Os punhos de Jung Hoseok estavam levemente cerrados e seus lábios prestes a exibir um sorriso enorme de satisfação. Finalmente, depois de trocar de avião duas vezes e ter dormência nas pernas no mínimo quatro, a paisagem de Dublin podia ser contemplada por ele, pessoalmente. Ao vivo e a cores.
Com a mochila cheia de guloseimas compradas nas lojas do aeroporto, o rapaz avançou até a rua, retirando de sua única mala de mão a passagem de ônibus comprada antecipadamente pela internet. Hoseok sabia, no momento em que pôs o pé direito na escada do ônibus. Ele sabia que estava apenas iniciando uma das maiores aventuras, senão a maior, dentre seus vinte e cinco anos de vida. Sua primeira missão seria arranjar um lugar para dormir pela próxima semana, ou ao menos pelas três noites seguintes. Enquanto o ônibus se deslocava, rumo ao centro da cidade, Hoseok acabou encostando a cabeça no vidro com fumê da janela, como aquelas personagens de filmes que estavam fugindo de seus destinos. Encarou a tela de seu celular, questionando se deveria trocar a imagem de fundo. O mais sensato a se fazer era aproveitar a viagem e ouvir música boa, ele se convenceu.
Ao contrário do que as pessoas de fora esperavam, Dublin não era só um pedaço verde cheio de duendes e potes de ouro, a cidade trazia a essência quase excêntrica da magia, e essa excentricidade vinha também de seus moradores. O Sol se punha lentamente ao longe, transformando tudo que seus últimos raios tocavam em uma variação de laranja e vermelho. Todos que testemunharam, especialmente Hoseok, haveriam de ficar marcados pelo restante de suas vidas. Lembranças do que o pai lhe dissera antes de morrer surgiram novamente em sua cabeça. Ele encarou o próprio reflexo quase invisível na janela e sorriu, dessa vez em uma intensidade menor do que antes. E com a suavidade de quem está prestes a repousar uma caneta tinteiro sobre o papel, fechou os olhos e fez um pedido silencioso.
O ônibus parou e todos os passageiros apressaram-se em pegar suas coisas para descer, cada um tomando seu próprio caminho. Quando Hoseok arrumou a mochila em suas costas, um jovem que passara esbarrou nele, mas este foi embora sem pedir desculpas ou olhar para trás. A única coisa que o Jung conseguiu ver enquanto um protesto morria em sua garganta foi o emaranhado de madeixas cinzentas daquele que corria mais à frente.
— Certo — Havia bem mais animação em sua voz do que quando ele precisara ficar algum tempo na fila do aeroporto. —, vamos procurar um lugar para dormir!
E com passadas determinadas, a jornada de Jung Hoseok começou.
(...)
Sem saber exatamente como havia parado naquele hostel, Hoseok sentia-se ótimo e sortudo. Pelo menos não dormiria ao relento. O local, intitulado Jacob's Inn Hostel, era visivelmente aconchegante e perfeito aos olhos do viajante. Depois de pagar a semana inteira o Jung foi encaminhado para o quarto que dividiria com outros turistas e mochileiros. Nesse cômodo, as camas estavam dispostas em cubículos na parede, todos com cortinas em um tom claro de cinza para dar mais privacidade àqueles que se hospedavam. Escadas de madeira clara levavam aos cubículos de cima, e Hoseok acabou ficando com um desses. Ele sentia-se suficientemente confortável com o espaço que lhe fora dado. Colocou algumas coisas em uma pequena prateleira que ficava do lado esquerdo. Plugou o carregador portátil na tomada. Pensou em deixar o hostel para explorar a cidade, mas um bocejo acabou com seus planos. Era melhor descansar para aproveitar Dublin e suas maravilhas ao máximo.
O sono demorou para tomar o corpo de Hoseok, assim ele ficou encarando o teto do cubículo por algum tempo. E pouco antes de finalmente cair no sono, ele podia jurar que sentia cheiro de porco assado.
Seus sonhos foram interrompidos mais tarde quando o som de uma risada ao longe o fez despertar. Sem reclamações, o jovem precisou levantar. De acordo com o relógio em seu pulso, estava atrasado vinte minutos para o café da manhã e teria um longo dia pela frente. Hoseok quase se esqueceu de que não estava em casa, apesar de o pequeno cubículo não ser maior que o banheiro de seu apartamento. E de certa forma, em sua boca havia o gosto do porco assado que devorou no sonho. Isso o acompanhou pelo resto da manhã até a hora do almoço, quando resolveu finalmente saciar aquele desejo tão estranho.
Sentado em uma das mesas de madeira que ficavam disposta ao redor do balcão daquela taverna, que pareceu surgir no meio do caminho por pura conveniência, Hoseok aguardava sem euforia o almoço chegar.
As outras mesas estavam todas lotadas de pessoas, a maioria delas parecendo familiarizada com o cenário daquele tipo de ambiente. Sentadas no balcão, um grupo de mulheres bebia cerveja alegremente, rindo de alguma piada aqui e ali. E na mesa praticamente ao lado de Hoseok, um rapaz de cabelos cinzentos lia um livro com certa voracidade. Ele anotava algumas coisas em um caderno também. Apoiava o queixo na mão esquerda enquanto fazia tudo isso, claramente um cara determinado e multitarefas.
Dois garçons de repente apareceram simultaneamente, um na mesa de Hoseok e outro na mesa do tal cara. Ambos pareciam certamente preocupados e sem jeito.
— Com licença, senhor… — disse o garçom que se dirigia ao Jung. —, nós só temos mais um porco assado hoje, e acabamos de perceber que um outro senhor também pediu a mesma coisa. Por acaso o senhor gostaria de mudar o pedido?
Poderia parecer bobagem, mas uma espécie de ira controlada se instalou no coração de Hoseok. Ele bateu na mesa e fez todos os talheres em cima dela tilintarem. Não era de seu feitio ser um babaca, ainda mais em locais públicos, e ele não conseguia entender o que era aquilo. Algo dentro de si lhe obrigava a ficar bravo.
— Por que eu deveria trocar meu pedido? — Sua voz estava baixa, mas refletia a raiva em seus olhos. — Porque o outro cara não troca o pedido dele? Eu estou esperando esse porco assado faz uns quarenta minutos! Não posso admitir uma coisa dessas.
— Mas senhor… — O garçom tentou apaziguar a situação, porém não obteve êxito. E na outra mesa, o rapaz de cabelos cinzentos ergueu-se, com os punhos cerrados. A comoção foi tão grande que todos pararam o que estavam fazendo para olhar o que aconteceria em seguida.
— Você! — exclamou o rapaz, caminhando até a mesa de Hoseok e de repente socando-a. — Retire o pedido, aquele porco assado é meu!
— O que te faz pensar assim? — o Jung gritou, levantando-se também. Ele não queria, mas até aquele ponto, algo parecia controlar suas ações e não havia nada que ele pudesse fazer sobre isso. — Eu quero esse porco assado tanto quanto você, seu… Seu…
— Ah, temos aqui um cara que não sabe brigar. — O jovem de cabelos cinzentos riu. Hoseok percebeu que ele também possuía traços asiáticos, e franziu o cenho. Aquela cor de cabelo incomum…, devia ser o mesmo cara que esbarrou com ele no ônibus e sequer pediu desculpas. Aquilo só aumentou sua raiva.
— Seu bastardo maldito! — gritou. As pessoas ao redor pareciam surpresas com o rumo da discussão. Os garçons saíram correndo para dentro enquanto outros apareceram para apartar a briga. Hoseok e o desconhecido agora rolavam no chão do estabelecimento, trocando socos e xingamentos. Os garçons enfim conseguiram separá-los, e ambos se encararam com raiva.
— Você vai ver!
— Deixa eu terminar o serviço na sua cara, seu merda! — disse o outro rapaz.
— Vão terminar isso lá fora — exclamou um homem alto. Seu bigode era extremamente grosso, como um daqueles personagens de desenhos animados. —, tirem esses loucos da minha taverna. Estão assustando os clientes.
Assim, Hoseok e o desconhecido foram arrastados até a porta dos fundos e foram jogados em um beco. Antes da porta se fechar com um estrondo atrás deles, ouviram algum dos garçons dizer “e não voltem nunca mais!”. O Jung limpou um pouco do sangue que escorria do canto de sua boca e se pôs de pé, batendo nas roupas para tirar a sujeira delas.
— Droga de porco assado — murmurou.
O jovem de cabelos cinzentos se levantou também e fez o mesmo, limpou suas roupas e um pouco de sangue que escorria de sua sobrancelha esquerda.
— Você que começou essa maldita briga — disse ele.
— Você que chegou na minha mesa como um louco, não ponha a culpa inteira em mim! — Hoseok exclamou. — E você nem sequer pensou que poderíamos ter dividido a droga do porco, não é?
— E por que você mesmo não deu essa ideia?
— Ora, porque eu… — O Jung acabou por suspirar. —, não pensei nisso na hora.
— E mais uma vez o porco assado os uniu. ㅡ Soou uma terceira voz, ao fundo do beco.
— Talvez seja o destino fazendo uma piada ㅡ disse outra voz, vinda do mesmo lugar.
— Talvez o destino tenha um senso de humor questionável.
E assim três figuras surgiram, caminhando na direção dos dois jovens, ainda parados ali encarando-as sem entender. Eram mulheres, uma delas, loira e vestida de branco. A do meio possuía madeixas castanhas e vestia vermelho, e a terceira era um pouco mais velha, grisalha debaixo do capuz negro que cobria seu rosto. Elas carregavam três cestas distintas, e estas estavam fechadas. Uma delas, a morena, aproximou-se um pouco mais. O suficiente para estar de frente para Hoseok e encará-lo nos olhos.
— Olá, Oisín, o poeta. Vejo que se adaptou bem a esse mundo — Ela sorriu enquanto colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha. ㅡ, e você, Fionn. — Voltou-se para o desconhecido mais atrás. ㅡ, parece jovem, bem mais desde a última vez que o vi.
— Mas… desculpe senhora, você deve estar me confundindo com alguém — disse Hoseok, hesitante.
— Na verdade, senhor Jung ㅡ A mulher loira também se aproximou. ㅡ, nós não estamos confundindo nenhum dos dois.
— Acho que eles não têm lembranças de nada ㅡ disse a mulher grisalha. ㅡ, vocês duas estão assustando-os. Apressadas como sempre. Permitam-me assumir a frente desse tão importante diálogo.
De dentro de sua cesta, a mulher retirou uma espécie de trompa, ela estava ornada de prata por toda a sua extensão.
— Sabem o que é isso, meus caros? — ela questionou, esperando alguma resposta de um dos dois.
Atrás de Hoseok, o desconhecido se agitou, sem palavras. Avançou de maneira desconcertada até a mulher enquanto murmurava consigo mesmo.
— Esses adornos prateados… O formato. Uma perfeita representação da Dord Fianna. Como fizeram isso?
— Kim Namjoon, correto? Não é uma representação. É a trompa que deveria despertar os guerreiros Fianna, e nós tocamos ela — disse a mulher de cabelos castanhos. — Pode parecer loucura, mas sabemos quem vocês são. E vocês estão aqui porque tocamos essa trompa.
Hoseok claramente não estava entendendo nada, franziu o rosto, sem palavras. O único motivo dele estar ali era… Era derramar as cinzas do pai sobre o local onde ele mesmo havia nascido vinte e cinco anos atrás.
— A trompa deveria despertar todos os guerreiros Fianna para proteger a Irlanda, mas as guerras por aqui acabaram há muito. Entretanto, só vocês dois acordaram, Fionn e Oisín. Um herói e um poeta. A Irlanda está à salvo, só que o perigo maior assola a terra dos Tuatha Dé Danann, e vocês devem salvá-los. Salvem Mag Mell — disse a velha senhora.
