Capítulo 1
Garotos como John Bonham
O alarme parecia brincar com sua sanidade. O cheiro de nicotina estava forte e era quase tão presente quanto música em seu quarto. As paredes, cobertas de posters de grandes astros do Rock, as prateleiras, repletas de discos e a cama cheia de paletas antigas, significavam casa para Jeno. O garoto não esperava acordar tão cedo, ainda sentia dores pelos braços por passar a noite tocando e a cabeça latejava, culpa do consumo exagerado de bebida.
Se não fosse acordado por aquele maldito objeto, provavelmente passaria o dia deitado, esperando que a dor passasse. Se trancaria no quarto, esperançoso porque talvez assim seus pais não o enchessem o saco – o que claro, era quase impossível.
- Levanta logo, garoto – ouviu a voz grossa – Alguns tem que sair pra trabalhar, sabia disso?
Não havia ninguém que não conhecesse Lee Jeno. Filho de grandes advogados, advogados renomados e que tiveram a má sorte de dar à luz a um filho errado. Um filho ultrajante – o garoto chamava atenção por onde passava. Suas calças boca sino negras, camiseta de sua banda favorita e jaqueta de couro era apenas a ponta do iceberg. Suas unhas mal pintadas e a tinta negra em seus olhos davam o que falar, afinal, que garoto direito usava maquiagem? Era o cúmulo. Os cabelos esvoaçantes loiros platinados e sua atitude rebelde o caracterizavam como o típico badboy que se encontraria na prisão em alguns anos, talvez menos já que todos sabiam que ele se reunia com seus melhores amigos no muro atrás da escola para fumar e tomar cerveja.
Mas claro, ninguém se atrevia a dizer nada. Porque ali, Jeno era a autoridade. Ele ao menos queria aquilo, se vestia como gostava e não ligava para os olhares tortos que recebia das pessoas daquela cidade entretanto sabia que as pessoas não se acercavam e tinham receio de se dirigir a ele.
Secretamente, o Lee gostava da atenção. Gostava de ter os olhares para si sempre que passava pelos corredores da escola e gostava muito mais do jeito que irritava os pais toda vez que saía despojando seu piercing nos lábios e um ar de rebeldia.
Lee Jeno fora criado como qualquer filho de gente rica é criado. Quando pequeno, fazia aulas de piano e suas companhias eram livros. Ás vezes, uma amiga de sua mãe trazia o filho, que parecia ser mais metido do que a própria mãe. Os cabelos negros, sempre alinhados, e as roupas que poderiam muito bem ser confundidas com roupas de um velho de 80 anos.
Com 13 anos, não muito tempo atrás, Jeno foi na casa de um amigo da escola. Um amigo, que segundo a sua mãe, era uma má influência – porque sua família não era abastada.
A casa de Jisung era difícil de não ser localizada. Ele morava mais ao norte da cidade, o que rendia a Jeno uma boa caminhada. A casa era completamente amarela, o garoto sempre dizia que sua mãe era apaixonada pela cor, simplesmente porque amava tulipas daquela mesma coloração. A porta pequena, meio gasta por conta do tempo apenas deixava o ar mais aconchegante. Amava ir para a casa do Park, porque era completamente distinta da sua – e, de quebra, podia comer o delicioso bolo de canela da mãe do garoto.
Naquele dia em especial, os dois não tinham nada para fazer. Ao menos sabiam porque haviam marcado de se encontrar na casa amarela. E, depois de ser recebido calorosamente pela Senhora Park, seguiu com Jisung ao seu lado ao quarto do mesmo.
Diferente de Jeno, que tinha o quarto mais sem graça do mundo, Jisung tinha várias frases coladas pelas paredes e alguns rabiscos que nem o dono do quarto entendia mas sabia que eram lindos. Algumas fitas embaralhadas em cima da mesinha de canto e uma bateria enorme no canto do quarto. A casa não era muito grande e o instrumento não caberia em nenhum outro lugar.
- Jeno – chamou o garoto alguns centímetros mais alto – Quer cantar?
