Daenerys Targaryen
Eu mal conseguia respirar enquanto subia os degraus até a porta da Fortaleza Branca. A madeira era pesada e colorida de um vermelho sangue muito vivo. Era alta, três vezes o meu tamanho e tinha maçaneta e dobradiças douradas. Ao longe não era possível ver os dragões talhados na madeira, mas eles estavam ali, bonitos e ameaçadores, me recepcionando.
— Meu lar...
Toquei a madeira e senti uma lágrima descendo por meus olhos. Eu moraria ali pelo resto de meus dias, logo eu que nunca havia parado em lugar nenhum. Meus dedos tremiam e meu coração se agitava no peito. Aquilo era um sonho? Eu não queria que me despertassem se fosse.
Ao segurar a maçaneta, ouvi a voz de Rhaella lá dentro, chamando por Jon e me apressei para entrar.
— Papai! — Meu coração estava saltando pela boca quando abri a porta e a voz infantil de minha filha soou mais alta — Eu peguei limões, papai!
Sua vozinha foi sumindo na imensidão daquele lugar e eu fiquei a procurá-la, sem saber para onde ir. Havia dezenas de portas naquele imenso lugar.
— Meu pequeno dragão. — Sorri para mim mesma — Minha menininha feroz. — Eu precisava dela em meus braços.
Fui caminhando pelo salão, que tinha um cheiro de madeira recém cortada e de ferro fundido. As pedras eram claras do lado de dentro também. Era um salão circular com diversas passagens como um labirinto. Tudo lembrava dragões naquele castelo, desde as tapeçarias até os lustres. Havia garras de dragão segurando as velas e formando os corrimões. Havia pinturas magníficas de Balerion, Meraxes e Vhagar, os três dragões trazidos da Antiga Valyria.
— Nova Valyria. — Eu disse com um sussurro — E há sete dragões agora nesse novo mundo.
Havia espelhos em algumas partes daquele salão e me vi caminhando até eles, no silêncio, ouvindo apenas o som do tecido de minha saia farfalhando em meus pés. Fiquei observando meu reflexo. A roupa não era mais de guerra, era de um tecido mais leve para a primavera. Meu rosto estava abatido, mas minhas tranças ainda contavam orgulhosas as minhas vitórias, e meus olhos lilases brilhavam com uma alegria muito rara. Então, de repente, fazendo meu peito doer de emoção, vi um reflexo de outro rosto ali, com os mesmos traços valirianos, um rosto inocente, pequenino e delicado como a porcelana mais fina de um rei.
— Mamãe?
Eu me virei e lá estava ela, com os olhinhos arregalados e a boca aberta como quem vê um fantasma. Rhaella usava um adorável vestido turquesa que a deixaria parecida com uma pequena dama se não estivesse descalça e com as bochechas sujas do sumo de alguma fruta amarela. Mal havia completado quatro dias de seu nome e diziam que era a princesa mais linda que aquele mundo já vira. Eu não discordava, mas para mim ainda era apenas o meu bebê dragão, minha criança travessa, a alegria da minha alma.
Me abaixei quando ela correu para mim e senti seu corpo atirando-se contra o meu. Era como segurar um passarinho, muito leve e com tendências a voar. Tinha cheiro de terra, de limões frescos e flores selvagens.
Eu me levantei com ela agarrada ao meu pescoço e beijei sem parar suas bochechas macias, sentindo o açúcar grudento da fruta na pele dela. Rhaella parecia rir e chorar dentro do meu abraço, ou talvez fosse eu que ria e chorava. Tenho certeza de que meu rosto estava molhado, pois meus olhos ardiam. Há quanto tempo será que eu estava chorando?
Então a imagem dele surgiu de uma daquelas portas. Jon, meu amado lobo de olhar vil. Seria amedrontador se eu não conhecesse seu coração. Ele veio andando em nossa direção, com passos pesados e ansiosos. O rosto ainda continha traços das guerras passadas, e seus cabelos negros ainda caíam sobre sua face de maneira sombria. Porém, não havia ninguém naquele mundo que me lançasse um olhar mais amável.
