de tinta, a voz dele... e o que aconteceu lá dentro. Eu tento afastar as imagens da cabeça, mas elas continuam voltando, insistentes.
— Não pensei nisso ainda. — me limito a dizer.
Lenna me olha por um momento, mas não pressiona. Ela sabe que tem algo acontecendo, mas não pergunta. O que é bom. Só me oferece um café da manhã não tão farto quanto na minha residência, mas tão bom quanto. Tia Day aparece por poucos minutos, atrasada para o trabalho e ainda assim, me oferecendo uma carona, a qual recuso gentilmente.
Preciso de ar. E volto andando para casa, não tão distante de onde passei a noite. Quando chego, os rostos dos meus pais me aguardam na sala. Papai mal olha pra mim, mas minha mãe... ela tá estranhamente atenta hoje.
— Você tem saído muito ultimamente. — ela comenta, como quem não quer nada. — Antes, só saía pra ir ao shopping, pra universidade ou pra sair com Namjoon. Agora, parece que você tem uma agenda cheia.
Engulo em seco, sentindo o nervosismo subir.
— Estou ocupada com um projeto da faculdade. — respondo secamente, a desculpa pronta. Não quero conversar. Não quero dar explicações. Só quero me esconder no meu quarto.
— Hum… — ela murmura, desconfiada. — E como vão vocês dois?
Esse é o ponto que me desmonta. Minhas mãos começam a tremer, mas eu forço um sorriso.
— Estamos ótimos. — outra mentira. E antes que ela possa dizer mais alguma coisa, corto a conversa. — Na verdade, eu estou com um pouco de dor de garganta. Vou ficar no quarto hoje.
Ela me olha de canto, claramente não convencida, mas me deixa subir. Fecho a porta do quarto atrás de mim e finalmente respiro. Meu quarto é o único lugar onde sinto que posso ser eu mesma. Deito na cama e pego o celular. As notificações das minhas redes sociais explodem na tela, milhares de comentários sobre o término com Namjoon. A fofoca já se espalhou. Todo mundo sabe. Mas eu não posso deixar isso subir a minha cabeça.
Desligo o celular e me cubro com o edredom, tentando bloquear tudo. Não quero ir pra faculdade. Não quero ver Yoomin. Não quero ver Namjoon.
E ali, eu fico. O dia todo, vagando em pensamentos que só me destroem mais e mais. Tento fugir disso, pensando nas responsabilidades que ainda me cabem, a exemplo do projeto. Devo confessar, professor Han, que não foi de todo ruim. No início foi, com certeza, a pior experiência da minha vida.
Só de lembrar a sensação que tive ao chegar naquele bairro pela primeira vez, meus pelos se arrepiam. Depois, o balde de água fria foi caindo aos poucos. Infelizmente nem todos vivem na minha realidade privilegiada, mas nem por isso vivem mal, ou tristes. Pelo contrário. Nunca vi pessoas tão alegres servindo pedaços de tortas como aqueles dois primos. Eu os achava estranhos por isso. Como alguém poderia gostar de passar o dia inteiro numa cozinha?
Nunca conversamos sobre nossas vidas pessoais tão profundamente. O que eles sabem de mim, é o que mostro. E vice-versa.
Talvez por isso eu tenha ficado tão afetada por estragar o festival daquela forma. Em teoria, a minha única tarefa era fazer aquele lugar lucrar, e isso aconteceu, mas não bastou. Até eu me surpreendo ao lembrar do quão feliz eles estavam ao ver o Café cheio de clientes depois de tanto tempo, provando e se deliciando dos doces feitos por eles mesmos.
Isso me fez pensar que… nem sempre o dinheiro é o bem mais valioso. E chega a ser engraçado, não? Eu, Lee Hyuna, falando coisas desse tipo. A pessoa que compra 20 peças de roupa a cada ida semanal no shopping, somente para se satisfazer e elevar o ego que se baseia nas aparências e na opinião alheia. E o pior é que eu gosto de sustentar essa visão.
De repente, me pego fazendo muitas autocríticas. Num pulo, me ponho de pé, decidida a ocupar minha cabeça com outra coisa, ou acabarei me depreciando ainda mais. Tomo um banho com espumas de lavanda que me fazem relaxar completamente e então, sigo para o Café, enfrentando meu maior pesadelo mais uma vez, que é dirigir, somente para evitar os questionamentos do meu pai à essa hora da noite.
