Estava irritado.
As duas pessoas no cômodo estavam com os ânimos a flor da pele, por motivos distintos, ainda que não tanto assim. Estavam tendo aquela discussão há um tempo, e a volta naquele assunto, mesmo que Worick tentasse mudar, apenas piorava o humor do ruivo acerca da situação.
Malcolm discursava, mais uma vez, sobre como Worick deveria lidar com sua aparência demoníaca enquanto o Un Rama apenas ouvia com uma genuína vontade de mandar o outro se ferrar. Não era como se "aceitar que esse era ele", como disse Mal, simplesmente acabasse com sua insegurança e a aparência herdada do pai magicamente não fosse mais um problema. Queria entender como ele, que também possuía aquele tipo de aparência, parecia aceitar tudo sem problemas, mas no momento apenas queria que Malcolm calasse a boca, e soube exatamente como.
— ...por isso se você sent— calou a voz de Malcolm com um beijo, que demorou a responder pela surpresa, mas logo o fez com o mesmo fervor que era atacado. Worick ficou por cima do Rizzo e continuou com a boca na dele, intensificando o momento ao percorrer as mãos pelo corpo de Mal com nenhuma delicadeza.
Talvez o momento não fosse propenso àquilo, mas a verdade é que precisava calar o outro e precisava também relaxar. É aquelas… Dois coelhos em uma cajadada só.
Quase não sentiu a blusa ser puxada para fora do próprio corpo por Malcolm, estava ocupado usando a boca e mãos para marcar o corpo do outro como uma forma de tirar a própria tensão. Distribuiu beijos da boca de Malcolm para a mandíbula dele e depois para a orelha, mordendo a carne dali. Poderia estar usando a super força nas mãos sem querer, algo que se provou uma verdadeira preocupação ao ouvir o gemido baixo de Malcolm, mas ao olhar para ele e ver que Mal estava gemendo de prazer, não conseguiu conter o arrepio de prazer que lhe passou pelas costas. O volume na calça estava começando a doer, por isso saiu de cima de Mal e se sentou, o puxando para perto.
— Ajoelha. — ordenou. Foi prontamente atendido enquanto tirava o próprio membro de dentro da calça. Não estava completamente duro, mas não se ateve a isso, puxou Malcolm pelo pescoço e direcionou a boca dele onde latejava com força. — Chupa.
Quando Worick sentiu a boca de Mal se fechar ao redor de si suspirou deixando a cabeça tombar para trás, no entanto voltou a olhá-lo quando Malcolm decidiu que queria provocá-lo, apenas lambendo a extensão quente e pulsante enquanto olhava Worick fixamente. Ora Malcolm, não vai andar mais depois.
— Mack, hoje não. — Sua voz soou autoritária, exatamente como Worick desejava naquele momento.
Segurou as madeixas escuras do seu companheiro, o forcando a encará-lo nos olhos e sorrindo de lado para o mesmo, levando a mão até o próprio membro e segurando-o em direção à boca de Malcolm.
— Você está tão mandão hoje, Rick. — Resmungou Malcolm, mas no fundo ambos sabiam que toda a dominação do seu namorado era algo excitante para o feiticeiro.
Abrindo a boca rapidamente, Malcolm sentiu o membro de Worick ser levado até a sua boca e não demorou a dar prazer para ele, chupando desde a glande até os seus testículos com vontade.
Os gemidos no quarto já poderiam ser escutados até mesmo fora do cômodo e Worick passou a ditar o ritmo, movendo os quadris em direção à boca do seu namorado quando sentiu que estava perto do ápice.
Um som irritante chegou aos ouvidos de Worick, atrapalhando sua imersão no prazer que estava sentindo com a boca de Malcolm. Percebeu que era seu celular, um toque específico para uma ação específica. Xingava toda e qualquer pessoa existente envolvida naquela possível situação, quando tirou o celular do bolso, atendendo a chamada. Levou uma mordida, nada amigável, como repreensão, mas continuou com a mão nos fios de Malcolm para que não parasse.
