Lee Hyuna
Inacreditável.
Se um dia alguém me dissesse que a minha vida daria voltas de 360 graus sem parar e que eu bateria o recorde de 0 dias de paz como está sendo ultimamente, eu daria risada e falaria que não sei o que é sofrer estando no topo.
Bom, de fato, não sei mais como é essa sensação, somente a de estar no fundo do poço. Não quero voltar ao lar, não quero encarar Jungkook ou qualquer outro resquício do dia anterior. Só quero sumir. Mas não tenho escolha — minha bolsa está lá, e com ela, todas as coisas que me dão controle sobre a minha vida: documentos, a chave do carro, até meu batom favorito. Meu precioso Dior Rouge Forever 999.
Fecho a conversa, sem lhe dizer mais nada. Puxo o capuz para cobrir mais o meu rosto e caminho até o estacionamento, onde meu motorista me aguarda. Mas quando chego à escada que dá acesso ao pátio, vejo de longe algo que me faz parar no meio do degrau. Uma pequena multidão ao redor do carro. Reconheço alguns rostos, alunos fofoqueiros do jornalzinho da universidade. Eles têm celulares nas mãos e estão inquietos, como predadores à espera da presa.
Meu coração dispara. Eles sabem do vídeo, sabem da fofoca, sabem de tudo. Como vou passar despercebida por eles? Será que Lenna estava certa e eles irão me cercar? Vão me interrogar? Fico paranoica, mas é difícil não ficar. E nesse momento, uma garota ao longe me vê e aponta na minha direção. Como num efeito dominó, os outros também me notam. Começam a vir na minha direção, primeiro andando rápido, depois correndo, enquanto gritam meu nome, lançando perguntas de longe.
— Hyuna! Hyuna, é verdade que…
Ele nem termina a frase antes de outro começar.
— O que você tem a dizer sobre as fotos?
— E sobre o vídeo? Namjoon já falou algo?
— Você vai voltar com ele?
Eu congelo por um momento, com os olhos arregalados e a boca aberta. A única reação que consigo ter é virar e correr na direção oposta. Corro sem olhar para trás, empurrando as pessoas pelo caminho tentando escapar daquele show de horror. Sinto os passos e as vozes atrás de mim, os gritos soando como sirenes de emergência. Posso jurar que estou tendo uma taquicardia. Suo frio e até mesmo a minha visão fica borrada pelas lágrimas que se acumulam.
Ao me aproximar do fim do corredor, me desespero um pouco mais. Não há escapatória, eu penso, até que uma porta se abre à minha esquerda.
— Hyuna?
É Yoongi, que até então fazia menção de sair pela porta, mas volta atrás ao me ver. Daí em diante, tudo acontece meio rápido. Ele percebe o barulho, a movimentação, e, lógico, a minha cara de desespero, e antes mesmo que eu diga algo, sou puxada pelo braço para dentro da sala.
Encosto na primeira parede que encontro e deslizo minhas costas lentamente até ir de encontro ao chão. Ofegante, meu peito sobe e desce em desespero, cada respiração mais difícil que a anterior. Escuto Yoongi trancar a porta e a barulheira diminui, mas minhas mãos ainda tremem, meu corpo ainda está quente, suando frio, e as lágrimas finalmente escapam, caindo sem controle.
Escondo o rosto entre os joelhos. Por que estou vivendo isso?
Yoongi não faz muitas perguntas, o que agradeço em silêncio. Ele só se abaixa na minha frente, na altura dos meus olhos.
— Ei… — sussurra, fazendo com que eu erga o rosto para lhe fitar. — Inspira fundo. Vamos lá. Um... dois... três... e solta. Isso, de novo.
Ele repete a contagem várias vezes, tentando me fazer estabilizar a minha respiração irregular. Depois, quando se certifica que estou num ritmo melhor, se afasta para pegar um copo d’água no bebedouro. Só aí consigo parar para observar que estamos na sala de música e o quão grande ela é.
Aceito a água, bebo um gole pequeno, ainda tremendo, e fecho os olhos por um momento.
— Obrigada.
Yoongi se senta no chão ao meu lado, encostado na parede, e espera longos minutos até falar novamente.
