Sakunosuke Oda descobre que as pessoas passam por bloqueios criativos.
Aquela manhã havia sido como qualquer outra, e com isso era querendo dizer, que Oda apenas teve que atender, algumas vezes, as ligações de Dazai. Também teve que responder várias mensagens de Ango – que estava furioso – pois, novamente, alguém havia colocado sal no seu café. “Pelo menos não foi molho de pimenta, dessa vez...”, Oda tentava aliviar a situação.
No final de tudo, tinha que fazer um email de no mínimo 300 caracteres e enviar para Kunikida antes que o mesmo viesse vê-lo pessoalmente. Pela tarde, sem muita escolha e satisfeito depois de seu almoço, Oda senta-se e tenta escrever mais uma vez. A última frase lhe encarava saudosa; Como se quisesse perguntar: “Onde estaria a sua irmã, a continuação?”, e Oda apenas responderia que não sabia onde a tal se encontrava, e de fato ele não tinha o conhecimento.
Era como se suas palavras tivessem fugido pra bem longe. As frases que ele pensava enquanto encostava a caneta no papel não pareciam fazer sentido algum, então não valeria a pena serem escritas apenas pelo desperdício. Provavelmente ele teria que fazer cartazes de alguma pessoa desaparecida. Palavras contam como alguém desaparecido? Talvez devesse perguntar para Ango ou Kunikida, pois eles sempre traziam algum sentido às suas questões levianas – totalmente contraditórios aos incentivos que ainda iriam causar uma grande guerra que Dazai sempre proporciona.
De noite, sem ter escrito nada relevante para seu novo livro – que não conseguia ir além do quinto capítulo –, onde Oda nem chegava perto de apresentar todos os personagens ou sequer cogitar se aprofundar nos que já estavam sendo apresentados, e nem iremos dizer sobre o ápice da história que nunca nem chegava a ser desenvolvido da forma que o tal merecesse! Era uma situação deveras complicada, ao seu ver.
Sem ideia do que fazer, joga-se no sofá ao início da noite e começa a reclamar. Parecia uma saída fácil já que não conseguia escrever. Mais tarde, decidiu ir ao bar. Escutou as narrações toscas de fatos inventados sobre o próprio dia de Dazai e – incluindo no cardápio –, os resmungos que se transformaram em roncos de Ango.
Sua rotina confortável foi estragada por uma intromissão indesejada, as manhãs, tardes e noites, quando Oda escrevia sem parar até se dar por satisfeito. À medida que ele poderia relaxar enquanto refletia sobre as peculiaridades da vida, admirar sua obra terminada. O prazer de anunciar que mais um de seus trabalhos foi concluído para Kunikida. Tudo isso havia sido arruinado por uma carência de palavras, frases e simplesmente novas ideias para dar continuidade ao seu trabalho (Oda inclusive possuía um caderninho de anotações com tudo que ele tinha em mente para a nova história, que ele leu e releu tentando encontrar suas palavras para continuar, entretanto seus esforços foram em vão).
Insatisfeito, ele decidiu conversar com Kunikida sobre seu novo problema recorrente. Deve ser avisado que o espanto de Kunikida com a possibilidade do livro ser descontinuado foi gigantesco. Não haveria grandes problemas com o prazo, pois Oda nunca trabalhou com esses. Seus livros nunca levaram muito tempo para serem concluídos, todavia o livro não chegava nem perto de ser finalizado. Era preocupante. Quem sabe a solução é planejar uma nova história e entregá-la para a substituição do livro fracassado?
Sem muitas opções, Kunikida lhe disse para dar uma pausa maior. “Procure sair de casa mais vezes, nada de ir somente ao bar. Faça algo diferente! Encontre uma nova atividade para fazer, esvazie a mente e provavelmente você irá superar essa falta de inspiração súbita...” Diz Kunikida e logo prosseguiu fazendo uma enxurrada de recomendações para Oda. Por fim, se despediram da ligação que levou mais tempo do que o previsto na agenda de Kunikida.
“O que eu deveria fazer?” Perguntou-se.
Horas mais tarde, Oda estava bebendo com os amigos. Não seguindo nenhuma das recomendações de Kunikida, é claro. (Dazai ficaria orgulhoso se soubesse), Ango chegou mais tarde que o habitual, jogando-se no banco e pedindo por um copo de água que Dazai fez questão de emitir comentários ácidos como de praxe.
“Deveríamos focar em algo importante, como pensarmos em alguma solução diferente para Oda…” Ango retrucou Dazai pela quinta vez em um curto espaço de tempo.
“Odasaku deveria ir pescar!” Dazai bateu palmas igual uma criança. “Pescar um grande bagre fará ele ter grandes ideias!” A expressão de Ango ao escutar isso foi no mínimo cômica, algo impagável.
“Oda, não escute ele, por favor.”
“Pescar não é tão ruim assim. Mas não consigo imaginar o que um bagre faria por mim. Talvez eu devesse assar um peixe para a próxima vez que nos reunirmos para jantar lá em casa?” Oda sugere.
“Oh, Isso seria ótimo! Mas ainda prefiro bolinhos de caranguejo, Odasaku faz os melhores!” Em seguida, Dazai deu um longo gole em sua bebida, satisfeito em imaginar alguns dos bolinhos que seu amigo já fez.
“Deveríamos pensar em algo diferente do que se empanturrar de comida.” Ango reproduz mais um suspiro. “Já sei! Oda, você está dormindo direito?”
“Sim, oito horas por dia. E com todo aquele falatório do Kunikida, ele até fez uma cópia de sua agenda para eu me organizar melhor enquanto estou escrevendo.”
“Tenho inveja de você, quem me dera dormir oito horas direto todos os dias…” Ango deixou-se cair no banquinho que estava sentado, encostando sua bochecha no balcão.
“Eu tenho dormido no trabalho, faz maravilhas para a pele! Vocês viram como a pele do meu rosto está mais macia? Vou chegar aos trinta anos com a aparência de uma criança!” Dazai se vangloria.
“Eu realmente não sei como você é um detetive.” Disse Ango.
Oda riu de seus amigos, terminando sua bebida. Eles eram chegados há muito tempo, se conheceram ainda na escola – claro, há uma diferença de idade entre eles, mas eles conseguiram fazer funcionar de alguma forma –, devido suas rotinas de trabalho, seus encontros estavam se tornando escassos então essas idas ao bar Lupin eram priorizadas, onde conversavam por um tempo e bebiam apenas eles, sem grandes preocupações na cabeça. Talvez um Ango sonolento ou um Dazai mais irritante que o normal, tudo como deveria ser.
As semanas acabaram passando, Oda até gostaria de possuir um calendário que pudesse arrancar as folhas dos dias, daria um toque de classe para a situação inteira, igual um filme clichê. Sem ideias, sem inspiração alguma para continuar contando a história de mais uma das suas personagens e com o lixo abarrotado de folhas rabiscadas de rascunhos que no seu ponto de vista eram horríveis, Oda acabou por desistir. Não houve luta, não houve insistência, só um simples: “Provavelmente eu deveria desistir, isso não vai ir em frente, estou preso no meio de uma frase há quase um mês!” O que resultou em nada. Kunikida contentou-se em suspirar, igualmente derrotado.
“Não deveríamos desistir desse livro tão cedo.” Kunikida disse simplesmente. Dessa vez eles se encontraram pessoalmente, num café próximo a editora onde o próprio trabalhava.
Oda toca sua xícara de café. Toda a sua fisionomia mostrava uma resignação com a situação inteira.
“Eu concordo, mas não sei como levar isso adiante, eu… simplesmente me perdi no meio de uma frase e mesmo com minhas anotações não consigo prosseguir com isso.”
“Isso é perfeitamente normal, já vi acontecer com outros escritores. Você só precisa descansar, esvaziar a mente e achar uma nova fonte de inspiração para si. Algo que te motive novamente.” Kunikida ajeitou seus óculos e continuou. “Eu sei que parece fácil comigo falando assim, isso deve levar seu próprio tempo, mas não é simplesmente ir ao ato de desistir disso. Eu te conheço, Oda. Sua paixão por escrever é muito mais forte que um simples bloqueio criativo.”