Como esperava, a ligação era um alerta para um roubo em um banco e ele e mais duas pessoas teriam que tirar os reféns do lugar e prender os ladrões. Respondeu que estava indo e desligou a chamada, se deixando levar pelos movimentos de Mal para acabar logo de uma vez, gemendo alto quando chegou ao ápice.
Olhou para baixo, vendo que Malcolm já tinha se separado do seu membro e agora estava com cara de poucos amigos, sabendo que não receberia prazer por algum dos diversos compromissos que Worick sempre tinha.
— Você tem mesmo que ir?
Malcolm virou o rosto, fazendo um beicinho um tanto fofo. Worick riu, segurando o rosto dele com a mão e o fazendo encará-lo.
— Ora, se eles querem que eu continue enganando os heróis, seu orgasmo vai ter que esperar, não acha? — Disse, rindo brevemente com a feição irritada de Malcolm. — Não se preocupe, logo estarei de volta e a minha missão terá terminado.
E dito isso, Worick rumou até onde o seu traje estava guardado, vestindo-o e rumando para fora da casa, indo o mais rápido possível até o local que lhe informaram para ir, mas aquele incidente já tinha ganhado proporções enormes, não era só um simples roubo, ou tumulto, eram diversos vilões preparados para a situação instaurando o caos na cidade e para Worick, nunca foi tão difícil se controlar.
Nem mesmo após uma hora a sua equipe conseguiu amenizar a situação.
Havia gritos. Muitos deles.
O chão estava coberto de cacos de vidros, os policiais, inutilmente, se alinhavam como uma linha de defesa, homens eram jogados para fora do banco, voando pelos ares, sirenes tocavam dentro e fora do lugar. Mais um dia em Basin City.
Apenas três heróis estavam juntos naquela bagunça. Enquanto os demais cuidavam da quadrilha, nada profissional, diga-se de passagem, Worick cuidava de levar os reféns para fora do conflito, em segurança. Mas a tarefa se provava cada vez mais difícil quando ao se aproximar de qualquer um, a pessoa recuava e parecia preferir estar no meio do fogo do que aceitar a ajuda de alguém com a aparência, literalmente, demoníaca.
Tinha que fazer na marra, tirando as pessoas dali mesmo que contra a vontade delas. Enquanto o fazia tentava pensar na segurança delas e não na expressão assustada de todos, até dos policiais que levavam as pessoas para mais longe. A conversa com Malcolm voltou a sua mente e junto com ela a sensação já conhecida chegou a seu corpo, aumentando sua respiração, e não pela adrenalina do momento.
Sempre seria um monstro para todos. Não importa se estava ali para salvar as pessoas e garantir a segurança delas, via que para eles ele era o contrário de segurança. O tão conhecido diabo. Mas não era ele, era? A pele vermelha, os chifres, os músculos exagerados. Viu a própria imagem em um reflexo e sentiu a certeza de que sim, seria aquele monstro para sempre. Alguém indigno de segurança e do sorriso de orgulho que via em outras crianças para outros heróis. Não era um herói. Tinha a aparência de um vilão, lutou a vida inteira para mostrar que não era um, mas não adiantava. Não conseguia sentir se um dia adiantaria.
A imagem das pessoas ainda encolhidas para longe dele foi demais para sua mente. Eram reflexos demais mostrando quem ele era. Quem sempre seria. Um grito feminino cortou o ar quando Worick, sem perceber, lançou um homem vidro a fora. Um homem inocente, um civil, e estava no chão do outro lado da rua, perfurado por centenas de cacos de vidro, sangue escorrendo dos cortes e da orelha, morto.
