Bom, então vamos ao agora.
Havíamos combinado de nos encontrar no estúdio no começo da tarde, e como vem acontecendo desde sempre, é Ringo ou eu quem realmente chega primeiro. Lennon e McCartney tinham assuntos pendentes na casa de Paul, e mesmo eu revoltado com a demora, não iria querer interrompê-los... Era dia de gravação, e eu só queria tentar entender o que tanto faziam pra não conseguirem chegar nunca na hora certa no estúdio.
Na verdade não queria entender não, até porque já sei bem o que é que fazem, aquele casal apaixonado. Não sei como as pessoas no mundo inteiro ainda não descobriram que formam um par romântico (ou já sabem, lógico, e só querem fingir que não veem).
No estúdio, tentei colocar os pingos nos I’s da letra que Lennon tinha escrito em um bloco de notas e deixado sobre a mesa. Ou melhor, não só os pingos nos I’s, eu estava tentando desvendar se tinha realmente algo escrito ali ou se eram desenhos abstratos. A letra de Lennon revela que se ele não fosse um excelente músico, teria se tornado um médico (se bem que se pararmos pra pensar, eu não ia querer ser operado por ele).
Ringo chegou e já de cara se assustou com a bagunça que o estúdio estava. Sua bateria, inclusive, estava toda desmontada, e isso fez com que ele ficasse mais e mais bravo, a ponto de quase querer descontar em mim – o mais calado é o culpado de tudo, como sempre. Ele viu o jornal aberto com a matéria falando da tal lista de beleza sobre a mesa, bem ao lado da “letra” que John tinha escrito e parou por um segundo pra analisar a notícia.
- Incrível como o baterista sempre é o mais judiado. – Disse em tom de reprovação.
- O guitarrista principal também. Leia direito.
- Você ficou em terceiro, George. Além do mais não foi “considerado mais feio pelas fãs”. – Ringo jogou o jornal longe, como se aquilo tivesse lhe feito algum mal diretamente, e sentou-se na mesa, bem próximo de mim.
- Você não é feio Ringo. Sabe disso.
- Sua opinião não vale.
- Fico lisonjeado. – Ri sem jeito, o que o fez abrir aquele sorriso cativante também. Na verdade Ringo era lindo, até demais.
Devo confessar que eu sempre senti atração por ele. E como já disse, nunca por outros rapazes, nem mesmo pro eleito “James Paul Lindo do Ano McCartney” ou pro “John Winston Sexy até dormindo Lennon” – e os dois eram realmente perigosos, se você pode me entender. Mas Ringo era diferente. Até seu sorriso me encantava. Paul uma vez havia me dito que Ringo tinha uma certa queda por mim desde que nos conhecemos, mas cá entre nós, por mais que sejamos amigos íntimos de uma pessoa do mesmo sexo, nunca temos coragem de nos abrir a ponto de pedir pra arriscarmos um relacionamento daqueles “só pra ver o que acontece”. Sem contar que parar pra pensar no corpo de um amigo com aquela intensidade que estava me acontecendo agora seria um pouco duvidoso. Ah George, vê se para, suas calças ainda não são dessas próprias pra disfarçar desejos.
Mas só de imaginar que Ringo poderia fazer comigo e ter comigo certas atitudes e certos movimentos que vi entre John e Paul quando me chamaram pra uma visita e eu havia chegado cedo demais, eu já ficava um pouco preocupado. É, aquele negócio de mãos nas costas de cima a baixo, o outro jogando seu pescoço para trás de forma vulnerável, como se quisesse se fundir e ir contra as leis da física, ambos se tornando apenas um. Incluindo os gemidos doces dizendo um “eu te amo” em meio a espasmos de loucura.
Não posso acreditar, eu estava tendo uma fantasia com meu melhor amigo enquanto estava do lado dele.
Não me dei conta que estava olhando fixamente para Ringo. Mais especificamente para a região do peitoral dele, mas não era minha intenção – esses momentos acontecem com todo mundo, quando estamos pensando em algo e simplesmente fitamos o nada com a maior atenção do mundo. Ele quebrou meu transe.