Isso foi o suficiente para Sakunosuke se calar. Muitas coisas correram soltas sobre seus pensamentos e por fim ele concordou com as palavras de Doppo. Prometendo buscar algo novo, algo que mudasse seu olhar através do mundo e que lhe fizesse pensar diferente, encontrando assim, uma nova vontade de escrever.
“Nós poderíamos misturar uísque nos bolinhos de caranguejo!” Dazai sugeriu alegremente. O trio estava reunido na casa de Kunikida, algumas semanas após o ocorrido no café – e não, Oda ainda não conseguiu continuar sua história. Ele tem escrito alguns contos ao menos, nada extravagante –, como Kunikida permitiu aqueles três em sua casa? Ninguém sabe, contudo a situação se controlou com Ango mexendo nas panelas e dando algum auxílio para não acabar dormindo no sofá. Sakunosuke e Kunikida estavam cozinhando e Dazai sentado, com os braços esticados pela mesa, fazendo seu melhor para sustentar a pose de ‘criança entediada e incomodativa’.
“Essa é a ideia mais estúpida que eu já ouvi.” Kunikida resmungou.
“Poderia ser uma mudança na receita, pode vir a ser algo muito saboroso. Boa ideia, Dazai.” Oda elogiou.
Dazai sorriu, tudo em seu sorriso parecia causar arrepios em todos que o vissem, exceto Oda, que parecia muito confortável com toda a situação, os ombros de Ango tremerem com a visão disso.
“Não o incentive.”
“Odasaku entende o que eu digo!” Diz Dazai.
“Olhe só, já se entusiasmou.”
Após um grande espetáculo de Dazai em função do encorajamento errado e alguns gritos de Kunikida que só gostaria da mais profunda paz, o jantar finalmente saiu. Infelizmente para os amantes de álcool, Kunikida não possuía nada alcoólico em seu apartamento e todos tiveram que se contentar com outros tipos de bebidas.
“E como anda seu livro, Oda?” Ango perguntou na tentativa de se livrar de um assunto incômodo que fora direcionado para si alguns instantes antes.
“Eu pausei ele por tempo indeterminado, Kunikida não me permitiu desistir então irei ver até onde posso ir.” Oda respondeu, atraindo a atenção de todos. “Acho que é mesmo um bloqueio criativo, logo deve passar, é só eu conseguir me concentrar em algo diferente além de terminar de escrever um livro inteiro.”
“Falando assim parece quase uma tortura.” Dazai comentou de boca cheia, um chute audível foi escutado e um resmungo da parte de Kunikida.
“Deve ser, deixei isso tomar conta de mim.”
Os três homens encararam Oda sem saber exatamente o que dizer para ajudá-lo. Como se anima alguém que está no meio de uma má fase sobre sua escrita?
“Você já teve uma fase assim?” Ango questionou, enquanto empurrava seu próprio prato para longe do alcance de Dazai.
“Nunca assim, às vezes me fugiam as palavras, nada complicado. Eu lia alguma coisa, um dicionário na maior parte do tempo e fazia alguma tarefa da minha rotina que deixei de lado para me dedicar a história e quando retornava tudo fluía de onde eu tinha parado.”
“Então você foi na cozinha lavar os pratos e automaticamente escrevia uma história muito boa?” Dazai indagou, recebendo um aceno positivo. “E agora não funciona mais? Você deveria lavar a louça de hoje!”
“Fora a ideia completamente estúpida do Dazai.” Pausa para um resmungo de reclamação do próprio citado, Kunikida prosseguiu seu devaneio. “Quem sabe uma viagem não levante seu ânimo na escrita, Oda?”
Isso era uma ideia diferente.
“Uma viagem?”
“Oh, Vejo algum sentido aqui!” Dazai roubou o par de óculos mais próximo de si, de Kunikida no caso, e fez uma pose que ao seu parecer era bastante nerd. “Odasaku viaja para algum lugar diferente de nossa habitual Yokohama, com certeza tudo lhe atrairá a atenção e ele sequer irá pensar no livro! Quando ele voltar e lavar uma boa pilha de pratos sujos, sua inspiração voltará com força total e ele escreverá o melhor livro do ano. Rapazes, já sinto cheiro de uma grande premiação!”
“Por que ele está narrando isso como se fosse algo hollywoodiano?” Ango parecia assustado com a súbita empolgação.
“Cale a boca.” Kunikida pegou seus óculos de volta. “Entretanto Dazai conseguiu captar bem a ideia, mesmo que eu não compactue com sua imaginação fértil sobre premiações ou algo assim. Viajar lhe abrirá novos espaços, Oda. É uma opção que você deveria cogitar.”
“Pelo menos servirão de férias.” Ango ajudou a vender a ideia. “Minha nossa, quem me dera sair de férias! Eu dormiria uma semana inteirinha em um colchão macio igual uma nuvem…”
“Viajar não vai ser algo tão ruim assim mas não sei para onde ir exatamente e nem posso me permitir a tal coisa tão espalhafatosa. Sou apenas um escritor que obtém vendas suficientes para conseguir continuar escrevendo com tranquilidade.”
“Eu conheço um lugar que será do seu agrado, eu mesmo já viajei para lá uma vez.” Diz Doppo e Dazai, inevitavelmente, deixou um ‘que chato’ escapar, o que resultou em uma discussão novamente. Uma excelente noite com certeza.
Viajar não parece uma boa solução, porém, sempre podemos trabalhar mais nisso.
O planejamento da viagem foi uma tarefa surpreendentemente fácil e rápida, algo em torno de uma semana ou um pouco mais. Encontrar um lugar para ir não acabou sendo missão para Oda – ao que parece, Kunikida explicou muito bem sua situação ao seu superior, que tinha uma casa modesta em uma cidadezinha pequena, no interior, então Sakunosuke tinha um lugar emprestado para ficar –, seu trabalho foi apenas se preparar e garantir que nem Ango e nem Dazai viessem a causar um grande estrago sem ele por perto para impedir.
A viagem em si, entretanto, não foi um negócio rápido. A ida foi bem tranquila, Dazai conseguiu escapar do serviço e foi se despedir com um grande abraço e quase nenhuma cena digna de sua pessoa, Kunikida e muito menos Ango conseguiram ir, mas fizeram isso dias antes. Fora eles, Oda não tinha realmente alguém para se despedir (havia sua família que ele mantinha contato periódico, uma ligação para atualizar seu tio de tempos em tempos) e ele duvidava que o dono do seu restaurante favorito de curry daria importância para onde ele vai ou deixa de ir. Após descer do trem, carregando uma mala mediana, ele teve que pegar um ônibus até chegar em seu destino. Essa foi a parte longa da viagem.
Sua chegada foi no meio da tarde, tudo parecia relativamente muito calmo e muito verde para o olhar acostumado à cidade de Sakunosuke. Isso de certa maneira o animou, as diferenças já estavam o atingindo e ele poderia descrever com perspicácia sobre sua viagem de trem e ônibus e também sobre a aparência da cidade – que ele ainda não conhecia, além do ponto de ônibus.
Ele caminhou, caçando um mapa explicativo desenhado a mão por Kunikida em uma das páginas de sua agenda. O lugar era lindo, algo imensamente oposto a tudo que ele estava acostumado e mesmo que ele já tivesse parado algumas vezes, pois quase esbarrou em uma árvore ou simplesmente escorregou na grama (é difícil andar por aí procurando uma casa e conferindo um mapa ao mesmo tempo).
Enfim, Oda chegou na frente da tal casa do superior que ele sequer lembrava o nome. Não era muito gratificante ser encarado por alguns dos residentes dali que com toda certeza não estavam acostumados com um homem alto como ele, carregando uma mochila e uma mala. Ninguém poderia definir se ele estava visitando (fora da temporada) ou se mudando, o que tornava tudo muito confuso. Quem se mudaria com tão pouquíssimas coisas assim? Era um sim, com certeza para uma viagem fora de época.
Oda não conheceu ninguém até o próximo dia, quando ele teve que sair em busca de um mercado ou qualquer local semelhante pois não tinha comida na casa onde ele estava hospedado (por sorte, Kunikida aconselhou que o mesmo levasse alguns mantimentos para os primeiros dias), ele gastou o primeiro dia limpando tudo e se instalando da forma mais confortável que conseguiu. Com a casa em um estado aceitável para ele permanecer. Explorar o lugar era o segundo passo a entrar em andamento.