Todos os olhos voltaram-se ao herói, mesmo os bandidos estavam parados o olhando, o que facilitou a prisão dos que sobraram. Worick sentindo todas as atenções não soube como reagir, ficou ali assistindo todos o olharem assustados. Quando percebeu já estava longe, correndo para qualquer direção que suas pernas decidiram tomar. Parou no que pareceu um beco, sentou-se ali e tentou regularizar a respiração, mas era impossível. Se antes era quase um vilão apenas por sua aparência, agora sabia ser um de verdade. Quem mataria sem razão? Por simplesmente não saber se controlar? Não parecia um herói, não mesmo.
Com as mãos tremendo procurou seu celular e ao achá-lo ligou para a primeira pessoa que seu cérebro lhe mostrou.
Do outro lado da cidade Beatrice sentia que algum desastre estava para acontecer. Não gostava de assistir os noticiários, era sempre a mesma coisa; bandidos aparecem, heróis salvam o dia, o mundo volta a girar. Era para ser apenas mais um assalto mal feito, mas Worick estava lá. Viu as imagens e se sentiu ruim ao ver como as pessoas recusavam sua ajuda por causa da aparência dele. Não era sua escolha, afinal, ainda assim o recusaram e ele se descontrolou, como sempre temeu.
Jogou uma jaqueta qualquer pelos ombros enquanto falava com Dice, pedindo ao meio irmão que abrigasse ela e o amigo, explicando a situação por alto. Dietrich aceitou rapidamente e enviou o gêmeo para pegá-la enquanto ele ia da universidade para o apartamento. Teria onde ficar com Worick, acalmá-lo, dar um jeito de diminuir os danos do acontecido. Um herói fazendo algo ruim nunca acabava bem e ela já conseguia sentir a dor de cabeça vindo.
Enquanto corria pelos corredores da mansão passou pelo escritório do pai, mas travou seus passos ao ouvir sons estranhos vindo do outro lado. O ruído de algo batendo contra a parede de novo, e de novo. Eca, eca, eca, era o que pensava enquanto continuava andando, correndo, para longe dali. Achou Alfred na sala junto ao outro meio irmão, o chato, e se dirigiu ao homem.
— Avise ao meu pai e minha mãe, quando eles terminarem, que eu estou indo para a casa do Dice. — falou, quase atropelando as próprias palavras.
— Sua mãe não está em casa.
Novamente seus passos travaram. Não era possível. Bruce não seria capaz de fazer aquilo onde morava com sua esposa, seria?
— QUE— parou a fala, respirando fundo antes de se virar e olhar bem para Alfred. Estava louca, tinha que estar, mas não poderia perder a compostura. — Quem está no escritório?
O homem pareceu pensar bem em sua resposta, ainda mais por não entender a razão da visível fúria na Prince Wayne.
— Selina.
Trice não podia acreditar que aquilo estava acontecendo debaixo de seu teto, onde sua mãe e mulher daquele desgraçado morava. Achou que estava louca, supondo coisas, mas Selina ali, logo ela, a mulher que pariu mais filhos do que uma gata em uma ninhada, que ajudou seu pai trair sua mãe. Provavelmente. Era ela.
Escutou um grave riso perto de si, mas ignorou o som, a risada de Damian.
— Parece que nosso pai sempre volta para quem ele realmente ama. — ele falou passando pela irmã.
A linha fina que segurava a jovem Prince-Wayne havia sido cortada, com toda a semana estressante que teve, toda a pressão em cima dela como heroina, o medo e a insegurança de ter uma nova equipe em suas mãos, o caos que estava a cidade, tudo aquilo se formou em sua cabeça. Beatrice estava cansada, e mais que tudo, angustiada, tinha cansado de ser perfeita, cansado de aturar tantas pessoas horríveis.
A mão de Beatrice foi rápida ao puxar o irmão, sendo rapidamente defendida, mas o sorriso convencido de Damian sumiu quando o joelho de Trice acertou em cheio o meio de suas pernas, não tendo tempo de defender o outro soco que recebeu do outro lado, assim caindo no chão.
— Que porr— a fala dele foi cortada pelo grito de Trice, pela primeira vez em toda a sua vida, ela havia gritado com toda a força de seus pulmões, e até mesmo Alfred se calou, assutado.