— Você quer me dizer o que aconteceu? — ele pergunta, cuidadosamente. — Não precisa, se não quiser, mas... se eu puder ajudar…
Não sei por onde começar. Não sei se quero falar. Mas há algo na calma dele, na forma como ele não pressiona, que me faz ceder.
— Estão me perseguindo. — digo, a voz falhando. — Perguntando sobre Namjoon, sobre o nosso término, sobre tudo que não diz respeito a eles. E eu não aguento mais.
Vejo quando ele balança a cabeça, fitando o chão.
— Deve estar sendo um porre.
— Namjoon é quem trai e sou eu que pago o preço. — dói dizer. — Tudo que eu queria era ir pra casa. Sumir. Fingir que não existo.
Bebo mais um pouco de água enquanto Yoongi me observa, parecendo considerar algo.
— Quer uma carona?
— O quê? — me surpreendo.
— Você não vai voltar pro estacionamento sozinha. Eu tô com meu carro na rua de trás e posso te levar até sua casa.
— Você faria isso? — ainda estou surpresa pela oferta.
— Claro. Eu não sou um pé no saco o tempo todo. — ele responde, já se pondo de pé pra pegar sua mochila. — E você não tem que lidar com isso sozinha. Vamos?
Ele estende a mão para me ajudar a levantar, e eu aceito de bom grado. Não tenho capacidade alguma de sair daqui sozinha e acabar enfrentando aquilo novamente.
Yoongi se certifica que não há mais nenhum fofoqueiro no corredor antes de sairmos, e me guia até seu carro, que está estacionado perto da saída dos fundos da universidade, próximo ao ginásio de esportes. É um carro preto, SUV, bem a cara dele. Pelo menos seus pais não tomaram o carro quando o expulsaram de casa.
— Não é como a sua carruagem rosa conversível, mas fique à vontade.
Eu reviro os olhos, mas entro. Ele entra logo em seguida, jogando a mochila no banco de trás. Antes mesmo de dar a partida, ele me lança um olhar avaliador.
— Então... é por causa da perseguição que você decidiu virar uma mendiga estilosa, ou é uma nova fase de vida? — Yoongi aponta para meu moletom oversized, que realmente parece três tamanhos maior do que eu, e para meu capuz ainda puxado sobre a cabeça.
— Você é realmente um pé no saco. — rio fraco. — É confortável e… geralmente ajuda nas camuflagens. Hoje foi uma exceção, infelizmente.
Acabo relembrando tudo e o clima fica meio tenso novamente. Ele percebe, e liga a rádio enquanto dirige pelas ruas.
— Pode colocar o endereço no gps?
— Ah, na verdade… — hesito um pouco. — Será que podemos mudar o caminho? Eu preciso buscar umas coisas em um lugar.
Yoongi lança um olhar desconfiado na minha direção.
— Tem certeza disso?
— Sim. Eu te explico melhor quando chegarmos.
Ele não pergunta mais nada de imediato, mas consigo ver a curiosidade no rosto dele ao mudar a rota. Mas quando chegamos ao bairro, ele franze o cenho.
— Esse lugar é... interessante. — ele comenta, olhando ao redor antes de estacionar perto do Café. — Mas não parece muito seguro. Quer mesmo parar aqui?
— Eu vou ficar bem, Yoongi. Só preciso pegar umas coisas naquele…hm, lar de idosos.
— Espera. Você num lar de idosos? — seus olhos diminuem quando ele une as sobrancelhas em confusão. — O que tá rolando contigo? E aquele ali não é o seu carro?
Avisto meu Porshe estacionado no mesmo lugar em que deixei e suspiro aliviada. Bom, pelo menos roubado não foi. Só espero que esteja com os 4 pneus e sem nenhum arranhão, porque irei pra casa com ele.
— Eu sei, é uma longa história. — engulo em seco. — Mas tenho mesmo que ir.
Ele me observa.
— Eu vou com você até lá.
Não consigo dizer não, porque ele já está saindo pela porta do motorista. Yoongi além de pé no saco, é com certeza muito desconfiado. Estou descobrindo isso agora, da pior maneira, mas sei que ele não faz por mal.
— Ei, é sério, não precisa. — tento alcançar seus passos, que já rumam o portãozinho do lar sem cerimônias. — Min Yoongi!
