Existem pessoas que você se sente confortável sendo quem é, mas existem pessoas que você se sente super confortável sendo quem é. Era o meu caso com Camila. Era maravilhoso poder realmente falar o tempo todo sobre coisas que eu amo, sobre meus sonhos, desabafar sobre a minha família e todos os sentimentos tendo alguém para me ouvir.
Camila havia se tornado o meu refúgio, e isso me assustava um pouco.
É como se você procurasse sua vida inteira para escancarar todos os seus defeitos e todos os seus pontos positivos. É como se buscássemos incansavelmente encontrar alguém que goste e te aceite pelo o que você, e que não tenta mudar nada. É como se só sentíssemos o peso saírem de nossas costas depois de finalmente encontrar essa pessoa.
E Camila era a minha pessoa.
- Você já parou para pensar caso nós nunca trocarmos de corpo? – “Camila” pergunta e eu comprimo os lábios.
- Você acha que nós não vamos trocar? – Questiono afofando o travesseiro.
- Eu não sei, essa estátua louca achou que nós deveríamos trocar, não tem como saber se ela vai nos trocar de volta ou não. – Comenta brincando com a bola do nosso treino – Se nós não trocarmos qual vai ser a coisa material que você mais vai sentir saudades?
- Do meu carro. – Mordo o lábio inferior – Meu avô, meu pai e eu arrumamos o carro antes da doença piorar, por isso consegui o carro, porque ele não consegue mais dirigir. - Me ajeito melhor na cama, abraçando um dos milhares travesseiros que minha mãe gostava de espalhar por ali – E você?
- Não sei, para ser sincera. – Apoia “sua” cabeça na mão – Eu só sei que vou sentir muita saudade da minha família.
- Não é como se eles não fossem nunca mais te ver, nós podemos contar a verdade.
- Vão achar que somos loucas. – Me interrompe.
- Nós podemos provar que somos nós. – Coço a “minha” testa, me sentindo nervosa com aquele assunto – Eu não quero ficar longe da minha família, mesmo que para isso eu fique no seu corpo, eu não quero estar longe deles. – “Camila” cruza os braços.
- Nós vamos trocar, ok?! – Suspira – Nós temos que trocar.
Confesso que estava notando Camila ansiosa desde o nosso quase beijo, o que não me surpreendia nada, afinal era bem provável que talvez ela apenas me aturasse para que tudo desse certo no final, mesmo que uma parte de mim torcesse para que não fosse realmente isso.
A tempos atrás eu tinha conversado com Normani e Dinah sobre pessoas que passavam a gostar do interior antes do exterior, eu comentei que era impossível já que todo mundo sempre julga pelo exterior antes de conhecer o primeiro. E eu me sentia atraída pelo exterior de Camila antes de trocarmos de corpo, afinal ela tem lindas curvas e um sorriso apaixonante, mas naquele tempo eu não gostava muito do seu interior, o que mudou com os dias. Nós conversamos o tempo todo e tentamos sempre nos conhecer o máximo possível para que assim ninguém desconfie que algo está diferente, e conhecer cada pequeno detalhe de Camila, desde o melhor até o mais ruim me fez gostar de verdade dela.
Olhei para “Camila” e apenas pela expressão pude notar que ela estava nervosa. Era o meu rosto, mas era a careta que ela fazia quando estava pensando em algo importante, ela sempre fazia aquela cara durante as provas de matemática.
- Você já namorou? – Questiono interessada.
- Não. – Responde como se fosse obvio, se mexendo desconfortável na cadeira – Eu já beijei, mas nunca namorei. – Da de ombros, soltando uma risada sarcástica – Não é como se alguém da nossa escola fosse querer me namorar para estar no final da lista de popularidade.
- Existem pessoas que não se importam com isso. – Ela solta uma gargalhada e concorda com a cabeça em descrença.
- Claro, claro. – Prende “seu” cabelo – Eu não sou o tipo de pessoa que outras pessoas querem namorar, eu sou estabanada, esquisita, passo mais tempo estudando do que festejando, prefiro ver filmes de desenhos animados do que ter um encontro de verdade, e além do mais eu nem sei como é ter um relacionamento com a minha melhor amiga direito, imagina manter um relacionamento com uma desconhecida.
- Então seria uma namorada? Gosta de meninas? – Me sento, aquela conversa estava ficando interessante.
- Não. – Responde na defensiva – Meu primeiro beijo foi com um menino. Então eu gosto de meninos. Meninos. – Repete e eu rio.
- Não tem problema algum em querer meninas. – Me deito novamente na cama, ficando mais próxima dela dessa vez – Na verdade é bem melhor, sabe? – “Seus” olhos estavam fixos em mim – Os lábios são bem mais macios e os toques são firmes, mas sem uma malicia, a não ser que você apresente sinais que queira qualquer malicia. – Olho para “minhas” mãos – E tem os cabelos longos para puxar, além das roupas do mesmo tamanho... existem muitas partes positivas de querer e namorar uma menina. – Quando nossos olhares se encontram ela assente e desvia o olhar.
