"When I held your hand, when I held your hand
When I helped you, when I held your hand
You still went the other way and you wanted me to stay
With my arms stretching away, with my arms stretching away
I couldn't stand that sight 'cause I adored your face
I adored your face"Warpaint — Majesty
Sabe o que me frustra mais? Você não chamou meu nome, você não pensou duas vezes.
Quando eu dei às costas a você, você simplesmente me deixou ir.
Eu estava de olhos fechados para não chorar, de olhos fechados pra não olhar pra trás, mas fechar os olhos não me impediu de te imaginar lá parado, me deixando ir.
Essa é a imagem mental que eu não consigo apagar do meu cérebro.
A imagem de você me vendo partir.
oOo
O dia em que tudo mudou começou exatamente como todos os outros.
O despertador tocando mais cedo do que eu gostaria, torrada queimada para o café da manhã, mamãe se revezando entre reclamar do estado das minhas roupas e da inabilidade de papai de ser bom em qualquer coisa. E sabe, que apesar das manhãs serem sempre desanimadoras, do clima na minha casa não ser dos melhores há anos, e que a imagem que eu vejo no espelho nunca me satisfaça por completo, eu sempre sorria meu melhor sorriso quando saia de casa. Eu sorria porque sabia que iria ver você.
E lá estava você me esperando na esquina como todas as manhãs, mesmo que eu me atrasasse, você sempre esperava por mim, reclamava até a gente chegar na escola, e depois, mas esperava. Eu achei que poderia contar com você por toda minha vida.
Mas aquele foi um dia de mudanças.
É estranho como eu consigo me lembrar cada momento daquele dia, da hora que eu acordei e as horas de tédio na escola, de como sua franja ficava caindo na frente dos seus olhos enquanto você me esperava correr em sua direção, de pé na calçada com uma expressão impaciente em seu rosto. Eu lembro de ter dado graças as todas as deidades envolvidas pelo horário de aula acabar, afinal a única coisa remotamente marcante que havia acontecido foi um enorme tombo na aula de educação física por causa de um gato, lembro de ter usado a desculpa da dor causada pela queda para despistar as meninas da escola e depois fazer um drama imenso sobre como meu dia tinha sido horrível para te convencer a ir pro fliperama comigo, só nós dois, um prazer que havia diminuído desde que entramos no colegial e fizemos novos amigos — principalmente depois que você começou a andar com aquele pessoal que diziam que era parte de uma gangue. Essa conversa sempre me arrancava risos, você numa gangue! Eu imaginava que seria absurdo, você sempre foi tão comportado e perfeitinho, sempre preocupado em agradar sua avó, queria me dar cano para ir pra casa estudar, veja só! Como se você precisasse. Eu costumava dizer que sua superinteligência era só um dos seus superpoderes o que sempre arrancava reações frustradas de sua parte pelo trocadilho que somente nós dois compreendíamos. Engraçado como o destino é irônico. Num momento eu só sou uma garota comum com um amigo com poderes especiais e no outro eu nunca fui comum e você... Bem, eu estava falando naquele dia no arcade.
Ah a sua cara quando eu te estraçalhei no mario kart!
Você sempre foi um mau perdedor.
Eu estava me sentindo imensamente satisfeita comigo mesma e fui praticamente pulando até o juke box. E expressão no seu rosto ficou muito mais engraçada quando as primeiras notas da canção que eu tinha escolhido com a ficha que eu tinha ganhado — te vencendo — começou a tocar.
Eu mal conseguia controlar o riso, ainda mais quando umas meninas começaram a soltar gritinhos e a sua cara basicamente ficou verde de nojo.
Eu me voltei a sentar perto de você — intencionalmente encostando meu joelho no seu, sinceramente é incrível que você nunca tenha percebido o quanto eu era a fim de você, mesmo com todo o lance de nós sermos amigos de longa data, eu era bem óbvia — e perguntei com a expressão mais cínica:
— O que você tem contra BSB, afinal?
Você voltou a ficar para frente da tela — que ainda piscava "Game Over" — e gemeu enfiando o rosto nos controles. Tão dramático.
— Tudo — eu ouvi sua voz meio murmurada dizer, antes de você tirar a cara dos controles para me olhar e da posição que nós estávamos quase não havia espaço pessoal entre nós dois, com a quantidade de tempo que nós passávamos juntos, já deveria ser algo com o qual eu deveria estar acostumada, mas eu pude sentir cada pelinho no meu corpo eriçar com energia estática gerada pela proximidade — eles estão destruindo a música!
Aquele deve ter sido o meu riso mais falso, apesar de eu estar genuinamente divertida com a sua reação. E te empurrei pelo ombro com meu corpo, para criar fricção principalmente, para tentar cortar o efeito ou talvez para tentar criar algo em você que sempre parecia são alheio ao fato de que eu estava sempre a flor da pele por sua causa.
