Elena Gilbert P.O.V.
Que semana! Suspirei, deitando na cama, finalmente de pijama, com os cabelos sedosos e a pele protegida do sol ardente. Graças a Deus. Eu, meu padrasto e minha mãe tínhamos acabado de chegar da praia, o trajeto havia sido longo e cansativo. Logan e Jenna haviam se casado há alguns meses atrás e agora ela apareceu grávida. Tudo estava andando rápido demais, mamãe o conheceu nas piores circunstâncias e de repente ele era o amor da sua vida, o homem com o qual ela queria se casar. Nós havíamos vindo morar em Portland, uma cidadezinha pequena no estado de Maine, praticamente invisível no mapa, longe e diferente de onde eu nasci. Segundo mamãe, esse era o lugar onde meu pai queria que vivêssemos caso ele morresse... E aconteceu. Como? Eu não sei, Jenna nunca me disse, fui ao enterro dele e, mesmo assim, ela nunca me deu explicações, só me dizia que sentia muito e que um dia eu iria entender. Ela costumava me dizer que ele nos abandonou e eu esperava que isso fosse verdade, pois eu sofria e me culpava todos os dias por isso. Minha vida mudou da água para o vinho. Em um dia, eu e meus pais éramos uma família feliz, quero dizer, quase feliz, e no outro eu estava a muito mais de mil quilômetros da minha casa, num ambiente totalmente diferente com pessoas totalmente estranhas. Eu tinha a minha escola lá, meus amigos, minhas aulas de violão e todo o resto que eu fui obrigada a deixar para trás. Mamãe vinha tentando me fazer feliz, a viagem que realizamos hoje foi mais uma de suas tentativas e não posso mentir, ela quase funcionou, se Logan não tivesse nos acompanhado. Ele até que era legal comigo... Às vezes, até demais. Eu não gostava da maneira que ele me observava, ou das brincadeiras repletas de humor negro. Eu estava crescendo e isso me incomodava. Mamãe dizia que eu apenas estava entrando na fase difícil da adolescência, prestes a fazer 15 anos, ficando ranzinza e rebelde, complicada de agradar... Mas não acho que é isso.
Ouvi minha porta se abrir e pensei que fosse mamãe, a qual vinha todas as noites me dar boa noite. Porém, era Logan. Ele entrou pela porta me assustando, como sempre, com o olhar horripilante que tinha no rosto. Ele tinha uma barriga enorme pela quantidade de cerveja que ingeria, era barbudo e cheio de tatuagens. Como mamãe, uma mulher ruiva linda, gentil e carinhosa foi se interessar por alguém como ele? Eu não fazia ideia, só sabia, com certeza, que ele era mau caráter, se drogava e lidava com gente da barra pesada. Ele tinha dinheiro e nos sustentava, talvez essa fosse a única razão pela qual Jenna se refugiou até ele... Ou não. Ele se aproximou vagarosamente de mim, me olhando de forma indiscreta e sinistra. Me encolhi ao vê-lo se sentar na minha cama e sorrir malicioso ao olhar para as minhas pernas desnudas por conta do short que eu usava.
— Onde está minha mãe? — Perguntei e vi que minha voz falhava. Eu sempre era envergonhada perto dele e desconfiada com cada passo seu.
— Precisa ser sua mãe? Hoje quem veio lhe dar boa noite é o seu paizinho. — A maneira como ele pronunciava as palavras, cheio de segundas intenções, me deixava tremendo de medo.
— Você não é o meu pai. — Eu falei, ainda me afastando, quase machucando as minhas costas contra a parede.