— Salvem o Paraíso, essa é a missão de vocês.
— Mas… Isso não faz o menor sentido — disse Namjoon. — Por que deveríamos confiar em vocês, três mulheres estranhas que encontramos em um beco escuro no meio do dia? — questionou, claramente perturbado com o que estava acontecendo.
— Porque no fundo da sua consciência, Kim Namjoon, você sabe o que deve ser feito. Você sabe que é Fionn Mac Cumhaill, e o seu destino é cumprir a sua missão. O destino de ambos. — A mulher apontou para Hoseok. — E você, Oisín. Seu dever é fazê-lo ver a verdade e acreditar nela, sem você morreremos.
— Espera um segundo…, ei! — Hoseok exclamou, mas as mulheres começaram a ficar turvas. Sua visão estava turva. Ele encontrou forças para apenas gritar — Esperem!
— Fionn Mac Cumhaill e Oisín, o poeta. Cumpram o que está escrito e salvem Mag Mell. — As palavras delas soaram em uníssono. — Salvem-nos.
Em uma questão de segundos, as mulheres sumiram. Tudo que Hoseok conseguia ver agora era o rosto embaçado de Namjoon, caído no chão assim como ele. De repente, o que era apenas turvo se tornou escuridão. Hoseok apagou, e Namjoon também.
(...)
Namjoon abriu os olhos, mas encontrou apenas escuridão. Suas costas doíam e sua cabeça latejava, mas o que realmente incomodava era não poder ver absolutamente nada. Tateou o local onde estava deitado e suspeitou ser algo de pedra. Uma leve brisa passava por aquele lugar escuro, então deveria ter no mínimo alguma saída ou pequena fresta na parede. O Kim colocou os pés para fora do que ele deduziu ser uma cama de pedra e saltou para a escuridão, logo alcançando o chão que inicialmente não estava tão longe de seus pés. Caminhou pelo breu por algum tempo, procurando a origem da brisa, mas esbarrou em algo. Algo alto. Algo humanoide. Algo perigoso. Uma estátua de pedra com pouco mais de um metro e oitenta. Tateou o rosto dela e descobriu uma barba de pedra, os olhos provavelmente fechados e o que quer que fosse aquilo ao redor de seu corpo. Ao avaliar que não havia perigo ali além daquela estátua, resolveu deixar o pânico de lado e recuou alguns passos na escuridão.
Namjoon sentiu uma mão tocar suas costas de repente e virou-se com um grito. Nesse meio tempo, as luzes foram ligadas. Ou melhor, as tochas foram acesas, revelando o rosto assustado de Hoseok, que tremia consideravelmente.
— Meu Deus, que bom que é você. — Namjoon recebeu um abraço apertado do jovem em pânico e acabou retribuindo. — Eu achei que uma dessas malditas estátuas tivesse criado vida, cara. Eu achei que fosse morrer...
Ainda nos braços de Namjoon, Hoseok acalmava-se gradualmente, sentindo o coração voltar a bater como antes, nem tão rápido e nem tão lento. Os pelos de sua nuca se arrepiaram ao sentir a brisa, e por isso ele abriu os olhos para procurar sua origem. Tudo que encontrou foi um mar de estátuas de pedra, todas de homens e mulheres trajando partes de armaduras, espadas e arco e flecha. Todas com os olhos fechados, como se estivessem em um sono profundo quando petrificadas. Afastou seu corpo do Kim, deixando de sentir seu calor para mergulhar no frio da caverna novamente.
— Ah, desculpa por esse abraço estranho. — Tentou não parecer desconcertado e voltou a observar a sala. — Você tem alguma ideia de onde podemos estar? — questionou.
— Sinceramente… não tenho a mínima ideia. Mas há um corredor ali, e suspeito que a brisa esteja passando por ele. É uma possível saída — disse o Kim, tentando arrumar seu cabelo apenas ao passar os dedos por ele.
— Mas essas estátuas… — Hoseok se virou e encarou as camas de pedra. Em cima de uma delas haviam alguns pergaminhos abertos. — E o que é isso? — Ele caminhou até lá e tomou as escrituras em mãos. Entregou uma delas a Namjoon, que deu uma olhada rápida antes de tirar suas primeiras conclusões.
— A história de Fionn Mac Cumhaill, um herói da mitologia celta… E seu filho Oisín, um poeta guerreiro.
— Aquelas mulheres nos chamaram disso, será que há alguma ligação? — Hoseok questionou, já sentindo o gostinho da possível aventura.
— Impossível, é só mitologia — Namjoon retrucou. —, vamos embora.
— Mas… — Hoseok leu uma parte da história e olhou para o rapaz de cabelos cinzentos. —, aqui diz que eles se encontraram pela primeira vez quando brigaram por um porco assado! Não pode ser coincidência.
— Mas nós não somos parentes, somos meros desconhecidos que, por uma piadinha do destino, brigaram por um porco assado também. Não é nada demais, vamos embora.
— Não é nada demais? — exclamou Hoseok. — Como explica acordarmos aqui? E aquelas mulheres saberem nossos nomes? Elas simplesmente sumiram naquela hora. E se elas estavam certas e nós temos uma missão? — O jovem olhou para Namjoon de maneira quase suplicante.
— Se você quer agir como uma criança, vá em frente. Eu nem te conheço…, estou indo — disse ele, apressado em dar o fora daquele lugar assustador.
— Por favor, cara. Elas disseram que eu faria você acreditar, me dê ao menos o benefício da dúvida. Eu não sei porque tenho tanta certeza, mas eu sinto isso. — O Jung correu atrás de Namjoon e segurou seu braço sem força. Mesmo através do tecido do casaco do prateado, ele sentia o calor incomum que emanava dele toda vez que o tocava. Era estranho e acolhedor.
— Eu não… — Namjoon suspirou ao encarar Hoseok, tentado a desistir de uma explicação racional para tudo aquilo.
— Você disse que não nos conhecemos, pois bem. Meu nome é Jung Hoseok, eu nasci aqui na Irlanda, mas cresci na Coréia do Sul — disse o jovem, tentando manter a empolgação.
— Certo… Eu sou Kim Namjoon, sou coreano e professor. Trabalho em uma universidade dos Estados Unidos.
— Viu só? Não foi difícil. — Um sorriso surgiu nos lábios de Hoseok, mas ele logo praguejou. O canto de sua boca ainda estava ferido pelo soco que levou antes.
— Podemos sair desse lugar agora? — Namjoon questionou, meio desconfortável. — Aqui me dá náuseas.
— Eu aceito. Essas estátuas são assustadoras.
Então ambos os rapazes, agora um pouco mais do que meros desconhecidos, avançavam para fora da estranha caverna, assustados e curiosos com o que aconteceria. Hoseok, agarrando um pedaço de tecido da manga do rapaz de madeixas cinzentas, tinha quase certeza de que o destino os unira agora, e não só pela piada, ou por coincidência. Eles tinham algo importante a fazer juntos.
E alcançar a luz no fim do túnel era o primeiro objetivo. Na verdade, o termo correto deveria ser “a luz na entrada da caverna” para aquele caso. Do lado de fora, a brisa carregou até eles o cheiro das plantas que agora estavam bem mais perto do que antes. Hoseok e Namjoon observavam a paisagem do alto de uma colina, onde um buraco levava à caverna em que acordaram. Árvores altas os cercavam, e plantas que eles nunca haviam visto antes cobriam o chão. Algumas delas cintilavam como pedras preciosas, outras se moviam de acordo com o vento.
— E… Eu continuo não tendo a mínima ideia de onde estamos — Namjoon murmurou, maravilhado com aquele mundo de diversidade que se estendia por uma incógnita de metros para todos os lados.
— Eu também não sei… Isso é ruim? — Hoseok questionou, ainda segurando a manga do outro sem perceber.
— É, se você considerar que estamos perdidos…
Sem poder concluir seu pensamento, Namjoon ouviu um som estranho ao longe, parecido com o ladrar de vários cães ao mesmo tempo, este seguido de estalos. Franziu o cenho e olhou para o Jung ao seu lado, questionando-se se ele também tinha ouvido. Hoseok assentiu, um pouco surpreso.
— Que merda é essa?
— Sugiro que a gente corra — outra vez os cães ladravam, mas claramente bem mais perto. Os estalos ocorreram novamente, e então Namjoon deduziu que eram árvores caindo. Muito ruim? Sim, muito ruim.
O Jung encarou o prateado com certa determinação e agarrou seu braço direito, puxando-o colina abaixo, na direção contrária do que estava bravo ao ponto de destruir uma floresta. Eles atravessaram um emaranhado de arbustos altos e avançaram entre as árvores, com Namjoon rezando para que elas fossem o suficiente para escondê-los. Passaram por uma flor estranha que crescia ao redor de um carvalho enorme, ela brilhava levemente enquanto o carvalho parecia estar morrendo. Uma planta parasita.
Hoseok acabou tropeçando em uma das raízes dessa mesma árvore e deu de cara com o chão. Seu rosto estava sujo de terra e tinha alguma dela em sua boca também. Ele a cuspiu e tentou limpar, mas não conseguia ver direito.
— Precisamos ir — o Kim insistiu enquanto olhava para trás, apreensivo.
— Eu preciso enxergar para correr…, acho que tem terra nos meus olhos, o que faço? — Hoseok praguejou baixinho, esfregando com força todo o seu rosto. O chão perto deles pareceu tremer levemente, e logo os rapazes descobriram o porquê. Mais uma vez cães ladrando, só que dessa vez bem ao lado deles, soou na floresta. Mais árvores derrubadas.
— O que é essa coisa? — O Jung piscou algumas vezes, curioso.
— Acho que o certo é: Esses cachorros estão com raiva? — Namjoon engoliu em seco, mas quase vomitou seu estômago quando uma árvore enorme caiu bem ao lado deles.
— Abaixa! — o Jung gritou, puxando o outro para o chão junto com ele. O carvalho deveria lhes dar cobertura naquela situação. Para a felicidade de Hoseok, ele conseguia pensar em várias e várias soluções, só não sabia como realizá-las.
A coisa que estava cheia de ira era visível agora para ambos os jovens. Uma figura muito parecida com a quimera da mitologia grega, só que seu pescoço e sua cabeça eram de uma serpente, o tronco e as patas de um leopardo e possuía também cascos de cervo. Hoseok arregalou os olhos ao testemunhar tamanha bizarrice.
— Besta Ladradora… ㅡ Namjoon sussurrou. —, ela envenena as fontes de água em que bebe. Está sempre com sede…
— Sem empolgação para fatos curiosos agora, Professor Kim. Nós podemos morrer — Hoseok rebateu rapidamente, sua voz tão baixa que apenas o cinzento ao seu lado conseguiu escutar.
Eles precisavam de um plano para escapar daquela coisa que os perseguia sem nenhuma razão aparente. O Jung franziu o cenho, prestes a perguntar a Namjoon se ele possuía a cara de uma fonte de água. Suas questões teriam que esperar, porque seu novo amigo tinha um plano. Perigoso, mas ainda um plano.
Kim Namjoon encarava um dos galhos da árvore que os abrigava. Ele possuía todos os requisitos para se tornar uma bela lança, boa o suficiente para matar um monstro mitológico… ou ao menos atordoá-lo o suficiente para que os rapazes pudessem fugir sem olhar para trás. Sabendo da leve irracionalidade de seus atos, Namjoon afastou-se de Hoseok e começou a escalar a árvore com certa dificuldade.
— Que merda você está fazendo? — Hoseok gritou silenciosamente, se é que isso é possível.
— Salvando a sua bunda. Quando eu der o sinal, distraia a Besta. — O Kim apoiou-se em um galho grosso e arrancou com um estalo o que ele considerara ideal para o plano.