Estaciono meu lindo carro sem muita pressão dessa vez. Sem olhares julgadores e intimidadores, consigo fazer mágica. E saio de dentro dele como se estivesse desfilando, pois é isso que eu mais sei fazer. Manter as aparências. Agora, o lugar está cheio de gente, o que, em outras circunstâncias, me traria uma certa tranquilidade. Afinal, o movimento é um bom sinal para o café e também para o sucesso do projeto que estou conduzindo. Mas, hoje, eu estou aqui para resolver uma pendência que deixei para trás depois do caos da noite passada.
Passo pela porta de vidro, e o aroma doce de bolos recém-saídos do forno me atinge. As mesas estão quase todas ocupadas, e Jin e Moon estão correndo de um lado para o outro, atendendo clientes e mantendo o lugar organizado. Sinto uma leve pontada de culpa ao lembrar como saí no meio do festival ontem, no momento do término com Namjoon.
Moon é a primeira a me ver. Ela me acena com um sorriso leve e um pouco cansado, enquanto coloca um prato de biscoitos numa mesa próxima. Jin aparece logo atrás, equilibrando uma bandeja com xícaras de café e fatias de bolo, mas me lança um olhar cúmplice.
— Oi. Queria pedir desculpas pelo que aconteceu ontem. — começo, encarando Moon. — As coisas saíram do controle, sei que deixei vocês na mão no meio do evento, e…
Moon sorri, compreensiva, e balança a cabeça.
— Está tudo bem, Hyuna. A gente entende.
Jin se aproxima, colocando a bandeja na mesa ao lado.
— Você fez um ótimo trabalho até aqui, Hyuna. Não se preocupe com ontem. Nós conseguimos dar conta.
Sinto um peso sair dos meus ombros. Eu realmente esperava uma bronca, mas eles são mais gentis do que eu imaginava.
— Obrigada. — sorrio fechado. — Sério, eu prometo que vou compensar essa semana de projeto. E, falando nisso, eu já queria adiantar alguns relatórios. Também acho que seria uma boa fazer umas pequenas reformas no café, algo que ajude a deixar o ambiente mais agradável para a quantidade maior de clientes que estão chegando.
— Ótima ideia. Podemos falar sobre isso quando o movimento diminuir um pouco?
— É claro.
Com muitas ideias em mente, sigo para uma das mesas do fundo e começo a organizar os relatórios financeiros do festival e do café da tarde. Os números são bons, o que me deixa aliviada. Pelo menos nesse aspecto, as coisas estão dando certo. Eu faço algumas análises das redes sociais e vejo que o engajamento está alto, graças aos eventos que estamos promovendo. Uma parte de mim quer compartilhar esses bons resultados nas minhas próprias redes, mas hesito. Desde o término com Namjoon, tenho evitado aparecer online. O medo das reações e dos comentários maldosos me paralisa.
Enquanto estou absorta nesses pensamentos, aquele-que-não-deve-ser-nomeado chega no Café. Sua presença é o suficiente para atrair olhares – especialmente os das senhoras sentadas perto da entrada, que rapidamente comentam algo entre risos, elogiando a aparência dele. Eu bufo, escondendo meu rosto entre os braços.
Ah, não. O que esse marginal quer aqui novamente?
Ele se senta em uma mesa na calçada, pegando o cardápio com uma mão. De onde estou, observo- e reparo nos dois piercings ao redor da boca dele refletindo a luz, e as tatuagens no braço que escorrem para fora da t-shirt oversized preta.
Vejo que Jin e Moon se concentram correndo pra lá e pra cá na cozinha, enquanto eu não faço nada além de digitar algumas coisas. Decido fazer o sacrifício de atendê-lo e me ponho de pé, me convencendo de que sou capaz. Ele não é doido de fazer nada comigo. Com passos cuidadosos, caminho até a mesa dele. Quando estou a poucos metros de distância, vejo que o dito cujo levanta os olhos do cardápio e me encara por um breve momento. Seu olhar se estreita, mas ainda é tão intenso que não consigo sustentar o contato visual por tanto tempo.
— Oi, posso anotar seu pedido? — começo a dizer, tentando parecer casual e nada afetada pelo ângulo que, olhando de cima, lhe deixa ainda mais intimidante.