Não foi difícil encontrar o mercado, a cidade era pequena, não existiam muitos locais para se andar. A lista de compras de Oda acabou por ser mentalmente, “Pegue o essencial”, ele disse para si próprio e assim o fez.
“Você precisa de ajuda?” Alguém perguntou para ele. Ao virar-se, deu de cara com um garoto que dobrou-se para vê-lo, sua franja mal cortada caia em seu rosto. “Eu trabalho aqui. Na verdade, ajudo meu tio que é o dono do lugar.” Ele continuou tagarelando, finalmente se aproximando, o rapaz tinha uma altura na média e deveria ser um adolescente ainda.
“É muita gentileza sua, obrigado. Aceitarei a ajuda.”
“Ótimo!” O garoto sorriu. “Sou Atsushi, a propósito. Você veio morar aqui ou só a passeio? O pessoal daqui não está acostumado com isso, principalmente nessa época.”
“Vim a passeio.” Ele sorri para Atsushi. “Me chamo Sakunosuke Oda.”
“Prazer em conhecê-lo.”
O momento foi interrompido por alguém entrando. Por uma mulher alta, deve-se dizer. Não existiam palavras para descrever o quão bela ela era! Tinha cabelos, lábios e unhas vermelhas, usando um bonito, e provavelmente caro, quimono. Assim que os olhos dela avistaram o garoto – Atsushi –, ela sorriu e caminhou elegantemente em sua direção.
“Atsushi! Como você está neste encantador dia?”
“Senhora Kouyou! Que bom vê-la aqui hoje, estou muito bem, obrigado. Espero que o mesmo para você.” Atsushi respondeu alegremente, porém, o interesse da mulher foi diretamente a Oda.
“E quem é esse? Acho que não fomos devidamente apresentados, sou Kouyou.” Seus lábios vermelhos se curvaram em um sorriso.
“Sou Sakunosuke Oda, eu vim aqui para passar um tempo. Na verdade não tenho um tempo fixo, irei embora no momento que desejar.” Oda respondeu educadamente, Kouyou pareceu satisfeita com sua resposta.
“Que ótimo, aproveite sua estadia aqui, Sakunosuke Oda.” Seu olhar voltou-se para Atsushi. “Onde está o seu tio? Vim buscar algumas folhas de chá com ele, meu jardim está uma bagunça e preciso de uma variedade diferente.”
“Ele está lá dentro, senhora Kouyou, pode entrar mas tenho quase certeza que seu pacote está no balcão.” Atsushi disse, apontando para os fundos.
“Obrigada, mesmo assim irei entrar, ele com certeza deve estar brincando com o gato.” Ela riu, até sua risada era uma melodia suave. “Até outro momento, Sakunosuke Oda.”
Oda acenou para ela, enquanto voltava a pegar mantimentos com o auxílio de Atsushi. Eles conversaram o tempo inteiro, Atsushi sabia como manter uma conversa por horas e disse principalmente sobre os residentes da cidade, sobre como unida era a comunidade e que logo Oda estaria bem naquele lugar, independente do tempo que ficasse na cidade.
Ao sair do mercado, ele viu duas pessoas vindo, pareciam crianças mas ele tinha algumas desconfianças sobre isso (sempre há desconfiança quando se é tão alto), era uma menina de longos cabelos escuros e presos em um bonito penteado, segurava algumas caixas de ovos e acompanhando ela, estava um jovem, de cabelos ruivos ondulados, levando algumas sacolas que pareciam pesadas mas seus braços fortes deveriam fazer um grande trabalho pois ele parecia tranquilo, sorria enquanto conversava despreocupadamente com a menina.
Oda decidiu seguir seu caminho para casa, visto que ele não poderia passear adequadamente por aí carregando suas compras a tiracolo, deu uma última olhada naqueles dois e seguiu seu rumo. Ou ao menos ele tentou, logo alguém que estava atrás dele, se pronunciando:
“Ei, você é o cara novo, certo?” Oda olhou para trás e deu de cara com uma mulher. Ela usava um bonito vestido que combinava com seus saltos baixos e seu cabelo era curto e escuro, com um característico grampo de cabelo em forma de borboleta. “Eu cuido do posto médico da cidade, sou Akiko Yosano.”
“Prazer em conhecê-la, sou Sakunosuke Oda.” Ele empurrou as sacolas para a mão esquerda, aceitando o aperto de mão de Yosano.
“Idem. É bom ver pessoas diferentes por aqui. Meio que é natural esperarmos por uma novidade.” Ela sorriu.
“Só vim para pausar meu trabalho, meus amigos pensam que isso irá me ajudar ou algo parecido.”
“Vejo um viciado em trabalho aqui?”
“Não, não. Não me encaixo nesse padrão, eu apenas escrevo, sou escritor. Estou tendo problemas para continuar escrevendo e a ideia de me afastar de tudo pareceu ser o correto.” Oda se explicou, recebendo uma expressão que ele não pode identificar de Yosano.
“Veio ao lugar certo então, eu vim para cá há algum tempo já. Eu não suportava mais a vida atarefada na cidade, não pense mal de mim, eu amo fazer compras mas me cansei daquilo.” Ela dizia. “E consegui me transferir para cá. É agradável. Conheço todo mundo e nunca estou cansada daqui. Esse lugar me inspira e espero que faça o mesmo para você, Oda.”
Foi inevitável não sorrir.
“Sim, eu espero que você esteja certa.”
Yosano também sorriu.
“Bom dia, Yosano!” Alguém falou alto, não o suficiente para ser considerado um grito. Era a menina que Sakunosuke tinha visto antes. Agora ela e o rapaz estavam ao lado deles.
“Kyouka! Chuuya! Que bom vê-los, pelo visto o dia já começou produtivo?”
“Quem dera, só vim trazer algumas coisas que o senhor Fukuzawa pediu há algumas semanas.” O rapaz respondeu, sua voz transmitia confiança e algo a mais que Oda não conseguiu lembrar da palavra no momento. “Kyouka decidiu me ajudar para ver o pirralho.”
Yosano riu enquanto a menina, provavelmente Kyouka, emitiu um resmungo para o rapaz.
“Vocês dois já conheceram nosso novo residente aqui? Sakunosuke Oda veio ontem, aposto que vocês ouviram as fofocas.” Yosano poupou Oda das apresentações.
“Então é você que está na casa do velho Fukuchi?” O rapaz perguntou e finalmente Oda conseguiu lembrar o nome do superior de Kunikida.
“Sim, sou eu, prazer em conhecê-los.” Oda tentou ao máximo parecer amigável e ele já havia feito tantas apresentações em tão pouco tempo.
“Eu sou Nakahara Chuuya e esta é minha irmã caçula, Kyouka. Nós cuidamos de uma fazenda. É um pouco afastado da parte principal da cidade.” Chuuya disse. Ele parecia o tipo que gesticulava enquanto falava porém suas mãos ocupadas o impediam.
“Prazer em conhecê-lo, senhor!” Kyouka disse.
Ao fim, Yosano teve que se apressar pois tinha um paciente marcado e Chuuya entrou para o mercado para fazer sua entrega junto de Kyouka e Oda finalmente pôde seguir seu caminho para casa.
Mais tarde, depois de identificar alguns locais que ele possivelmente visitaria (o bar é um bom exemplo), Oda caminhou para qualquer lugar com bastante grama e pouca calçada à vista. Sentindo-se uma criança de novo, sentou-se no chão, fofo de grama e agradeceu por estar usando calças (Oda tinha grandes dúvidas se isso iria pinicar ou não), deu uma boa olhada para a região, parecia quase uma floresta – então ele deveria estar na entrada do lugar –, lamentou por não ter levado consigo seu caderno, se existisse algum lugar onde suas ideias pudessem borbulhar de volta, esse local era um ótimo candidato.
Uma maçã pousou suavemente em sua perna, os olhos de Oda seguiram sua trajetória, levando a uma mão, um braço e por fim o resto do corpo do rapaz ruivo de mais cedo, Chuuya.
“Quer?”
“O quê?”
“A maçã.” Chuuya indicou o fruto ainda em sua mão, encostado na coxa de Oda.
“Claro, obrigado.” E finalmente a maçã foi para as mãos de Oda, Chuuya pareceu satisfeito com isso e pegou sua própria maçã e a mordeu sem nenhuma cerimônia.