— Oh, não fale assim comigo, amorzinho... — Ele falou, baixinho, tocando a minha canela com os dedos grandes e nojentos. Sua mão subiu pela minha perna, parando e apertando a minha coxa. Eu tranquei a respiração e fechei os olhos com força. Não, meu Deus, ele não pode fazer isso comigo. — Sabe, eu sempre achei você muito lindinha, pequena e delicada, com a pele macia, os cabelos cheirosos... E agora que está crescendo, está virando uma delicinha... — Eu continuei tentando ir para trás e encolher as minhas pernas, puxando a coberta para me cobrir, mas era impossível fugir, ele estava por toda a parte. O cheiro de álcool e fedor de suor estava me causando ânsia, ele era repugnante. Logan se aproximou cada vez mais de mim e agora, com a outra mão, ele segurava o meu rosto, acariciando o meu queixo. Eu implorava, pedia aos céus para que mamãe entrasse pelo quarto e flagrasse aquela cena, me tirasse dali. — Esses dias na praia em que eu vi você só de biquíni... Ah, minha doce Elena, está virando uma mocinha. Os seus seios pequenininhos e redondos... — Ele subiu a mão pela minha barriga e apertou a mão no local, fechando os olhos, gemendo de satisfação. Eu estava prestes a vomitar. Eu queria pedir ajuda, gritar por socorro e socar o seu rosto, mas eu simplesmente não conseguia, estava imóvel, sem encontrar a minha voz, totalmente indefesa... Aceitando aquilo que ele estava impondo. Eu estava com nojo de mim mesma também, não só dele. — E agora, vendo você nesse pijaminha rosinha, toda inocente como uma criancinha, está me deixando louco. Eu me controlo há muito tempo para não fazer as coisas que me imagino fazendo com você.
— N-na... não... por favor, não... Me larga... — Assim que eu comecei a me pronunciar, chorando impiedosamente para que parasse, ele pareceu se transformar. Uma de suas mãos agora tapou a minha boca com força e o seu corpo veio pra cima do meu, me esmagando.
— Ah, qual é, vamos nos divertir um pouco, amorzinho... — Ele riu fraco, colocando os lábios no meu ouvindo, ainda abafando os meus gritos e desviando dos meus tapas. — Você vai gostar.
O homem, então, abaixou a minha blusa com selvageria, arrebentando as alças. Ele ainda cobria a minha boca e minhas lágrimas molhavam sua mão. Eu me debatia, desesperadamente. A sensação era horrível, tentar me mover e não conseguir, berrar e não ser ouvida. Ele apertou meu seio com força, machucando pra valer a parte mais sensível do meu corpo que estava ainda em fase de crescimento.
— Eu vou tirar a mão da sua boca agora, ok? E você não vai gritar. Você vai ficar quietinha e me deixar fazer o que eu quiser com você, me obedecer como uma boa menina, ouviu? — Os olhos dele queimavam e sua expressão era de um completo maníaco. — Ou quem vai pagar o preço é a sua querida mamãe e o bebê inocente que ela carrega dentro dela.
Ainda soluçando, eu assenti e vi o sorriso diabólico surgir no rosto do meu padrasto. Assim que ele destampou a minha boca, eu fiquei em silêncio, exatamente como ele mandou. Suas mãos estavam por toda a parte e eu só podia ouvir o meu choro e os gemidos dele, acompanhados por outros ruídos de dor que eu soltava involuntariamente e ele achava que era de prazer e se excitava ainda mais. Ele me obrigou a tocar nele e eu nem sequer podia dizer nada. Depois de certo tempo, minhas lágrimas cessaram e minha relutância evaporou. Tudo virou apenas um borrão, minha visão estava turva e meu rosto permanecia imóvel. Eu encarava o teto e deixava que o resto acontecesse.
Eu pensei em minha mãe. Eu pensei no sorriso dela. Eu pensei no quanto eu a amava, apesar dela não ser a melhor do mundo, mentir, ser irresponsável e muitas vezes não se importar comigo como deveria. Eu pensei no bebê que estava na barriga dela, como o homem disse, no meu meio-irmão ou irmã que era apenas uma consequência disso tudo. Um ser inofensivo que não podia sofrer nas mãos do pai pedófilo que não tinha a culpa de ter.
E foi ali que eu decidi que iria fazer alguma coisa para livrar a minha mãe desse homem. Seja do jeito que for e leve o tempo que precisar.
4 anos depois
— Menina? Você está bem? — Uma senhora de cabelos grisalhos perguntou, me tirando do transe em que eu me encontrava. Vi que ela estava de pé, com uma expressão de preocupação no rosto.