Jisung era apaixonado por música e sua bateria era a vítima de seu vício. Eles passavam horas ali, o Park tocando alguma música aleatória que ouviam no rádio e Jeno tentava cantar. Os dois até roubavam óculos de sol e cachecóis da mãe do Park para conseguirem performarem perfeitamente.
- Vou pegar o rádio – disse Jeno indo em direção a sala e pegando o vermelho Decca Debonette TP50 de 1961, um presente que ele mesmo havia dado a Jisung e que agora o outro levava para todo lado.
Enquanto escutavam as músicas no quarto com teto azul, os dois fingiam. Fingiam que eram grandes estrelas, com shows lotados por toda a América e com mil histórias para contar. Jeno segurava o pente azul, fingindo ser um daqueles vocalistas que poderiam parar o mundo por um instante, apenas com sua voz. E Jisung, com as baquetas deixadas com força em cima da caixa, e então do bumbo e logo no chimball. Naquele quarto, Jisung e Jeno eram tudo que sempre quiseram ser: eram livres.
Foi naquele pico de felicidade que o locutor introduziu uma nova música de uma banda que havia lançado seu primeiro disco naquele mesmo ano.
- E aí, cansados? Bom, essa foi a última música lenta do dia! Agora vamos agitar com Whole Lotta Love da banda inglesa Led Zeppelin.
Aquele foi a primeira vez que escutou os acordes perfeitos de Jimmy Page, que já o deixou de boca aberta. A voz de Robert Plant logo em seguida, o deixando completamente anestesiado. O baixo tocado pelas mãos de John Paul deixavam o som ainda mais incrível e a bateria parecia unir tudo em uma perfeita harmonia, graças a John Bonham.
Quando Jeno foi para sua casa naquele dia, sonhou em ser um Astro do Rock. E para isso, ia precisar de uma guitarra.
♫
- Vocês acreditam que meu pai teve a coragem de me proibir de tocar baixo só porque eu mandei a namoradinha dele ir se ferrar? – Jaemin, seu outro amigo, contava a história de como a nona namorada do ano de seu pai o havia dito para ir dormir porque o som estava atrapalhando e ele se recusou – Ela não é nada minha, não sou obrigado!
Pela segunda vez no dia, Jaemin fez todos rirem. Já devia ser a terceira vez na semana que havia respondido a mulher de forma desrespeitosa, e o seu pai sempre o dizia que ele não poderia sair. O Na, entretanto, adorava a ideia: se não saísse, tinha mais tempo para praticar.
- Acho que vou me matricular no grupo de teatro – disse Chenle, depois de dar uma tragada e expelindo o cheiro de nicotina logo em seguida.
- Chenle, por favor – Jeno disse em meio de sorrisos – Você odeia os grupos do colégio.
- Eu sei, cara – suspirou – Mas eu preciso me matricular em algum grupo antes da formatura, preciso de pontos extras.
- Mas o ano acabou de começar...
- Nunca é cedo demais para conseguir pontos extras – disse o outro dando um sorrisinho – Tenho que garantir alguns já que minha mãe desconfia que eu vou estragar a minha vida com vocês.
Assim como os de Jeno, os pais de Chenle eram um saco. O chinês era provavelmente o único que entendia o que Jeno tinha que passar em casa. Mas no caso do outro, ele ao menos tinha uma pessoa do seu lado: seu pai. Seu pai era dono de uma rede de discos, os Zhong’s e o incentivava a continuar seu amor por música. O Senhor Zhong até havia deixado que Chenle pintara o cabelo com suas cores favoritas – o que não agradou em nada a mãe, que quase teve um ataque quando viu o cabelo do filho. Sua mãe era uma médica, uma das primeiras da cidade a se aventurar na profissão e por isso, colocava extra pressão nos filhos.
Até onde Jeno sabia, a Senhora Lee não gostava nada da ideia insana do filho mais novo de ter uma banda de rock.
- Entra no grupo de música – falou Jisung.
Jaemin era o único que participava de algum grupo do colégio. E ele era, na verdade, bem popular por ser o líder do clube de música. Mesmo que Jaemin jurasse de pé junto que odiava todo o pessoal que participava, sabia o Na tinha outros amigos pela escola. Ele era sociável, afinal. Bem boca suja e possivelmente o terror de todos os pais dos alunos daquela escola, mas ainda assim, conseguia fazer qualquer um se apaixonar por ele.