— Papai disse que você vinha. — A voz de meu bebê saiu abafada em meu pescoço — Eu esperei todo dia, mamãe... todo dia.
— Ele estava certo, não é? — Eu ri, engolindo as lágrimas de volta.
Jon sorriu para mim e seus olhos cinzentos e duros também estavam marejados. Mas ele não chorava nunca, pois havia aprendido a retornar para dentro suas emoções. Mas ele tocou meus braços e sua testa encostou na minha.
— Dany, minha rainha...
Meu corpo se arrepiou de saudade de sua voz.
— Você veio... — Ele parecia não acreditar — Eu pensei que demoraria.
— Eu já demorei demais, Jon... Demais...
Quando me beijou, não foi como os antigos beijos, sua boca foi paciente sobre a minha. Jon sabia que não precisávamos mais ter pressa, que as lutas haviam terminado e nós estávamos vivos. Assim que retirou os lábios dos meus lentamente, trocamos um tímido sorriso ao ver que Rhaella havia erguido a cabeça para nos olhar com curiosidade. Nós nunca nos beijávamos na frente dela nos breves encontros que tínhamos em Pedra do Dragão.
— Tem que mostrar à mamãe os limoeiros! — Jon a fez rir com uma cócega em sua barriga e ela se virou para mim empolgada, segurando meu rosto.
— Estão cheios de limões, mamãe! — Seus olhinhos me encararam muito de perto. Eram iguais aos do pai, de um cinza profundo, inocentes e voluntariosos.
— Ela encheu as cozinhas de limões. — Contou Jon com ar divertido — As servas nunca resistem aos seus pedidos e cozinham bolos todos os dias com os frutos que ela colhe.
— São meus favoritos, mamãe... — Ela sorria, formando covinhas nas bochechas — E da titia também.
— Quem? — Perguntei confusa.
— Sansa. — Explicou Jon — Sempre foram os favoritos dela.
Me alegrou pensar que Sansa ainda visitava Rhaella, que nunca a havia abandonado naqueles quatro anos.
— Venha! — Jon segurou minha mão — Quero te mostrar tudo!
Naquela tarde eu conheci o meu lar. Andei atrás de Jon, que ia me mostrando tudo com um grande sorriso. E eu seguia absorvendo os detalhes, enquanto a mãozinha de Rhaella seguia presa à minha e seus passinhos entrosavam com os meus. Ela, assim como o pai, me narrava tudo, todos os lugares que descobria naquele castelo e tudo que haviam vivido antes de eu voltar de Essos.
Não havia muitos servos no castelo, a maioria era composta por imaculados. Algumas mulheres dothrakis cuidavam de Rhaella e brincavam com ela ao ar livre. Minha garotinha costumava dar bastante trabalho à elas, pois gostava de brincar com espadas e de dormir no ninho dos dragões sob a luz das estrelas.
Quando a coloquei na cama para dormir, Rhaella me olhou desconfiada pelo canto do olho.
— Quando eu vou te ver de novo, mamãe?
Aquela frase me deixou tão triste... Me lembrou de quando eu não sabia a resposta. Então acariciei seus cabelinhos prateados, jogando-os sobre o travesseiro em que ela estava encolhida
— Amanhã e por todos os dias, meu amor.
Ela não mudou a expressão de desconfiança.
— O que tem, Rhaella? Conte à sua mãe.
— E se nós estivermos sonhando agora? — Ela cochichou com medo e lágrimas quiseram brotar de seus olhinhos de lua — E se eu acordar sozinha? E se a senhora acordar do outro lado do mundo, mamãe?
Eu sorri para ela, mas tive quase o mesmo medo. Então retirei o broche com os três dragões de prata que ficava em meu peito e coloquei na palma da mão dela.
— Quero que fique com ele. Sempre que você acordar e o vir, saberá que estamos os três aqui, as três cabeças do dragão.
