O homem mexia em seu celular despreocupadamente, seus olhos doíam e sua boca de vez em quando se abria em um bocejo sonolento, tinha sono, mas não era como se pudesse dormir, além de que já iam fazer treze anos que trabalhava naquilo.
Mas era fim de semana, então ele apenas queria estar em casa, dormindo com sua esposa.
Ou em outra casa, com outra mulher.
Seu parceiro havia tirado o dia de folga, algo relacionado à formatura da filha e agora ele estava ali sozinho, "vigiando" aquelas câmeras. Mas a verdade, era que ele passava bem mais tempo mexendo em seu celular, naquele noite teria jogo.
Então, muito distraído, não percebeu a pequena sombra escura passando como um flash pela primeira câmera, pulando o muro.
A sombra estava então agora perto dos portões principais, encostada rente ao corredor e de frente para a câmera. Todo o corpo dele era visível, menos seu rosto, tapado.
Silencioso e rápido, ele apenas andou em passos ágeis até aquela porta e então girou a maçaneta, respirando fundo de alívio ao ver que estava aberta.
O homem então bocejou mais uma vez, antes de esticar seus braços, fechando os olhos.
Mas então quando os abriu, tomou o maior susto de sua vida.
De frente para seus olhos estava a filmagem de câmeras de segurança em tempo real da sala onde ele estava, sentado, da mesma maneira que agora, mas atrás de si havia um pequeno corpo, com a cabeça tapada por uma máscara medonha, inclinada para o lado.
Então ele abriu a boca para gritar, virando - se e se atrapalhando ao tentar levantar - se, dando de cara com a figura, que o impediu, levando uma mão pequena de luvas até sua boca, assim como outra com uma faca afiada até seu pescoço.
Ele era baixo, corpo esguio e apenas tinha certeza ser um garoto por conta dos cabelos curtos, ruivos tão vivos que pareciam queimar, que caíam como uma cachoeira de fogo por sobre a testa da máscara horrenda.
Dois olhos esbugalhados, com apenas pontos perturbadores dentro dos mesmos, um focinho mal desenhado e uma boca abaixo desse, que mais parecia um risco sério, assim como orelhas de gato grudadas naquela máscara, pulavam para fora do cabelo alheio.
Nunca veria gatos da mesma maneira agora.
Então a mão foi tirada de sua boca e ele suspirou audívelmente.
— Ai meu D-deus. — Sua voz grossa engasgou, seu pomo - de - adão subia e descia de nervosismo.
Ele podia sentir a lâmina fria na pele de seu pescoço, nem ao menos ousava se mover, sabia que se tentasse, acabaria morto.
— Diga - me seu pior pecado. — A voz melodiosa foi ouvida baixa, seria angelical se não estivesse segurando aquela faca com tanta firmeza.
— O quê? — Ele perguntou confuso, sua testa suava.
Sabia que se tentasse, ganharia do outro numa briga, mas ele estava com uma faca encostada em seu pescoço, não podia arriscar.
Apenas queria alcançar o botão de alarme para que os outros policiais em seus postos, soubessem que estavam sendo invadidos, mas o botão estava longe demais.
— Seu pior pecado, confesse. — A voz novamente pediu, parecia meio tremida.
— Garoto, abaixe essa faca, devemos conversar e... — Ele tentou, mas sentiu a lâmina ser pressionada mais contra seu pescoço.
Uma dor ardida induziu seu corpo à não conseguir terminar a frase, ao que sentia uma gota quente escorrer de seu pescoço até seu peito.
Aquele garoto não estava de brincadeira.
— Por favor, confesse. — Ele pediu num murmúrio quase sofrido.
O homem não entendia, se ele estava ameaçando lhe matar, por que se sentir mal por lhe machucar?
Mas aquilo não importava agora, o medo e nervoso de pensar que morreria naquele momento o fizeram apenas soltar qualquer palavra que lhe viesse à mente. Soltar a verdade.
— Bebi e espanquei uma amante até que ela tivesse um aborto espontâneo, quando me contou de sua gravidez. — Ele disse, as palavras saíram como se estivessem embalsamadas em óleo. Rápidas.
Amargou sua garganta e ao lembrar daquilo, uma lágrima até se formou no canto de um olho seu, porque hoje aquilo lhe assombrava.
Mas não teve tempo para deixá - la cair.
Com apenas um rasgo, firme e grande, cortou toda a região do pescoço alheio, vendo o homem levar as mãos até lá, desesperado e de boca aberta, essa que já começava à ficar avermelhada também. Sangue. Logo seus joelhos cedem e ele cai direto no chão, causando um único barulho naquela sala silenciosa.