“Você é escritor, não é?”
Oda parou de encarar a maçã em sua mão e olhou para Chuuya. “Sou sim.” Fez uma pausa para finalmente abocanhar a maçã. “Você é algum tipo de fã?”
Chuuya riu. Seu riso parecia familiar, como uma melodia que lhe transmite um déjà vu e a sensação adiante era quase indescritível. Oda presta atenção total nos movimentos do outro a partir desse momento.
“Não, nunca li nada seu ou sequer sabia seu nome até mais cedo. Akiko me contou.” Oda não esboçou uma grande reação, então Chuuya prosseguiu. “Eu espero não te ofender nem nada perguntando isso, mas, você é algum tipo de escritor famoso ou não?”
Oda achou graça. “Não diria que sou alguém famoso, sigo minha vida como qualquer pessoa e meus livros não vendem tão bem assim.”
“E você continua escrevendo mesmo assim?”
“Sim, escrever é algo único para mim. É minha paixão, não... é o meu grande amor, é tudo que eu posso oferecer ao mundo em minha estadia aqui, então é o que eu faço.”
“Isso é bom.” Um olhar de confusão foi direcionado a Chuuya, que sorriu e continuou. “Amar o que você faz, nunca desistir e continuar, independente de tudo e todos. É maravilhoso, você não acha?”
“... Sim, você está certo.” Fez uma pausa. Chuuya deu uma grande mordida em sua maçã, deveria ser um gesto rude e tampouco Oda se importou. “Você não gosta do seu trabalho?”
Seus olhos se cruzaram mais uma vez, Chuuya parecia… perplexo, decerto pela franqueza de Oda – não, o próprio Chuuya fora muito sincero com suas palavras, não havia sentido nele próprio se ofender por isso.
“Não, eu gosto.” Chuuya respondeu finalmente, seu olhar se desviou do azul escuro de Oda. “Eu não nasci aqui, é difícil você encontrar alguém que realmente tenha nascido aqui e vivido toda a sua vida. Eu vim para cá com meus pais há algum tempo, Kyouka era só um bebê na época e eu não era muito mais velho. A questão é: meu pai foi embora há uns cinco anos, já. E eu meio que tomei a frente da minha vida e da minha família.”
“Isso deve ter sido horrível para você, Chuuya.”
“Ah não, não foi assim, tecnicamente meus pais ainda estão juntos. Meu pai viajou para escrever suas poesias, ele é um poeta buscando aventuras para inspirá-lo a criar coisas revolucionárias, palavras do próprio.” Chuuya achou graça da sua própria frase. “Eu não tenho nenhum pensamento ruim sobre ele, fico feliz dele estar buscando seus próprios sonhos. Kyouka provavelmente vai concordar comigo, já nossa mãe não ficou nada satisfeita com isso, ela nem usa mais seu nome de casada!”
Chuuya de repente se cala, respira fundo e volta a olhar para Oda, o sentimento em seus olhos nunca foi decifrado pelo mais alto.
“Perdão… eu simplesmente despejei um monte de coisas sobre minha vida em você, isso foi tão rude. Sinto muito, de verdade.”
“Não se preocupe, conversar com você foi muito agradável, e também, minha história familiar não é lá essas coisas. Eu só tenho um tio para conversar e às vezes eu choro no balcão do meu restaurante favorito de curry.”
Chuuya riu. “Não acredito! Sem chance!”
Oda acompanhou as risadas de Chuuya. “Eu falo sério! Uma vez eu estava em um péssimo momento, se eu não fosse conhecido do dono do restaurante talvez ele tivesse me expulsado permanentemente de lá. Foi um dia e tanto, posso te confirmar.”
Chuuya soergueu-se, Oda não pode ver seus detalhes com tanta clareza antes, porém, o rapaz era realmente baixo. Sua mão tocou o ombro de Oda – muito aberto a toques, Oda concluiu. Isso não era ruim –, seu aperto era suave e mesmo assim tinha a firmeza de alguém decidido.
“Você é legal, Oda. Eu gostaria de conversar com você mais vezes.”
“O sentimento é recíproco, Chuuya.”
E assim como veio, o rapaz foi embora. Oda decidiu passar o resto da tarde ali, decidindo se iria cozinhar para o jantar ou iria se aventurar no bar da cidade. A resposta mais lógica não tardou para inundar os pensamentos de Oda. O bar, é claro!
Quando os mosquitos começaram a perturbar o mesmo, ele decidiu sair dali e ir para o bar, tentando evitar coçar a bochecha direita que havia levado uma picada particularmente dolorida. O caminho foi tranquilo. É quase incrível como alguém poderia andar por tantos minutos sem sequer ver alguém. Deduzindo por longe, que se você encontrasse alguém por ali, você iria parar para conversar em vez de simplesmente esbarrar em alguém e seguir seu caminho com pressa.
Ao entrar no bar, que na verdade combinava mais como um restaurante se você deixasse de lado a cena encantadora de Yosano com uma garrafa de vinho no balcão, Oda preferia comer alguma coisa antes de ir em busca de álcool. A comida era gostosa, não apimentada como o curry do seu restaurante favorito, porém era gostosa e Sakunosuke não se arrependeu de jantar no estabelecimento e depois beber o suficiente para ir embora com as bochechas quentes.
Foi assim que ele terminou a sua segunda noite no local, com calor após algumas bebidas e caindo na cama, dormindo como ele nunca dormiu antes.
Ao acordar, Oda lembrou da existência do seu livro e decidiu fazer uma nova tentativa de escrevê-lo. Sentou-se ao lado da cômoda do seu quarto, largando com cuidado sua xícara de café e focou-se na última frase escrita. Esvaziou a mente como lhe recomendaram e mesmo assim não funcionou, batendo suavemente a caneta na madeira do móvel ele refletiu sobre a história e logo seus pensamentos ficaram distantes – sua única conclusão foi sua estupidez em acreditar que essa viagem seria uma solução quase milagrosa para seu problema. Não que Oda não quisesse acreditar nessa ideia, ele quis, no entanto, agora enquanto olhava fixamente para sua obra incompleta ele sentia-se vazio, desprovido de qualquer inspiração ou possíveis ideias – ao menos, ele poderia aproveitar sua estadia, conhecendo pessoas novas e interessantes, fazendo algo diferente além de pensar num livro que ele nem conseguia terminar.
“Odasaku!” Dazai gritou ao fundo, por insistência de Kunikida, eles combinaram alguns dias e horários para realizar ligações e simplesmente conversarem, ninguém cogitou em pensar numa emergência e pelo bem maior, isso deveria se manter.
“Olá, para todos vocês.” Oda riu, enquanto Ango suspirava. Alguns sons possivelmente identificados como Kunikida surrando Dazai foram escutados.
“Olá, Oda. Como tem sido aí? Tem dormido bastante?” Ango perguntou, enquanto finalmente a agitação cessou ao fundo.
“Espero que tenha feito alguma coisa diferente além de pensar no livro e ficar se martirizando sobre isso!” Kunikida berrou.
“Ei, ei, ei! Odasaku, conte todos os detalhes!” Dazai iniciava sua voz de ‘fiquem atentos em mim, irei fazer a birra do século’.
“Vocês podem parar de se atropelar enquanto falam? Eu sou só um.” Oda pediu. “Eu tenho dormido e comido direito, não vou morrer. E sim, tenho feito coisas além de pensar no meu livro, ok?”
“Os detalhes, Odasaku!”
“Calado, Dazai!”
Oda acabou por contar os detalhes da viagem, decidindo se manter nas longas e entediantes (palavras de Dazai) descrições sobre a aparência do lugar e manteve consigo grandes detalhes referentes às pessoas que conheceu, ao encerrar a ligação, ele por algum motivo desconhecido, lembrou de Chuuya e do dia anterior. Quando eles conversaram, foi um bom momento. Talvez, ainda teriam alguns momentos onde ele poderia conversar novamente com Chuuya, já que o mesmo não conseguia tirar isso para longe de seus pensamentos.
Saiu para respirar ar puro pois era uma tragédia manter-se preso numa casa enquanto poderia se ver as folhas das árvores balançando ao vento suave de uma tranquila tarde de primavera. Oda deparou-se com Kyouka e Atsushi correndo pela calçada e ambos vieram cumprimentá-lo assim que o avistaram, isso era algo que Oda estava totalmente desacostumado.