A última coisa que eu quero é colocar Yoongi no meio da minha situação com Jungkook. Por isso, tento ao máximo fazê-lo parar ali mesmo onde está, correndo para me colocar na sua frente.
— Me escuta. — ergo as duas palmas das mãos. — Vamos fazer assim. Eu vou sozinha, pego minhas coisas e volto. Enquanto isso você me espera aqui fora, e depois eu te conto tudo. Pode ser?
Vejo seus olhos piscarem algumas vezes.
— Tudo bem.
Solto o ar em alívio. Depois, abro o portãozinho do lar enquanto vejo-o pondo as mãos no bolso, parado ao lado do muro. Nesse momento, faço uma anotação mental de lembrar de agradecê-lo depois. Nos encontramos mais vezes ultimamente e apesar dos pesares, gosto da companhia dele.
Mas então, sou retirada dos meus pensamentos quando toco a campainha da casa e me deparo logo de cara com Jungkook abrindo a porta.
De preto da cabeça aos pés, me encarando como se eu fosse uma alienígena.
— Entra.
Não olho na cara dele por muito tempo. Me dá calafrios. Apenas faço o que ele diz. Alguns idosos estão na sala assistindo TV, ou melhor, cochilando enquanto algum casal de novela se beija na chuva, então, sem fazer muito barulho, sigo Jungkook até sei lá onde, tremendo a cada passo.
E que dèja vú terrível. Consigo lembrar até do barulho das goteiras naquele galpão duvidoso, e da sua voz próxima demais soprando contra meu ouvido. Balanço a cabeça para afastar essa maldita lembrança e foco no que interessa: minha bolsa e meus pertences.
Jungkook abre a porta de um cômodo próximo ao jardim, faz menção de entrar e eu hesito. É meio escuro, só tem uma cama, uma cadeira e um armário.
— O que foi agora? — ele cruza os braços ao perceber que não o segui.
— Não vou ficar aí dentro com você.
— Tem medo de mim?
Sim.
— Não. — viro o rosto, tentando mascarar o nó em minha garganta. — Só quero logo as minhas coisas. É pedir muito?
Vejo-o soltar um riso pelo nariz. E depois, se encosta no batente da porta ainda aberta.
— É. Até porque não vai ser assim tão fácil.
— Nada é fácil com você. — retruco, imitando sua postura de braços cruzados. Ele fica em silêncio, me estudando como a droga de um livro. Suspiro audivelmente. — Jungkook, eu não tenho o dia todo. Ande logo com is…
— Você costumava ser bastante agradecida pelo meu trabalho. — sua voz me corta. Consigo ver exatamente o momento em que ele passa a língua entre os lábios e mexe naquelas argolinhas irritantes ao redor da sua boca. — Algo mudou?
Urgh.
— Você me enganou.
— Discordo. Eu descobri que se tratava de você recentemente. — dá de ombros, totalmente inexpressivo. — E não fui eu o primeiro a quebrar as regras, mas você é tolinha demais para se dar conta disso.
Me irrito.
Ele me chamou de tolinha?
— Quer saber, eu não vim aqui pra isso. Não tenho mais nada pra conversar com você. Me dá a minha bolsa.
Vejo-o desencostar da porta, apanhando algo dentro daquele cubículo que jamais ousarei entrar. Quando volta, tem a minha Gucci nas mãos. Sinto vontade de chorar ao vê-la sob a posse de alguém como ele.
— Sabe, não é como se eu me importasse, mas até cogitei devolver o seu dinheiro… — ele murmura baixo, enquanto passeia os olhos avaliando a minha bolsa. — Bom, agora vejo que não vai fazer falta. Gente mimada tem que aprender com as rasteiras da vida, não é?
— Não quero nada de você além de distância. — cuspo as palavras.
Ele arqueia uma sobrancelha em ironia, e fica em silêncio por alguns segundos, mas seu olhar nunca vacila. E nem o meu. Finalmente, ele me empurra a bolsa. Pego-a rapidamente, sentindo a tensão no ar crescer com cada segundo que passamos juntos.
— Espero que você consiga o que quer. — ele diz, curto, antes de se virar e sair pela porta lateral do saguão, como se a conversa nunca tivesse acontecido.