- Não tem mais vaga – Chenle respondeu derrotado – O único que me resta é teatro.
O sinal ensurdecedor passava por todas as hectares do colégio. Se fosse qualquer outro dia da semana, os 4 amigos, muito provavelmente, ficariam ali jogados no muro de trás do colégio. Com os cigarros acesos e histórias de suas famílias decadentes para contar, ou então só conversando sobre as suas expectativas para os novos álbuns de suas bandas favoritas.
Entretanto, naquele dia, Jisung tinha que entregar um trabalho ou qualquer outra coisa – Jeno mal se recordava de tão chapado que estava no dia anterior. Então se levantaram meio risonhos e foram em direção a suas salas.
Mais tarde, os 4 iriam a maior loja do pai de Chenle, então tinham que estar levemente apresentáveis, já que o Senhor Lee era sensacional com eles. Mal se lembrava quantas vezes o mais velho lhes dava conselhos e os mostrava os discos recém chegados. E Jeno mal podia conter a excitação que tinha cada vez que ia lá, porque sabia que o dono lhe separaria os melhores discos.
- Ei, Lee – chamou Jaemin – Vamos no banheiro primeiro pra tirar esse cheiro horrível.
Jaemin e Jeno faziam tudo juntos. Quando Jeno ouviu pela primeira vez sua banda favorita, chegou em casa e ligou para a casa dos Na. O outro já tinha uma paixão por um estilo mais pesado; E naturalmente, Jeno tinha que viciar todos os amigos em sua nova descoberta. Inicialmente, Chenle foi o mais difícil de convencer a gostar de algo que não fosse Beatles, mas em seguida se apaixonou pela seguinte paixão de Jeno, Jimi Hendrix.
Os dois tragaram um cigarro pela primeira vez há 2 anos. Tinham exatos 17 anos e roubaram um pacote do pai do Lee. A primeira tragada foi de doer: os dois tossiram por quase cinco minutos depois daquilo. E quando terminaram o primeiro cigarro, disseram que não voltariam a fumar.
Na mesma semana, Chenle chegou na casa de Jisung no meio da tarde dizendo que havia comprado algo e queria tentar. E naquela tarde, eles mal conseguiram parar de rir e comeram tanto que deixaram a Senhora Park assustada.
Os três tiveram que dormir na casa dos Park e passaram a noite toda acordados, completamente alterados. Já de madrugada, se espremeram na cama de Jisung e só acordaram quando se assustaram com o barulho do impacto do corpo de Jaemin no chão. O Na apenas xingou os três baixinho e se virou, dormindo. Quando já estava perto da noite de novo, os pais preocupados começaram a ligar e Jeno, Jaemin e Chenle tiveram que escutar mais um sermão de como estavam sendo irresponsáveis.
Jeno, ao menos se recordava de como havia sido a noite anterior. Só se lembrava do cheiro característico e de como estava especialmente feliz naquela noite. Sua mãe quase o comera vivo quando ele respondeu que havia esquecido de avisar que chegaria tarde, mas no fim apenas o colocou de castigo.
Entretanto, nada podia tirar o sorriso bobo no rosto do Lee. Parecia estar flutuando. A boca seca o incomodava e seu estômago renegava, pedindo mais comida. Mas não se importava, porque quando entrou em seu quarto, viu a mudança.
Há um ano atrás, aquele quarto era branco, sem cor, sem vida. Agora, Jimmy Page o encarava e Jimi Hendrix o encorajava a ser quem era. Naquele fim de tarde, Jeno prometeu se tornar em quem queria ser. Correu para o quarda roupa, pegou uma camiseta branca e pintou. O nome de sua banda favorita mal podia ser reconhecida mas Rock and Roll era sobre aquilo: sobre tentar, talvez fracassar, mas continuar tentando. Era sobre ser quem ele almejava ser. Sobre ser o Lee Jeno que Jimmy Page teria orgulho. Era sobre arriscar. E Jeno arriscaria. E continuaria a arriscar até o resto de sua vida.