Pôde ver a Besta Ladradora olhar ao redor, procurando pela origem do som. Retirou do bolso um pequeno canivete, logo vendo o tempo que duraria para esculpir uma lança e admitindo que tinha poucos minutos para concluir sua ideia maluca, teria que arranjar um outro método. E rápido. Tirou o cinto da calça e deu um jeito de amarrar o canivete na ponta do pedaço de madeira da maneira mais firme possível. Sentiu uma pontada de orgulho e medo, mas optou pelo orgulho para guiá-lo. Bateu no tronco da árvore com a lança improvisada, o sinal de que Hoseok precisava para dar início à ação.
O jovem retirou alguns de seus fios de cabelo negros do rosto e ergueu o polegar em um sinal de “entendido, chefe”. Levantou-se e gritou o mais alto que pôde para que a Besta pudesse vê-lo. Tentava não tremer, pois aquela era a única chance, e além do mais ele confiava em Namjoon. Ele precisava confiar.
A criatura se aproximara, ladrando como trinta cães raivosos. Hoseok recuou alguns passos, determinado. Em seus pensamentos ele gritava “agora!”. E na terceira vez, os céus atenderam seus pedidos. Namjoon se jogou em cima da Besta e perfurou sua cabeça de serpente com a lança improvisada. A coisa agora chorava como trinta cães, morrendo lentamente. O Kim caiu de cima dela, bem na frente de Hoseok, que tremia como se estivesse preso em um freezer.
— Eu achei que fosse morrer — murmurou ele. —, de novo!
O jovem de madeixas cinzentas respirou fundo e sorriu pela primeira vez desde que ele e o moreno se conheceram.
— Não no meu turno, Hoseok. Não no meu turno…
(...)
Civilização, era o que eles queriam. Comida, o que eles precisavam. Explicações também, mas um pouco menos que a comida. Desejaram com afinco, e logo chegaram ao ponto de encontrar o que procuravam. Pessoas.
— Namjoon, olha para esse lugar. — Hoseok estava quase tão surpreso quanto quando teve a honra de encarar a morte nos olhos de serpente daquela quimera maluca.
Haviam pessoas em uma enorme piscina natural com a água em um tom verde esmeralda. Algumas delas rindo e conversando, com bebidas nas mãos ou sendo alimentadas por outras pessoas que rondavam a borda com cestas de fruta. Um pouco mais longe, Hoseok conseguiu ver um local que cintilava quando em contato com o Sol, provavelmente feito de ouro. Uma fonte ao lado da piscina natural jorrava um líquido estranho, como mel, só que um pouco mais dourado. A fome dos dois rapazes só aumentou.
Um homem barbudo e grisalho cerrou os olhos na direção de onde Namjoon e Hoseok estavam, ele tentava enxergar quem eram. Com uma exclamação alta o suficiente para todos dali ouvirem, ele riu alegremente.
— Fionn! Quanto tempo, meu jovem! — Nadou até a borda da piscina e saiu de dentro dela, revelando-se completamente nu. Hoseok não poderia dizer que era estranho em voz alta, mas o desconhecido possuía a saúde de um garoto de vinte anos. Deu graças a isso silenciosamente e exibiu um sorriso forçado.
— Me desculpe cara, mas eu não sou… — Namjoon fora interrompido pelo moreno ao seu lado, que sussurrou algo como “não contrarie um velhote fortão”.
Ambos os rapazes se entreolharam, sem saber exatamente o que dizer.
— Oisín, você parece mais magro desde a última vez…, precisa se alimentar melhor se quiser ser um guerreiro forte como eu. — Hoseok recebeu um abraço apertado do homem nu e esforçou-se para não desmaiar.
— Vou seguir seu conselho… — murmurou, afastando-se lentamente do velhote.
— Meus caros, estou sabendo da nova missão de vocês e devo alertá-los, é quase tão perigosa quanto a guerra com os Milesianos… — O homem cruzou os braços, assumindo uma expressão pensativa.
— Cúchulainn, não perturbe os nossos heróis se seus dias de glória já passaram… Fionn e Oisín precisam ser preparados para a batalha — disse um homem alto e aparentemente um pouco mais jovem. Ele vestia uma túnica, que deixava os músculos de seus braços a mostra. Seus cabelos acinzentados desciam até metade do ombro, cobrindo suas orelhas pontudas. Eram de um tom mais claro que o de Namjoon. — Vocês dois não me conhecem pessoalmente — disse de maneira ríspida. —, mas eu sou Lugh Lamfada, deus dos raios de Sol e da Luz. Preparei as armas para a primeira guerra, prepararei para essa também. Sigam-me.
Namjoon encarou Hoseok, que agarrou novamente seu braço e esperou ele se mover para ir logo atrás. As risadas das pessoas soavam da piscina, todas elas parecendo não dar a mínima para toda a cena e a presença dos “Novos Heróis” ali. Deduzindo que seguir Lugh era a única coisa racional a se fazer, o Kim respirou fundo e correu para alcançá-lo junto com Hoseok.
Era uma cidade construída em pedra e ouro, cercada de árvores altas e vegetação brilhante. Haviam templos espalhados aqui e ali, erguidos sobre colinas ou perto de fontes que jorravam uma substância azul cintilante. Hoseok queria tirar o celular do bolso e bater uma foto de todas aquelas maravilhas, mas ele não o encontrou em lugar nenhum, por isso franziu o cenho. Antes que pudesse questionar a Namjoon se ele ainda possuía seu celular, pararam de repente. Estavam agora encarando uma caverna enorme ao lado de escrituras gravadas em pedra. A entrada estava demarcada por dois pilares que sustentavam uma espécie de pequeno telhado, como uma varanda de casas de veraneio. Lugh adentrou sem hesitar, começando a falar algo sobre uma espada e a missão que os garotos precisariam cumprir. Hoseok não entendeu muito bem, só conseguia pensar na maldição que haviam imposto sobre ele, estar sempre dentro de cavernas.
Os jovens acabaram seguindo Lugh para dentro da caverna. Caminharam alguns minutos por um enorme corredor de pedra que levava para baixo, e no final dele encontraram a fonte do calor que sentiram o caminho todo até ali. Haviam, no mínimo, quatro fornalhas espalhadas, mesas cobertas de pedaços de ferro, moldes de espada e espadas em si. Haviam fontes de lava e prateleiras preenchidas com materiais brutos e ferramentas. Em cima de uma das mesas ao lado de um objeto que parecia com uma lamparina, mas o fogo dentro dele brilhava azul, havia uma maquete de um barco, feita nos mínimos detalhes. Hoseok se lembraria daquilo, mesmo se ele não quisesse.
Lugh parou de andar quando alcançou uma das mesas.
— Eu sei que vocês devem estar confusos sobre tudo isso, já era de se esperar…, mas parte da missão de vocês é completar algo para mim — disse o deus, olhando para o molde em cima da mesa de madeira.
— Senhor… Senhor Lugh, mas que tipo de coisa nós temos que completar? — Hoseok questionou, temendo um pouco a resposta.
— Minha espada. Ela foi perdida há tempos… As histórias contadas sobre ela dizem que podia cortar qualquer coisa, e essas histórias estão certas. Degolei Balor com aquela espada, e vocês haverão de acabar com seus inimigos utilizando-a. — Os jovens notaram a faísca de nostalgia nos olhos de Lugh e Namjoon ousou perguntar:
— Mas se ela está perdida, como vamos usá-la?
O deus respirou fundo, encarando novamente o molde em cima da mesa.
— Vocês irão forjá-la. Ainda há parte do diamante que foi usado para criá-la e o molde está guardado desde aquela época. Com a minha ajuda, vocês salvarão Mag Mell. — Lugh deu as costas para os heróis e caminhou até um baú, ao lado da mesa com a maquete do barco. Ele tocou o cadeado, que se abriu com um click. Com as duas mãos, retirou dali um molde parecido com aquele que os jovens viram segundos atrás em cima da outra mesa.
— Isto... — Lugh levou-o até uma bancada. —, nós vamos começar agora, temos pouco tempo até a invasão e depois vocês precisarão falar com Manannan Mac Llyr para as próximas instruções. Peguem os martelos na bancada.
Hoseok e Namjoon fizeram o que lhes fora mandado, logo aparecendo na frente do deus com os materiais. Pelo que entenderam, precisariam transformar o diamante em líquido para colocarem-no no molde e resfriarem. Depois o modelariam em uma bigorna especial e fariam o cabo da espada com ouro do templo de Lugh. Seria difícil, mas para o Kim e o Jung, teria de ser o suficiente.
No calor das fornalhas, Namjoon às vezes olhava para Hoseok rapidamente para saber se ele estava bem, se não havia se queimado ou machucado no meio do processo. Sim, havia apenas um dia desde que se conheceram, e as primeiras impressões não foram as melhores…, mas fazer o quê? Jung Hoseok era o que impedia o Kim de perder completamente a cabeça, seu elo com o mundo real… com o mundo mortal. Era como uma corda que o prendia na superfície. Se essa corda se quebrasse, ele estaria perdido. De vez em quando notava o moreno enxugar o suor da testa com a manga suja da camisa, que ele havia enrolado até metade do antebraço. O canto de sua boca ainda estava vermelho do soco que o próprio Namjoon desferiu em seu rosto mais cedo. Arrependia-se disso, se não o tivesse feito talvez o moreno sorrisse um pouco… iluminasse um pouco mais o ambiente.
Lugh retirou a lâmina do molde e a colocou sobre a bigorna mágica, que brilhou levemente assim que o contato foi feito.
— Utilizem os martelos e golpeiem — disse ele, uma expressão séria estava presente em seu rosto. ㅡ, e ela vai se transformar de acordo com as identidades de vocês.
Hoseok e Namjoon se entreolharam, meio surpresos pela informação que acabaram de receber. Respiraram fundo quase em sincronia e golpearam, um após o outro, a lâmina fumegante. Ela se modificou, tornando-se de repente apenas uma coisa sem forma, e depois voltou a ser uma espada. Lugh ergueu a mão direita para que os jovens parassem. Levantou a lâmina com o pegador que a segurava e mergulhou-a em um caldeirão ao lado da bigorna.
Fumaça subiu diante de Hoseok e Namjoon, e seus olhos brilharam, curiosos em saber o que aconteceria depois. Quando o deus ergueu a lâmina, viram seus reflexos nela. Ela cintilava como o diamante especial que derreteram para fazê-la.
— Tragam aqui o cabo, vamos finalizar.
O Jung correu até uma outra mesa, onde o cabo que fizeram antes estava repousando. Era puro ouro, envolto em prata. Surpreendentemente leve, Hoseok poderia segurá-lo com uma mão sem esforço. Entregou-o para Lugh, que sorriu abertamente, encaixando a lâmina no cabo. Criando assim a segunda versão de sua poderosa espada. A arma que salvaria Mag Mell. O deus se afastou, caminhando até o baú que antes guardava os diamantes. Retirou de lá uma bainha de couro e entregou-a a Namjoon.
— Vão até Epona, nos estábulos. Ela sabe o que devem fazer em seguida. — Ele entregou a espada a Hoseok, que se sentiu revigorado ao segurá-la. Era como se houvesse uma onda de poder extra percorrendo suas veias naquele instante.
— Muito obrigado, senhor Lugh — disse o Kim, curvando-se em reverência.
— Eu os agradecerei quando completarem a missão, Novos Heróis. Agora vão, nosso futuro depende de vocês.
(...)
Já estava escuro quando Namjoon e Hoseok deixaram a caverna de Lugh. Ambos estavam cansados da tarde que passaram trabalhando na forja do deus da Luz. Seguiam por uma trilha de pedras em silêncio, um ouvindo a respiração regular do outro. Como em total sincronia, seus olhares se encontraram e eles abriram as bocas para falar ao mesmo tempo. Namjoon acabou desistindo do que quer que fosse dizer e deu a palavra a Hoseok, que carregava a espada mágica na bainha de couro pendurada em suas costas.