— Exagerado!
Sua expressão mudou totalmente, abandonando a aparência sofrida para uma maliciosa, e você arrumou a própria franja naquele gesto tão seu que eu sempre achei tão sensual, mesmo sendo algo tão simples. Era realmente absurdo o como você me atraia em todos os aspectos.
— Tsc... Aposto que você nem presta atenção nas músicas, só gosta porque acha os caras bonitinhos...
Seria bom para o meu orgulho dizer que sua provocação não havia me atingido, mas era quase impossível, para mim, não me afetar e fingir que sua opinião não era importante. Mas eu sempre podia fingir, mesmo sabendo o quão rosa meu rosto deveria estar.
— Você não acha? — perguntei no meu tom mais doce.
Você franziu o cenho e eu sorri satisfeita.
— Porque você está perguntando isso pra mim?
Eu engoli em seco, apesar de momentos atrás você tivesse claramente sendo o mais brincalhão que você conseguiria ser — o que não era muito — naquele momento você estava sendo extremamente intenso o que, na verdade, era algo mais próximo do seu natural quando eu paro para pensar.
— Você gosta de meninos bonitos, não gosta? — eu já tinha ouvido histórias sobre isso e sempre me senti um pouco enciumada, não só pela minha óbvia queda por você, mas porque você nunca tinha me dito nada e nós erámos melhores amigos, não éramos? O que é bem irônico uma vez que eu estava guardando um segredo de você — que eu estava totalmente na sua — e no final daquele dia teria um outro segredo.
Seu rosto se corou um pouco de vermelho e eu me senti a pessoa mais poderosa daquele Arcade.
— E daí? Eu também gosto de meninas.
E eu juro que senti meu coração parar de bater quando seus olhos desceram do meu rosto para o meu decote.
Eu podia ter interpretado aquilo de tantas formas, a mais óbvia era que eu não estava sozinha naquela onda de arrepios, mãos suadas e coração disparado, mas a ideia me parecia tão inacreditável, quero dizer, nós estávamos juntos há tanto tempo como amigos e você nunca tinha demonstrado nenhuma atração por mim até aquele momento, ou talvez eu tivesse em negação profunda. De qualquer forma, meu cérebro parecia ter entrado em curto-circuito e eu não consegui tirar nenhuma conclusão de nada daquilo.
Num ato de puro nervosismo eu gargalhei e te empurrei para longe pondo um fim no momento sem deixar um clima estranho, porque a afinal era por isso que eu nunca tive coragem de ser sincera com você. O status quo no qual nós éramos melhores amigos para sempre não era o ideal, mas era tudo que eu tinha. Como eu poderia pôr aquilo em risco?
Eu nunca tive medo de muita coisa. Sempre fui muito moleca e minha mãe pedia pelo amor de deus para eu ser mais feminina e brincar quietinha enquanto eu preferia sair pela vizinhança vivendo aventuras com você. Lembra o dia em que eu descobri que você era especial? Eu tinha sete anos e você tinha nove, nós estávamos escalando árvores quando você caiu e quebrou a perna. Você ficou tão nervoso com a reação que sua avó teria que acidentalmente colocou fogo na árvore. Eu lembro da sua expressão de horror e das chamas brancas consumindo a árvore e então... então começou a chover como mágica. Eu lembro de rir e rodopiar na chuva e te dizer o quanto aquilo tudo era incrível, como você era incrível. Você me perguntou se eu não achava que você era uma aberração, eu perguntei se você era surdo e apesar da dor que você estava sentindo, do choque e da água que estava ensopando nós dois, você riu, mesmo naquele tempo você não ria fácil e eu tive que meio que te carregar até em casa. Você também nunca precisou me defender quando nós erámos crianças, lembra? Muitas vezes eu até mesmo entrava em brigas por você. Mesmo naquela época tinha pouca coisa que me assustava e menos coisa ainda que eu não faria por você. Mas eu tinha muito medo de te perder.
Às vezes eu me pergunto se nós teríamos nos afastados mesmo se tudo que aconteceu em seguida tivesse sido diferente. Provavelmente. Ou talvez o destino estivesse guardando outros modos dolorosos de te tirar de mim.
Ok, eu tenho que parar com isso. O destino não te tirou de mim, você escolheu partir ou melhor, me assistir partir.
Eu já te contei o que aconteceu em seguida, Artemis, a vida passada, uma viajem nua ao espaço.
E todo aquele lance com o Higashi-sempai. Eu sei o que você está pensando, todas essas declarações de como eu estava tão a fim de você para eu entregar cartinhas de amor para outro cara, mas por favor né, eu só tenho quinze anos e tenho direito a ter mais de uma paixonite ao mesmo tempo. E eu, no fundo, não acreditava, nem queria, que ele reciprocasse meus sentimentos, mesmo tentando me convencer de que seria perfeito se isso acontecesse, afinal, se eu tivesse um namorado seria mais fácil superar você e nós poderíamos continuar amigos sem perigo de que meus sentimentos atrapalhassem as coisas entre nós dois. Além disso, o cara literalmente macumbava as garotas para gostarem dele, quem garante que eu não estava um pouco macumbada também?
