13:26Pm.
496 Km de Sevilha até Toledo, pegando a via A-66 e A-5, o que da quase cinco longas horas de viagem, não pude nem fazer as malas. Ao longo da viagem passamos por Córdoba onde o resto do grupo se reuniu para irmos todos juntos até Toledo, eu estava com o professor no carro velho de 92, e o restante do grupo em uma van pouco enferrujada e velha que vinha logo atrás.
Três quartos da viagem foi resumida em silêncio, o professor parece um homem entediante e de poucas palavras. Felizmente já estávamos chegando em nosso destino final, paramos um pouco mais de vinte metros com a van e o carro longe de onde ficaremos hospedados pelo que parece, e então fomos caminhando até o casarão.
Ao passar pela porta meus olhos viajam por cada detalhe da casa, alguns panos brancos jogados por cima de certos móveis, poeira então era o que não faltava, as paredes e chão sujos, o pouco que vi já deu para perceber que não era hotel cinco estrelas, mas por 2,4 milhões de euros quem não ficaria aqui? A casa era bem afastada de todo o resto, o vizinho mais próximo ficava a alguns quilômetros.
A primeira coisa que todos fizemos foi subir uma escada e ir para uma sala denominada nossa "sala de aula". Chegando lá vejo duas fileiras com quatro cadeiras de cada lado, caminho até a última da fileira esquerda e me sento olhando os demais já em seus lugares também, eles pareciam todos legais e divertidos, sempre rindo e conversando, mas havia um deles que me intrigava com sua quietude, ele foi o único que não havia dito uma palavra se quer desde que o grupo se encontrou em Córdoba.
× × × × × ×
13:56Pm
"Bienvenidos!", o professor escreve no quadro negro com seu giz branco.
— Sejam todos bem-vindos...– ajeita seu óculos com o polegar. — Obrigado por terem aceitado essa oferta de trabalho.
— Viveremos aqui, isolados do mundo em ruínas. – ele prossegue esfregando as mãos uma na outra. — cinco meses, cinco meses que passaremos estudando como vamos dar o golpe...
Ele então é interrompido por um barbudo que estava sentado na primeira cadeira na minha fila.
— Como assim cinco meses? Você tá louco ou que?
O professor ergue o indicador para que todos prestassem atenção e então senta-se na beira de sua mesa.
— As pessoas... Passam anos estudando para ter um salário que na melhor das hipóteses não deixa de ser um salário de merda. O que são cinco meses? Hum?
Enquanto o professor continua falando fico dispersa em meus pensamentos com meu olhar fixado em meus dedos inquietos, o que Axel vai pensar de mim em todos esses meses que eu vou ter "desaparecido"? E se o plano não ocorrer como o planejado? Uma coisa é você falar que escala o Monte Everest pelado, a outra é você ir lá e fazer, não dá pra saber se a bunda vai cair ou congelar.
— Certo, no momento vocês não se conhecem... E quero que continue assim. – o professor levanta indo até o quadro negro me desprendendo dos meus pensamentos e volto a colocar um sorriso no rosto, apesar de tudo estou fazendo isso pelo meu filho, por nós, e eu vou ir até o final.
— Não quero nada de nomes; Nem perguntas pessoais... – ele para e nos olha por um momento. — E claro que nada de relacionamentos pessoais.
Em seguida o professor pede para escolhermos nomes simples, sugeriram números, planetas e em meio a um pequeno desentendimento acabamos por ficar com cidades, e foi assim que comecei a me chamar Nairóbi, e agora sou chefe do controle de qualidade. A garota de cabelos curtos se chama Tokyo, no momento que a conheci já soube que seríamos boas amigas, ela é muito louca e cabeça quente, o cara enigmático que usa ternos e roupas sociais ficava olhando para a bunda da Tokyo, da para ter uma noção de que tipo de homem ele é, o nome dele é Berlín e ele está no comando do assalto; Moscou, ele manipula qualquer ferramenta industrial, o filho dele está junto, Denver, tem uma risada engraçada; Rio, inteligente e entende tudo sobre alarmes e eletrônicos; e os siameses, soldados de guerra que se chamam Helsinki e Oslo. O professor para todos os efeitos, um fantasma, mas um fantasma muito inteligente.
Após a escolha de nomes, a aula prossegue com as explicações, é fundamental que tenhamos a opinião pública do nosso lado, sem mortes; seremos a porra do Robin Hood e não uns filhos da puta, não é difícil de entender isso.
— O que nós vamos roubar? – Tokyo pergunta, então o professor direciona seu braço apontando para o fundo da sala.
— A Casa da Moeda, da Espanha. – ele responde pausadamente com um olhar determinado, e todos nós nos viramos para olhar a maquete, uma bela maquete.