- O que foi, George? Melhor piscar antes que seus olhos sequem.
Ah aquele humor estranho que só ele tinha.
- Nada... Estava pensando, apenas.
- Em comida? – Ringo riu e eu também. Ele não sabia o quanto “podia estar certo usando a conotação certa”.
- Mais ou menos. – Pausei minha guitarra no colo. Eu não poderia levantar dali tão cedo, muito menos tirar ela de lá.
- Eu não me conformo. Garotas são estranhas, elas ficam com um negócio de “deve haver beleza externa”. O mais incrível é o tanto que sofro nessa banda... Cara, é sério, eu devia receber o dobro.
- Não seja tão revoltado, Ringo. Quem te conhece sabe bem o quão lindo você é. Por dentro e por fora. – Eu parei antes que continuasse soltando palavras desejosas daquele nível. Só que meu nível de excitação não diminuía, e eu sentia como se estivesse bêbado ou drogado. Na verdade eu sabia que aquilo não iria prestar, e eu devia mudar de assunto o mais rápido possível, pensar em... Sei lá alguém feio pelado. Ou na avó de alguém. Algo que me fizesse “acalmar os ânimos”. Porém era Ringo quem estava olhando fixamente pra mim. De começo parecia assustado com o que eu falei, logo depois balançou a cabeça negativamente com um sorriso diferente. Suspirou e subiu de novo o olhar até o meu.
- Você na verdade devia ter ficado em primeiro, George.
- Como? – O quê ele estava falando?
- Na lista, de beleza. É sério, você tem um sorriso cativante.
- Assim como o seu. E devo repetir, eu acho você bonito.
Na lei da natureza, - mentira, na lei das pessoas que não se abrem de forma certa, - a reação mais provável de Ringo teria sido uma cara de nojo e um tapa forte no meu braço, levantando-se e indo até os tambores da bateria para ajeitá-los. Mas não. O assunto ia se prolongar, e eu apertei a guitarra com força para ter certeza que dali ela não sairia. Então continuei:
- Eu já acho que a forma que meus dentes são que me deixou no terceiro lugar.
- Seu sorriso é lindo, pare de tentar colher elogios.
- Eu não estou tentando colher elogios. Só disse minha versão. E minha versão inclusive é que você devia ter ficado no meu lugar.
- Claro. Não venha me dizer que é pelos meus olhos azuis, isso não conta em nada.
Ah conta sim Ringo. Ô se conta. Você não tem noção do que eu já fiz imaginando esses olhos...
- Lógico que conta.
- Quem se excita imaginando meus olhos azuis, George? Quem na face da terra tem fantasias com alguém como eu?
De repente eu senti como se tivesse MESMO drogado. Não sei, eu estava ali, mas ao mesmo tempo não estava. Um grito dentro de mim tentou se abafar até ser impossível. Senti meus olhos lagrimejarem diante do pouco que eu piscava, e me curvei um pouco como num espasmo de dor. Tentei me segurar ao máximo, mas que na verdade, eu queria era gritar um “foda-se” e me arrepender pelo que eu tinha feito, e então...
- EU, RINGO, EU TENHO!
Pausa. Eu-não-acredito-que-falei-aquilo.
Ringo se assustou de tal modo que sua boca adquiriu o formato de um “O”. Respirei fundo me preparando para o soco na cara, pensei em como segurar minha filha, digo, minha guitarra, de modo que ela sequer arranhasse ao golpe que ele me daria.
Ele rapidamente ficou corado, uma coisa que eu não esperava, tentou recompor-se mudando o olhar para outro lado da sala, coçando a cabeça levemente. Aparentemente não tinha o que falar. E eu só queria duas coisas: sumir dali e ler a mente dele. Talvez não exatamente nessa ordem.
Ringo levantou-se da mesa e andou desajeitado até o sofá onde havia jogado seu paletó, ou jaqueta, não faço ideia do que era aquilo. Abaixou-se fazendo menção para pegá-lo mas colocou-se de pé novamente, ainda de costas para mim.
- Desde quando isso acontece, George?
- Isso o quê?