Aquela noite os ensinara muito. Os ensinara a viver acima de tudo, os ensinara que ser um pouco “demais” não era nada de errado. E mesmo que não se recordassem, juraram ficar juntos. Porque os quatro eram peças indispensáveis para as vidas uns dos outros. Porque desde de que estivessem juntos, poderiam enfrentar o mundo inteiro.
♫
A loja principal dos Zhong’s ficava a menos de vinte minutos da escola. Em um dia ensolarado daqueles, Jeno e os amigos iam escolher ficar na parte coberta da quase mansão dos Lee enquanto ouviam alguma música no rádio, até que tocassem alguma música da banda Styx e eles começassem a tocar qualquer música de qualidade.
As ruas daquela parte da cidade eram todas muito coloridas, o que a fazia especialmente única. Aquela também era a área mais hippie de toda a cidade. No parque em frente as casas, algumas dezenas de pessoas espalhafatosas, com seus óculos redondos e roupas repletas de cores. Aquelas pareciam terem sido vomitadas por duendes e chegava a doer quando Jeno olhava demais.
Todos eles estavam sentados, e pareciam estar muito chapados. Alguns corriam pelo parque e alguns apenas tomavam banho de sol. Outros pareciam estar viajando, bem longe.
- Parece que esses hippies estão por toda parte nesses dias – Jaemin disse enquanto pegava o cigarro que Jisung fumava. Em troca, o mais novo liberou a fumaça em sua cara – Que nojo, Jisung.
- Ontem eu vi um casal com aquelas roupas horríveis no meu quintal – Jeno contou fazendo os garotos rirem.
Na noite anterior, estava ensaiando sua música favorita do momento, Highway Star, presente no último álbum da banda Deep Purple. E enquanto bebia um pack da cerveja favorita de seu pai, a Miller High Life, dedilhava rudemente as notas na guitarra vermelha.
Mais cedo naquele mesmo dia, seu pai resolveu lhe dar um sermão por não ser o filho mais prendado no mundo. O mais velho apenas o dava broncas, sempre dizendo que os amigos do filho e aquele instrumento demoníaco o tirava dos lugares certos da mente. Havia ouvido tanta merda que teve que se enfiar no quarto e tocar as músicas mais barulhentas que conhecia, apenas para irritar o velho.
A lua estava bonita e agora que já estava um pouco alterado por conta da bebida, sentiu a vontade de acender um cigarro então abriu as cortinas do quarto em busca de relaxar, e o simples queimar do filtro a cada tragada promoviam a sensação. O tabaco o deixava mais tranquilo, a ardência rasgando o peito era um sentimento bom, afinal.
E então, quando pensou ter ouvido uma risada se assustou vendo um casal em seu quintal. Ambos com aquelas mesmas roupas velhas e faixas na cabeça. Não conseguiu conter e riu soprado. Se seu pai visse aquilo, acharia o filho mais normal. Mas Jeno não tinha certeza se gostaria disso.
Apenas tragou mais uma vez e fechou a cortina olhando uma última vez para o céu pensando em que outra música tocaria logo em seguida, conectando o amplificador e dando os primeiros acordes.
- Seu pai não teve um ataque? – Chenle perguntou achando engraçado.
- Felizmente, eu e o céu chegamos num acordo e estávamos muito cansados para ouvir mais gritos vindo do velho.
- Ele falou merda de novo?
- E como... – Jeno sorriu de lado relembrando as palavras do progenitor – Eu sou incrivelmente ingênuo e os meus “amigos delinquentes” me levam para um mal caminho.
Jaemin parou para rir, bastante escandaloso.
- Ai cara – parou para pegar fôlego – Seu pai me mata, sabe
- Eu me sinto muito descolado toda vez que ele me chama de delinquente – disse Jisung – É sério, meu ego inflado agradece
- A gente tem mesmo é que pichar uma loja da região – Chenle continuou – Para finalmente fazer jus ao apelido carinhoso – terminou e logo se jogou no corpo de Jisung que o estava irritando a caminhada inteira.
Quando reconheceram o Mustang 68 negro, sabiam que haviam chegado. O pai de Chenle era um entusiasta de carros, e sempre mudava para o mais novo. Ninguém acreditou quando o Zhong sênior chegou em casa no verão de 68 com um Mustang negro e dizendo que nunca mais trocaria de carro.