— CALA A BOCA! — pegou a primeira coisa que viu e iria lançar na cabeça do irmão, se Alfred não tivesse tirado o vaso de suas mãos, saindo dali levando todos os outros objetos cortantes. — Seu merda! — chutou o meio de Damian novamente, fazendo-o gritar.
— O que está acontecendo? — Bruce chegou na sala acompanhado de Selina, confuso com aquela confusão.
Era só quem faltava para a merda ser jogada no ventilador. Beatrice se virou ao pai, jogando o objeto mais próximo, no caso uma almofada, em direção a Bruce.
— Você tá traindo a minha mãe, seu merda. — não sabia da onde aquela coragem tinha vindo, mas era bom gritar. Era bom deixar de se controlar. O olhar confuso na cara dele apenas a deixou mais nervosa. — Eu ouvi vocês!
— Ela surtou. — ouviu de Damian. Se virou ao irmão, os olhos como duas armas em direção a ele.
— Cala a boca, filho da puta, você está ficando com duas mulheres, não tem o que falar! — gritou.
— Não eram três? — Bruce, pareceu mais confuso ainda.
— ESTÁ ACOBERTANDO ELE? — estava indignada. Como assim três? Damian enganava três mulheres e tudo bem? Claro, era o perfeitinho, o filho preferido. — Tal pai, tal filho, não? Dois merdas, filhos da puta! — ia para cima do pai também, estava no modo foda-se, como seus amigos diriam, só queria socar alguém, mas Alfred apareceu repentinamente, a segurando.
— Beatrice!
— O que é isso agora? — Alfred também gritou, apenas assim seria ouvido.
— Beatrice, controle-se. — Bruce a repreendeu, mas a bronca não surgiu efeito algum, Trice estava puta com todos ali, e não era de hoje. — Eu estava na cozinha. Quem disse que estávamos juntos?
Merda. Tinha feito merda. Mas como saberia que não era os dois juntos? Era só olhar o histórico de seu pai para ver que ele não tinha moral nenhuma, mesmo dentro de casa. Olhou para o único ser que a tirava do sério apenas com o fato de respirar e tomou uma respiração funda enquanto se aproximava daquele filh—
— FILHO DA PUTA, DAMIAN, SEU DESGRAÇADO!
— Porra, o que eu fiz? — todos se viraram para a porta, onde Damien entrava olhando para todos tentando entender o que estava acontecendo. Merda, provavelmente, era só o que acontecia naquela casa. — Casos de família agora?
O calor da raiva começou a diminuir em Beatrice enquanto ela respirava, tentando se acalmar. Não tinha tempo para aquilo, para os dramas de sua família. Um amigo precisava dela, poderia surrar Damian depois.
— Está pronta? — ela acenou a pergunta de Damien, sequer olhando para trás ao ir para perto do meio irmão. Não perdeu a oportunidade de deixar um tapa, que estalou o som por toda a sala, na face de Damian ao passar por ele, que ainda se recuperava nos chutes em suas bolas. Trice pensava seriamente no que a princesa de Wakanda faria com ele ao descobrir estar sendo traída. — Belo tapa.
— Obrigada. — se sentia mais leve após bater no irmão, se diria vingada por todos os anos que passou ao lado dele.
Mas, de novo, não era hora para pensar em vinganças familiares, mesmo que esse fosse o modus operandi dos Wayne. Worick precisava dela, e, depois de tudo que viu acontecer com ele naquele dia, bem rápido.
Se ela soubesse que cada segundo faria diferença, talvez tivesse chegado mais cedo, talvez tivesse conseguido salvar mais pessoas, talvez, talvez… Mas o passado não poderia ser reescrito e agora todos os heróis locais estavam sabendo disso. Com a notícia do surto de Worick, onde ele revelou a sua aparência demoníaca, a opinião pública sobre os heróis estava cada vez pior, principalmente quando diversos outros "mocinhos" começaram a defender o rapaz mesmo após o evento que o levou à ruína.