Olhei em direção a onde ela fitava e vi que mais uma vez eu estava fazendo aquilo. Quando memórias dolorosas e traumatizantes como essas vinham à minha mente, eu automaticamente me feria. Enquanto eu olhava pela janela do ônibus, coberta de pensamentos e flashbacks cruéis, minhas unhas feriam o meu braço. Sem que eu percebesse ou sentisse, minha pele nessa altura já sangrava pelos arranhões e a mulher estava apavorada com a cena.
— Estou sim... Isso não é nada. Eu já tinha me machucado antes. — Sorri, sem jeito, tentando inventar uma desculpa para a minha automutilação.
Vi que ela não se deu por vencida e muito menos acreditou no que eu disse, mas apenas concordou e saiu, me olhando como se eu fosse perturbada ou desequilibrada. Não dei muita atenção para isso, apenas limpei o sangue e as lágrimas que estavam caindo pelo meu rosto. Essas lembranças iriam me assombrar para sempre e mesmo que agora, nesse instante, eu estivesse finalmente livre, praticamente atravessando o estado sem deixar rastros, aquele monstro sempre me perseguiria. Ele era os meus demônios durante o dia e a noite, me assombrava e ameaçava os meus sonhos. Nunca me deixaria em paz. Seu rosto estava em todos os lugares e eu não conseguia confiar em mais ninguém graças à ele.
Finalmente eu tinha completado 18 anos, idade que ele prometeu transar comigo. Logan era doente, sobre isso não me restava dúvidas, mas ele também não era idiota. Ele sabia que seus atos eram crime e que a pena de morte o esperava na cadeia, então fazia o que podia para evitar chamar atenção e não deixar evidências. Ele me assediou, obviamente, durante quatro anos, me obrigou a fazer coisas e marcou o meu corpo de todas as maneiras violentas possíveis que a sua cabeça transtornada conseguia pensar. Entretanto, ele nunca, de fato, consumiu o ato comigo. Ele dizia que só iria fazê-lo quando eu fosse maior de idade e pudesse casar comigo, para me ter por completo na sua cama todos os dias, sem culpa e medo de infrigir a lei. O seu plano era se livrar de Jenna, logo depois que ficou obcecado por mim. O único problema é que Jenna era uma testemunha e ao dizer "se livrar" quero dizer matar. Ela havia o pego, diversas vezes, passando a mão em mim e no fundo ela sabia o que acontecia dentro daquela casa quando ficávamos só nós dois... Mas ela nunca fez nada. Ela, na realidade, permitia que isso acontecesse e não impedia, não tomava nenhuma providência sobre isso. Ela sabia do abuso e jogava debaixo do tapete. Isso me destrói até hoje. Pensar que minha própria mãe tinha o conhecimento de que seu marido abusivo aproveitava-se da sua filha menor de idade e não fazia nada em relação à isso, realmente machucava, mais do que o próprio abuso em si.
Mas, agora, eu estava fugindo em busca de uma vida melhor longe daquele traste. Eu queria uma vida melhor para mim, para minha mãe, que mesmo não merecendo eu tinha pena, e para Jessie, minha irmãzinha. Ela já tinha quase seis aninhos e eu precisava fazer de tudo para tirá-la de Logan. Imagine o que ele não faria com ela quando ela já tivesse idade? Eu precisava tomar uma atitude e era isso que eu estava fazendo. Eu queria arrumar grana, muita grana... E então destruí-lo, matá-lo com as minhas próprias mãos. De que forma? Quando? Com a ajuda de quem? Eu não sei, nada disso ainda estava planejado, mas era o meu objetivo.
Tudo era como uma tempestade dentro de mim, mas silenciosa. Eu queria dizer adeus à tudo. Eu queria voltar a ser feliz novamente. Costumo me perguntar porque tudo isso aconteceu comigo, o que eu fiz de tão ruim para merecer isso... Sei que não posso me culpar por essas coisas horríveis que aconteceram comigo, mas a tristeza era inevitável e o pior era que ela se manifestava lentamente, ficava quietinha e guardada num cantinho. Eu não chorava mais, não gritava mais e muito menos implorava mais. Minhas lágrimas não iam me fazer voltar no tempo e mudar as coisas. Minha única saída era tomar uma atitude, arrumar um jeito de prosseguir e conseguir a minha vida de volta. A minha paz de volta. E eu não teria isso enquanto aquele lixo não fosse para o inferno, lugar de onde ele realmente pertence.