Naquele dia, recebeu uma visita de Chenle o convidando para tomar um sorvete com os amigos. Jeno e Jisung passaram quase 5 minutos cada admirando o carro e perguntando qualquer detalhe técnico que o mais velho soubesse.
5 anos já se haviam passado e o pai de Chenle ainda não havia trocado de carro, o que lhe rendera uns bons pontos com a esposa.
- Será que ele vai te dar dinheiro, Lele? – Jisung perguntou enquanto atravessavam a rua e recebendo um balançar de ombros de Chenle – Espero que sim, hoje estou com vontade de tomar um milkshake.
- Jisung, honestamente? – perguntou cínico – Vai se fuder, mano.
- Crianças, por favor – Jaemin disse sorrindo de lado – Chenle, o Sung sempre te extorque – continuou – E Jisung – se virou para o maior - todos esperamos porque gastei toda a minha grana semana passada pra comprar cerveja.
Rindo do soco que o garoto com cabelos brancos e negros havia dado no Na, adentraram o local.
A loja de discos era o lugar mais lindo que Jeno já havia visto. Primeiramente porque, bom, era repleto de discos. Consequentemente, também era repleto de pôsteres de bandas, fitas cassetes e alguns puffs no fundo.
Quando os meninos eram menores, aquele prédio costumava ser uma loja de roupas de grife. Jeno e Chenle se lembravam muito bem das mães indo passar horas por ali, apenas para comprar a merda de uma camiseta. O lugar antigo costumava ser muito mais fino do que o de agora. E Jeno não podia agradecer o suficiente pelo pai de seu amigo por transformar aquele lugar.
Nem era possível ver a cor original do lugar, e Jeno ao menos se recordava dela. No caixa, uma garota muito bonita, com cabelo curto e cheia de tatuagens lhes mostrava um sorriso, conheciam Soonyoung desde que ela terminou o ensino médio dois anos antes. Joy, como preferia ser chamada, sempre os ajudava a encontrar bandas novas e ocasionalmente, quando ficavam receosos de seus pais notarem as bebidas perdidas, pediam ajuda da mais velha. E ela sempre comprava, desde que ela pudesse acender um baseado com eles, então os 5 eram bons amigos.
- Seu pai pensou que vocês não iam vir mais – disse – Ele estava até triste, separou vários discos para vocês.
Jaemin logo se encaminhou para o outro lado do caixa e a abraçou bagunçando seus cabelos no processo. Ele sempre era muito carinhoso com Joy, eles tinham um lance a uns anos e suspeitava que se Na Jaemin fosse namorar um dia, seria com aquela garota.
- Só você é burro nesse nível, Jeno – Jisung disse se afastando logo em seguida para pegar L.A Woman do The Doors murmurando que o seu disco já estava gasto e precisava de outro.
- Cadê o velho, Joy?
- Ei, moleque, já disse pra não me chamar de velho – o homem apareceu e bagunçou os cabelos do filho – Estou na flor da idade ainda.
- Da idade da pedra, só se for – o mais novo balbuciou baixinho fazendo os amigos do filho e a mulher rir e o pai o dar um peteleco em sua cabeça.
- Jeno, vem comigo – o dono da loja chamou colocando o braço no ombro do Lee – Tenho uma banda nova para te mostrar.
Aquilo sim, era música para os ouvidos atentos de Lee Jeno.
♫
Quando o Lee adentrou a grande casa branca no fim da rua, aquela que ironicamente chamava de casa, percebeu que o fim do dia seria mais tranquilo. E isso se devia ao fato de não ver o carro do pai na garagem.
- O que é isso na bolsa? – a mulher de cabelos negros e porte elegante perguntou tirando os olhos da revista, provavelmente uma bastante superficial, como a própria mulher.
- Uns discos.
- Mais?
- Discos nunca são demais – disse sorrindo amarelo e se encaminhando para a escada – Boa noite – murmurou, mesmo que ainda não fosse tarde e tampouco que fosse dormir.
- Boa noite.