- Não adianta mais mudar o que você disse. – a voz dele falhou – Apenas diga desde quando tem esse tipo de... Fantas... Pensamentos.
Eu não sabia o que dizer. Ele parecia vulnerável, e infernos, isso só me excitava mais. Nesse momento eu posso apenas dar um conselho pra vocês: não se abram com ninguém. É sério, dá um problema que só vendo.
- George! – Ouvi a voz dele soar mais alto, falhando ainda, mas bem alto. Ele tinha se virado pra mim, e levei meu olhar de encontro ao dele. – Eu te fiz uma pergunta, cara!
- Eu não sei como... Como te responder, Ringo.
- Só me dê datas. Afinal... O PIOR VOCÊ JÁ FEZ.
“O pior você já fez” obrigado Ringo, me deixou mais nervoso ainda. Agora o frio na barriga se espalhou pelo corpo e até os meus dedos do pé tremiam, se parássemos para observar.
- Desde que... nos conhecemos, acho.
- Ah claro. Ótimo. – Ringo virou-se para o sofá de novo e agora sim pegou a blusa. Quando chegou até a porta de saída do estúdio, eu vi que tinha que fazer algo urgente.
- Espera, Ringo, espera! – Levantei-me num pulo e coloquei minha guitarra na mesa, geralmente eu mataria quem fizesse isso com ela na velocidade e força que eu tinha feito, mas eu só precisava correr agora. Cheguei próximo dele, mas ele manteve-se de costas para mim. – É uma coisa que eu não ia te contar justamente porque sabia que a reação seria algo tipo isso. Só tenta manter isso contigo, eu ESTOU bem e acho que continuarei bem, até por que você não sabia e simplesmente era meu amigo, só que mesmo confiando em você eu...
De repente um calor me interrompeu. Não era a ansiedade, não era o gelo da barriga que havia se tornado fogo. Era um calor sobre os meus lábios, era uma fricção dessas que fazem as nossas pernas se tornarem penas de tão leves. Quando consegui focar minha visão, entendi o que estava acontecendo. Ringo, era Ringo. Ele estava me beijando. Como se não fosse suficiente, ele estava segurando meu rosto com as mãos de forma carinhosa. Me rendi e me entreguei ao beijo, segurando os cabelos dele, como se não quisesse interromper aquilo. O entrelaçar de nossas línguas me fez lembrar a cena que eu imaginei minutos atrás, e quase que inconscientemente levei minha mão até a cintura dele, o puxando contra mim.
Acho que ele pôde ver (sentir!) o quanto minhas calças eram impróprias...
Ringo abriu os olhos e se afastou do beijo. Estávamos muito próximos ainda e eu senti sua respiração acelerada. Abri meus olhos e pude ver por algum momento o desejo que eu sentia refletido nos olhos dele. Eu poderia estar de certa forma apenas vendo nele o que queria que ele sentisse, mas não era isso, eu sabia que não era, aquela vontade dele era SIM vinda DELE, oras! Se não fosse, por quê ele ainda segurava meu rosto, alisando minha bochecha de forma carinhosa e me encarando daquela forma?
Como se houvesse tomado um susto, Ringo deu um passo para trás se afastando de minha mão em seus cabelos. Ele olhou para o chão, desolado, como se tivesse feito a pior coisa de sua vida e abriu a porta, indo rapidamente para fora e a batendo em seguida. Eu não conseguia decifrar aquilo tudo, DROGA, eu nem me lembrava de qual era o ritmo da respiração que eu tinha antes. Como fazia mesmo para andar? Eu queria ter feito algo, sei lá, puxado ele e não ter deixado ele sair, mas como?
Por um tempo eu fiquei naquela mesma posição, completamente imóvel. Eu comecei a me preocupar comigo mesmo até voltar o olhar para a porta.
- Isso não vai ficar assim, Ringo.
Peguei minha jaqueta no outro canto do sofá e disparei porta afora. O rosto corado de Ringo, os olhos cheios de desejo dele e aquele beijo não eram normais, não senhor. Eu sabia que podia muito bem fazer melhor que aquilo, e sabia que Ringo de certa forma queria que eu fizesse.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.