Jungkook hesita por um segundo, mas limpa a garganta para poder responder. Tão rápido quanto um piscar de olhos, Jin surge ao meu lado, interrompendo o momento.
— Ah, eu cuido desse pedido, Hyuna. Pode voltar para os relatórios.
Fito os dois, mas aceito o gesto, sentindo um misto de confusão e alívio.
— Tudo bem.
Volto para o lugar que eu me encontrava anteriormente, mas observo disfarçadamente enquanto Jin e Jungkook conversam na calçada. Eles estão longe demais para que eu consiga ouvir o que estão dizendo, mas o jeito como Jungkook está relaxado, falando com Jin, me incomoda de um jeito que não consigo explicar. Ele com certeza se acha. Tento me concentrar nos relatórios à minha frente, mas meus olhos insistem em voltar para a cena do lado de fora.
Jungkook parece apontar para alguma coisa no cardápio, e Jin acena com a cabeça, prestando atenção. Eles trocam algumas palavras, e Jin anota algo no seu caderninho. Quando Jin finalmente retorna e Jungkook atravessa a rua, caminhando com aqueles ombros largos de volta pro seu lugar de trabalho, o movimento do café já está começando a diminuir.
O mais velho se aproxima de mim com um ar de urgência.
— Hyuna, preciso da sua ajuda. — Jin diz, folheando a agenda. — Jungkook acabou de fazer um pedido especial. Ele quer uma torta grande de morango, 20 salgados e 20 bolinhos de chuva para daqui dois dias. Parece que terá uma festa surpresa para uma das idosas do lar.
Eu olho para ele, incrédula, perdendo a minha compostura por um instante.
— O que? Dois dias? Mas e as reformas que precisamos discutir? Tem tanta coisa que precisamos resolver antes do fim da semana! Isso pode esperar, não pode?
Jin me olha com uma expressão neutra, mas firme.
— Hyuna, os clientes vêm em primeiro lugar. A gente conversa sobre as reformas depois. Prometo.
— Mas depois vai ser tarde demais… — protesto, tentando conter a frustração crescente. Por que esse... esse... brutamontes insiste em aparecer para me atrapalhar? — Precisamos resolver isso, eu só estou tentando ajudar vocês.
— Eu sei. — Jin diz, sempre calmo, mas já virando as costas para voltar ao balcão. — E iremos resolver, só não agora.
Moon, que estava organizando algumas coisas, assente sem me olhar, como se já estivesse concordando com o primo.
— Vai dar tudo certo, Hyuna. Depois a gente conversa.
Eu me sinto pequena. Minha energia, que já estava baixa, se esvai completamente.
— Tá bom. — murmuro, me dando por vencida. — Eu… já terminei o que tinha que fazer. Já vou indo, então.
Saio do café sentindo como se todo o peso do mundo estivesse sobre mim. Entro no carro e ligo o motor, mas em vez de ir direto para casa, meus pensamentos voam para uma pessoa. Uma pessoa que não vejo com frequência, mas que sempre está lá pra mim quando preciso de conselhos mais experientes e maduros, como verdadeiros abraços quentes numa noite gelada. Wonjae.
Depois de errar algumas entradas, levar buzinadas e ficar presa rodando em círculos nas rotatórias por mais tempo do que eu deveria, chego ao apartamento chique do meu irmão. Quando toco a campainha e Jae abre a porta, meus olhos vão diretamente para atrás de si.
Caixas empilhadas por todos os lados, coisas sendo empacotadas, uma bagunça sem igual.
Meu sorriso que já era murcho, se esvai completamente.
— Jae? — pergunto, confusa. — O que está acontecendo aqui?
Ele sorri de lado, com aquele olhar que sempre me faz sentir uma certa admiração. Sinto que parece que ele vive em um mundo de perfeição e respeito que eu nunca conseguirei alcançar. Às vezes, eu o vejo como alguém distante demais, inalcançável demais, mas agora, tudo que quero é desabafar.
— É uma longa história. — ele responde, puxando uma caixa para o canto, me dando passagem até o sofá. — Mas me conta, a que devo a surpresa uma hora dessas da noite?
Respiro fundo, entrelaçando as mãos sob o colo. Jae se senta ao meu lado, me encarando atentamente.
— Namjoon me traiu. — engulo em seco. — E nós terminamos.