Aquele, muito provavelmente, foi a conversa mais longa que teve com a mãe em anos. Percebeu desde de muito cedo que, se não fosse o mascote de demonstração da família, era melhor que não existisse. E mesmo que odiasse viver ali, tinha consciência que precisava de dinheiro e isso a família tinha de sobra.
Depois de fechar a porta com força, se jogou na cama. Céus, estava morrendo de sono mas ainda tinha que ligar para os dois amigo e contar os planos do dia seguinte. O quarteto havia inventado de ir tomar sorvete no melhor estabelecimento da cidade, depois da loja de discos dos Zhong.
O Farrell's Ice Cream Parlor estava quase vazio naquele dia, e tinha quase certeza que era porque o frio estava começando a pesar. Mas bom, todo mundo sabia que sorvete é para ser tomado no frio, então quando os pedidos vieram, se esbaldaram nas porções que podiam facilmente alimentar o dobro de pessoas que estavam na mesa.
- Fui me matricular no grupo de teatro – Chenle soltou quando uma música digna de ser uma das favoritas da Senhora Lee parou de tocar – E adivinhem? O líder é Lee Donghyuck!
- O hippie que sempre está cantarolando The Beach Boys? – Jaemin perguntou prestando mais atenção no sorvete do que no amigo.
- Tem outro, por acaso, Jaemin? – perguntou Jisung e logo tomando um cascudo do Na – Ai! Merda – resmungou - O grupinho dele é bem engraçado.
- Vocês lembram como ano passado, o Donghyuck e os amigos começaram uma passeata pedindo a destruição das Armas Nucleares?
- Sim e foi especialmente engraçado ver o diretor correr atrás dele enquanto ele gritava “faça amor, não guerra” – Jeno completou rindo se recordando da cena.
Os outros três desataram a rir porque cenas como aquela, eram muito comuns. Donghyuck era um dos garotos mais populares que conhecia e sempre andava com outros dois amigos. Todos reforçando o estereótipo dos hippies e pregando frases inspiradoras pelo colégio.
Era incrível ver como ele e os amigos ainda não haviam sido expulsos e isso provavelmente era porque os três vinham de famílias boas demais, que o Colégio não gostaria de perder o suporte.
- Ele me disse que vou ter que passar por uma audição – suspirou – Vê se pode
- Já não é tortura o suficiente participar do grupo de teatro do colégio? – Jisung completou e logo em seguida um “obrigado pelo apoio” vindo do Zhong.
Os dois eram muito mais despojados que Jeno. Usavam suas jaquetas de couro a todo o momento, esse era meio que o uniforme dos quatro, mas Chenle se aventurava mudando as cores de cabelo e Jisung sempre o acompanhava, porque ele era muito bom pintando.
Já fazia quase um mês que os dois estavam com detalhes brancos no cabelo. O chinês, com o cabelo dividido: metade preto e metade branco e o Park com algumas mechas brancas, porque havia usado o resto da tinta que usou no cabelo do amigo.
- Vamos logo – O Na chamou assim que terminou seu segundo sorvete – Ainda estou de castigo e meu pai ainda não deve ter chegado em casa.
Assim, os três saíram do restaurante assim que Jeno e Chenle dividiram a conta e reclamaram que os outros dois tinham que começar a economizar e ajudar na compra das coisas.
- Lele – o mais alto dos quatro chamou depois que ouviu o discurso do amigo – Eu vou tirar dinheiro de onde? Do cu?
- Você compra tanto disco e sempre ‘tá arrebentando as suas baquetas – o amigo disse – Não vem com essa de “não tenho grana”.
- Eu não tenho grana mesmo, então ‘tô tranquilo – Jaemin se intrometeu passando a mão pelo cabelo e exibindo a tatuagem no antebraço.
- Tudo bem, admito que tenho grana mas eu utilizo ele com as minhas prioridades – continuou – E além disso, no ano novo eu paguei todas as bebidas que a gente comprou...
- Pagou com o dinheiro que eu te emprestei – concluiu Jeno sorrindo de lado.
Por todo o trajeto até a casa de Jaemin, O Zhong e o Park passaram brigando um com outro porque Jisung nunca pagava nada. Os quatro sabiam que era só provocação e os dois que sempre pagavam, não viam nenhum problema em pagar as coisas para os amigos. Era só para irritar os outros e terem o chinês repetindo o mesmo discurso chato de sempre para, depois, rirem.