Damon Salvatore P.O.V.
O que um garoto normal de 23 anos, no auge da juventude, estaria fazendo agora? Provavelmente estaria na faculdade, saindo com a namorada ou com os amigos, bebendo e fazendo planos para as festas nos finais de semana. Mas, o que eu estava fazendo? Trabalhando, duro, torrando as costas no sol e pedalando a bicicleta enferrujada, como se não houvesse amanhã, pelas ruas movimentadas da cidade. Droga, por que a padaria de papai tinha que ser a melhor do bairro? Quer dizer, era ótimo, é claro, mamãe era muito talentosa na cozinha e meu pai sabia como usar as mãos também, porém as pessoas realmente achavam que a Salvatore's Bakery era o único lugar da Phoenix inteira para se encontrar comida. Eu estava reclamando, mas na verdade sentia muito orgulho da minha família. Apesar das dificuldades, nós éramos boas pessoas e lutávamos todos os dias. Nós ainda passávamos por poucas e boas, especialmente por causa de Stefan, mas nada nos impedia de fazer o bem e batalhar por uma vida melhor.
As ruas realmente estavam uma loucura e as encomendas também, meu Deus! O telefone de lá não parava de tocar um instante, deve ser pelo fato da maioria das pessoas estarem recebendo seu salário hoje. No guidão da bicicleta, em uma sacola pendurada, eu carregava cem salgadinhos fresquinhos, junto com a caixa de docinhos que eu levava perfeitamente no meu colo. Eu era talentoso. Estava praticamente andando na avenida, junto com os carros, mas eles não me atingiam. Eu era rápido e atencioso. Meu pai era mão de vaca e tinha limites para os nossos gastos, dizia que uma moto seria muito cara e iria ir muito além das nossas economias, além de não confiar em mim com um veículo desses por aí. Tudo bem, eu tinha que admitir, como empreendedor, que ter uma bicicleta como tele-entrega era mais rentável, trazia lucro e prática. Porém, eu também era o cara que dirigia a bicicleta, saia no calor escaldante e sofria com o trânsito, o qual não tinha ciclovias... Eu tinha todo o direito de protestar.
Eu estava quase chegando no meu destino, indo entregar o pedido da nossa cliente mais velha e querida, dona Cecília, até que... Avistei uma garota. Muito bonita. Meu Deus, incrivelmente bonita. É um anjo. Será que estou alucinado? Ela era morena e estava andando há mais ou menos uns três metros de distância de mim. Eu costumava reparar nas garotas na rua, é claro que sim, só que não ficava deslumbrado desse jeito, olhando hipnotizado como se nunca tivesse visto uma beleza dessas. Acho que minha cabeça não funcionou mais direito a partir do momento em que a vi. Ela estava com uma mochila nas costas, um vestido florido e um chinelo simples nos pés, olhando para todos os lados como se estivesse esperando um trem ou sendo seguida. Eu me aproximava cada vez mais e minha vontade era de passar pertinho dela para ver o seu rosto. E foi exatamente o que eu fiz... Só que não deu muito certo. Não planejei muito quando subi na calçada e muito menos previ que ali havia tantas pessoas e tão pouco espaço. Comecei a desviar de um, de outro, até que, já bem próximo dela, encontrei com uma lata de lixo e não tive tempo de frear, acabei levando a garota junto. Senti um baque e acabei batendo as costas no chão, sorte que eu estava com a roupa devida, o capacete e as joelheiras. Eu havia derrubado ela e mais umas três pessoas e tudo que eu podia ouvir eram os xingamentos. Poxa, algo em uma garota estava me atraindo e eu precisava ver se ela era tão bonita de perto quanto parecia ser de longe, isso era um crime!?