Foi uma longa semana, repleta de funerais, choros, lamentos e arrependimentos para todos, mas, principalmente, para os alunos da Olympus que ainda estavam carregando a dor da perda de um dos seus amigos.
E poucas pessoas conseguiam continuar com suas rotinas sem serem abalados pelos eventos recentes. Era surpreendente, no entanto, escutar risadas na escola ou ver pessoas já superando tudo.
Marcie Barnes sabia, como ninguém, levantar depois de uma queda tão estrondosa, era isso que ela fazia todos os dias e era isso que ela continuaria fazendo até o final de seus dias.
Estava sendo uma semana como qualquer outra, ou melhor, foi uma manhã como as outras na vida de Marcie Barnes.
Acordou no horário exato, fez suas higienes e logo começou a se maquiar, algo leve, apenas algo que a fizesse parecer ser a única pessoa no mundo que acordava perfeita. Arrumou seu cabelo com a ajuda de um tutorial e às exatas seis e trinta e dois ela iniciou um boomerang no instagram desejando bom dia aos seus seguidores — que aumentavam cada vez mais, de forma surpreendente — e dizendo que havia acabado de acordar. Tirou algumas fotos, com o cuidado de esconder a bagunça de roupas, armas e maquiagem que todo o quarto tinha, senão a cama, e sorriu com satisfação ao ver que não precisaria colocar vários filtros nas fotos, então as postou.
Rumou até a cozinha depois de se vestir adequadamente e fazer uma maquiagem carregada, abusando do novo delineador que havia comprado no final de semana — cuja marca não divulgou no instagram só por ela não ter aceitado patrocinar Marcie, mesmo ela amando seus produtos.
Sentou na ponta da mesa, vendo o café da manhã que havia pedido para entregarem em casa já colocado por James, seu pai, que agora estava sentado na ponta oposta da mesa, tomando seu café sem açúcar enquanto olhava Marcie.
Ela foi até a máquina de café, dando graças a Deus por ser algo automático que salvava ela quando a mesma queria um bom café sem açúcar pela manhã. Olhou para James, "bom-dia", pegou a caneca com café, dando um gole e a colocando na mesa, onde ela sentou para finalmente comer.
Retirou o celular do bolso, tirando diversas fotos do café da manhã, fazendo um novo boomerang com a caneca de café e postando. Olhou de relance para James que ainda a encarava, "bom dia para você também".
Ela ficou animada lendo os comentários das suas fotos daquela manhã depois de terminar seu café e sair de casa, despedindo-se de James com um aceno. Curtiu alguns comentários para dar atenção aos seus poucos, porém importante, fãs.
Por um instante pensou estar esquecendo de algo, parou no meio da rua movimentada, escutando o som das buzinas dos carros e fazendo sinal para que os motoristas esperassem-a.
Quando finalmente lembrou, fez um storie avisando que esqueceu a mochila e só então saiu correndo de volta para casa, pegando-a e sendo julgada por James, que sentia uma vontade extrema de rir da situação toda.
A essa altura Marcie já havia admitido que não conseguiria chegar na Olympus andando como ela fazia diariamente. Depois de iniciar uma live, as pessoas amavam ver ela com a cara mau humorada passando pelos outros, falando mal dos heróis e acompanhando a rotina dela desde as seis da manhã até o final das aulas pela tarde.
Marcie pegou o metrô, não lembrava que aquele transporte tinha um cheiro tão suspeito, mas mesmo assim se sentou em um lugar, estranhando o fato dele estar meio vazio, mas ignorando e continuando a sua live. Soltou algumas risadas baixas quando leu comentários engraçados na live que ela fazia, mas a sua expressão divertida e alegre mudou totalmente depois que notou a presença de mais alguém no metrô, que havia afastado as poucas pessoas que antes ali estavam.
Um homem. Um homem estúpido que estava usando máscara. Um homem estupidamente bobo com a máscara preta e ameaçando atirar na garota se ela não lhe desse o celular e a mochila.