“Senhor Oda!” Kyouka acenou para ele.
“Boa tarde.” Atsushi sorriu e Oda respondeu o cumprimento de ambos.
“Ah é!” Kyouka de repente interrompeu a conversa paralela entre Atsushi e Oda. “Amanhã de manhã iremos pescar, senhor Oda, meu irmão pediu para convidá-lo. Ele pensou que você poderia achar divertido fazer alguma coisa além de explorar por aí. Oh, não diga para ele que eu disse essa última parte!”
“Kyouka!” Atsushi a repreendeu pela linguagem.
“Claro, eu adoraria. Que horas?” Oda sorriu para as duas crianças. Atsushi não seria descrito como uma criança por grande maioria, mas aos olhos de Oda, ele era uma.
“Bem cedinho!” Kyouka disse e Atsushi tratou de corrigir as palavras da garota mais jovem, dizendo-lhe um horário mais específico. Novamente, Oda confirmou sua ida e despediu-se deles, afinal os dois pareciam apressados para fazerem algo e logo, Oda perdeu ambos do seu campo de visão.
Durante a manhã, no dia seguinte e muito cedo, Oda descobriu que existe um bom lugar para pescar, bastava você andar um pouco. “É um caminho demorado.”, Chuuya disse. Oda sentia-se exausto pois qualquer um se sente assim quando acorda tão cedo, mas Chuuya parecia muito bem, mais que isso, era incomparável com Kyouka ou Atsushi, a menina parecia bem também. Ela estava agitada para uma longa manhã de pescaria e Atsushi parecia derrotado, um pouco pior que Oda, já Chuuya não, ele parecia que havia dormido por anos e estava cheio de energia para gastar e falava com a voz cheia de bom ânimo, sendo assim, ele mostrava descaradamente ser uma pessoa matutina.
Mais cedo, quando Oda saiu de casa absurdamente cedo e pensando como ele pescaria se nem uma vara ele tinha, até ouvir Kyouka o chamando, ele avistou os dois irmãos levando algumas varas extras! (Seu problema foi resolvido muito mais rápido do que o imaginado), eles se cumprimentaram e andaram juntos até o mercado, que ainda estava fechado devido ao horário. Entretanto, Kyouka bateu na porta e chamou por Atsushi, que logo veio junto a um homem mais velho, de cabelos grisalhos, Oda deduziu que era o seu tio. O homem se apresentou como Fukuzawa. Em seus braços havia um gato gorducho, de pelagem clara que ronronava alto. Fukuzawa prosseguiu fazendo uma breve e simpática apresentação para Oda, assegurando novamente que todos na cidade seriam muito gentis com ele, Oda agradeceu ao homem e eles seguiram seu caminho.
Retornando, eles chegaram à beira da água. Atsushi estava mais agitado que Kyouka no final do percurso. Chuuya entregou duas varas para eles e os dois correram para um lado que Kyouka jurava ser onde teriam mais peixes, mas era muito raso ainda, “Eles provavelmente vão pegar alguns peixes pequenos e irão devolvê-los”, Chuuya dizia entregando a vara de pesca para Oda, “Você pode fazer o mesmo se quiser, é mais para eles se divertirem do que pesca séria.” Chuuya deu de ombros e sentou-se no chão, diferente dos outros, ele foi o único a usar algum tipo de isca para pescar.
Oda sentou ao seu lado e jogou a linha não muito longe da margem, o solo úmido próximo aos seus pés, a água calma e os murmúrios dos mais jovem a distância transmitiam um sentimento diferente, ele estava mesmo desacostumado com isso. Lembrou vagamente dos comentários sobre peixes de Dazai. Um sorriso involuntário brotou nos lábios de Oda, se Chuuya viu o gesto, apenas se manteve em silêncio, por um tempo pelo menos – depois, Chuuya iniciou uma conversa e foi algo divertido, aos sussurros, pois Kyouka mandou um sonoro “Shhhh!” para eles quando Chuuya falou normalmente, ou seja, muito audível (aos gritos, em uma linguagem mais direta).
Deveria ser meio-dia quando eles voltaram, queimando ao sol, Kyouka parecia muito contente com sua pescaria, ela conseguiu o feito de pescar um peixe de prováveis um quilo e meio, Atsushi pegou alguns peixinhos e os devolveu para a água em seguida, Oda não teve sorte, deixou todos escaparem e Chuuya pegou alguns grandes, feito provável devido sua isca. Chuuya convidou os dois para almoçarem na sua casa, Atsushi não precisava de convite (palavras de Kyouka) e Oda achou melhor não contrariar o outro homem, um de seus sentidos lhe mandou esse aviso.
Depois de uma caminhada um pouco longa e muita conversa jogada fora, Kyouka finalmente correu anunciando a chegada deles em casa, Atsushi deu passos largos para acompanhar a menina sem correr e logo foi atacado por um grande cachorro que lambia tudo que via pela frente, incluindo o rosto de Atsushi, Chuuya deu risada e disse para o cachorro, carinhosamente nomeado de Bowie, para deixar o pobre garoto em paz pelos próximos cinco minutos, até ele decidir que era hora de pular e exigir atenção de Atsushi mais uma vez.
Oda deu uma boa olhada no lugar, absorvendo os detalhes que podia, as árvores estavam mais distantes, mesmo que na entrada houvesse um caminho verde, dentro era mais organizado. Havia uma casa grande no meio e um bonito jardim nas proximidades protegido por cercas; ele viu também um lugar que parecia ser uma estufa, haviam outras construções há distância e onde seus olhos não alcançam deveriam estar as plantações (Oda supôs essa parte que eles poderiam apenas criar animais por ali e viver tranquilamente). Chuuya viu seu olhar e disse que eles poderiam dar uma volta mais tarde, se ele quisesse, é claro.
“Chuuya! Kyouka!” Alguém apareceu pela porta de entrada da casa, Oda reconheceu a mulher de dias anteriores, Kouyou. Ela caminhava com toda a sua elegância e ia ao encontro dos irmãos. “Vocês demoraram um bocado e eu fiz o almoço antes.” Seu olhar foi a Atsushi e Oda. “E ainda trouxeram visitas!”
“Mãe, olha o peixe que eu pesquei!” Kyouka mostrou sua pesca com um sorriso, Kouyou sorriu para a filha, passando a mão suavemente nos cabelos da menina.
“É um grande peixe, Kyouka. Traga-o para dentro para podermos limpar e cozinhá-lo.” E assim, Kouyou acompanhou Kyouka e Atsushi para dentro, Chuuya entrou atrás para deixar algumas coisas e voltou apressadamente para ajudar Oda (que ficou encarregado de trazer as varas de volta).
“Você já conheceu nossa mãe antes, não é? Ela falou de ti mas já tínhamos nos visto no mesmo dia.” Chuuya dizia, nesse tempo eles entraram em um galpão onde facilmente se deduzia ser quase um depósito, Oda viu algumas coisas e logo Chuuya começou a guardar as coisas que tinha em suas mãos.
“Eu a conheci junto com Atsushi.” Oda respondeu enquanto entregava os objetos para Chuuya. “E logo conheci você, Kyouka e a doutora. Não estava familiarizado com a ideia de conhecer tantas pessoas em um único dia.”
“De certa forma você conhece pessoas novas sempre que cruza com alguém desconhecido por aí, só não entra em seus pensamentos.” Chuuya disse, enquanto guardava a última vara, se virando e indicando que eles poderiam entrar e almoçar. “Você deve estar com fome. Eu estou morto de fome e ainda vamos preparar aquele peixe… tenho tantos arrependimentos por isso.”
Oda riu do resmungo desanimado do outro.
“Acho que podemos aguentar mais um tempinho.”
Em seguida, Oda permaneceu na fazenda com Chuuya. O último fez questão de mostrar tudo e eles seguiram conversando após a caminhada pela propriedade, deitados embaixo de uma macieira, Kyouka e Atsushi brincavam com Bowie a uma distância considerável deles, logo mais, Kouyou veio se juntar a eles, trazendo chá para que todos pudessem desfrutar.