× × × × × × ×
A aula termina e eu me retiro da sala indo até o corredor onde ficam os quartos, estávamos em nove pessoas e tinha apenas seis quartos, por sorte não tive que dividir o meu com ninguém, Helsinki e Oslo dividiram um, e Moscou e Denver outro, estavam nos quartos na frente do meu, ao meu lado esquerdo fica o quarto da Tokyo e a minha direita, o do Berlín.
Ao entrar no quarto fecho a porta, me viro e contemplo esse quarto "cinco estrelas"; uma cama de casal, um guarda-roupa e uma cômoda, nada é novo, alguns espelhos e uma decoração abatida, o cômodo não possui um odor muito agradável, é imprescindível uma higienização por aqui. Caminho até o guarda-roupa, abrindo o mesmo vejo algumas roupas e toalhas, pego as roupas sentido o tecido, até que eu gostei fazem meu estilo, por enquanto são as únicas coisas que não estão velhas neste lugar, dou uma risada fraca e balanço a cabeça com meus pensamentos.
× × × × × ×
18:21Pm.
O azul-claro enastrando-se com o alaranjado e os raios amarelos do por do sol que caía conforme os minutos iam passando. Logo esse cenário de atração foi sutilmente mesclado com o azul-escuro em uma linha tênue trazendo o negror da noite fria, eu estava na janela observando esse espetáculo a sós em um momento de reflexão. Volto desse momento de paz e quietude quando ouço quatro súbitas batidas na porta, caminho até a mesma abrindo e vendo Tokyo.
— Ficou a tarde inteira aqui? – ela indaga já entrando no quarto.
— A maior parte.
— Fazendo o que? – ela observa o quarto mais ajeitado. — Não... Você tava limpando?
— Você devia ter entrando aqui antes, o cheiro que tinha tava horrível. Não dá pra viver cinco meses assim. – digo com uma risada leve como se fosse óbvio.
— Eu sei, eu arrumei o meu também. – ela ri. — Então... Já fez amizades novas por aqui? Além de mim.
— Você quer dizer os meninos? Não. Chegamos aqui hoje, mas eu já percebi que vou me dar bem com todos... – paro um pouco e penso. — ou quase todos.
— Alguém em específico? – ela abre um sorriso me olhando.
— Quis dizer que não dá pra saber tudo sobre todos... Então não dá pra saber se vamos nos dar bem, eu espero que sim, pelo plano. – as últimas palavras saem pausadamente.
— Claro... Pelo plano. – assenti me olhando e indo até a porta. — Passei dar um oi já que não tinhamos nos falado muito antes, qualquer coisa sabe que estou aqui do lado, ou chama eu ou o Berlín, mas acho que há chances maiores de você ser atendida comigo. – ela ri e desloca-se até seu quarto.
× × ×
Já está tarde, as luzes todas apagadas com o silêncio que enche cada cômodo da casa. Se passaram mais de meia hora e ainda não consegui pegar no sono, me viro para lá e para cá na tentativa falha de passar uma borracha nos meus pensamentos, só por um momento.
Me sento na cama suspirando, levanto estando com um shorts e uma blusa de manga comprida, então abro a gaveta da cômoda e pego um maço de cigarros, em seguida me dirijo até a porta e abro a mesma; tudo escuro e sem nenhum movimento, perfeito, não preciso que alguém saiba que não estou dormindo quando deveria estar, só preciso de um pouco de ar e de um esqueiro ou fósforo para acender o cigarro. Saio do quarto fechando a porta, com passos leves tentando não fazer a madeira velha do chão ranger desço as escadas, no meio do caminho percebo uma claridade vinda da cozinha. — Quem vai estar acordado a essa hora? — penso e então me direciono indo até a cozinha, chegando lá vejo Berlín guardando alguma coisa na geladeira, o mesmo está de costas para mim, ele ainda estava com uma camisa social branca, calças e sapatos refulgentes.
Berlín se vira com as mãos afrouxando sua gravata, ele então para quando me vê na porta, ergo uma sobrancelha adentrando na cozinha.
— Eu... Vim pegar um esqueiro. – falo finalmente quebrando o silêncio.
— Já estou indo dormir. – com uma feição séria responde pegando seu blazer que estava pendurado na cadeira, então caminha em minha direção para se retirar da cozinha.
— Por que eu cheguei aqui? – indago sem pensar.
— Não é por sua causa. – ele continua andando ao falar.
Meu olhar segue vendo o mesmo sair após quase esbarrar seu ombro no meu, logo que passa por mim ele para e vira a cabeça levemente como se tivesse esquecido algo.
— Não toque no meu vinho. – ele finalmente profere e segue caminhando.
— Hum... Temos vinho então... – penso e sorrio vendo a silhueta dele sumindo no final da escada.
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