— Sinto muito. — ele afaga meus cabelos. Jae nunca foi do tipo explosivo. — Ele com certeza não sabe o que está perdendo, e quando se der conta, vai ser tarde demais.
— De verdade, isso tudo está me afetando mais do que eu imaginei. — lhe encaro. — Você me acha trouxa?
Jae solta uma risada fraca pela pergunta inesperada.
— Claro que não. O trouxa é ele.
— Não sei. Ainda estou com medo, Jae. Medo de ficar sozinha. Medo de perder tudo que ainda me resta… minha futura carreira, minha reputação, meus seguidores…
Ele respira fundo, olhando para mim com paciência.
— Yun, você está buscando apoio em números. Seguidores, likes, isso tudo não vale de nada no fim do dia. É apenas superficial.
— Mas são tudo que eu tenho. — sinto a dor na minha voz. — Eu quase não tenho ninguém verdadeiramente real ao meu redor e agora parece que até mesmo os irreais estão se distanciando.
— As pessoas que realmente importam não vão te deixar por causa de boatos, fofocas e um término. Você precisa focar em quem está ao seu lado de verdade, e em você.
Eu fico em silêncio. Porque, no fundo, eu sei que ele está certo. Mas é difícil admitir. Minha vida tem sido construída em torno de aparências, números, imagens perfeitas para as redes sociais. Agora que tudo parece estar desmoronando, eu sinto que não tenho nada.
— Não contei nada pros nossos pais ainda. — confesso, olhando para as minhas mãos. — Eles vão me matar quando souberem. Você viu no aniversário de Namjoon, eles queriam mesmo levar adiante essa história das famílias.
— Sim. Eles colocaram essa expectativa em você.
— Como se eu servisse só pra isso… — penso alto, mas já mudo de assunto, para não deixar o clima da conversa pesar mais ainda. — Mas então, o que aconteceu por aqui? Por que todas essas caixas?
Ele suspira, finalmente deixando escapar a resposta que parece pesar em seus ombros.
— Eu estou me mudando para o Japão. Vou abrir uma nova filial do La Vie em Tóquio.
As palavras dele me atingem como um golpe.
— O quê? Você está indo embora?
— Pelo menos temporariamente. Vou alugar o apartamento a um amigo, enquanto isso, e quando tudo estiver encaminhado com o novo restaurante, eu volto.
— Por que você não me contou antes? — pergunto, minha voz querendo embargar. Sou péssima com despedidas. — Você é uma das únicas pessoas que eu tenho, Jae.
Ele me puxa para um abraço apertado, e, apesar de todo o meu desespero, sinto um pouco de conforto em seus braços.
— Eu sempre vou estar aqui pra você, mimada. Mesmo de longe.
Mas as lágrimas não param. Tudo parece estar desmoronando, e eu não sei como segurar os pedaços. Ainda com os olhos úmidos, olho ao redor e tento processar a mudança iminente.
— O que os nossos pais acharam disso? Da sua ida para o Japão?
— Na verdade... ainda não contei para eles. Mas imagino que será bem aceito.
Dou uma risada amarga. É claro que vai. A tensão se instala por um momento, e ele fica sem graça, mexendo no celular, sem saber o que dizer.
— Tá tudo bem. Eu já me acostumei. — respiro fundo, tentando soar mais forte do que me sinto. — Vou dar um jeito de reestruturar minha vida e focar no que realmente importa.
Ele acena, mostrando um pouco de alívio.
— Talvez você pudesse voltar a fazer seus tutoriais. Gravar vídeos de novo, fazer publicidade de marcas de beleza... você sempre gostou de fazer isso. E era algo que te distraía, lembra?
Penso por um momento, mordendo o lábio. A ideia não é de todo ruim, mas parece tão distante da pessoa quebrada que sou agora.
— Vou pensar nisso.
Jae sorri, aquele sorriso reconfortante que sempre teve.
— Você precisa de mais do que isso, Hyuna. Voltar para as aulas, sair um pouco mais. Parar de se esconder. Eventualmente, você vai ter que encarar tudo isso. E se o Namjoon fizer qualquer coisa, você me liga na hora.