Eu rumo em direção à rua, marchando irritada até o portão, onde Yoongi me espera. Seu olhar me analisa milimetricamente.
— Demorou, hein?
— Desculpe. — forço um sorriso amarelo. — Agora que voltei, podemos tomar um suco ali no Café, o que acha?
— Tudo bem. — ele ameaça me acompanhar, mas para para observar algo. — Ei. Aquele cara ali… ele não me é estranho…
Sigo seu olhar e, claro, ele está falando de Jungkook, que também nos observa de relance, por trás da cortina. O que é meio bizarro, ao meu ver. Minha respiração trava por um segundo, mas finjo indiferença.
— Você deve estar confundindo. — digo rapidamente. — É só um dos funcionários.
Lhe puxo pela mão para atravessarmos a rua e tirá-lo da mira de Jungkook.
Já deu por hoje.
Ao chegarmos no café, Jin e Moon estão organizando as mesas, prontos para o início do turno. Quando me veem entrar, suas expressões se iluminam, mas logo percebem a presença de Yoongi atrás de mim.
— Quem é ele? — Jin pergunta, curioso, enquanto Moon cruza os braços, lançando um olhar de avaliação para Yoongi.
— Esse é o Yoongi. — digo, apresentando-o brevemente. — Um amigo da faculdade.
Ele acena casualmente e sorri fechado, como se estivesse acostumado a ser analisado. Depois, pedimos uma jarra de suco de laranja e nos acomodamos numa das mesas. Minha missão de hoje foi explicar o máximo possível dos acontecimentos recentes da minha vida ao Yoongi curioso à minha frente. Claro, tirei o marginal do assunto e tentei não parecer tão afetada por tudo isso, mas…
— É por isso que você anda com essas crateras abaixo dos olhos. — ele diz, sério, e eu engasgo com o suco. Tudo bem, eu não durmo bem faz dias e nem mesmo meu melhor corretivo consegue cobrir essas olheiras, mas… ele é um amigo ou inimigo? — Estou brincando. Você está fazendo um bom trabalho, Hyuna. Nunca imaginei vê-la empenhada em algo tão… — seus olhos passeiam pelo interior do Café. — Exótico.
— Você só diz isso porque também é um filhinho de papai. — alfineto.
— Era. Agora só tenho um carro e um violão.
Rimos.
— De qualquer forma, obrigada por hoje. Estou te devendo uma.
— Duas, contando com a carona. Não, três! — ele pontua. — Eu não esqueci daquela noite do pub que você não ficou pra me dar uma gorjeta.
Acabo rindo, incrédula, mas paro para pensar um pouco. Analiso o Café, o meu projeto próximo do fim, uma possível aprovação e penso que talvez não seja tão ruim juntar o útil ao agradável.
— Prometo que darei um jeito nisso.
(...)
No sábado, logo pela manhã, Jin, Moon e eu seguimos para o shopping na intenção de vencer a força tarefa que propus chamada reforma. A lista de compras é extensa: tintas, cortinas, uma nova máquina registradora de dinheiro e algumas decorações para dar ao ambiente uma aparência mais moderna e aconchegante.
Enquanto caminhamos pelos corredores brilhantes do shopping, os dois discutem cores e estilos, deixando clara a dinâmica divertida entre eles. Jin insiste em tons pastel para as paredes, enquanto Moon defende algo mais ousado, como um azul petróleo. Eu mal interfiro, apenas concordando com um aceno aqui e ali. Ainda penso no que fazer para deixar aquele lugar jovial. Algo diferente, além do comum, além do que uma mera decoração. Mas enquanto não encontro, faço o que posso. Pago metade com o dinheiro arrecadado nas vendas, e metade com o meu.
Depois de algumas horas de debate e várias sacolas cheias, deixamos o shopping e seguimos nossos caminhos. Meu próximo compromisso do dia é um almoço em família no La Vie, algo que já prevejo ser desconfortável.
No restaurante, a mesa está composta pelos meus pais, Lenna e sua mãe — tia Day, irmã do meu pai. Minha mãe, com sua postura impecável, é a primeira a me notar. Ela sorri educadamente, mas seus olhos analisam minha aparência como se estivesse buscando falhas. Meu pai está entretido no celular, enquanto tia Day conversa animadamente com Lenna sobre algo trivial.