— Gente! Eu estou sendo assaltada no metrô por esse homem estúpido que acha que uma máscara preta ainda é uma boa opção para assaltos. Olhem isso. — falou, fazendo cara de assustada e virando a câmera do celular para o assaltante, que logo bateu na mão dela fazendo o celular cair no chão.
— Sem gravações!
A feição de Barnes antes denunciava seu total desinteresse com o assaltante, mas diversão com a situação, agora ela estava somente seria e mau humorada, pensando na prestação que ainda não havia pagado do celular.
— Passa a porra da mochila! Eu estou avisando, vou atirar em você!
— Você vai o quê? — Marcie soltou uma risada, revirando os olhos e olhando com calma para a pessoa ao seu lado.
Seus bons reflexos foram capazes de fazer com que ela percebesse que ele estava se preparando para sacar a arma, e foi por isso que ela também retirou a arma que estava na sua jaqueta de couro, apontando-a para a cabeça do homem na mesma hora em que ele apontou a dele para ela.
Se abaixou com calma para que o assaltante não surtasse, pegou o celular com a mão livre sem tirar a arma da mira da cabeça dele e voltou a ficar sentada despreocupadamente no banco.
— Você é tão amador assim ao ponto de não trazer uma arma decente? Ou melhor, de escolher um lugar com mais movimento e gente rica para assaltar? — perguntou, depois de analisar rapidamente o modelo da arma que ele usava, tão antiga e inadequada para um roubo daqueles.
Marcie soltou uma risada sem ânimo, verificando se o celular estava intacto e se surpreendendo ao notar que a quantidade de pessoas presentes na live havia aumentado consideravelmente por causa daquele assalto.
— Eles gostaram de você. — falou, virando o visor do celular para o assaltante e isso fez com que ele se assustasse. — A gente pode tirar uma foto?
— Você está brincando comigo, caralho?! — ele perguntou, revirando os olhos. — Eu falei que não queria o celular me filmando! Você acha que eu estou brincando? Quando eu atirar em você não vai mais ter volta!
— Pode tentar. — ela balançou a cabeça positivamente, colocando o cabelo para trás e o olhando. — Mas provavelmente vai falhar. Não, você vai falhar mesmo.
O seu sorriso irritava o assaltante, ela sabia disso pela forma como suas mãos tremiam em irritação — ou seria medo? Não, ele estava irritado mesmo.
Antes que pudesse pedir novamente uma selfie com ele, escutou a polícia se anunciando, o metrô já havia chegado na estação de Marcie e alguém provavelmente havia ligado para pedir socorro no momento em que o rapaz anunciou o assalto.
Ele se assustou, mas soltou uma risada, dizendo algo que Marcie não entendeu direito e correndo para a direção oposta de onde as vozes dos policiais estavam vindo.
— Pode me assaltar de novo qualquer dia desses!
A garota soltou uma risada, indo no twitter dizer para os seus seguidores sobre o assalto, ignorando os policiais preocupados com ela e somente apontando para a direção onde o assaltante correu, sorrindo com a ajuda que deu.
O resto do caminho até o colégio foi consideravelmente tranquilo, ela precisou encerrar a live na aula de um professor que exigiu a suspensão do celular dela, mas logo retornou a tirar algumas fotos com a sua dupla em química mesmo a garota dizendo que não estava pronta para tirar fotos no momento.
E depois de mais um dia de boomerangs, vídeos, memes, fotos e tweets, Marcie se encontrava exausta, procurando algum lugar na escola onde pudesse só sentar, se acalmar, e logo retomar a mesma rotina, pois se tem algo que ela odiava eram dias monótonos, e aquele ficaria marcado para sempre
Ao se sentar em um banco em frente à quadra de basquete da escola, ela leu diversos comentários sobre o assaltante, sorriu ao ver que estava nos trends e que seu número de seguidores aumentou, além dos diversos comentários em suas fotos e curtidas.