Vi que a garota estava irada, cuspindo fogo, me olhando como se fosse me arrancar fora algum membro. Porém, ela era, de fato, tão linda como eu imaginei. Os cabelos eram lisos e compridos, os olhos marrons, como chocolate derretido, e o seu rosto era tão angelical. Ela parecia tão simples, usava roupas bonitas e que combinavam com ela, mas nada parecido com o que nenhuma dessas garotas de hoje em dia usam. A face dela estava totalmente natural, sem maquiagem nenhuma. Ela até parecia um pouco suja, como se estivesse em um deserto, perdida, e carregava apenas uma pequena bagagem.
— Ô, não olha por onde anda, não? — Ela gritou comigo, batendo no meu peito. Nossa, tão pequena com a mão tão pesada!
— Desculpa! — Ergui as mãos, me sentando no chão e estendendo a mão para ajudá-la. — Machucou? — Perguntei alarmado, tentando tocar nela para checar qualquer ferimento grave, mas ela logo recuou de forma agressiva, como se eu estivesse com alguma arma afiada. — Sério, me desculpa mesmo, hã...? — Ergui as sobrancelhas, querendo saber o seu nome.
— Elena. — Ela respondeu, agora prestes a se levantar, limpando as pernas.
— Bom, Elena, deixa eu te ajudar... — Eu fiz sinal que iria pegá-la pelo braço, no qual notei arranhões.
— Me solta! — A garota desviou de forma brusca. Eu, hein, o que deu nela?
— Ei, eu já pedi desculpa, larga de ser grossa! — Falei mais alto e percebi que todos na rua nos olhavam. — Você está machucada. — Apontei para o seu braço. — Me deixe ver.
— Isso não foi de agora, porra. Vê se me erra, garoto. — Credo, ela não tinha trava na língua? Eu só estava sendo atencioso.
Ela logo juntou uma garrafinha de água que havia caído de sua mochila e uma necessaire que carregava nas mãos do chão, virando as costas para mim em seguida, pronta para ir embora.
— Espera, pra onde você vai? — Questionei nervoso. Droga, eu nem tive tempo de conversar com ela direito, ela só me respondeu com grosserias.
— Não te interessa! — Viu? Mais uma!
— Posso te levar, pra onde quer que você vá...— Ofereci, tentando mais uma vez ser gentil, e vi que ela cogitou a ideia por um momento. — Você parece perdida e eu conheço bem a cidade. — Elena aparentava ser muito desconfiada, como se tivesse medo das pessoas e por isso fosse indiferente desse jeito. Cada pessoa tem o seu próprio mecanismo de defesa e esse talvez podia ser o dela.
— Quem te perguntou? — Acabei rindo do jeito dela, doce como um limão... A careta que ela fazia era hilária, era como se subitamente, sem razão nenhuma, eu fosse uma das pessoas que ela mais abominava na Terra. Tudo bem que eu tinha atropelado ela com a bicicleta, mas não era pra tanto. Não precisava me tratar assim. Essa definitivamente é das difíceis! — E não, posso muito bem andar sozinha.
— Nossa, no meu tempo as pessoas agradeciam, sabia? — Continuei retrucando ela, só para irritá-la. Eu estava gostando de ver aquela gatinha brava, nervosa e irritada comigo... O nariz dela estava vermelho na pontinha e eu achei uma gracinha.
— Dá próxima vez eu mesmo te derrubo dessa bicicleta, babaca! — Ela gritou mais uma vez comigo.
— Dá próxima vez troca as ferraduras, a gratidão e a simpatia mandaram um abraço, viu? Sua louca!
E quando eu percebi, ela já tinha virado as costas e me deixado falando sozinho. A última coisa que eu vi foi ela erguer a mão com o dedo do meio apontado para cima e depois sumir na multidão.
É cada uma que aparece...
[...]
Depois de chegar na padaria e receber a maior bronca do meu pai, não por ter caído e me quebrado inteiro, mas sim por não ter realizado a entrega e ter entortado a bicicleta, eu ainda tive que continuar trabalhando, mesmo com o joelho todo ralado e as costas ardendo. Eu estava todo dolorido, porém minha "conversa" intensa com aquela menina estava me fazendo pensar, e sorrir. Ela era muito temperamental e parecia ser diferente. Diferente do tipo: não ser daqui, guardar segredos e ser mais do que aparentava e demonstrava ser. Elena tinha mexido comigo de um jeito louco e sobrenatural, em minutos, e eu queria mesmo que não fosse nada demais, que aquele esbarrão com ela não tivesse tido muita importância para mim... Mas acho que isso não vai rolar, eu não paro de pensar nela.