O garoto de fios ruivos sentiu sua própria garganta fechar, assim como seus olhos lacrimejarem, mas não poderia parar agora, sabia que iria ter que fazer isso para chegar até onde queria, mas nunca se acostumaria com aquilo. Doía.
Então ele respirou fundo e limpou a pequena faca em sua camisa preta, logo se aproximando dos monitores de câmera e os desligando, vendo cada uma delas antes que escurecessem por completo.
Quase pisa no sangue vermelho no chão que apenas se espalhava mais e mais, mas desvia, indo em direção à porta, logo a encostando.
Sabia exatamente qual o corredor que deveria seguir.
A cada passo que dava, sentia seu coração acelerar ainda mais, algo dentro de si apenas implorava para que corresse dali o quanto antes e nunca mais voltasse, mas a parte dominante, apenas o fazia continuar.
Precisava continuar. Precisava dele.
Um, dois, três, quarto corredores e o quinto seria o seu, exatamente o corredor onde os piores ficavam, escuro e isolado.
Então ele retira aquela máscara, guardando - a atrás de seu corpo, entre sua calça e aquele terno que alugou, mas que nunca devolveria. Era o menor dos seus crimes agora.
Assim que pôs seus pés na entrada do corredor, viu um homem alto e grande, parado próximas às celas, estava entre dormir de pé e acordar assustado.
O garoto então baixou a cabeça e deixou as lágrimas virem, focava suas lembranças no homem que havia acabado de tirar a vida. Ao sentir as lágrimas grossas descerem por suas bochechas avermelhadas, sacou a faca de seu bolso e puxou seu terno para cima, fazendo um grande risco profundo em seu braço.
Mordeu os lábios com força e aquela dor apenas fez as gotas que saíam de seus olhos, aumentarem ainda mais. Guardou a lâmina.
Então deixou um grande soluço rasgar sua garganta, ao que seu choro, antes silencioso, se tornou uma lamúria dolorida, fazendo o homem que quase dormia de pé, acordar assustado e olhar em sua direção.
— S-socorro. — Pediu trazendo o braço para seu estômago, manchando toda a sua roupa com o líquido vermelho.
Cambaleou pra frente, deixando seus joelhos cederem e cair sobre os mesmos no chão, como se estivesse sem forças neles. O que pela primeira vez, era mentira.
O homem, meio atordoado por acabar de acordar, largou seu posto e andou em passos ligeiros até aquele corpo que clamava pedidos de ajuda em alto e bom som.
Ao se aproximar, viu como a pequena criatura parecia um anjo de fios ruivos, choroso, com seu tronco completamente encharcado de sangue, mesmo que não visse nenhum buraco em sua camisa escura. O braço apertava fortemente a barriga, como se ela doesse.
Ele olhava para cima com olhos completamente cheios e agoniados. Se perguntava como aquele garoto havia parado ali, mas ajudá - lo foi seu primeiro instinto.
Se aproximou e se agachou próximo ao garoto, esse que tinha agora o rosto baixo.
— Céus garoto, onde está sangrando? O que você faz aqui? — Perguntou rápido, levando suas mãos em direção à onde o vermelho assumia.
Mas então, tem seu corpo empurrado para trás e antes que entendesse o porquê, sente um chute forte em seu abdômen, que o faz tossir alto e dolorosamente.
Ao olhar para cima, podia ver o garoto com um enorme corte em seu braço, baixando a manga de seu terno, como se não se importasse com a dor ali.
Seus olhos não paravam de vazar, mas ele parecia resignado.
Então o vê se aproximar e jogar - se por sobre seu tronco com força, mesmo com pouco peso, usou - o, e podia ter certeza que havia quebrado uma costela sua.
Para o garoto, aquela seria uma vida que não conhecia, mas que tiraria apenas por precisão.
— Me perdoe. — Ele pediu baixo e então tirou uma faca de um de seus bolsos, fazendo o homem debaixo de si arregalar os olhos.
Então ele inverteu os corpos, jogando o garoto com força no chão onde antes ele mesmo havia sido jogado, ouvindo um suspiro dolorido deixar os lábios cheios.
— Seu infeliz, o que você pensava que ia fazer? Que droga. — Perguntou com a voz cortada, seu estômago doía como um inferno.
Mas ele havia sido treinado para aquilo, não iria ser vencido por um pequeno garoto.
Ou era o que pensava.
Então o garoto começou à tremer de tanto que chorava, mesmo com uma faca em mãos, levou as mãos trêmulas até o rosto avermelhado e chorou como se estivesse sendo dilacerado, soluços altos e entrecortados deixavam seus lábios e sua lamúria mais parecia um miado contínuo.