A noite passa rápido, em um clima de despedida. Após um bom chocolate quente e um abraço apertado no meu irmão, volto pra casa, dirigindo rápido por entre as ruas escuras da madrugada. Não há uma luz acesa naquela mansão. Nenhum sinal dos meus pais. Apenas sigo pro meu quarto e apago. No dia seguinte, acordo cedo, me visto e, pela primeira vez em dias, sinto alguma motivação para voltar à vida normal. Quando entro na sala de aula, alguns olhares se voltam para mim, mas eu ignoro. Respiro fundo e me sento na minha cadeira habitual. O professor entra logo em seguida, e pela primeira vez em muito tempo, tento focar no conteúdo da aula, e não nas vozes inquietas da minha mente.
Conforme a aula avança, algumas boas lembranças surgem na minha mente. Lembro de quando comecei a estudar isso, de como sempre me vi nesse mundo, criando campanhas, ideias inovadoras... Isso me faz perceber que nem tudo está perdido. Ainda tenho meus sonhos, minha carreira. Namjoon pode ter me machucado, mas ele não vai ser o motivo para eu desistir de tudo.
No fim do dia, caminho pelos corredores tentando sempre manter a cabeça baixa, o capuz puxado sobre o rosto. Pela primeira vez na minha vida, faço um esforço consciente para não chamar atenção. O que é estranho, considerando que sempre fui o tipo de pessoa que vive para os olhares, os flashes e as curtidas. Hoje, tudo que eu quero é desaparecer, passar despercebida.
Ponho o cabelo no rosto, tentando não fazer contato visual com ninguém. Yoomin não está aqui hoje, ainda bem. Só de pensar em vê-la, sinto o estômago revirar. Eu me seguraria, é claro, porque ela não é a verdadeira culpada. Namjoon é. Mas isso não faz a traição doer menos.
Meu celular vibra no bolso e eu o pego, aliviada por uma distração. É uma mensagem de Elenna, me convidando pra sair à noite e relaxar. Olho para a tela por um momento, ponderando.
Relaxar... parece uma ideia quase absurda nesse momento da minha vida. Mas talvez seja justamente do que eu preciso.
Respondo com um "Ok" e imediatamente temo aonde estou me metendo.
(...)
O pub que viemos é um lugar diferente do que eu imaginava. Num andar alto, meio escuro, mas com uma decoração interessante, nada insalubre ou sujo como eu temia. Pelo contrário, o ambiente é acolhedor, as luzes são suaves, e há uma música tranquila no fundo – voz e violão, de algum músico local. Não é o meu tipo de lugar habitual, mas não é tão ruim.
A maioria das pessoas tem nossa idade, e Elenna, claro, está super animada, já puxando conversas com quem passa por perto, já que ela conhece todo mundo. Eu, por outro lado, ainda me sinto deslocada, como se não pertencesse a esse tipo de ambiente. Não ajudo muito meu próprio caso quando vou até o bar e peço uma bebida. A primeira, apenas para me acalmar. Lenna se junta a mim e tiramos uma foto dos drinks. O líquido desce, quente, e aos poucos minha cabeça começa a se acalmar também. As vozes ao meu redor se tornam mais distantes, como se o caos da minha mente estivesse finalmente dando um descanso.
Por um momento, respiro fundo e penso que talvez eu consiga, de fato, relaxar. Mas quando me dou conta, Elenna já sumiu novamente no meio das pessoas. Olho ao redor, sem saber o que fazer. Peço mais um drink, então. Fico sozinha no balcão, girando o copo ainda meio deslocada, observando a movimentação.
Noto quando o músico termina sua última música, desce do palco e é aí que eu percebo que ele é uma figura familiar demais.
Min Yoongi.
Nos reencontramos na festa de aniversário de Namjoon, onde ele estava trabalhando como barman, um daqueles bicos que fazia depois que os pais o expulsaram de casa. Agora, ele parece mais confiante, mais à vontade. Nossos olhares se cruzam, e ele sorri, surpreso, deixando o violão preto de lado para andar até o bar, na minha direção.
— Não acredito no que estou vendo.
— Nem comece. — dou risada. Ele sempre dá um jeito de implicar com algo que eu faço, o que quase sempre me faz rir. Nas outras vezes, me irrita. — Eu é que estou surpresa. Mais um bico?
— Desse eu gosto mais. — ele se apoia no balcão ao meu lado e pede uma cerveja. — Mas você por aqui? Não achei que esse fosse seu tipo de lugar.
Dou de ombros.
— Não é mesmo. — termino meu drink. — Minha prima me arrastou.