— Você acha que estamos tendo um sonho? Podemos ter sido drogados por aquelas mulheres no beco…, podemos estar lá agora e isso tudo ser uma espécie de… Alucinação compartilhada, não sei. — Ele respirou fundo. — É tudo tão irreal.
Namjoon permaneceu em silêncio, pensativo. Será que o Jung estaria deixando de acreditar aos poucos? Era tudo muito maluco, sim. Mas aquela aventura parecia cada vez mais real aos olhos do Kim a cada momento que ele partilhava com Hoseok. Se fosse mentira, a projeção que ele fizera do moreno ao seu lado era apenas algo da maneira que ele queria que fosse. Pensar nisso chegava a desapontá-lo um pouco.
— Se for uma alucinação compartilhada, para mim tanto faz. A dúvida vai acabar conosco…, vamos viver esse sonho até o fim. — Ele acabou exibindo um sorriso sem mostrar os dentes. — Fico feliz em ter te conhecido, mesmo que nessas circunstâncias tão… incomuns.
Quando Namjoon sorria, suas covinhas apareciam. Mesmo que seu rosto estivesse sujo e o cabelo bagunçado, Hoseok ainda podia apreciar aquela beleza que havia notado enquanto lutavam contra a Besta Ladradora.
— Também fico feliz em ter te conhecido.
Os jovens pararam ao ouvir um cavalo relinchar. À frente deles estava o estábulo para onde Lugh os mandara. O lugar era iluminado por vários daqueles objetos parecidos com lamparinas que os heróis viram na casa do deus da Luz mais cedo. Uma mulher estava de costas para eles. Seus cabelos ruivos estavam presos em uma trança enfeitada por folhas e flores de várias cores. Notaram que suas orelhas eram como as de Lugh, pontudas.
— Com licença, senhorita… — Hoseok se aproximou. —, nós fomos enviados até aqui por…
— Lugh — Ela se virou para o jovem, sorrindo abertamente. O Jung podia jurar para si mesmo que vira asas cintilarem atrás dela. Esfregou os olhos com a mão esquerda e franziu o cenho. —, não achei que fossem terminar tão cedo. Vocês devem estar cansados, Novos Heróis. Vou deixar que durmam na estalagem atrás do estábulo hoje.
Sem conseguir negar ou questionar, Hoseok deixou a mulher guiá-los até a tal estalagem. Alguns cavalos relinchavam, outros se aproximavam para checar a chegada dos novos visitantes. Ao longo do caminho, a mulher parecia conversar com eles, acalmando-os ou contando quem eram aqueles dois atrás dela. Namjoon parecia mais pensativo do que o normal, um pouco de seu cabelo cobria seus olhos. O cinza estava sujo, um pouco mais escuro que o normal. A mulher abriu a porta de madeira do enorme estabelecimento e deixou que eles entrassem.
— Sejam bem-vindos e sintam-se em casa. Eu sou Epona. Como podem ver, gosto de cavalos. — Ela exibiu um belo sorriso. Seus olhos eram verdes, porém pareciam mudar de cor de acordo com a iluminação. Vestia uma túnica verde escura, ornada em fios dourados. Todo mundo naquela vila devia gostar bastante de ouro, presumiu Hoseok.
Como ela mesma disse, parecia mesmo gostar de cavalos. Haviam estátuas de equinos esculpidas em madeira por todos os lados, imagens em quadros aparentemente pintados à mão e gravados nas portas. Uma escada levava ao segundo andar, e ao lado de onde estavam havia um sofá, perto de uma mesa de jantar de madeira. Era quase como uma das casas antigas que Hoseok viu em suas viagens anteriores.
— Tomem um banho lá em cima e vão descansar, amanhã vocês têm muito trabalho a fazer — disse Epona, indo até as escadas com passos leves, parecendo sequer tocar o chão com seus pés. — Terão roupas limpas esperando por vocês.
Ela deu espaço para os jovens passarem e Hoseok jurou ter ouvido a mulher respirar fundo quando eles estavam subindo. Convenceu-se de que estava tudo bem e puxou o braço de Namjoon assim que eles estavam fora do campo de visão dela.
— Kim, você está bem? — questionou, visivelmente preocupado com o novo amigo.
— Ah, claro que estou bem… Dou até graças a Deus por esse banho, mas… “Epona”. Já vi esse nome nas histórias da mitologia celta. Se não estou enganado, é uma das deusas mais importantes. — Ele continuou andando até abrir a porta do primeiro quarto. O Jung apenas o seguiu para dentro, fechando-a assim que passou.
— Como Gaia, deusa da terra? — Ele franziu o rosto.
— É, quase isso. — Namjoon encarou a cama e os cobertores de pele. Desejou poder apenas deitar-se e dormir, mas um banho esperava por ele. Ao ver apenas uma única cama no quarto, virou-se para Hoseok, que parecia levemente surpreso.
— Vamos… dividir uma cama? — ele questionou em tom baixo.
A porta do cômodo se abriu, revelando Epona segurando dois baldes de madeira com escovas e sabão.
— Desculpem, mas um de vocês terá de dormir no outro quarto… Isso é, se não quiserem dividir essa cama. Bem, foi apenas uma informação válida. — Hoseok olhou para Namjoon novamente e se afastou, sentindo-se inquieto.
— Eu… Eu vou indo, então. — Passou por Epona, que lhe entregou um dos baldes e colocou o outro rente à porta do quarto para que o Kim pegasse.
— Boa noite, garotos! — disse ela. — Agradeçam que não há goblins aqui para atazaná-los.
A porta se fechou, deixando Namjoon sozinho com seus pensamentos, e a imagem do Jung desconcertado ao saber que eles poderiam ter que dividir uma cama pairando em sua mente. Ele acabou sorrindo, logo indo até seu balde em silêncio.
Já Hoseok, no outro quarto, sentia o coração bater um pouco mais rápido que o normal. Não era uma crise de pânico, ele não suava frio e nada lhe assustava. Respirou fundo e sentiu o silêncio do cômodo incomodar mais do que deveria. Ele pesava, e a solidão também. Logo o jovem colocou a espada embainhada sobre a cama e despiu-se rapidamente, pegando a toalha dobrada em cima do baú grande que deveria servir para guardar roupas. Presumiu que a porta à direita fosse o banheiro, então foi até ela e entrou.
Estava certo. O lugar possuía uma banheira grande de madeira, como nos filmes medievais que Hoseok assistia de vez em quando. Era iluminado por velas e havia um barril mais atrás, provavelmente cheio de água. Exatamente no outro lado do cômodo havia uma porta igual à do quarto do Jung, e ela se abriu, revelando Namjoon com uma toalha enrolada na cintura. Ambos se encararam pelo que pareceu uma década, surpresos demais para esboçar qualquer palavra. Hoseok recuou um passo.
— Eu posso sair, você pode tomar banho primeiro. — Apontou para trás com o polegar. Ficou observando o Kim caminhar até o barril e olhar para dentro dele.
— Não há mais água aqui, então…, seria melhor dividirmos. Eu não sei. — Namjoon escondia-se na escuridão e atrás de suas madeixas prateadas. Estava um pouco nervoso, mas não queria estar. Hoseok era alguém que ele havia acabado de conhecer, não poderia simplesmente estar sentindo algo sobre ele. Enquanto se encaravam, não pôde deixar de notar seu corpo. Imaginou o calor que ele emanava e suspirou mentalmente.
— Ah, tudo bem para mim. — O clima não estava exatamente a coisa mais relaxada do mundo, mas era bem mais suportável do que ficar trancado sozinho em um quarto. Não era desconfortável de verdade estar com Namjoon, era uma coisa boa para Hoseok. Ele só se sentia exposto demais.
Os jovens se aproximaram da banheira e entraram nela, um de costas para o outro. A água estava fria e o Kim pôde sentir o moreno tremer levemente de início. Suas peles se roçavam e o calor que Namjoon apenas imaginou antes agora podia ser sentido por ele. Talvez fosse o clima, o frio da água… Ele não sabia, só queria sentir aquela sensação um pouco mais. Engoliu em seco e, para quebrar o silêncio constrangedor, questionou:
— Você ainda acha que estamos em uma alucinação compartilhada?
Hoseok retirou as coisas de dentro de seu balde e usou-o para coletar água e jogá-la em si mesmo em seguida.
— Sinceramente..., não. Acho mais provável que morremos e esse é o céu… ou o inferno. Ou o limbo, eu não sei. — O moreno riu, virando o rosto para olhar o amigo. Ele continuava tremendo, mas por conta da água que agora cobria todo o seu corpo.
— Então quer dizer que se aventurar comigo é algo digno de uma punição do inferno? — Namjoon franziu o cenho e Hoseok riu um pouco mais. Ele sentiu o clima estranho de antes se dissipar como névoa, deixando para trás apenas aquela sensação boa do frio desaparecendo.
— Não, claro que não! Você está colocando palavras na minha boca — o Jung retrucou, passando o sabão em seu corpo sem pressa. Ele cheirava bem.
— Hoseok… O que você veio fazer na Irlanda? — questionou o prateado, derramando água em si mesmo também.
— Eu? Inicialmente eu queria jogar as cinzas do meu pai onde nasci, era o último pedido dele — O jovem deixou a cabeça pender para trás e ela encontrou as costas de Namjoon como apoio. Ele não pareceu ser contra esse ato, pois não reclamou e nem se mexeu em resposta. Fitando o teto, Hoseok continuou. —, mas então eu decidi que tentaria me encontrar aqui. Achar uma parte de mim que está faltando desde que meu pai se foi.
Namjoon sorriu, mesmo que o outro não pudesse ver.
— Eu vim até a Irlanda para me encontrar também. Estive vagando sem rumo desde que perdi o emprego… E a mitologia celta sempre me fascinou, confesso.
— Eu digo que a única mitologia que consigo lembrar é a grega, desculpe. — Hoseok acabou rindo e fechando os olhos, ainda apoiando sua cabeça nas costas do Kim.
— Geralmente é assim…, mas há a mitologia nórdica e a celta, a egípcia… há tantas histórias pelo mundo, crenças. Eu acho muito interessante. — Namjoon pareceu divagar por alguns segundos. — Me desculpe por soar tão sonhador, eu sou apaixonado por isso... — ele completou em meio a uma risada baixa.
— Não tem problema. Eu gosto muito do som da sua voz — Hoseok murmurou, sentindo-se sonolento. Ele não notou o efeito que sua última frase surtiu no amigo.
— É… Eu também gosto da sua. — O Kim ainda sorria, fitando as próprias mãos na água. Um instante depois fechou os olhos e deixou o silêncio dominar o cômodo novamente, só que dessa vez ele era bem-vindo. Dessa vez ele era necessário, e dizer qualquer palavra a mais poderia destruir a pequena fortaleza em volta dos dois.
Namjoon e Hoseok não eram mais apenas meros conhecidos. Eles eram mais do que isso. E nenhum deles poderia negar.
(...)
Os heróis acordaram com o som de um cachorro latindo no andar de baixo. O trauma obrigou Hoseok a desembainhar a espada mágica e sem querer o fez cortar parte da cômoda ao lado de sua cama. Ele nunca mais escutaria sons que cachorros fazem da mesma maneira.
Ao descer as escadas, notou que Namjoon já estava acordado, sentado à mesa comendo uma maçã vermelha e aparentemente suculenta. Epona estava regando algumas das plantas que ornavam a casa. Ela vestia uma túnica em um tom claro de azul dessa vez e suas madeixas ruivas estavam soltas, descendo como uma cascata às suas costas.
Hoseok sentou-se de frente para o parceiro, que parecia ter dormido bem. Estava limpo e vestia uma camisa branca com mangas compridas. Seus cabelos cinzentos não cobriam mais seus olhos. Nem se deu o trabalho de terminar a maçã, colocando-a em cima da mesa quando Epona deixou as plantas de lado e se aproximou.