Para testar a sua possível fama, Marcie decidiu fazer um novo storie, arrumando o cabelo e iniciando-o:
— Ai gente, eu estou com tanta fome. Alguém pede um lanche para mim? — perguntou, finalizando o storie e guardando o celular no bolso só para depois pegar ele novamente e ir no instagram de novo.
Ela sorriu quando viu que algumas pessoas já haviam dito ter enviado um lanche para a escola dela. Que otários, gastando dinheiro daquela forma… Bom, ela que não iria reclamar publicamente daquilo.
Marcie sentia que havia dado um longo passeio em uma roda gigante naquele dia. Um acontecimento depois do outro, proporcionado-a uma adrenalina que a deixou em puro êxtase e alegria. O seu humor estava um pouco melhor agora que os humilhados haviam sido exaltados e Marcie conseguirá a fama que tanto desejou, mesmo que fosse por causa de um assalto, mas ela conseguiu.
Com um grande sorriso, procurou algo interessante para mostrar para os seus seguidores, vendo que a sua dupla nas aulas de química estava se saindo muito bem no basquete. Ao gravar a ruiva arrasando no esporte, um dos estudantes avisou-a que haviam chegado lanches na escola para Marcie e os professores não estavam nada felizes com isso. A sua única preocupação, no entanto, era ir o mais rápido possível até os professores para tirar uma foto dos lanches e agradecer. Depois eles poderiam comer o lanche a vontade, o importante era ela postar uma foto antes.
E assim, tão rápido quanto havia chegado, Marcie saiu em busca dos professores, deixando de lado o interesse na ruiva que tinha problemas em química, mas aparentava ser boa em esportes.
O fato é que estudando em uma escola que abrigava deuses, mutantes, espécies alienígenas e diversas pessoas com habilidades peculiares, era incomum ver algum humano se destacar mais que os outros, mas de forma inusitada, desde a sua entrada, Octavia Barton não teve problema nenhum em se destacar — com exceção de quando o assunto era química, se fosse o caso, ela se tornava invisível.
Em uma melhor definição dada por uma aluna — Marcie Barnes —, Octavia não possuía filtros, ela estava sempre em sua forma natural, sendo extraordinária com todas as suas imperfeições e frases aleatórias em horas de impaciência. Então todos se questionavam somente uma coisa; como uma garota humana, que se recusava a comparecer nas aulas sobre discursos heróicos, que tinha um senso de moral extremamente duvidoso e, principalmente, que era filha de uma vilã, poderia ter tanto destaque?
Todos que a assistiam praticar esportes se perguntavam isso a todo o instante. Seja em qual clube ou espécie for, todos que passavam na hora em que Octavia estava jogando desejavam ter um por cento de seu talento.
E não era como se Octavia não os notasse olhando para ela a todo o instante, chegava a ser meio desconfortável, mas gostando tanto de receber os elogios, ela nunca reclamou da atenção que ganhava.
Após pular e conseguir acertar uma cesta de três pontos, ela colocou seus braços para cima em comemoração, rindo da cara dos seus adversários perplexos pelo feito dela e sorrindo ao receber elogios daqueles que jogavam do seu lado.
— Na próxima, eu quero jogar com a Octavia. — reclamou um dos jogadores, apontando para a ruiva sorridente que nada dizia, apenas ficava observando a briga diária para terem ela no seu time.
— Nada disso! A Belova é totalmente minha.
Octavia o encarou, confusa por sua fala. Desde quando ela pertencia a alguém?
— Eu sou de quem?
— Não literalmente minha, tipo, você é do nosso time. — corrigiu, soltando uma risada constrangida por ela ainda estar encarando ele como se o garoto tivesse assinado o seu atestado de óbito ao dizer uma simples frase como aquela.
— Boa resposta.
Disse, por fim, saindo da quadra de basquete e andando em direção ao lado de fora onde Ártemis se encontrava esperando-a, segurando a sua bolsa esportiva e a garrafa de água de Octavia.