Sentamos à mesa, e a conversa rapidamente se volta para meu irmão.
— É uma grande responsabilidade. — meu pai diz, com um orgulho evidente da ida de Jae ao Japão. — Mas tenho certeza de que ele vai se sair bem.
— Talvez você pudesse aprender um pouco com ele, Hyuna. Quem sabe assumir o La Vie um dia? Isso te daria mais... propósito. — mamãe diz, numa falsa modéstia que me deixa sem saber o que responder. — Afinal, a vida não é só curtição.
Sinto meu rosto aquecer de vergonha e desconforto, mas Lenna percebe e rapidamente muda o rumo da conversa.
— Ah, tia, só somos jovens uma vez na vida. Mas isso não significa que somos irresponsáveis. Hoje, por exemplo, eu e Hyuna vamos a um show de música erudita. — ela sorri, um brilho travesso no olhar. — Nada muito agitado, claro. Lugar confiável, de pura cultura e elegância. Legal, não?
Música erudita? O que é isso?
Minha mãe estreita os olhos, mas não parece se opor. Lenna pisca pra mim, como se dissesse deixe comigo. E então, tudo que me resta é confiar nela.
— Música erudita é importante. É clássico. — papai comenta, ainda alheio ao celular. Depois, se volta para nós e aponta para o cardápio, mudando o assunto. — E então, o que iremos pedir hoje?
Mais tarde, quando Lenna me busca em casa, estou vestida de forma discreta, com um vestido branco simples e maquiagem leve, imaginando um ambiente formal e elegante. Só que o caminho pela estrada de terra até esse tal show me deixa desconfiada.
Quando estacionamos em uma área aberta e barulhenta, levo alguns segundos para processar o que estou vendo. O lugar está iluminado por lasers coloridos, a música eletrônica pulsa tão alto que sinto o chão vibrar, e pessoas dançam como se estivessem em transe.
— Elenna! — minha voz é engolida pelo som. — O que é isso?
— Surpresa! — ela ri, puxando-me pelo braço. — Bem-vinda à Hypnosis!
Hypnosis. Simplesmente a maior rave universitária de Seul.
Quero matá-la.
O som alto e as luzes frenéticas parecem aumentar minha ansiedade conforme Lenna me puxa pela mão para explorar a festa. Estamos cercadas por uma multidão eufórica, os rostos pintados com tintas neon que brilham sob a iluminação ultravioleta. Barracas coloridas se alinham ao longo do parque, uma ligada a outra, como uma enorme tenda.
— Olha isso, Hyuna! — Lenna exclama, quando passamos por uma garota inteiramente pintada de espirais verde neon. — Não é incrível? Você devia tentar.
— Passo. — murmuro, segurando minha bolsa com força. — Prefiro ficar bem longe dessas coisas.
Ela revira os olhos e me puxa para o próximo ponto de interesse: um bar improvisado decorado com LEDs que piscam em sincronia com a música.
— Aqui dá pra pegar uma bebidinha. — diz Lenna, apontando para as filas. — Se bem que você com álcool é sinal de alerta o tempo todo. Talvez a gente devesse ir direto pro palco eletrônico, ou o de rap. Olha só a quantidade de gente!
Minha atenção é desviada quando noto uma fumaça densa se espalhando pelo ar, criando uma névoa ao redor do palco principal.
— Isso é gelo seco... ou é outra coisa? — pergunto, franzindo o nariz.
Lenna dá uma risada alta.
— Relaxa, Yun. Gelo seco. Provavelmente.
— Provavelmente? — questiono, arqueando as sobrancelhas.
— Você precisa aprender a curtir mais as coisas, sem reclamar. Está parecendo uma idosa. — ela retruca, antes de olhar para meus pés. — Tipo assim, quem vem de salto pra um evento desse? Você tá afundando na terra!
Olho para baixo, percebendo que meus saltos estão cobertos de poeira e lutam contra o solo irregular.
— Você disse que era um show de música erudita! — protesto. — Eu tive que pesquisar o que era, sabia? E se eu descobrisse antes que na verdade acabaríamos em uma rave, teria vindo de botas!
Ou melhor, nem teria vindo.