— Fiz o possível para fazê-los sonhar coisas boas, eu prometo. — Ela sorriu, seus olhos alternando entre tons de verde e amarelo. — Mas agora temo que precisarei incomodá-los com más notícias, Novos Heróis.
— Antes de qualquer coisa ㅡ Namjoon olhou de relance para Hoseok. —, precisamos saber com o que estamos lidando. Contextualize nossa ilíada, senhorita Epona.
A deusa pareceu um pouco aliviada em não ter que tocar no assunto das más notícias primeiro. Sentou-se à mesa junto com os jovens e começou:
— Há muito tempo, quando nós, os Tuatha Dé Danann, éramos donos das terras que hoje formam a Irlanda, houveram guerras. Vencemos algumas, mas ninguém é presenteado com a regalia da vitória para sempre. Perdemos a batalha contra os Milesianos, que tomaram a Irlanda e nos expulsaram para Mag Mell, o paraíso escondido. Vocês também estão aqui agora — Ela fez o número três com os dedos. —, temo que para chegarem até aqui, foram contatados por três mulheres, estou certa?
Hoseok assentiu, ficando cada vez mais e mais curioso.
— Essa é a deusa tríplice, Dea Matrona. Mãe de todos. Ela os guiou até aqui com sua própria magia porque vocês são a salvação do nosso povo. Os descendentes dos Milesianos encontraram uma forma de invadir a ilha e todos nós temos medo de que eles consigam tomá-la. Ninguém está confiante e preparado para a batalha aqui, então tudo depende de vocês dois, que possuem as almas de Fionn Mac Cumhaill e seu filho, Oisín.
Namjoon passou a encarar a mesa e Hoseok conseguia ver as engrenagens em seu cérebro rodando sem parar. Ele estava pensando.
— Vocês querem que lutemos a guerra de vocês? — ele questionou, sua voz soou sombria.
— Seria demais pedir por isso, Fionn? — Epona olhou para ele, suplicante. O Jung tinha medo de que seu amigo explodisse.
— Deveríamos morrer por vocês? — o cinzento exclamou, incrédulo. Estava prestes a erguer-se da cadeira e ir embora. Não arriscaria a sua vida por meros desconhecidos que não podiam lutar suas próprias batalhas.
— Namjoon, não! — O moreno agarrou seu braço e puxou-o de volta para a cadeira. — Nós ajudamos Lugh por isso, lembra? Ele forjou a espada para isso, lembra?
— Eu achei que faríamos algo mágico com a espada, enfiaríamos ela em uma pedra, eu não sei. Mas nunca concordei em morrer por ninguém. Eu só me enfiei nisso por sua causa, Hoseok, e eu não tenho a mínima ideia do porquê.
— Fionn, eu lhe imploro, não deixe a missão. — Epona ergueu as mãos em rendição.
— Senhor Kim… — Hoseok murmurou.
— Eu… se completarmos a missão, poderemos ir para casa? — o jovem questionou, um pouco mais calmo.
— Esse é o objetivo, herói — A mulher assentiu, levantando-se e caminhando até a janela mais próxima. Dela era possível ver os estábulos. —, eu darei a vocês dois dos meus cavalos mais poderosos para a próxima etapa, mas aviso, eles irão decidir se vocês são dignos.
Com um aceno de cabeça, Namjoon levantou em seguida, determinado.
— Vamos acabar logo com isso.
E do lado de fora, em frente aos estábulos, Hoseok sentia-se pressionado. Talvez fosse pelo que Epona disse anteriormente, algo sobre os cavalos julgarem se eles eram dignos, ou talvez fosse por ter que segurar Namjoon em um momento de ira. Engoliu em seco e lembrou-se de que se qualquer coisa maluca acontecesse, ele possuía uma espada mágica capaz de cortar o que não podia ser cortado.
— Os cavalos escolherão vocês. Se eles deixarem que vocês toquem suas cabeças, quer dizer que os aceitam como companheiros de jornada. Se não, tentem outro cavalo. — Epona acariciou um cavalo branco e imponente. Ao lado dele um cachorro se mantinha sentado e quieto, tão quieto que Hoseok o percebera apenas naquele instante. Deveria ser o cachorro que lhe acordou.
Namjoon olhou para o moreno e sorriu para ele, mesmo que ainda houvesse certa raiva em seu peito por ter que consertar as besteiras que os deuses fizeram. Como em todos os contos de heróis, as divindades não podiam resolver seus próprios problemas com sua força infinita e poderes inimagináveis. Eles precisavam jogar tudo nas costas de meros humanos, capazes apenas de brandar suas armas e nunca desistir da vitória.
Aproximou-se de um dos cavalos. Ele possuía a pelagem escura, cinzenta como os cabelos de Lugh Lamfada. Namjoon estendeu a mão esquerda sobre a cabeça do animal, que inicialmente não recuou. Ele checou o Kim e quando seus olhos se encontraram, o jovem pareceu ter todas as suas memórias e seus sentimentos lidos. Ele sentia-se exposto. O cavalo fechou os olhos e encostou a cabeça na mão de Namjoon, que ainda encarava o nada, sem acreditar no que havia acabado de acontecer.
— Enbarr — o jovem sussurrou.
— Parece que você é digno. — Epona aproximou-se de Hoseok e o guiou até os outros cavalos. O moreno olhou para cada um deles, mas sua atenção foi tomada por um equino de pelagem castanha escura, que mantinha-se imponente. Ele trocou olhares com Hoseok e relinchou, impaciente.
Quando o jovem estendeu a mão, o cavalo recuou, desconfiado, mas logo aproximou-se novamente e deixou que o herói tocasse sua cabeça. Epona fechou os olhos e os cavalos em um passe de mágica estavam livres, com celas postas.
— Nearco é o nome dele? — Hoseok questionou, curioso com as informações que obtivera apenas em um único contato com o animal.
— Sim — a mulher assentiu, de repente parecendo apressada. Ela deu as costas aos heróis e correu para dentro da estalagem, trazendo consigo quando voltou duas bolsas costuradas à mão por ela mesma. Entregou cada uma a Namjoon e Hoseok. — Está na hora de vocês dois irem se encontro a Manannan Mac Llyr, o senhor deste lugar. Ele dirá o que vocês precisam saber… estamos ficando sem tempo. Me desculpem por tudo. Vocês devem encontrá-lo no templo central da ilha — Epona exibiu um sorriso triste. —, não esqueceremos do que vocês farão por nós, eu juro.
— Nós não esqueceremos de você, senhorita Epona. — Hoseok devolveu o sorriso e a deusa pareceu ainda mais triste.
Os jovens pegaram as rédeas e guiaram os cavalos de volta à trilha de pedra. Mais uma etapa da jornada concluída, mais um passo adiante até o ponto final.
(...)
O templo central era três vezes maior do que qualquer outro templo que os heróis viram no caminho até ali. Eles não sabiam se deveriam se preocupar ou apenas ficar um pouco mais aliviados.
De acordo com os conhecimentos de Namjoon, Manannan Mac Llyr era o deus dos mortos e dos mares, o que explicava ele ser o dono do paraíso celta que precisavam salvar. Desde a discussão com a deusa Epona mais cedo, Hoseok não sabia se deveria importunar o Kim, e isso o incomodava. Incomodava ao cinzento também, que sentia falta das histórias e piadas do jovem. Respirou fundo e disse:
— Você que está com a espada, eu não vou te cortar em pedacinhos se falar comigo, sabia? — Saiu mais como um resmungo do que uma frase convencional. Isso fez o Jung sorrir instantaneamente.
— Quer dizer que você sente falta de ouvir a minha belíssima voz? — questionou, erguendo uma das sobrancelhas. Seu cavalo relinchou mais atrás.
— Eu não me importo, só achei que você não deveria ficar se segurando, parecia que ia explodir e… — Hoseok mostrou a língua. — Ei! Quem disse que gostava da minha voz ontem foi você, nem vem!
— Você disse que era recíproco, trouxa. — O moreno ainda sorria abertamente. Apenas por saber que o recente relacionamento que havia construído com Namjoon não estava arruinado, o dia do jovem estava mais alegre e brilhante. Os pilares dourados do templo pareciam mais bonitos agora.
— Mas eu não falei com todas as palavras, você que disse “Eu amo a sua voz, Namjoon. Seu lindo e maravilhoso, corpo escultural e blá blá blá” — falou o prateado, imitando a voz do jovem ao seu lado.
— Eu nunca disse isso, mentiroso! Nem sabe mentir, besta!
E as risadas dos heróis preenchiam o ambiente silencioso. Acabaram deixando os cavalos do lado de fora e se prepararam para adentrar o templo de Manannan Mac Llyr em toda a sua grandiosidade. Não importando o que fizessem, a jornada terminaria logo, e em poucas horas os jovens estariam de volta ao cenário de Dublin, prontos para as aventuras que turistas normais enfrentavam durante uma viagem, sem espadas mágicas, fadas, goblins, quimeras assassinas e deuses poderosos. Namjoon desejava sair com Hoseok como uma pessoa normal, ir a um bar, dividir sorvete ou tomar um bom café aproveitando a paisagem. O Jung também desejava isso. Queria aprender mais sobre o jovem de madeixas prateadas que lhe despertava tanto interesse e preocupação. Jung queria passar mais tempo com ele, mas temia que quando tudo terminasse, eles descobrissem que tudo aquilo não passara de um sonho. Ele descobrisse que esse tempo todo estava no seu cubículo do hostel, criando aventuras com o cara que esbarrou logo que chegou, sem sequer saber o verdadeiro nome dele.
Os jovens se entreolharam e desejaram mais tempo. Desejaram que aquilo tudo fosse e não fosse real, pois se fosse, acabaria logo, e se não fosse, bem...
Com passadas firmes, Hoseok e Namjoon subiram as escadas do templo e empurraram as portas enormes que jaziam fechadas. Depois de fazer força o suficiente para que elas se movessem ao menos um pouco, a necessidade de empurrá-las deixou de existir. As portas se abriram sozinhas, agora escancaradas e revelando uma figura alta. Um homem de idade, com uma barba grisalha, com algumas mechas trançadas, que se misturava com seu cabelo, ambos na altura de seu ombro.
O homem não vestia uma túnica como os outros, mas sim uma calça de linho e uma capa de tecido marrom, presa por um broche que possuía linhas ondulantes, como ondas, gravadas nele. O homem pareceu notá-los ali e se aproximou em toda a sua imponência.
— Fionn Mac Cumhaill e Oisín Mac Fionn — disse, sem esboçar um sorriso de satisfação. — Já era hora de vocês aparecerem. Conseguiram os cavalos com Epona?
Hoseok apressou-se em responder.
— Sim, nós conseguimos. O que temos que fazer para completar a jornada? — questionou, utilizando de sua coragem cega para tal ato. Manannan Mac Llyr parecia poderoso, mas ainda assim o Jung possuía a espada que conseguiria matar até mesmo um deus. Poderia bater no peito e dizer que era mais forte do que qualquer um, devido às circunstâncias.
— Vejo que nossos heróis não medem esforços em salvar nosso lar — disse o deus, passando os dedos por sua barba grisalha. — Já que é assim… Certa vez — ele começou. —, dei a Lugh Lamfada, creio eu que vocês já conhecem, um barco para ajudá-lo a vencer a guerra contra os Fomorianos. Esse barco, assim como a Fragarach, a primeira versão da espada que vocês levam aí, está perdido. No fundo do mar. O problema é: Ao contrário da espada, que sumiu e ninguém poderá encontrar, eu sinto que o barco está perto de Mag Mell, só não consigo identificar o local.
— Você quer que nós o encontremos? — Namjoon franziu o rosto.