De qualquer forma, eu tinha derrotado meu primeiro vilão, eu era Sailor V e tinha um segredo que não podia contar a você. Artemis havia me feito jurar.
A única coisa que fez eu me sentir melhor sobre aquilo tudo foi quando você tocou meu novo laço no outro dia e disse que ficava bem em mim.
oOo
O Artemis nunca gostou de você.
Eu poderia dizer que, nesta vida, a aversão seja algo herdado, mas não era como se ele se lembrasse bem de você. Artemis não tinha tantas memórias assim. Mas agora que eu lembro da vida passada eu nunca pude dizer que ele aprovava o que tivemos, apesar dele não ser tão propenso a condenações como Luna, ele sempre deixou claro de um jeito bem Artemis que não achava que meu relacionamento com um general terráqueo fosse boa ideia. Talvez antipatia contra você fosse algo maior do que simples preconceito na vida passada e territorialismo nesta, talvez Artemis pudesse ver algo que nós não víamos, ou não queríamos ver, afinal de contas sempre foi bem óbvio que nós dois estávamos condenados a terminar mal.
oOo
Aquela manhã estava sendo mais difícil que de costume, afinal, nada estava sendo como "de costume" desde que Artemis havia aparecido no meu banheiro e nas duas semanas que que passaram desde então minha vida havia virado de cabeça para baixo com escola e investigações durante o dia e batalhas durante a noite. Mas a pior coisa e que eu tinha que fazer aquilo tudo sozinha. Ok, eu tinha Artemis, mas só dá para ele me guiar com palavras até um certo ponto, todo o resto do esforço era meu. Era tão frustrante e eu não podia falar com ninguém e falar com Artemis não funcionaria, não tinha como eu reclamar de tudo que eu estava passando sem parecer extremamente injusta ou repetitiva. E principalmente, eu não podia dizer nada a você. No começo eu achei que ficaria bem, mas a cada desculpa, a cada mentira, meu coração se apertava mais e eu me sentia mais isolada. Em certo ponto eu estava vendo mais monstros que você e aquilo realmente não era certo.
Na verdade, eu estava me sentindo especialmente um caco porque depois de passar parte da noite em claro lutando com um monstro, eu e Artemis havíamos tido uma briga épica porque eu queria contar tudo pra você, mas ele dizia que não. Eu argumentei que você era especial também e que se bobear tinha a ver com a vida passada já que eu continuava vendo seu rosto entre as memórias que eu revivia em meus sonhos, mas Artemis continuou a bater na mesma tecla de que não existem senshi do sexo masculino e um humano paranormal não tinha necessariamente a ver com os assuntos da lua e que se tivesse provavelmente não seria boa coisa. Depois que ele insinuou isso eu desatei a chorar e não parei mesmo quando o céu começou a ficar claro.
Eu havia ido no banheiro lavar o rosto para me manter acordada durante a classe quando dei de cara com você.
Você não parecia feliz e eu senti um frio na barriga, me sentia como um animal interceptado por luzes de farol na estrada e o pensamento mais louco e doloroso me acometeu. "Ele vai me ignorar. Vai passar por mim e fingir que não me viu. Vai me ignorar exatamente como eu fiz com ele. E eu vou merecer."
Mas, graças a todos os deuses, eu estava errada.
— Vem comigo.
O que eu senti então, ao sentir o duro de sua voz e o aperto firme, mas nunca violento, de sua mão no meu pulso me arrastando pra uma sala vazia, não tinha nada a ver com medo.
— Eu estive pensando esses dias, examinando minhas ações e não consigo encontrar o que eu tenha te feito e de tão grave para que você esteja me ignorando assim. Então eu preciso que você me diga.
— Kun...
— O que quer que eu tenha feito, eu acho que eu mereço pelo menos uma chance de me desculpar.
Eu imagino como eu parecia a você naquele momento, meu coração apertado de angústia, cabelo embaraçado e olheiras enormes pelas noites mal dormidas. E o que mais me dói é que eu vestia bem aquele manto de senshi. Mesmo com todas as minhas constantes brigas com Artemis, meu primeiro impulso não foi de contar tudo a você, mas sim de mentir, de inventar que eu estava cansada de você e de nossa amizade, de proteger meu segredo a cima de tudo como me foi ensinado. Mas, só de imaginar seu rosto ao me ouvir dizer todas aquelas mentiras, de me imaginar partindo seu coração daquela forma, eu me sentia mal e fraca, então eu disse não, então, eu me rebelei.
E eu contei tudo a você.
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