- Vejo vocês amanhã – O tatuado disse piscando o olho direito e se afastando para entrar em sua casa.
Logo em seguida, se despediram de Jisung também, que saiu correndo em direção ao ponto de ônibus, porque este morava do outro lado da cidade e tinha horário para chegar em casa. A dupla seguiu o mesmo trajeto conversando sobre as novas músicas que haviam aprendido, já que ambos eram apaixonados por guitarra.
- Quer ir dormir lá em casa? – o de repartido perguntou – Meu pai me deu uma Fender Stratocasters branca e umas palhetas novas.
A Fender Stratocasters era uma das mais famosas dos anos 70. Parte porque era uma guitarra excelente e principalmente porque era a guitarra que Jimi Hendrix mais gostava de tocar e consequentemente, Chenle estava implorando pro pai dar uma daquelas há alguns meses.
- Não rola hoje, cara – Jeno disse derrotado porque queria muito tocar numa daquelas – Acho que se eu dormir na sua casa, meu pai me mata de vez
- Ou te dá um chute bem dado no traseiro.
- É, isso também – disse rindo – Amanhã. Depois da aula. Ligo pros meninos assim que chegar em casa.
- Tudo bem. Até amanhã, Page – disse se afastando gritando a última parte, levantando a mão e logo expondo o seu dedo indicador e mínimo. O símbolo do rock.
♫
Quando Jeno chegou na escola aquele dia, soube que a manhã seria um saco. Os olhos marcados analisavam friamente tudo a sua volta, as vozes altas, os adolescentes irritantes e os armários sendo fechados. Tinha em comum apenas uma coisa com todas aquelas pessoas: não queria estar ali.
Ele sempre fora um aluno bom. Mesmo com suas atitudes duvidosas, sempre manteve o boletim em bom estado, com as notas mais altas. Dormia nas aulas, quase sempre e quando não dormia, desenhava na carteira. Sentava no fundo da sala, junto com Jaemin, que falava sempre que podia. E quando não podia, falava também.
Encontrou seus amigos ao lado de seu armário, falando de alguma fofoca que Jaemin havia escutado.
- Bom dia, merda – Chenle falou o olhando e ele deu um aceno com a cabeça – Ao que parece, o Led vai lançar álbum novo em março.
E tão fácil assim, Jeno parou de colocar o livro na mochila velha cheia de rabiscos.
- O quê?
- Isso o filho da mãe escuta – Jaemin resmungou fechando o armário com um estrondo.
- Cala a boca, Jaemin. Repete, Chenle – pediu ignorando os insultos nada amigáveis que o tatuado o chamou.
- É só isso cara, o álbum ‘tá previsto pra sair em março. – rindo da cara de ansiedade e felicidade do mais velho.
- Finalmente uma notícia boa.
- Okay – começou Jisung – O dia nem começou direito e o Jeno já teve um orgasmo potente por causa do Led.
Os meninos riram e Jeno deu um soco em Jisung. Não podia fazer nada se a melhor banda do mundo lançaria mais uma obra prima em pouco tempo. O quarteto se separou assim e o Jeno, com Jaemin em seu pé o contradizendo falando que Kick Out the Jams era a melhor música de todos os tempos. Anos mais tarde, um novo estilo se populizaria que se iniciou naqueles anos com The Kinks, MC5, The Velvet Underground, The Stooges e tantas outras bandas que Jaemin admirava, o Punk.
Quando a aula se iniciou, Jeno soube que teria que lutar muito para continuar acordado. Não que quisesse ficar acordado, na verdade, havia ido dormir tarde escutando os álbuns que havia comprado, mas sentia que nunca estava acordado para as aulas do professor.
O professor era um homem de idade avançada que parecia se esforçar muito para andar. A voz, calma e ao menos se recordava de o ouvir gritando. As roupas muito novas para serem dele, mas ele sempre usava aquele tipo de roupa para parecer mais jovem. Nunca funcionou.
Olhando ao redor, percebeu que todos os alunos se encontravam no mesmo estado. Os olhos fechando por muitos mais segundos do que o normal, pensando em qualquer outra coisa mas não na Guerra do Vietnã.