— Vocês não, mas você, Fionn. Se utilizar o poder lhe dado pelo Salmão do Conhecimento, qualquer pergunta que fizer será respondida — disse o deus, em alto e bom tom. Hoseok encarou o Kim, sem entender.
— Uma vez que você ingeriu o Salmão do Conhecimento, o poder dele reside em você, Mac Cumhaill. Concentre-se e faça a pergunta. — Manannan Mac Llyr aproximou-se o suficiente para que Namjoon não pudesse desviar olhar. — Pergunte.
Hoseok conseguia sentir a Fragarach 2.0 pulsar na bainha em suas costas. Queria afastar o deus do Kim o mais rápido o possível, mas se o fizesse, estragaria tudo. Namjoon não queria. Não sabia se podia dar certo, mas Mac Llyr insistia, então ele precisava. Fechou os olhos com força e lembrou-se da história de Fionn com o Salmão do Conhecimento, sobre ele ter queimado o dedo no peixe recém-cozido. Após comê-lo, ao colocar o dedo que foi queimado sobre os dentes, Fionn Mac Cumhaill conseguiu utilizar do conhecimento do Salmão em benefício próprio. Namjoon apenas tinha que fazer igual.
Engoliu em seco e, esperançoso, levou o indicador até a boca, tocando em seus dentes da frente com ele. Inicialmente nada aconteceu, mas então, sem avisos, uma onda de informação invadiu a mente do Kim. Passado, presente e futuro convergiam em um emaranhado de imagens, sons, cheiros e sensações distintas. Namjoon viu o futuro, mas também viu seu passado como Fionn Mac Cumhaill. As batalhas, as aventuras, os treinamentos, o romance… Ele viu tudo. Ele inclusive viu o desfecho de sua própria Ilíada. Com um grito sufocado, o jovem não conseguia mais parar de coletar informações, de recebê-las. Não conseguia voltar a si.
Sentia-se sufocar lentamente, era demais para ele. Ele estava enfim enlouquecendo, e isso não poderia ser desfeito. O conhecimento viera com um preço. Ele pagaria com a vida, afogando-se em seu próprio sofrimento.
Um impacto trouxe parte da mente de Namjoon, que estava adormecendo aos poucos, à ativa. Ele tentou se lembrar do que o trouxera até ali. Ele lembrou-se do que era a sua âncora. E com um grito de dor, o Kim emergiu de sua própria escuridão interna. Abriu os olhos e se encontrou nos braços de um Hoseok preocupado. Seu maxilar doía consideravelmente, mas ele estava bem.
— Eu… Eu sei onde o barco está — murmurou. Na verdade, ele sabia de várias outras coisas também. Coisas que não deveriam ser ditas em voz alta. E apesar de tudo, o que mais Namjoon temia iria ocorrer, de acordo com suas visões… O pior era ele não saber se poderia mudar isso.
Hoseok engoliu o desespero que sentia apenas em ver o jovem de cabelos prateados sofrer. Eles precisavam continuar.
(...)
Os heróis, na companhia de Manannan Mac Llyr, cavalgaram até a praia que ficava à oeste da vila central de Mag Mell. De acordo com Namjoon, o barco do deus dos mares estava submerso perto da encosta. Eles teriam de mergulhar para encontrá-lo e usariam os cavalos para trazê-lo à superfície.
Hoseok suspeitava que o jovem de cabelos acinzentados ao seu lado ainda não estava completamente bem desde que usara o poder do Salmão do Conhecimento. O Kim parecia distante o caminho inteiro que percorreram até ali, focando-se somente quando chegaram. Ao descerem dos cavalos, Namjoon correu até a beira da praia e apontou para um ponto específico lá embaixo.
— Ali — disse ele. — É onde o barco está.
— Namjoon… — O Jung tentou intervir, mas fora ignorado. Tentou outra vez, e outra vez fora ignorado. O jovem andava de um lado ao outro, respondendo às perguntas de Mac Llyr enquanto ambos repassavam o plano “descer, amarrar, subir”. Hoseok, já irritado com a situação, desembainhou Fragarach 2.0 quase sem perceber e apontou a lâmina para Namjoon, que parou de se mover instantaneamente. Com a espada apontada para a garganta, o Kim exclamou:
— Mas que merda, Hoseok!
Manannan Mac Llyr, surpreso, exibiu um sorriso e examinou a espada com curiosidade.
— Vejo que tem as mesmas propriedades que a primeira versão… Você pode questionar qualquer coisa a ele agora. Ele deverá responder verdadeiramente… Tente, Oisín — disse o deus, aguardando o resultado pacientemente.
— Qualquer coisa?
Com um aceno de cabeça, o velho confirmou. O Jung pensou um pouco e engoliu em seco.
— Você ainda está tendo visões do Salmão? — questionou.
— Não! ㅡ Namjoon respondeu, nervoso. — Pare com isso Hoseok, está sendo idiota!
Com o cenho franzido, o jovem afastou-se um pouco, ainda sustentando a espada apontada para a garganta do prateado.
— O que te trouxe de volta? — O Jung perguntou em um tom baixo. Desejava que só ele pudesse ouvir a resposta e mais ninguém. Completamente dominado pelo poder da espada mágica, Namjoon disse no mesmo tom do questionamento, senão ainda mais baixo.
— Você.
Hoseok de repente sentiu-se derrotado. A coisa que o fizera agir daquela maneira, a vontade de proteger o parceiro de jornada e saber o que se passava na cabeça dele… O Jung percebeu que ele mesmo não estava pensando direito. Deixou Fragarach pender de sua mão e atingir a areia quase sem reproduzir nenhum som, apenas um tilintar abafado.
— Me desculpe — o moreno sussurrou, levando a mão à testa. Sentia-se sobrecarregado, sentia-se fora de si. Ele precisava ser a âncora, não podia cair facilmente. Não podia se perder no meio do caminho.
A sensação do calor de Kim Namjoon envolvia-o agora, em um abraço que ele desejava que jamais terminasse. Se o destino os juntou, havia algum propósito… De certo que sim. Enquanto tentava encontrar-se, Hoseok encontrou alguém com o mesmo objetivo. Ele encontrou-se nessa pessoa, e se ela se perdesse, ele também se perderia. O jovem de madeixas acinzentadas era a razão de ele ter vindo até a Irlanda além do desejo de seu pai. Agora ele conseguia perceber isso, mas era demais para ser falado em voz alta… Era demais até para se pensar claramente.
— Vamos terminar isso juntos — Namjoon sussurrou. —, eu juro.
Com um aceno de cabeça, o Jung assentiu, afastando-se do Kim com pesar. Encarou o mar de um azul majestoso e depois olhou para Manannan Mac Llyr, que agora manejava Fragarach 2.0. Ele parecia familiarizado com ela, e isso significava que ele poderia facilmente arrancar as cabeças dos dois heróis com apenas um movimento limpo. Hoseok engoliu em seco e estendeu a mão, esperando que o deus lhe entregasse a espada de volta. Não foi exatamente isso que aconteceu, mas a espada voltou magicamente, voando da posse de Mac Llyr ao redor do moreno para parar em sua mão logo depois.
— Ela reconhece-o como dono… parece patético, mas é uma coisa importante. — O deus dos mares e da morte deu as costas e caminhou até a beira da praia. — Vamos repassar o plano antes de vocês dois descerem.
— Tudo bem. — Namjoon e Hoseok se aproximaram do velho homem.
— Vocês dois devem prender essas cordas na parte da frente do barco, que deve estar virada para o lado de cá. Certifiquem-se de que as cordas estão firmes o suficiente e puxem três vezes para que eu assuma daqui com os cavalos. Vocês devem emergir rapidamente depois disso, me entenderam?
— Entendemos. — Namjoon desejou poder voltar ileso, são e salvo junto com o moreno ao seu lado. Ambos tiraram as camisas dadas por Epona e começaram a se preparar para submergir.
Hoseok arrumou a bainha da espada em suas costas e treinou mais uma vez fazê-la voar até suas mãos. Com o sucesso dessa tentativa, os dois heróis adentraram o mar, temendo o pior, mas ainda assim com a determinação necessária para vencer qualquer batalha. Dentro da água, eles possuíam pouco tempo para concluir o que foram fazer. Manannan Mac Llyr lhes forneceu uma espécie de bolha de ar que ficava ao redor de suas bocas e narizes, mas ela acabaria logo. Restavam a eles quatro minutos.
Namjoon nadou com pressa até o fundo, onde o barco estava preso na areia. Na visão do Salmão do Conhecimento, a embarcação jazia em uma zona cercada por plantas subaquáticas e estava em boas condições, quase intocada pelo tempo. A única coisa que a prendia ali embaixo era a areia. Ele e Hoseok, com as cordas presas à cintura, avançaram até estarem perto o bastante de seu objetivo
Três minutos.
O Jung avistou o lugar perfeito para amarrar uma das cordas. Apontou-o para o Namjoon, que assentiu e nadou até lá, um pedaço de maneira aparentemente bem sólido na proa. Desamarrou a corda de sua cintura e a prendeu ali, puxando apenas uma vez para ver se o local quebraria com a pressão. Tudo ocorreu bem. Agora eles precisavam de outro lugar para amarrar a corda que Hoseok carregava consigo.
Dois minutos.
Os heróis nadaram ao redor da figura do barco, com os olhos atentos para qualquer coisa. O tempo de repente parecia passar bem mais rápido do que antes, e isso era terrível. Se não fosse apenas impressão, eles logo teriam pouco menos que um minuto para efetuar a missão, falhar ou vencer. Hoseok enfim avistou outro ponto que poderia ser crucial, e sem escolhas, nadou até ele.
Um minuto.
Namjoon conseguiu escutar uma exclamação vinda de Hoseok, que apontava para uma planta enorme. Ela prendia a corda que o jovem deveria amarrar no barco. O Kim começou a nadar até lá com esforço, desesperado. De acordo com seus cálculos, eles agora possuíam menos de um minuto restante. O moreno puxava a corda, esperando que ela se soltasse, mas foi necessário que Namjoon pedisse a espada mágica para cortar a planta. Ela se enroscava na corda cada vez mais, como se estivesse viva e quisesse atrapalhar os planos dos heróis. Em poucos segundos, Hoseok conseguiu amarrar sua corda em uma parte da proa que estava furada e mostrava o esqueleto de madeira do barco.
30 segundos e o ar já faltava para Namjoon, que foi obrigado a se esforçar bem mais do que o necessário. Ele tentava controlar a respiração, mas não sabia se conseguiria chegar na superfície.
20 segundos e Hoseok puxou a corda três vezes como Manannan Mac Llyr lhes dissera.
10 segundos e Namjoon sentia-se sufocando sem ar. Conseguiu apenas ver o moreno nadar até ele e começar a gesticular, sem saber o que fazer. Prestes a desmaiar no fundo do mar, o Kim sentiu… sentiu o ar voltar a preencher seus pulmões, surpreendentemente. As mãos do moreno seguravam seu rosto enquanto ele compartilhava consigo o restante de sua bolha de oxigênio. Ambos os rapazes conseguiram sentir o chão tremer quando o barco se mexeu, sendo arrastado de volta para a superfície pelos cavalos e pelo deus. Percebendo que Namjoon sobreviveria, Hoseok afastou-se dele e começou a nadar para cima, puxando-o com toda a sua força. Eles conseguiriam.
E quando o tempo acabou, os dois rapazes emergiram. O Jung arrastava o Kim pela areia, ambos quase inconscientes. Namjoon não se lembraria mais tarde do que aconteceu debaixo d'água, nem das lágrimas que Hoseok derramou ao achar que ele havia morrido naqueles segundos em que não respirou, deitado na areia molhada.
(...)