Rhaella olhou maravilhada para o broche e depois para mim. Tive certeza de que ela nunca mais se separaria dele. Então ela se ergueu e me abraçou apertado, depois me deu um beijo antes de segurar os três dragões contra o peito e se aconchegar para dormir.
— Boa noite, princesinha.
Havia um adorável sorriso em seu rosto quando dei uma última olhada nela antes de sair para os corredores. Subi o último lance de escadas até chegar aos aposentos reais.
Meu quarto e de Jon ficava na torre mais alta da Fortaleza Branca. De suas enormes janelas se via toda a extensão de Nova Valyria. O território devastado pela Longa Noite agora era um enorme campo verde no qual os dragões brincavam nos ares. As vilas de pescadores cresciam à beira mar, mas o interior daquela nova capital era selvagem, habitada apenas por lebres, gatos selvagens e, obviamente, dragões.
Naquela noite, quando me pus a olhar pela grande janela aberta, as mãos de Jon abraçaram minha cintura por trás e senti seu beijo em meu pescoço.
— Lembro de quando olhava para as estrelas e sonhava com momentos assim. — Eu disse.
— Eu olhava para as estrelas e não sabia se um dia teria isso. — Jon riu com um ar quente em meu ouvido — Não é curioso? Olhamos para as mesmas estrelas e vemos coisas tão diferentes...
Me virei, olhei em seu rosto e havia felicidade nele, assim como havia em mim. Me inclinei quando sua boca se aproximou, deixando que se encaixasse na minha e sua língua me invadisse como um banho morno.
Naquelas horas eu desatei os cordões de suas vestes e ele retirou rapidamente o tecido que me cobria. Fomos nos despindo até estarmos no silêncio daquele quarto, só nós dois sobre a cama macia, no reino que era nosso. Apenas os ventos frescos da primavera faziam música ao percorrer nosso quarto.
Ele não parou de me beijar enquanto se movia para o meio das minhas pernas. Pude sentir a rigidez dele contra a umidade que havia em mim, mas ele não teve pressa. Me acariciou o corpo, enquanto me beijava lenta e profundamente até eu não poder mais. Já estava corada e ofegante quando Jon decidiu que também não podia mais. Ele segurou meu rosto e me olhou. Sua respiração bateu quente em meus lábios enquanto ele entrava lento em mim. Havia prazer e saudade em nossos olhares em doses iguais.
Jon vinha todo em mim e voltava devagar. Repetiu isso algumas vezes até minhas pernas ficarem trêmulas. Então ele me abraçou forte e eu fiz o mesmo, agarrando seus cabelos e fechando os olhos. Naquele instante pensei em tudo que eu havia desejado na vida. Eu queria meu Rei, mas muito mais o meu homem, eu queria o meu reino, mas muito mais o meu lar. Não queria apenas ser chamada de minha rainha em voz alta pelos súditos, mas queria também ser chamada de minha amada aos sussurros em um quarto à meia luz de uma vela. Queria ouvir os sons dos rugidos dos dragões nos céus, mas também o som de risos infantis pelos corredores. Eu queria ser humana, apenas alguém que tem medos e desejos.
E, naquela madrugada, enquanto meu corpo voltava a sentir o amor e o desejo de um homem, e meu coração voltava a sonhar com amanhãs floridos, eu me senti realmente uma rainha. Adormeci naquela cama ao lado dele, com sonhos e esperanças novas para a vida, sem sequer uma gota da solidão que um dia havia sido a sombra negra sobre minha cabeça.
A porta vermelha estaria ali todos os dias. Sua cor me lembraria sempre a infância que não conheci, mas que minha filha conheceria. Me lembraria o sangue derramado pelo caminho que percorri até chegar ao meu lar, sobretudo o sangue dos que eu tanto amei. Me lembraria o fogo em meus olhos e a cor da bandeira Targaryen. A porta vermelha me lembraria sempre que eu tinha vencido todas as guerras e voltado para casa.
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