- De qualquer maneira... – “Sua” voz estava tremula – Não importa, acho que só vou arranjar alguém se começar a ir nos eventos da igreja da Ally, e não é por nada não, mas não acho que essa seria uma boa escolha beijar pessoas da igreja. – Rio, me esticando pela cama.
- Se você diz. – Deito a cabeça no travesseiro fofinho – Se você quiser, posso te ajudar com os beijos, será uma grande honra ser a primeira menina a te dar um beijo. – Faço um barulho de beijo e “Camila” me encara por alguns instantes, bufando e então jogando a bola de softaball em mim – OUCH.
- Idiota. – Rio e ela sorri, revirando os olhos.
E talvez eu não fosse o seu primeiro beijo feminino, mas talvez eu fosse sua primeira amiga lésbica. Qualquer coisa estava boa se isso significasse que Camila não iria mais me odiar como acontecia antes.
Ficamos conversando até o horário do jantar, afinal tínhamos treinado a tarde toda e somente depois do treino do parque que ficamos jogando conversa fora. Meus pais “me” convidaram para jantar, apenas mandei uma mensagem para Sinu e então acabei por me juntar a eles ali mesmo. O jantar foi pizza e eu pude conversar com a minha mãe e Taylor o tempo todo, o que me deixou com mais saudades delas ainda.
Minha família fazia falta, sentia falta de fazer coisas que eu não havia pedido para Camila fazer, como sentar e ouvir minha mãe desabafar sobre o estado de seu pai; ou ouvir Taylor falar sobre o menino bonitinho que estava em sua sala e que talvez ele não fosse convida-la para o baile no final do último semestre; sentia falta de brigar com Chris para ver quem ficaria com o último pedaço de torta e morria de saudades de comentar sobre jogos com meu pai.
Depois do jantar “Camila” e eu ajudamos com as louças, então meu pai questionou se eu gostaria de uma carona para “casa” e eu assenti desanimadamente. “Camila” e meu pai me deixaram em casa, ambos acenaram algumas vezes conforme eu ficava parada na frente da porta de entrada dos Cabello.
Assim que entrei na casa pude ver Alejandro passando a mão pelo rosto para limpar algumas lágrimas enquanto Sinuhe encarava alguns papeis na frente deles com um pequeno sorriso, quando dei boa noite a mãe de Camila abriu um sorriso ainda maior e começou a comemorar animada dizendo que o antigo trabalho do Sr. Cabello finalmente havia pagado tudo o que estavam devendo a eles, o que me deixou feliz.
- Nós temos que comemorar amanhã, podemos sair e...
- Amanhã de manhã tenho que ver o jogo de Lauren. – Comento passando a mão pelo cabelo, estava nervosa – Todas as meninas e eu vamos almoçar nos Jauregui amanhã, podemos sair à noite, não podemos? – Alejandro me encara por alguns instantes.
Eu conhecia aquele tipo de olhar, o olhar “minha filha está interessada em alguém?”, meu pai dava aquele olhar.
- É claro, querida. – Ele responde calmamente – Posso assistir ao jogo com você? – Automaticamente me sinto tensa, será que ter seu pai ali deixaria Camila ainda mais nervosa ou não faria diferença alguma? – Conversei com Lauren esses dias e ela disse que jogava e que é capitã do time...
- Sim. – Passo a mão pelo rosto – Quer dizer, acho que não vai ter problema algum em você assisti-la amanhã. – Junto “minhas” mãos, olhando para Sinu.
- Que horas devemos sair então? – Questiona com um pequeno sorriso.
- As oito e meia, o jogo começa as nove. – Ele assente e eu coloco a mochila novamente em meu ombro - Eles compraram pizzas e eu já jantei, então eu vou tomar um banho e dormir. Parabéns mais uma vez, pai. – Abraço o homem mais velho e ele dá alguns tapinhas em “minhas” costas.
- Obrigada, Boo. – Beija “minha” bochecha – Boa noite.
- Boa noite, querida. – Sinu beija “minha” outra bochecha e eu aceno, subindo as escadas.
Confesso que a ideia de Camila jogar em meu lugar me deixava apavorada, eu necessitava de créditos extras para entrar em uma boa faculdade e o Softball era um excelente credito extra, não podia ter o luxo de perder aquilo, afinal caso nos classificássemos no jogo de amanhã poderíamos ganhar mais uma vez o campeonato e consequentemente eu colocar em meu histórico que consegui tornar o time da escola campeão por dois anos consecutivos.