Um dia depois do episódio do barco de Manannan Mac Llyr, Jung Hoseok temia o pior. O deus ainda não havia terminado o conserto, e enquanto isso, Namjoon repousava na estalagem de Epona. Nearco e Enbarr, os cavalos que os ajudaram na empreitada de trazer a embarcação até a superfície, também haviam voltado para lá depois de completarem sua função na Ilíada dos jovens heróis. Lugh Lamfada tomou como seu papel transformar o Jung em um verdadeiro espadachim naquele período curto de tempo que tinham, mesmo que Hoseok rezasse para que não houvessem lutas de verdade e nem sangue derramado todas as vezes que colocava os pés na forja do deus da Luz.
De acordo com o que Mac Llyr lhe dissera um dia antes, o barco ficaria pronto na data exata em que eles precisariam partir, por isso o melhor a fazer era se preparar, e esperar. Hoseok tentava com todas as suas forças não pensar que qualquer golpe errado ou qualquer decisão errada levariam à sua morte e à morte do Kim, e por isso aceitou quando Lugh lhe propôs o treinamento. A ajuda era bem-vinda, ele afirmou com um sorriso triste.
Namjoon às vezes parecia preso em um sonho lúcido. As coisas que o Salmão do Conhecimento lhe mostrara ainda lhe deixavam triste, extremamente vívidas na memória. Apesar de tudo ele precisava continuar, não só por si mesmo, mas também por Hoseok, que trabalhava focado em seu treinamento de última hora. O Kim precisava assumir que o moreno parecia um pouco mais forte e se demonstrava habilidoso no manejo da Fragarach 2.0. Vê-lo correndo no jardim com a espada embainhada nas costas era uma imagem que o Kim queria poder ver todos os dias, mas não sabia se conseguiria.
Com um suspiro, Namjoon voltou a escutar as explicações de Manannan Mac Llyr sobre o que eles deveriam fazer assim que estivessem em alto-mar. De acordo com o deus dos mortos, os jovens deveriam chegar até o ponto central exato entre a ilha de Mag Mell e a encosta da Irlanda. A partir daquele ponto, eles saberiam o que fazer.
Quando Hoseok parou bem em frente a Namjoon, enxugando o suor da testa com o antebraço, o jovem de cabelos acinzentados acabou exibindo um sorriso. Eles trocaram olhares por alguns segundos em silêncio até que Lugh Lamfada se aproximou e empurrou o Jung sem muita força.
— Se você tem tempo para encará-lo, corra mais rápido — exclamou o deus, logo apontando para a trilha de pedras que se estendia até o horizonte e sumia ao entrar na floresta. — Traga água salgada para mim e pegarei mais leve com você em seu treinamento.
Hoseok analisou os prós e contras. Qual era o grande problema em dar uma corridinha até a praia, atravessando a floresta mágica completamente sozinho? Claramente, nenhum. Acabou decidindo que poderia fazer isso. Ele só não esperava que Namjoon decidisse lhe acompanhar… Ele queria muito, mas não esperava. O jovem estalou os dedos e arrumou sua própria postura, determinado.
— Vocês têm tempo enquanto o Sol estiver brilhando no céu, se falharem, vão dormir junto com os cavalos nos estábulos. — Lugh sorriu, apontando para onde a trilha se misturava com a floresta densa. Hoseok respirou fundo, já imaginando os monstros que precisaria enfrentar. Talvez aquilo fosse parte do treinamento e só uma desculpa para que ele aprendesse a atacar os inimigos com intenção assassina. Em um murmúrio que mais tarde faria Namjoon rir, o jovem anunciou:
— Que comecem os jogos.
(...)
As árvores projetavam sombras sobre a trilha de pedras que Hoseok e Namjoon seguiam sem pressa. Ainda faltava muito para o pôr do Sol, por isso eles apenas conversavam sobre coisas aleatórias ao longo do caminho, de vez em quando entrando em algum tópico importante que logo se tornava motivo de piada. E enquanto Hoseok tentava ao máximo evitar o assunto “Lutar”, Namjoon queria realmente conversar com ele sobre isso. Dizer a ele que ele não estava sozinho quando dizia que queria tentar tudo de uma maneira pacifista. Mas se eles fossem realmente atacados, precisariam estar prontos para lutar por suas vidas até o último suspiro.
Hoseok acabou notando que agora o céu azul estava finalmente ao alcance da visão de ambos. As árvores cessaram abruptamente naquele ponto por todos os lados, formando um círculo com apenas vegetação rasteira. Algumas flores estavam murchas ao redor de um tronco aparentemente cortado. Quando se aproximou, o Jung viu ali em cima um pergaminho selado por um fio de ouro. Com a curiosidade lhe tomando mais uma vez, exclamou com um sorriso:
— Há algo aqui, Namjoon! Acho que foi deixado para nós. — Ele tomou o pergaminho em mãos e sentiu a aspereza do tecido do qual era feito. Tentou, em vão, abri-lo por métodos tradicionais, como desamarrar o laço ou simplesmente puxá-lo para cima até que saísse do papel.
— Por que não tentamos usar a Fragarach? — O jovem de madeixas acinzentadas aproximou-se de Hoseok e retirou a espada da bainha pendurada em suas costas. Utilizou a lâmina para cortar o fio dourado em apenas um gesto delicado. Os dois estenderam o pergaminho sobre a superfície plana do tronco cortado e praticamente se debruçaram sobre ele com curiosidade.
— É a história de como Fionn conheceu sua esposa mais famosa… — Namjoon franziu o cenho e cerrou os olhos. — Sadhbh. Ela foi transformada em uma corça por um druida depois que se recusou a ficar com ele… Fionn a encontrou, e ao colocarem os pés nas terras dele, ela se tornou humana novamente e se casou com ele. Ela engravidou, mas foi transformada em corça de novo e fugiu para a floresta…
Hoseok sentiu o vento ficar um pouco mais forte, fazendo com que as folhas das árvores ao redor deles farfalhassem. O céu pareceu mais escuro, como se estivessem prestes a presenciar a Lua tomar o lugar do Sol, mas aquilo era impossível. Com um salto de surpresa, Namjoon olhou para a esquerda, às margens de onde a floresta se iniciava novamente. Lá parada estava uma corça, os encarando atentamente. Sua pelagem era castanha, quase ruiva, e ela possuía manchas claras ao longo de seu torso. Os olhos redondos e negros capturavam todo e qualquer movimento que os heróis pudessem fazer.
— Nós lemos sobre uma mulher que se tornou uma corça… E uma corça aparece — Hoseok murmurou. —, estranho, hein… Essas coisas só acontecem conosco.
Namjoon ainda permanecia em silêncio, um pouco perturbado. Não conseguia se lembrar de nenhuma corça das visões que o Salmão do Conhecimento lhe proporcionou. Por um segundo sentiu-se esperançoso, mas logo depois sentiu-se apavorado. O que era aquela coisa estática à frente deles? Era apenas um animal normal ou um deus disfarçado? Bastou um passo por parte de Hoseok na direção da corça para que ela simplesmente partisse na mesma velocidade em que apareceu. Mas se Namjoon queria respostas, ele precisaria buscá-las… literalmente. E como em uma cena de filme, o Kim disparou atrás da corça e Hoseok mantinha-se ofegante logo atrás.
Quando ambos já haviam perdido a trilha que deveria guiá-los até a praia, o Jung engoliu em seco. Mesmo após correr praticamente metade do dia, a situação parecia cada vez mais cansativa. Suas pernas doíam e seus pulmões ardiam como se estivessem em brasa. Não conseguia entender a determinação de Namjoon e nem o porquê de eles estarem perseguindo uma corça. Quando a floresta de repente pareceu mais escura do que antes, e o céu agora era negro e cheio de estrelas, a corrida parou, e apoiando-se em uma árvore, Hoseok quase vomitou o almoço que comeu horas antes.
A corça, parada na frente de uma árvore consideravelmente maior que as outras, passou a encarar os dois heróis, como se os desafiasse, ou apenas dissesse para finalmente se aproximarem. E com isso, Hoseok percebeu que aquela árvore não era apenas maior do que as outras. Ela também transmitia uma espécie de nostalgia para ele, mesmo que ele nunca a tivesse visto antes. Quando Namjoon se aproximou, o animal começou a desaparecer gradativamente até não sobrar mais nada.
— Mas que merda acabou de acontecer e… Onde diabos nós estamos? — O Kim voltou-se para o moreno com os olhos arregalados.
— De repente eu me senti como em uma das festas da universidade — Hoseok começou. —, quando, claramente sem a intenção, fumei um baseado com uns caras. Só que dessa vez eu acho que não fumei só um pouco…
— Eu vou ignorar essa história do baseado por um segundo para… bem, olha para essa árvore enorme — Namjoon inspecionou a área onde estavam rapidamente e assumiu. —, e ela está praticamente em um círculo perfeito sem nenhuma outra no meio da floresta. No meio da floresta!
— Professor Kim, acho que há mais coisas para nos preocuparmos em tentar explicar do que uma árvore no meio da floresta — O moreno acabou sorrindo, e então olhou para o céu. —, como por exemplo… Nós termos, provavelmente, avançado no tempo e voltado, porque agora há pouco era tarde, depois noite, e agora tarde de novo.
Com ambos fitando a árvore, Hoseok de repente sentiu a nostalgia se intensificar. Lembranças de sua infância e dos tempos em que ele não precisava se preocupar com nada. Namjoon aproximou-se dele e tocou seu ombro, voltando a falar com o tom controlado de sempre.
— Acho que ainda temos tempo… A corça deve ter aparecido apenas para nos tirar da trilha. Tenho certeza disso. — O jovem pigarreou, enfim puxando Hoseok pelo ombro para que eles fossem embora.
Até aquele momento, Namjoon realmente não sabia o que diabos aquela situação significava. Ele não teve uma visão dela quando utilizou o conhecimento do Salmão. Enquanto os jovens se afastavam da árvore, mais e mais a dúvida crescia sobre ambos. Antes o destino parecia certo, mas agora ele sabia que até mesmo o Salmão do Conhecimento poderia errar, poderia não prever. Agora ele tinha alguma pontinha de esperança pulsando em seu peito…, mas não sabia se ela era o suficiente para mudar as coisas.
(...)
A praia parecia a mesma de antes, só que dessa vez Manannan Mac Llyr não estava presente. Os heróis conseguiam ver o Sol se pôr no horizonte, e isso significava que eles possuíam pouco tempo para completar o desafio de Lugh Lamfada.
Rapidamente, Hoseok pegou seu cantil e caminhou até onde as ondas chegavam. A espuma era brilhante e a água era de um tom de verde, sendo possível ver até mesmo a areia clara no fundo. O Jung colheu um pouco com o cantil e o fechou. Algumas perguntas pairavam em sua mente, como por exemplo: “Para que diabos Lugh precisaria de água do mar?”. Com um aceno de cabeça, voltou-se para Namjoon e sorriu, satisfeito.
— Acho que já terminamos por aqui.
Só que o Kim estava muito focado em observar o céu se tornar alaranjado, como quando ele chegou a Dublin. Um sorriso iluminou seu rosto quando ele finalmente encarou Hoseok e assentiu. O parceiro não tinha ideia do que causava tamanha felicidade em Namjoon, talvez nunca soubesse. Ele só assumiu que o ver daquela maneira era razão suficiente para se encher de determinação.
Com passadas rápidas, os heróis avançaram pela floresta mais uma vez, em busca da trilha que já começava a sumir. O Sol ainda estava no céu, mas as árvores projetavam sombras cada vez maiores ao longo do caminho, encobrindo os jovens de escuridão. Hoseok definitivamente não queria ter que continuar treinando pesado com Lugh, por isso ele tentava correr da maneira mais veloz possível, desviando de galhos e plantas que pareciam perigosas. O moreno estava tão focado que talvez não tivesse percebido se Namjoon não agarrasse seu braço para pará-lo. Eles estavam de volta àquela clareira de mais cedo, onde encontraram a corça e o pergaminho no tronco cortado.