Já haviam passado quase três horas depois do incidente e a noite estava começando a dar as caras, algumas pessoas ainda estavam sentadas nas mesas e eu já tinha atendido todas elas. Sim, eu também era garçom, na maior parte do tempo. Minha atenção agora estava na novela que era transmitida na televisão pequena e minha perna estava sobre um banco que ficava na cozinha. Será que ela realmente não se machucou? Ou não quis falar pra mim só porque queria parecer durona? Eu me perguntava mentalmente, lamentando ao pensar que nunca mais iria ver aquela garota.
— Eu vou querer um pastel de carne e um suco de melancia. — Uma voz doce interrompeu os meus pensamentos.
— Ei, boa noite pra você tám.... — Parei de falar assim que me virei no balcão e vi quem era a dona da voz. Era a garota de mais cedo. É claro que eu não a reconheci pela voz, tudo o que ela vez foi me destratar e ofender, e agora com esse jeitinho meigo de falar... Nem parecia a mesma de antes. Sorri com isso. Quais eram as chances de nos encontrarmos novamente? Observei ela rapidamente, dos pés a cabeça, e vi que agora ela estava mais arrumadinha. Seu cabelo estava molhado e ela parecia estar cheirosa.
— Você? — Perguntamos juntos, em coro, e percebi que ela corou. Ará, ela tinha outro lado!
— Olha só se não é a louca da rua! — Brinquei, na intenção de provocá-la, tendo resultado em segundos.
— Cala a boca, garoto! — Todo mundo estava olhando novamente para a nossa briga e eu estava me divertindo.
— Calma lá, brutamontes, eu tô só brincando. Não precisa me morder. — Sorri medonho, observando ela querer pular no meu pescoço.
— Então, para de graça e pega logo o que eu pedi! — Exigiu, acenando com as mãos em direção ao pastel que pediu.
— Meu Deus, não te ensinaram a ter educação, não? — Ironizei, colocando o seu pedido em um saquinho.
— E não te ensinaram a fazer o seu trabalho e não torrar a paciência dos outros?
— Eu hein, dormiu com o pé para fora da cama? — Ela me ignorou. Peguei o copo para servir a bebida e vi que tínhamos duas opções de suco. — Vai querer mesmo o de melancia? — Franzi o cenho e torci o nariz.
— Sim, tá surdo!?
— Quem diabos prefere suco de melancia do que o de morango?
— Eu!
— Que mau gosto. — Eu realmente estava pedindo para morrer. Não sei porque gostei tanto de importunar ela...
— Vamos mesmo discutir sobre sabores de sucos ou você vai me entregar o que eu pedi e me deixar ir? — Ela agora estava parada com as mãos na cintura, batendo os pés impacientemente nas tábuas. Um amorzinho.
— Se você prometer voltar sempre... — Sugeri, perverso, me inclinando sobre o balcão para entregar à ela o lanche.
Para a minha surpresa, ela se aproximou, perigosamente, ficando a centímetros de mim. Ela, lentamente, passou o braço por cima do guichê que nos separava e colocou o dinheiro no meu bolso traseiro, me fazendo olhar para aquele ato com malícia, sorrindo como um idiota. A garota era atrevida, tinha acabado de enfiar a mão na minha bunda!
— Nem que me amarrem! — Ela arrancou o pastel e o suco da minha mão, sorrindo marota.
E então saiu, logo depois, rebolando, me deixando para trás com a cara no chão, igual um boboca. O que Elena tinha de marrenta também tinha de linda e eu mal posso esperar para esbarrar com ela novamente. Só espero que dessa vez ela não me xingue tanto... Ou xingue, não me importo, eu até que curti ser maltratado por ela. Mas tinha que ser só por ela.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.