- ..E então, neste ano, os Estados Unidos ganhou a Guerra – ouviu a voz do senhor bem de longe.
- Nós não ganhamos a Guerra, professor – ouviu uma voz diferente e abriu os olhos – Assinamos um Acordo de Paz mas até agora nossas tropas militares continuam por lá, mesmo depois de terem sido responsáveis por tanta morte.
- Calado, Huang – o homem retrucou – Mais uma e você já sabe onde estará.
- Mas, professor – o menino sorriu inocentemente – Se você não sabe ensinar direito, eu tenho que ser a salvação destes pobres alunos. Olhe para eles! Mal estão acordados.
- Huang...
- Calma, senhor – continuou – Só estou dizendo que a nossa sociedade capitalista que se diz pregar a “liberdade” obriga muitos a servirem ao exército para jogarem bombas na casa de pessoas – disse revoltado se levantando – Em crianças! Que nem sabem o que está acontecendo...
- Já chega, Huang! – gritou o homem irritado. Com o rosto vermelho, o homem se dirigiu a carteira do garoto, pegando o braço fino menino de óculos redondos e roupas espampanantemente coloridas e o levando em direção a porta. – Eu te disse para ficar quieto, garoto.
- E eu disse para o senhor aprender a ensinar direito – o menino respondeu com um sorriso arteiro e puxando o braço com força. Logo, balançou os ombros, arrumando os óculos no rosto e se virando em direção a sala do diretor da instituição.
Mas não sem antes voltar-se para o professor irritado e gritar, com todo o fôlego dos pulmões:
- À Paz e ao Amor!
♫
- E aí, o maluco virou e gritou “À paz e ao amor” – Jaemin contava para Jisung e Chenle enquanto caminhavam para o quarto do último, segurando a case do seu bebê: um baixo '62 Fender Jazz.
Jeno não fazia a mínima ideia do que havia acontecido com o garoto que causou todo aquela confusão mas tinha quase certeza que o havia visto quando estava saindo da escola, com aquele mesmo sorriso arteiro.
- Era o Donghyuck?
- Não, cara – Jaemin disse depois de rir – Era aquele outro amigo dele, o Renjun.
Em todos os anos que estudou naquela escola, nunca viu alguém protestar de frente com um professor. Donghyuck mesmo, só fazia passeatas mas nunca se pronunciava de outra forma. Foi muito engraçado e a primeira vez desde que tinha aulas com aquele professor, que de fato ficou alerta e prestando atenção ao invés de ficar dormindo.
- Vocês acham que ele vai ser expulso? - perguntou involuntariamente.
- Não – Jisung, que até então estava rindo, se pronunciou – Ele é neto de gente importante, pelo que dizem.
- Salvo por ser rico – Jaemin disse.
O quarto de Chenle era provavelmente o mais arrumado dos amigos. Tudo muito bem organizado, os discos enfileirados nas prateleiras pretas, livros na estante da mesma e alguns pôsteres milimetricamente colados na parede. A guitarra Stratocaster 1968 preta se encontrava na cama e a reluzente Fender Stratocasters branca, se encontrava no apoio.
- Puta merda, Chenle - Jeno soltou assim que pôs os olhos na guitarra – Ela é linda pra caralho
- E aí está, senhoras e senhores – Jisung sibilou abrindo os braços apontando ao Lee e engrossando a voz para parecer um daqueles apresentadores que passavam na televisão – O segundo orgasmo de Lee Jeno do dia, obrigado pela atenção – terminou sendo acompanhado pelos risos dos amigos enquanto o loiro o mandava ir a merda.
Jisung saiu para ir buscar o Bongo que havia levado, já que não conseguia levar sua linda bateria. Chenle pegou a guitarra velha porque sabia que o amigo estava se segurando para não tocar a Fender Stratocasters e deu um sorriso para o outro, o apontando a guitarra brilhante. Jaemin logo se posicionou e começou os primeiros acordes, logo sendo acompanhado por todos os outros.
- It’s getting near down... – Jeno cantou.
E o quarto já parecia pequeno demais para os quatro.
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