Com o pouco tempo que passei com Camila notei que ela é uma das pessoas mais ansiosas da face da terra, acaba colocando muita pressão em cima dela mesma, o que torna tudo uma grande confusão no seu interior. Amanhã nós iriamos trocar ou não, da mesma maneira que amanhã ela decidiria uma boa parte do meu futuro, e isso a deixa tão apavorada quanto me deixa.
Foi bem como previsto: não dormi absolutamente nada e apenas fiquei rolando pela cama de Camila, mentalizando a noite toda que tudo desse certo e que ela iria dar o seu melhor para ser bem sucedida naquela manhã. Eu não iria culpa-la caso as coisas não dessem certo, já havia passado a minha fase de descontar minhas frustrações nas pessoas, caso tudo desse errado eu apenas agradeceria por ela ter dado o seu melhor.
Tomei banho e já estava pronta antes da hora combinada com Alejandro, aproveitando para trocar mensagens com Camila só para tentar acalma-la de alguma maneira. As oito horas o pai de Camila estava descendo as escadas já devidamente vestido e exibindo um sorriso gentil, que eu tratei de devolver da melhor maneira possível.
- Está nervosa? – Ri divertido, enquanto comia uma maçã.
- É um grande jogo, ele é muito importante para Lauren. – Abro a porta e ele sai logo atrás de mim – Tenho ajudado ela a treinar, ela não anda muito confiante e está bem desanimada últimos dias.
- É mesmo? – Destrava o carro – Por que?
- Pressão de qual faculdade escolher, pressão da treinadora, todo mundo está contando com ela para fazer o time da escola campeão regional pelo quarto ano consecutivo, sendo que ela conquistou o do ano passado sendo capitã e participou do time no ano retrasado. – Comento passando a mão pelo rosto.
- Oh, ela é do tipo que acha que tudo só da certo se ela está envolvida? – Ri divertido e eu fico muda – Parece você, Camila. – Liga o carro – Mas o que eu sempre digo para você, você deveria dizer para ela: é tudo por nada, uma hora passa, apenas faça o seu melhor e se isso não for o suficiente tente até ser. – Sai da vaga, mordendo a maçã mais uma vez – Tenho certeza que ela vai se sair bem, querida, não se preocupe.
- Espero que sim. – Coloco o cinto de segurança.
Quando chegamos na escola diversos carros estavam estacionados, isso incluía o carro do meu pai e o carro de Normani. Caminhamos pelo estacionamento e não demoramos absolutamente nada para entrar no espaço das arquibancadas, caminhei até meus pais e prontamente cumprimentei todos eles, fazendo questão de apresentar o Sr. Cabello a eles. Notei que Alejandro e meu pai se deram bem logo de cara, tanto que eles sentaram lado a lado discutindo sobre o jogo, aproveitei isso para correr até o vestiário.
Precisava falar com Camila.
Entrei no espaço onde podia facilmente escutar as vozes das meninas do time, pedi licença e puxei “Camila” para um canto, notando que ela estava a ponto de ter uma sincope. Apavorada e sem saber o que fazer acabei por envolve-la em um abraço apertado, sentindo ela devolver o abraço na mesma intensidade.
Essa era a nossa última chance de fazer tudo aquilo dar certo, nós sabíamos disso.
Assim que nos afastamos olhei no fundo de “seus” olhos e acariciei “seu” rosto, sorrindo de canto e me deixando ser envolvida em um novo abraço, sentindo ela tremer de uma maneira assustadora.
- Tudo vai dar certo.
- E se não der? – Me retruca.
- Nós vamos dar um jeito, como fizemos até agora. – Afasto nossos corpos, olhando sobre o seu ombro – Agora me escute, você vai entrar naquele campo e vai dar o melhor de você, como eu dei o melhor de mim naquela prova. – Camila assente – E tudo bem se não der certo, de verdade, eu sei que você tentou dar o seu melhor e isso é o bastante.
- Obrigada. – Aperta minhas mãos.
- JAUREGUI? – Era a treinadora – Venha aqui, agora.
- Eu não vou te decepcionar, eu prometo. – “Camila” murmura e eu sorrio.
- Eu sei que não, Camz. – Rio baixo, me afastando – Boa sorte, me deixe orgulhosa.
Prontamente saio do vestiário e caminho em direção a Normani, Dinah e Ally, que usavam o boné do colégio. Tanto Dinah quanto Normani assistiam todos os meus jogos, a ideia de ter Ally e Camila assistindo eles daqui para frente seria algo divertido, ainda mais se elas animassem a torcida tanto quanto minhas melhores amigas animavam.
Gostava de pensar que a presença de Camila havia se tornado algo indispensável dali para frente, afinal estar sempre em sua companhia era extremamente divertido e exclusivo, ela é diferente das outras pessoas e essa é a melhor parte de tudo, só eu saber por inteiro o quão maravilhosa Camila Cabello consegue ser.
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