Nosso debate é interrompido quando Lenna acena para uma figura alta que surge da multidão. Mingyu está vestindo uma camiseta branca e bermuda cargo, as mãos manchadas de tinta colorida. Ele parece surpreso ao nos ver. Ou ao me ver.
— Oi. — ele sorri, se aproximando de Elenna para beijar o topo da cabeça dela, que se derrete como uma manteiga. — Ah, você trouxe… a Hyuna?
Ele une as sobrancelhas em confusão.
— Nem eu sabia que viria. — murmuro, cruzando os braços.
Se eu ao menos soubesse que se tratava de uma rave antes de vir, teria me preparado melhor e não estaria tão mal humorada.
— Achei que seria divertido. Ela tá precisando espairecer um pouco a mente.
Mingyu esfrega a nuca, um sorriso sem graça no rosto.
— Bom, não esperava encontrar você aqui, Hyuna. Isso parece... bem longe do seu estilo.
— Pra um garçom você tá bem festeiro. — comento.
Ele abraça lateralmente a minha prima.
— Não vim como garçom hoje.
— Ele está acompanhado. — Lenna pisca pra mim.
— Eu percebi. — junto os braços atrás do corpo, sem muita vontade de segurar vela. — Talvez seja melhor eu ficar em alguma barraca, olhando o movimento. Não vou ficar aqui atrapalhando a saída de vocês, e…
— Não, não, não! Eu disse acompanhado mesmo. Por um amigo! — ela exclama, totalmente sugestiva. — Não vai nos apresentar a ele, gato?
Torço o nariz numa careta. Eu definitivamente não consigo ficar de vela.
— Ah… eu não sei se ele ainda está aqui. — Mingyu hesita. — Não podemos deixar pra outro dia?
— Eu faço questão. — Lenna implora, olhando pra ele como uma pidona.
Mingyu olha ao redor, busca mais alguma desculpa, mas acaba cedendo.
— Tá legal. Venham comigo.
O seguimos para um canto da rave que parece mais tranquilo, onde um enorme muro de grafite é iluminado por holofotes improvisados. É tudo muito colorido e bonito. Os desenhos nem parecem ter sido feitos à mão, o que me surpreende de verdade. No topo de uma escada, alguém está trabalhando em um mural vibrante, os traços rápidos e precisos transformando o concreto em uma obra de arte.
Quando Mingyu para, gesticulando em direção ao grafiteiro, meu coração despenca no peito.
— Meninas, esse é o meu amigo Jungkook.
Mais conhecido como minha pedra no sapato.
Ele se vira, com as mãos manchadas de tinta e uma expressão neutra, mas quando seus olhos encontram os meus, um lampejo de algo que não consigo decifrar passa por eles. Vejo-o descer da escada, balançando a latinha de grafite, com uma calma digna de quem não tem nada a perder.
Veste uma camiseta preta grudada no torso, com uma calça parachute e uma jaqueta amarrada na cintura fina. Os cabelos estão debaixo de uma touca, e há algumas mechas mais claras entre os fios negros. Está, no mínimo, mais decente.
Mas isso não me faz ficar menos indignada por me deparar com ele. Eu só posso estar sonhando.
Digo, tendo pesadelos.
— Sou a Elenna. — ouço-a falar ao meu lado, antes de me dar algumas cotoveladas sugestivas. — E essa é a minha prima Hyuna.
Penso em dar meia volta e ir embora, mas estou cansada disso, porque não adianta o quanto eu tente, ele sempre aparece e me encara com aquele fatídico desdém. E eu acabo como a amiga/prima chata que não sabe aproveitar nada fora do seu castelo de cristal.
Então, a única coisa que me resta é ficar e mostrar de uma vez por todas que sou tudo, menos tolinha, ou qualquer outra coisa fútil que ele pense a meu respeito. Que ele pode morrer tentando, mas não vai conseguir mais me intimidar, tampouco estragar os meus momentos de diversão. Se é que terei alguma diversão hoje.
Não deve ser tão difícil manter as aparências perto dele, eu penso. Pode ser até mais vantajoso. Por isso, forço meu melhor sorriso ao diminuir nossas distâncias. Sei que isso surpreende até mesmo a minha prima, mas não me importo.
A confusão dele me deixa satisfeita.
— É um prazer conhecê-lo, Jungkook. Não quer se juntar a nós?
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