O homem começou à se preocupar, o corpo do ruivo dava espasmos como se estivesse em uma convulsão, mas não podia ver seu rosto, já que ele tapava, a dor em seu choro era tão nítida que doeu dentro de si.
— Garoto? O que está acontecendo? Pare de chorar. — Ele pediu meio desconcertado.
Então se aproximou, assim como assim que seu rosto se chegou perto, o de fios ruivos, num impulso só, enfiou aquela faca por dentro da boca alheia, usando as últimas forças de seu corpo exausto de chorar, para cortar tudo entre a boca até a nuca alheia.
Ele viu o homem arregalar os olhos e cuspir mares de sangue por cima de seu corpo, via de perto os olhos do outro perdendo toda e qualquer vida.
Refletidos neles, a última luz de sua visão, foram as lágrimas incessantes que cobriam os olhos amendoados do menino.
O corpo pesado caiu por cima do seu e ele o empurrou diversas vezes, até conseguir fazer com que o homem grande caísse ao seu lado.
Respirava ofegante, suas costas doíam, seus olhos doíam, seu braço cortado doía, sua mente doía, mas tudo o que pôde fazer, foi se arrastar até o homem e procurar as chaves em seu corpo, logo achando - as.
Não era silêncio, haviam vozes era mais vozes, todas vindo de cada uma das celas, provavelmente haviam acordado com seu choro desesperado, mas aquilo não importava.
Gritavam para que lhes soltasse ou até lhe chamavam pra ir até eles, muitos também comemoravam a morte do policial.
Então ele fincou o primeiro pé no chão, tentando ficar firme em seus joelhos, para logo, vacilante, se colocar de pé.
Seu corpo estava massacrado, mas ele esperava que valesse a pena.
Arrastou alguns passos até aquela única cela silenciosa, no fundo do corredor, de aparência mais velha e acabada entre todas e escolheu a chave mais velha também, suspirando pesado ao encaixar a mesma na fechadura, antes de girá - la.
Todo o ar saiu de seus pulmões quando empurrou a porta pesada e viu a figura de costas, que vestia um macacão de prisioneiro, seu corpo parecia ainda maior se fosse possível, ou talvez fosse apenas o tempo que passou longe dele lhe pregando peças.
Sentiu o chão deixar seus pés, assim que o viu virar - se lentamente em sua direção, havia um sorriso no canto dos lábios ressecados, que mesmo daquela maneira, eram avermelhados.
Suas pernas voltaram à virar apenas manteiga e sentiu seu corpo dormente, ao que todas as vozes ao redor, o lugar onde se encontravam, as dores e tudo mais virar fumaça.
Não havia sido em vão.
— Park Jimin, Park Jimin, você foi mais rápido do que eu esperava. — A voz que tanto anseiou por ouvir, tremeu seu corpo, grave, grossa, rouca. Lhe arrepiou até sua espinha.
E então aqueles olhos negros e ameaçadores se fixaram em si, um brilho divertido dançava por eles, assim como o sorriso cruel no canto de sua boca, olhando - o de cima à baixo, vendo o quão destruído estava.
Dependente, machucado, obcecado, exausto, sujo, corrupto. Perfeito!
Ele poderia ter saído de lá sozinho quando quisesse, na verdade, nem teria acabado naquele ninho de ratos se por acaso ele desejasse.
Mas ter a visão de seu garoto anjo, completamente destruído e perfeito para si, era impagável. Era imprescindível, maravilhoso.
Era algo acima de tudo o que já havia sentido, novo, cruelmente fascinante e devastador.
Ele estava definitivamente pronto e perfeito para si. Simplesmente perfeito.
Então Park Jimin respirou fundo, antes de conseguir finalmente sorrir aberto, daquela maneira que seus olhos se fechavam. Depois de tanto trabalho, ele havia conseguido, recuperou a sua desgraça.
— Finalmente. — A palavra saiu como um murmúrio dolorido pelos lábios vermelhos do garoto de fios ruivos.
Apenas aquilo, havia pagado os meses de espera e total entrega naquele plano, estava de frente para ele.
E mesmo contra tudo o que já foi um dia, contestando até a pouca sanidade que insistia que ainda possuía, ele achava que estava feliz.
— O que estamos esperando? Você se saiu bem, temos um mundo sujo por inteiro para queimar juntos. — A voz falou, fria, gelando seu corpo por completo, mas já não configurava aquilo como ruim.
Ele não ficaria sozinho nunca mais.
Porque Jeon Jungkook, amaldiçoaria sua eternidade.
E aquilo, visto agora, mais parecia um sonho ruim. Mas ele já não estava tão certo de que o ruim fosse realmente o pior.
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