— Grande guerreira. Conseguiu tirar o dragão da caverna.
— Você não disse isso. — o fito incrédula, o que só lhe faz rir.
— Estou apenas tentando descontrair, ok? Percebi o quão deslocada você estava e vim tirar um pouco de sarro. É o que eu sei fazer de melhor, lembra?
Há uma velha implicância entre nós, algo confortável que me lembra o primeiro ano da faculdade, onde nenhum de nós tinha ninguém. Yoongi foi o meu único amigo por um tempo, e depois nos afastamos como dois desconhecidos. Pelo menos ele está feliz no caminho que decidiu trilhar. Está feliz mesmo vivendo de bicos.
Ainda é difícil pra mim entender como as pessoas se contentam com tão pouco.
— Terminei com Namjoon, aliás. Você já deve ter visto por aí. — decido quebrar o gelo.
Yoongi levanta as sobrancelhas, mas não faz mais perguntas. Ele sabe, assim como eu, que não vale a pena prolongar o assunto.
— Não sabia. — ele crispa os lábios, e fica em silêncio por um tempo. — Sinto muito. Quer um gole?
Ele pergunta com um sorriso despretensioso, talvez esperando que eu recusasse sua cerveja. Mas hoje, nada é tão previsível. Estendo a mão e aceito. Quando o líquido amargo desce, vejo seu olhar surpreso. Nós dois estamos um pouco surpresos, na verdade.
— Era um gole, e não a garrafa inteira.
Damos risada, sentindo o ambiente pesar menos. Às vezes, tudo que eu preciso é disso. Pessoas de verdade.
— Bom show, a propósito. — falo, tentando soar mais descontraída.
— Obrigado. — ele responde com uma falsa modéstia que me faz revirar os olhos. — Ainda vou tocar mais tarde. Se quiser ficar pra me dar uma gorjeta, eu aceito de bom grado.
De repente, Elenna reaparece, saltitante, com um brilho nos olhos.
— Hyuna! Vem dançar comigo!
Eu hesito por um segundo, mas antes que possa recusar, ela já está me puxando pela mão. Dou uma última olhada para Yoongi, que apenas levanta sua cerveja como quem diz “boa sorte”, e me deixo levar pela música animada que ecoa pelos alto-falantes.
A pista de dança está cheia, e Elenna parece estar no seu auge, dançando sem nenhuma preocupação no mundo. Eu, por outro lado, estou tentando me soltar, mas ainda sinto aquele peso nas costas. A bebida me ajuda um pouco a relaxar, e aos poucos começo a me permitir rir e acompanhar os passos da mais nova, que realmente parece muito mais acostumada com tudo isso do que eu.
Depois de um tempo, dois caras se aproximam de nós, claramente interessados. Eles puxam conversa, tentando ser charmosos, e antes que eu perceba, estou dançando com um deles. Minha visão já é meio turva, mas noto que o rapaz é forte, alto e com tatuagens no braço, algo que não me incomoda, mas faz minha mente começar a vagar. E vagar demais, pra bem mais longe do que eu realmente gostaria.
Não.
Não acredito que isso me fez lembrar...
Não é possível que estou lembrando daquele criminoso.
O calor sobe até meu rosto, e começo a suar. O cara à minha frente não percebe nada, continua se aproximando, mas minha cabeça já está a mil. Ele tenta se inclinar para me beijar, mas a visão de Jungkook me atinge com tanta força que dou um passo para trás, assustada. É literalmente como um fantasma.
Um fantasma inapropriado que insiste em me assombrar sem motivo algum.
— Desculpa. — minha fala sai um pouco embolada, mas não espero que ele entenda e apenas saio, tropeçando nos meus saltos para algum lugar mais afastado.
Ainda meio ofegante e zonza pela bebida, me encosto numa parede, pego meu celular e, sem pensar duas vezes, abro a conversa com o único que pode me ajudar nesse momento. E eu nem sei como ele fará isso. Digito várias mensagens e envio. Depois, percebo que nenhuma delas transmitiu o que eu realmente queria dizer e, sem paciência para escrever tudo de novo, resolvo ligar.
A linha toca, demora, mas como o bom profissional e terapeuta íntimo que ele é, atende.
No entanto, não dou tempo para que ele fale e solto com urgência:
— Tem algo de errado comigo.
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