Na mesma noite, Chuuya insistiu que eles fossem para o bar beber. “Vai ser legal, com certeza Akiko estará lá e iremos beber um bom vinho, é assim que deveríamos acabar um dia desses!” Oda sem opções, concordou com o outro ruivo, sendo arrastado até uma mesa, onde eles pediram comida e principalmente suas bebidas.
Não tardou para Yosano chegar e Chuuya insistir que ela bebesse com eles. O mesmo não precisava dizer muito para ela concordar, ambos seguravam taças cheias de vinho enquanto Oda assistia tudo silenciosamente, bebendo tranquilamente seu uísque – isso o lembrou de Ango e Dazai, que proporcionam sempre boas conversas bêbadas que Sakunosuke poderia rir –, largando seu copo na mesa e mexendo no seu prato de sopa com o pão caseiro de casca crocante, Oda deu uma mordida em sua comida, enquanto Yosano ria de um comentário ácido de Chuuya referente a alguma aleatoriedade que entrou na conversa deles há alguns segundos atrás. Ambos estavam determinados a interagir corretamente com Oda, mas o homem parecia ainda mais determinado a curtir sua bebida no mais profundo silêncio.
“Ei, Oda!” Yosano o chamou. Ela segurava muito bem sua taça, mostrando perfeitamente bem seus sinais de sobriedade, por enquanto ao menos. “Provavelmente alguém já te perguntou isso mas o que está achando daqui? Achou algo que te prendeu e fez adorar estar aqui?”
Oda não entendeu muito bem essa pergunta, ele deu uma pausa para um gole em sua bebida e involuntariamente acabou trocando olhares com Chuuya, que sorriu através de sua própria taça, tudo foi muito rápido, deixando Oda com uma sensação que ele não conseguia descrever ou que pudesse se acostumar.
“Não sei como responder isso ainda… mas eu gosto de estar aqui, se isso já basta.”
“Sim, isso é uma boa resposta.” Ela sorriu. “Certamente ainda é cedo para isso.”
A noite transcorreu tranquilamente, dessa vez com um Oda mais falante e alegre por sua bebida, tendo cuidado em se manter em um estado melhor que Yosano ou Chuuya – a mulher mostrava sinais claros de uma grande resistência, já Chuuya por outro lado já estava claramente embriagado –, como um bom amigo (acostumado a grandes traquinagens de Osamu Dazai em sua versão completamente bêbada) ele fez Chuuya beber goles de água entre as taças de vinho e o fez comer alguma coisa também.
Chuuya sorriu gentilmente para Sakunosuke, segurando o copo de água que lhe foi oferecido instantes antes como se sua vida dependesse disso. Yosano resmungou qualquer coisa sobre o horário, como estava tarde e ela deveria ir embora e ter seu merecido sono. Chuuya não pôde responder corretamente, Oda concordou e disse que levaria Chuuya para casa.
“Bem, boa noite para vocês dois então.” Yosano despediu-se, indo na direção oposta assim que eles saíram do bar.
“Até!” Chuuya gritou ainda embriagado e Oda respondeu educadamente Yosano, apoiando o outro homem que andava cambaleante.
Após deixar Chuuya em casa, depois de escutar um grande agradecimento da mãe do mesmo, Kouyou que deu um grande olhar azedo para o filho, o levou para dentro de sua casa. Por fim, Oda foi para sua residência, pouco se importando com o horário tarde. Abriu seu livro e o leu, sem vontade para escrever ou buscar ideias na sua cabeça. Desanimado e confuso, ele dormiu com o livro apoiado no peito.
Sakunosuke Oda está desesperado, dessa vez seu livro pouco importa pois não é sua maior preocupação.
“Espera aí!” A voz de Dazai era de perplexidade pura. “Você nunca namorou o Ango?”
Vamos voltar ao contexto, passou-se algumas semanas após a chegada de Oda na cidade e mais alguns outros dias desde o início de seus encontros com Chuuya – em sua defesa, Oda sequer notou que eram encontros (e na verdade, ele foi o único que considerou mais tarde que eram de fato encontros), foi estranho pensar em seus momentos com Chuuya como um encontro, ele sempre considerou algo bom, muito bom, conversar com Chuuya. Ele era alegre, divertido e sempre fazia as preocupações de Oda sumirem de repente –, então, lá estava ele sem solução para suas dúvidas. Sem saída, Sakunosuke buscou ajuda de seus amigos porém o horário de sua urgência não batia com o horário de serviço de Ango e Kunikida, então o único disponível era Dazai.
“Por que eu iria namorar o Ango?”
“Por que você não iria namorar o Ango? Achei que vocês estivessem em um relacionamento há anos! Eu não acredito que perdi a oportunidade de flertar a sério contigo por estupidez!” Dazai berrou, tecnicamente ele estava no trabalho também, mas Osamu fazia o que bem entendesse até alguém xingar o próprio.
“Eu fico lisonjeado com as suposições da minha vida amorosa e investidas que nunca ocorreram mas eu tenho um problema sério aqui.” Oda resmungou.
“Balela. Você está interessado no cara. Flerte, beije e é isso.” Dazai respondeu. “Ou transa com ele, não sei o que você vai inserir na parte de beijá-lo.” Alguém falou ao fundo na ligação, do lado de Dazai, Oda reconheceu como Ranpo, o colega detetive de Dazai, dizendo algo como ‘Seus conselhos são horríveis, sinceramente’.
“Eu não acho que faço esse tipo, Dazai.”
“Ou você pode declarar amor eterno ao seu ficante e vocês ficam juntos para sempre, se for recíproco, claro.” Uma pausa. “Ei, Ranpo, acredita que o Odasaku e o Ango nunca estiveram num relacionamento?”
“Eu te disse, Dazai. E eu ganhei a aposta, você sabe o que me deve.”
Aposta? Sério?
“Porcaria! Eu tinha esquecido! Nunca mais aposto contra você, é injusto.”
“Eu ainda estou aqui, vocês dois sabem, certo?”
“Oh! Bom dia, Oda! Como está a viagem? Pelo visto encontrou uma nova paixão além dos livros.” Ranpo emitiu o comentário em tom divertido e pelos ruídos da ligação ele saiu logo em seguida.
“Eu não fiz nenhuma aposta referente a sua vida amorosa, juro.” Dazai disse. “Enfim, eu não sei o quanto tu gosta dessa pessoa ou quanto do sentimento é passageiro ou não, e sinceramente eu sou péssimo para conselhos desse tipo, então tudo que posso oferecer é: veja como isso termina. Sua vida não é um romance onde alguém escreve suas decisões, faça isso por si próprio e pelo homem de sorte que deixa seu coração um pouquinho mais suave.”
“Isso é realmente amável de escutar de ti, Dazai.”
“Eu sei, eu sei. Não conte para Kunikida ou Ango que eu posso ser assim, ok? É nosso segredinho, contudo eu vou contar cada mínimo detalhe sobre seu namoradinho!” E após mais alguns minutos conversando eles encerraram a ligação.
Oda não pôde deixar de suspirar enquanto largava seu aparelho celular na cômoda, tentando esquecer sobre suas preocupações referentes a Chuuya, talvez fosse apenas calor do momento, ninguém se apaixona tão facilmente e ele sabe perfeitamente disso – toda aquela história que ninguém se apaixona à primeira vista, que o interesse vem com o tempo e quem sabe seja de fato amor? –, tudo que ele necessitava agora era de uma pausa sobre esses pensamentos e sobre o livro, pois ambos estavam o exaurindo mentalmente.
Não ajudou muito o fato que Chuuya veio visitá-lo a tarde, já que os dois tinham combinado no dia anterior de se encontrar. Desta vez, o ‘encontro’ não tinha motivo específico, eles iriam apenas se juntar, buscar um lugar onde ambos obtém a tranquilidade desejada e conversar, quem sabe Chuuya trouxesse algumas frutas variadas da sua própria fazenda e eles pudessem fazer uma salada de frutas na cozinha da casa de Oda? Semana passada eles tinham tentado fazer um bolo mas o resultado não foi dos melhores (ninguém precisa saber que foi devido a uma competição de quanto tempo eles poderiam se encarar sem rir. Chuuya se mostrou um adversário talentoso pois foi nesse momento que eles sentiram o cheiro do bolo queimando). Quando Oda abriu a porta ao outro homem, foi recepcionado com um grande sorriso e um cumprimento exagerado, típico de Chuuya, e logo eles estavam preguiçosamente largados no sofá da sala – sem frutas, porém o pote de geleia de morango deixado na mesa da cozinha foi o suficiente para alegrar Oda. O anúncio silencioso que mais tarde eles irão passar café para acompanhar o pão –, mais uma vez os pensamentos de Oda o traíram no momento que seus olhares se cruzaram.