Boquiaberto, Hoseok fitou as flores que pela manhã pareciam mortas, ou só partes mais escuras da grama. Elas cintilavam em vários tons, como vários pequenos arco-íris agrupados em um campo escuro. No meio daquela mistura de cores, estava o tronco onde antes o pergaminho se encontrava. Uma mulher vestindo uma túnica branca estava sentada, trançando seus próprios cabelos loiros. Ela cantava baixinho, isso até voltar-se na direção dos jovens.
— Sinto saudades de Fionn. — A mulher deve ter sorrido, mas Hoseok não conseguiria identificar daquela distância. — Vocês não são Fionn e Oisín, mas sinto eles em vocês… Quando chegarem, o barco deverá estar pronto. Pelo que vi enquanto era uma corça essa tarde. Desejo-lhes boa sorte, e espero que vocês possam salvar Mag Mell. Quando tudo isso acabar, meu marido e meu filho voltarão para mim… tenho fé. — A voz da mulher, que Namjoon reconhecera como a própria Sadhbh, soava cheia de esperança. — Vocês devem ter também.
E em um piscar de olhos, as flores já não brilhavam mais. Elas passaram a apagar gradativamente, logo deixando apenas um lugar cinzento e sem vida novamente. Ao fundo, a canção de Sadhbh ainda soava, clara, porém além do entendimento dos heróis. Eles não podiam olhar para trás, precisavam correr se o que a ex-esposa de Fionn dissera era verdade. A missão estava enfim prestes a acabar, o fim da aventura iria começar. E assim que eles colocaram os pés de volta na vila, foram recebidos por Epona, que parecia claramente preocupada.
— Mudança de planos, rapazes! — exclamou ela, empurrando-os na direção do templo de Manannan. — Mac Llyr terminou o barco mais cedo e… parece que os descendentes já estão cada vez mais perto do ponto onde vocês deveriam colocar a barreira mágica.
Lugh Lamfada logo apareceu, procurando pelo cantil que Hoseok segurava. Tomou-o das mãos do jovem e checou se o conteúdo dentro era mesmo o que ele precisava. Assim que confirmou, suspirou e retomou sua postura de guerreiro impiedoso.
— Essa água tem propriedades curativas. Levem-na com vocês a bordo, vai ser útil — disse o deus. O local onde ele havia tocado no cantil ficou marcado por um pequeno Sol cercado de raios de luz. Ele abraçou o Jung e continuou. — Foi uma honra treinar você, Hoseok.
Com os olhos praticamente cheios de lágrimas, o moreno foi guiado pelos amigos até o grande templo de Manannan Mac Llyr, onde ele os esperava ao lado de uma embarcação de madeira, mas ainda assim com alguns adornos em ouro (como sempre). O deus dos mares e dos mortos recebeu os heróis com um sorriso terno e ajudou-os a subir a bordo.
— Nós e todos os habitantes de Mag Mell agradecemos, heróis. Agradecemos pelo seu empenho em salvar nosso paraíso e pela determinação e esperança que vocês transmitiram para nós. Algum dia nos veremos novamente, só que dessa vez do jeito convencional… E eu espero que daqui a muito tempo. — Manannan Mac Llyr aproximou-se da proa do barco, com a mão direita a centímetros da madeira. — Nós temos fé em vocês.
Com um único toque do deus, o barco atravessou toda a floresta mágica, indo de encontro ao mar como se o buscasse. Hoseok gritava, agarrado ao braço esquerdo de Namjoon. Eles estavam sentados no convés, o vento atingindo seus rostos. Com um splash, os jovens agora estavam no oceano.
O Kim ergueu-se, resolvido a assumir o leme. Subiu alguns degraus de escada e tomou a direção do barco, logo gritando para Hoseok o que ele deveria fazer. Ao longe, eles já podiam ver algumas embarcações enormes, talvez cinco vezes maiores que o barco mágico de Manannan. Se eles os alcançassem, seria o fim. Por isso precisavam chegar ao meio do caminho primeiro. Ao olhar para trás, Namjoon percebeu que o deus dos mares lançara os dois para mais longe da costa de Mag Mell, por isso sentia-se com um pouco de vantagem.
O mar, que antes parecia calmo, agora havia se tornado revolto. Ondas enormes atacavam o barco dos heróis, e nuvens escuras se aproximavam por todos os lados de onde eles tinham certeza ser o ponto chave da missão. Além das tropas inimigas, a natureza não deixaria barato. Talvez aquilo impedisse os mortos de deixar a ilha, mas Namjoon e Hoseok precisavam tentar. Com um grito, o Jung saltou para trás, desviando de um raio que atingiu o convés. A tempestade se intensificava cada vez mais enquanto eles avançavam. O fim estava próximo.
Só que tropas inimigas também estavam próximas, e os jovens conseguiam ouvi-los gritando. Conseguiam ouvir as exclamações dos capitães e tenentes. Aquilo fez Hoseok tremer, fora o frio que sentia por conta das roupas molhadas. Ele teria que lutar se eles chegassem mais perto. Ele precisaria matar alguém.
Fragarach 2.0 pareceu queimar de repente nas costas do moreno, que acabou estendendo a mão direita e sentiu ela desembainhar-se magicamente e flutuar à sua frente. Ele fechou os olhos e segurou no cabo trançado de ouro e prata, logo vendo a chuva se tornar vapor ao cair sobre a lâmina. Alguma coisa estava prestes a acontecer.
No leme, Namjoon alternava entre procurar o ponto exato e ficar em pânico pelos inimigos estarem tão perto. Os descendentes dos Milesianos os matariam, foi o que dissera Epona enquanto lhe serviu chá assim que ele acordou na casa dela, quando quase morreu afogado ao trazer o barco mágico para a superfície. As madeixas acinzentadas do rapaz estavam agora grudadas em sua testa e as roupas dadas pela deusa dos cavalos estavam molhadas pela ação da tempestade. O Kim piscou algumas vezes, crente de que estava alucinando. Ele tinha plena certeza de que um furacão se formava mais à frente, e o olho desse furacão era o ponto que ficava exatamente entre a Irlanda e Mag Mell. Com dificuldade, virou o leme e direcionou o barco para o centro do furacão.
Os descendentes dos Milesianos agora estavam a poucos metros do barco mágico de Mac Llyr, e alguns deles procuravam uma maneira de invadi-lo. Fragarach 2.0 parecia maior que o normal quando empunhada por Hoseok, tanto que ele conseguiu desviar um arpão lançado na sua direção. O susto foi grande, mas com apenas um gesto ele partiu-o ao meio.
— Namjoon! — o Jung exclamou. — O que devo fazer?
A tempestade começou a diminuir de repente. O Kim possuía quase certeza de que eles estavam onde deveriam estar. O grande problema era que os inimigos também estavam. Uma das embarcações atingiu o lado direito do barco mágico e fez com que toda a sua estrutura tremesse. Hoseok quase se desequilibrou completamente. Namjoon deixou o leme e correu para ajudar o parceiro, escorregando pela madeira para chegar até lá. Saltou os degraus e caiu de pé no convés, logo se apressando em empurrar o Jung antes que outro arpão o atingisse. Os heróis caíram na madeira molhada, que rangeu sobre seus corpos.
— É agora! — Namjoon exclamou, tentando fazer sua voz se sobressair ao barulho alto da chuva — A espada… — A mão esquerda dele agarrou a do moreno, que o olhava sem entender. O jovem de madeixas acinzentadas ergueu a espada, e raios passaram a atingir o barco ao redor deles. O corpo de Hoseok tremia.
Uma luz estranha de repente emanou dos céus e em seguida desceu até o mar, brilhando azul.
Namjoon guiou a mão do Jung que segurava Fragarach, e com um gesto lento, viraram a lâmina para baixo. Entreolharam-se e assentiram ao mesmo tempo. Estava na hora de colocar um fim naquela aventura. Fincaram a espada na madeira do convés e a tempestade cessou de repente. A chuva flutuava, como se estivesse parada no tempo. As embarcações que avançavam, os homens armados que subiam a bordo… tudo estava parado, todos congelados no tempo. Os heróis olharam ao redor, incrédulos. Dos céus, uma espécie de parede de luz descia lentamente.
A barreira.
Namjoon acabou olhando para Hoseok, decidido. Ele sabia o que aconteceria depois e talvez não conseguisse mudar isso. Soltando o cabo da espada, a mão trêmula do acinzentado alcançou a face do Jung, que se voltou para ele, ainda surpreso com o que estava havendo ali. Em meio a um sorriso que esboçava parte de seu sofrimento, o Kim sussurrou:
— Conhecer você foi uma das melhores coisas que já aconteceu comigo… — A voz do acinzentado soou doce.
— Por que você…?
— Sei que faz pouco tempo, e eu queria que tivéssemos mais… Só que eu espero que mesmo depois de toda essa história — Namjoon engoliu em seco e voltou a sorrir. —, você ainda possa se lembrar da sensação disso.
Os lábios dos heróis se encontraram, em um beijo que ambos jamais esperariam que acontecesse. Na verdade, nada daquilo parecia ser real. Um conto de fadas, uma Ilíada escrita pelas ações, pelos sonhos de ambos. A parede de luz atingiu finalmente o cabo da espada e tudo se iluminou, filamentos se espalharam pelo barco e então se estenderam com velocidade pelo mar. A visão dos jovens explodiu em branco.
Era o fim.
(...)
O moreno riu alto, sentindo-se revigorado depois daquele gole. A caneca de vidro estava agora cheia apenas até a metade. A taverna, recheada de pessoas que tentavam fugir de seus deveres e ingressar na comunidade noturna, ainda assim transmitia ao jovem de madeixas escuras aquela sensação de solidão. Ele ainda possuía mais três dias em Dublin e ainda não havia concluído o pedido de seu pai. Não por falta de oportunidade, mas simplesmente porque ele não sabia se conseguiria deixar todos os momentos que teve com seu velhote serem espalhados pelo vento junto com as cinzas.
O sino na porta principal do estabelecimento soou, indicando que alguém havia acabado de entrar. O jovem, alternando o olhar entre a urna com os restos mortais do pai e a caneca meio cheia de cerveja, teve a atenção chamada pelo rapaz que sentou ao seu lado. Os olhos de ambos se encontraram à meia luz da lâmpada amarelada sobre suas cabeças. Um pouco debruçado no balcão, o rapaz possuía madeixas descoloridas, tingidas de cinza, talvez. Com um sorriso direcionado ao moreno, ele disse, tentando fazer sua voz se sobressair daquela balbúrdia.
— Nós nos conhecemos?
O jovem de cabelos acinzentados parecia realmente ter essa impressão. Isso despertou curiosidade no moreno, que respondeu no mesmo tom.
— De repente eu também acho que já nos vimos antes. — Um sorriso involuntário brotou em seus lábios. O barman colocou um copo cheio de uma bebida espumante que cintilava levemente na frente do rapaz de cabelos acinzentados. Ela era de um tom de verde, quase azul. O jovem encarou-o sem entender.
— Por conta da casa, senhor — e então o barman voltou a servir as demais pessoas.
— Bem… Você quer um pouco?
Com um aceno de cabeça, o moreno esvaziou a cerveja em sua caneca de vidro e a estendeu, tendo o líquido esverdeado e brilhante sendo derramado ali dentro.
— Está pensando em espalhar as cinzas ou essa urna já está vazia? — perguntou o acinzentado.
— A primeira opção. — O moreno acabou rindo baixo.
Ambos encararam a bebida estranha em seus copos e depois se entreolharam.
— Eu sou Kim Namjoon — disse o rapaz de madeixas em um tom de cinza.
— Jung Hoseok, é um prazer.
E então, ainda com aquela sensação de nostalgia assombrando-os, brindaram.
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