“Então… você está estranho.” Chuuya disse de repente, logo depois de um longo silêncio de Oda.
“Estou?”
“Ao que parece sim, eu fiz alguma coisa errada?” Chuuya questionou, sem quebrar o contato visual. “Sei que não sou a pessoa mais educada do mundo e faço grandes primeiras impressões que não são tão agradáveis mas… eu gosto da sua companhia e não gostaria de perder sua amizade sem sequer saber a razão.”
Oda não estava preparado para essas palavras, foi inevitável quando ele olhou para o chão, sem coragem de encarar os olhos azuis que expressavam emoções conflitantes, principalmente angústia.
“Não é isso. Nunca pensei em você como alguém que eu não quisesse por perto, nunca desgostei da sua personalidade independente do quão imprevisível ela fosse.” Oda levantou seu rosto para ver a reação do outro e continuou quase sem fôlego ao vê-lo. A expressão nitidamente de surpresa, as sardas se misturando com o vermelho que surgia em suas bochechas. “A situação é… acho que estou gostando mais do que deveria de sua companhia e não sei se consigo lidar com isso.”
“Oh.”
Oh. Ele não sabia de onde saiu tanta coragem, mesmo sendo um homem adulto, que quase nunca fazia cerimônias para se expressar verdadeiramente, que vivia uma vida perfeitamente comum e normal, que saía para beber com uma frequência indesejada e agora ele estava perplexo em como surgiu coragem para revelar seu único segredo não tão bem guardado no momento.
“Ei, não precisa fazer essa cara, sério. Não estou aborrecido.” As mãos de Chuuya estavam segurando as bochechas de Oda, ele sequer parecia incomodado com a barba por fazer do escritor. “Só gostaria de ter uma conversa contigo sobre isso.”
“Não é recíproco?” Foram as primeiras palavras a sair da boca de Oda, quase como um suspiro.
Chuuya riu.
“Na verdade, é o contrário. Eu também acho que gosto de ti, Odasaku.” Oda quase esqueceu que permitiu (pediu) que Chuuya lhe chamasse assim. Segundo, ele não tinha dito com as mesmas palavras sua intenção romântica.
As mãos de Oda tocaram nas de Chuuya, segurando-as com delicadeza e as retirando de seu rosto. Alguns instantes antes, Chuuya mudou sua posição no sofá, agora de frente para Oda e com as mãos de ambos apoiadas em suas pernas.
“E o que faremos agora que sabemos disso?”
“Eu não sei.” Chuuya riu baixo. “O que você quer fazer?”
“Eu quero te abraçar bem forte, e talvez te beijar.” Oda disse sorrindo para o outro. “Mas não sei se poderia ficar aqui para sempre contigo, não quero te machucar em hipótese alguma.”
Os sorrisos sumiram, a lembrança de que Oda não ficaria ali permanentemente, o dia que suas férias acabassem ele iria entrar em um ônibus e não voltaria tão cedo para os braços de Chuuya. O relacionamento a distância não era a opção mais apetitosa, Chuuya não iria querer ir embora dali e Oda não se mudaria assim por um romance que ninguém sabia até onde levaria.
“Vamos nos arrepender de nossa decisão hoje.” Chuuya disse.
“Qualquer uma delas?”
“Todas são resultados infelizes.”
Eles se encararam mais uma vez, o sentimento alegre de antes evaporou, deixando apenas o desejo pelo impossível e a tristeza.
“Vamos continuar como amigos, não vamos estragar algo que se construiu tão bem.” Oda sugeriu.
“Ninguém vai sofrer tanto assim, não é?” Chuuya emitiu um ruído como se zombasse da situação. “Sim, continuamos amigos e nunca cogitamos ficar juntos. Não há nada para nos arrepender futuramente.”
Eles sempre poderiam se arrepender pelo resultado dessa conversa. Chuuya ficou com ele por mais uma hora, eles tomaram café, conversaram besteiras distantes do último assunto e comeram pão caseiro que a vizinha deu para Oda de manhã, com a geleia de morango. Depois que eles se despediram, Oda se sentiu vazio, como se alguma coisa tivesse sido arrancada dele – ou possivelmente nunca chegou perto de pertencer a ele para ser levada para longe.
Exausto, ele decidiu beber mais uma xícara de café, agora frio, sentado na cozinha. Nenhum pensamento conseguia se focar em sua cabeça, tudo parecia uma bagunça e de repente ele sentiu falta de quando sua única preocupação era seu livro que nem chegou perto de ter uma introdução completa, quem dera desenvolvimento ou conclusão.
De súbito, Oda pegou sua xícara meio cheia e correu para seu quarto, caçando seu livro e uma caneta e pôs-se a escrever sem pausas durante aquela noite – com exceção de suas idas na cozinha em busca de água, café e alguma coisa que acalmasse seu estômago faminto. Ele parou e esticou seus músculos quando o sol invadiu pela janela e algum galo a distância cantou. Cansado, ele decidiu tomar um banho e tirar um cochilo para depois continuar escrevendo.
E assim fez, sua rotina ficou extremamente confusa durante alguns dias, às vezes as pessoas iam vê-lo achando que o pior poderia ter ocorrido e eram recebidos por um Oda descabelado, com mais barba para fazer do que o comum e olheiras, ele dizia que estava tudo bem, apenas trabalhando. As ligações de seus amigos também ficaram frequentes quando ele perdeu a data marcada. Após dez minutos sem pausa de um discurso irritado de Kunikida, Oda admitiu que voltou a escrever e evitou quaisquer indagações sobre o que Dazai fofocou entre Ango e Kunikida, que foram negadas – deixando implícito que a vida amorosa de Oda continua igual, solitária e ímpar. Ao fim, Oda disse que em breve daria algum retorno pois seu livro finalmente tinha saído do empaque, não estava próximo de uma conclusão, entretanto voltar a escrever o motivou e que nenhum dos três se preocupasse em ligar tão cedo para ele, devido ao seu estado de noites mal dormidas dando seu total esforço no livro.
Encerrando a ligação, ele voltou a escrever até concluir aquele capítulo, cansado e bocejando ele foi jantar. Era tarde da noite porém ele não tinha comido direito aquele dia (e sinceramente em nenhum outro). Uma hora depois, saindo do banho e caindo na cama, Oda notou que uma luz surgiu em suas ideias nos últimos dias, como seu coração chateado com a perda de Chuuya – uma perda fantasiosa já que nenhum deles chegou perto de um romance além de olhares cheios de significados e flertes inocentes –, decidido a mudar sua situação e motivado a terminar mais um livro bem escrito, ele foi dormir, já que seu corpo exaurido implorava por descanso com urgência.
E eu não quero ir para casa ainda.
Por favor me deixe logo.
(Trechos de First Love / Late Spring de Mitski)
Beber chá com Fukuzawa eram momentos tranquilos e silenciosos, eles se reuniam aos fundos do mercado e também residência do senhor e seu sobrinho. Byakko, o gato de estimação deles, ficava junto, decidindo no colo de quem ele deitaria nas vezes que os dois homens se encontravam para conversar, Oda sempre se sentia privilegiado quando o gato pulava nele, pedindo atenção. Haviam oportunidades que ele acompanhava Atsushi e Kyouka em suas grandes aventuras (ou brincadeiras), uma vez eles caminharam um grande trajeto em busca de pedras!
Outros dias ele conversava com Kouyou em um dos bancos coloridos da praça principal (e única) da cidade, também havia chances dela acompanhar ele e Fukuzawa em suas tardes de chá. Algumas noites, ele e Yosano conversavam ao balcão do bar, bebendo e rindo, eram bons momentos e ambos geralmente esqueciam dos assuntos sérios. E claro, Oda ainda conversava com Chuuya – nada mudou entre eles, nada aconteceu entre eles –, eles ainda realizavam as programações malucas que Chuuya planejava que rivalizava com as jornadas das crianças. Mesmo com horários de paz e tranquilidade com seus amigos ali, ele ainda dedicava-se por inteiro ao livro, que a cada dia chegava mais perto do ponto final.
A sensação de cada novo capítulo se encerrando, a cada revisão em seus rascunhos, cada momento mais próximo da certeza de um final eram apavorantes para Oda. Ele tinha ido para aquela cidade com uma única motivação, encontrar a inspiração para concluir mais um de seus livros, no entanto, ali ele encontrou algo além da inspiração, ele encontrou Chuuya Nakahara que ocupou acidentalmente todo o espaço dos pensamentos tão bem organizados de Oda, fazendo uma bagunça interna e externa. Quando lhe foi negado as chances de persistir nesse ambiente, ele se retirou e levou tudo consigo. Para Oda, restou o arrependimento, a sensação de vazio, de algo que nunca chegou a ser alcançado. Mais tarde, ele definiu isso como um ‘coração partido’ e isso o inspirou como nada no mundo o inspirou antes.
O dia indesejado chegou no final de uma tarde, quando Oda desenhou suavemente no papel o último ponto e deixou-se relaxar de alívio. Mais um livro concluído – é claro, ele faria revisões e tinha muito a ser discutido com Kunikida –, mas ali estava, seu trabalho árduo finalizado. Sem saber o que fazer, Oda ligou para Kunikida pouco se importando com o horário e anunciando que o livro estava pronto e que em breve iria retornar para Yokohama.
Voltar para casa. Essa frase lhe passava sensações mistas, algumas bastante desagradáveis.
Como comemoração, Oda foi ao bar e bebeu alguns copos a mais de uísque, deixando-se levar pela música e conversas bêbadas do pessoal ali presente. No dia seguinte, por milagre ele não acordou com ressaca. Todavia a ideia de que ele deveria fazer suas malas naquele dia o aterrorizava. Sem saída, ele passou a manhã inteira guardando suas coisas, limpando e arrumando a casa que agora não teria nenhum resquício de seu tempo ou das memórias que foram criadas lá.
Na pior das hipóteses a sensação era horrível. Despedidas são sempre assim, melancólicas e vazias, como se fosse melhor para todos que fosse rápido e indolor, pois caso viesse a se tornar algo mais gentil tornaria tudo mais difícil de se fazer. Contudo Oda ainda iria se despedir com calma de cada residente dali que o acolheu de braços abertos e causou um grande pequeno impacto em sua vida.
Depois do almoço, Oda saiu para despedir-se de todos – de passos cambaleantes e uma expressão abalada no rosto –, primeiro ele foi até Fukuzawa, que sorriu lhe desejando boa viagem e o melhor possível ao seu livro; Yosano o abraçou, disse algumas palavras e o presenteou com uma garrafa de vinho, pelos momentos que eles compartilharam juntos; Kyouka e Atsushi que estavam na praça da cidade aquele dia pareceram infelizes ao escutarem as novidades, os dois o abraçaram apertado e não quiseram soltar, porém tiveram de deixar Oda ir, pois ainda tinha pessoas que ele necessitava ver; ele foi por último até a fazenda, determinado a se arrepender por tudo que não foi vivido com Chuuya e para seu espanto, somente Kouyou estava lá, após receber um abraço da mulher e um desejo de boa viagem da mesma, ele se foi em busca de Chuuya.
Kouyou não sabia dizer onde seu filho estava, então Oda teve que buscá-lo por conta própria, depois de muito tempo andando por aí com o outro homem não foi difícil para Oda decifrar onde Chuuya possivelmente estaria. A entrada do que Oda dizia ser uma floresta, onde eles conversaram a sério pela primeira vez e vieram inúmeras outras vezes pois Chuuya queria mostrar o lugar inteirinho para Oda.
Ele não estava errado. Encontrou Chuuya encostado em uma árvore, sentado, com um pequeno livro nas mãos.
“Ei.” Oda cumprimentou, sentando-se ao lado do outro sem sequer esperar por um convite.
“Oi. Não vi você chegar.” Chuuya disse. Fechando o livro em suas mãos, não dava para ler o título ou o nome de seu autor, a capa era dura, vermelha. “Você precisa de alguma coisa?”
“Sobre o que é o livro?”
Se Chuuya percebeu a mudança repentina de assunto não demonstrou. “É poesia, foi um presente do meu pai. É uma das obras dele.”
“E você gosta?”
“Sim, ele fez certo em escrever.” Chuuya passou o livro para o lado de Oda, que pegou e examinou-o antes de abri-lo.
Oda percebeu que era um bom momento para finalmente dizer o que de fato ele veio fazer.
“Eu vim até aqui para falar contigo.”
“Acho que já estamos fazendo isso.”
Oda riu.
“Estou me despedindo, vou embora amanhã de manhã.”
“Então é isso.” Chuuya pegou o livro de volta, que Oda devolveu após ler um poema. “Adeus e boa viagem?”
“Não, eu não vim aqui por causa disto.” Oda foi encarado por um par de olhos azuis confusos. “Combinamos de não nos arrepender e… tudo que eu fiz depois daquele dia foi me arrepender por nunca ter deixado isso me levar, eu não sei qual a força disso mas eu quero me arrepender por algo real e não sofrer à toa.”
“O quê?” Foi tudo que saiu dos lábios de Chuuya.
“Eu gosto de você. Não consigo ignorar isso, não consigo agir como se nada tivesse acontecido e se for para sofrermos, nos arrependermos por tudo o que aconteceu aqui, que seja com toques reais e não apenas olhares de desejo jamais realizados.”
Chuuya o encarou, entretanto Oda continuou sua fala sem deixá-lo replicar. “Eu não posso ir embora daqui sem saber a sua resposta para tudo isso, seja concordando ou discordando.”
“Deixe-me falar então, seu estúpido que criou uma grande paranoia!” Chuuya gritou e em seguida se jogou para cima do outro homem, Oda foi beijado com gentileza e uma necessidade irritada que só o outro ruivo poderia proporcionar.
Eles continuaram se beijando por alguns minutos, o alívio após uma longa espera foi o suficiente para os calar entre as pausas para recuperar um pouco de fôlego. Roubavam selinhos aos sorrisos, Oda acariciava os cabelos de Chuuya com adoração, passando as pontas dos dedos nas bochechas cheias de sardas do outro, admirado com sua beleza. Chuuya era só sorrisos, enchendo o rosto de Oda de beijos e voltando a lhe beijar nos lábios.
“Eu já tinha dito que gosto de ti também.” Chuuya disse, dando um beijo na testa de Oda. “Não esqueci disso quando decidimos deixar de lado. Estou feliz.”
Oda não conseguia parar de sorrir, se sentindo desconfortável quando lembrou que irá embora no dia seguinte. Sem se conter, ele abraçou Chuuya com força, expressando suas inseguranças nesse aperto.
“O que foi agora?”
“Não quero te deixar.”
“Ah, é isso.” Chuuya brincou com os cabelos ruivos de Oda. “Nós dois sabemos que isso não vai funcionar e que também iremos nos arrepender de tudo que fizemos nesses últimos dias.”
“Sim. Nunca conseguiríamos ser plenamente felizes com um relacionamento desses.” Oda concordou. “E por isso eu decidi que irei voltar para cá assim que terminar tudo referente a publicação do meu livro.”
As mãos de Chuuya caíram do cabelo de Oda, permanecendo em seus ombros.
“O que você disse?”
“Vou voltar para cá e permanecerei contigo até que nos cansemos desse relacionamento.” Chuuya sequer piscou enquanto ele dizia. “Isso está bom para você?”
Chuuya sorriu, escapando dos braços de Oda e se levantando, retirando a grama que grudou em suas roupas, ele estendeu a mão para Oda que rapidamente aceitou, se levantando também. O livro esquecido permaneceu ao lado da árvore.
“Me parece bastante justo.” Chuuya sorriu, puxando Oda para eles se beijarem mais uma vez. “Estarei esperando por você. Agora acho que suas obras ganharam um concorrente para determinar seu grande amor.”
Convencido, Oda riu.
“Você ainda lembra disso?”
Chuuya sorriu abertamente. “Eu nunca esqueci.” Oda não resistiu ao impulso de beijá-lo mais uma vez.
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