— Da próxima vez não demore tanto tempo para ganhar, eu estava derretendo no Sol, Fran. — Ártemis fez beicinho, pensando seriamente em ter aceitado o conselho de Magnus e ter usado alguma blusa de manga longa junto a um chapéu assim não teria ficado tão marcada pelo Sol.
Octavia estava feliz, feliz por ter Ártemis em sua vida. A garota a acompanhava na maioria dos jogos em que participava e sempre estava sorrindo, apoiando-a de todas as formas possíveis. O simples gesto de comparecer deixava Octavia extremamente feliz — não era realmente difícil animar ela — e ela não poupava esforços em demonstrar a sua felicidade sempre que via Ártemis em seus jogos
Dos poucos humanos que tinham na Olympus, Ártemis era a sua favorita — parte por ser sua prima, e a outra por ser um ser humano irritantemente exemplar e bom.
— Da próxima vez você deveria estar lá dentro jogando comigo. — Octavia a respondeu, murmurando um “obrigada” e pegando a bolsa dela de volta, procurando um espelho para que conseguisse ver o estado do seu cabelo.
— Não, não, não e não. — Artemis olhou para dentro da quadra de basquete. — Esportes com bolas não são muito a minha especialidade, ou qualquer outro esporte.
Octavia soltou uma risada, olhando o seu reflexo através do pequeno espelho que achou dentro da bolsa, arrumando o rabo de cavalo — ou melhor, tentando arrumar — com só uma mão. No final, conseguiu deixar os seus fios vermelhos menos rebeldes já que para arrumá-los com precisão teria que utilizar ambas as mãos.
— Você vai ser uma daquelas senhoras que jogam xadrez no final de semana e tem quinze gatos, mas no seu caso, seriam cachorros. — brincou, terminando de se arrumar.
— Essas senhoras têm tranquilidade e felicidade com os cachorros, então não vejo problema em ser uma. — disse, entregando a garrafa de água para Octavia e pegando o celular do bolso que estava vibrando a algum tempo.
Sorriu ao ler a mensagem que recebeu, colocando o celular contra o peito e olhando para os estudantes que passavam, distraída em seus próprios pensamentos sobre a noite seguinte. Sabia que não deveria nutrir muitas expectativas, mas mesmo assim o fez.
— O que foi isso? — Octavia perguntou, recebendo um “o que?” como resposta. Apontou para o rosto da sua prima, desconfiada. — Esse sorrisinho.
— Nada demais. — respondeu-a rapidamente, vendo Octavia voltar a se olhar no espelho, decidindo compartilhar o motivo do sorriso com a sua prima. — Eu só acabei de ter a confirmação do meu encontro amanhã.
— Quem foi o maluco que aceitou sair com você? — perguntou, guardando o espelho e abrindo a garrafa d’água. — Um dos fãs loucos?
— Muito engraçado, hein. — olhou a prima sem desfazer o sorriso do seu rosto. — Eu vou manter o mistério por enquanto e não vou dizer quem é.
— Com certeza é um fã.
A Belova concluiu, terminando de beber a água da garrafa e procurando uma lixeira para jogar o recipiente de plástico que sobrou, não que se importasse em guardar na bolsa e lembrar de jogar somente três meses depois, tinha preguiça o suficiente para fazer isso mesmo, mas por hora ela iria poupar o trabalho futuro de jogar no lixo e fazê-lo logo.
— Você está enrolando duas pessoas ao mesmo tempo? Esperta.
— Octavia. — chamou-a com a voz manhosa, segurando a mão da sua prima, encostando a cabeça no ombro dela e soltando uma risada breve. — Eu sei que você está preocupada, mas eu vou ficar bem. Eu sei me cuidar bem sozinha.
— Quem disse que eu estou? No momento, a minha única preocupação é jogar essa garrafa no lixo. — respondeu, fazendo um breve carinho nas madeixas escuras de Ártemis e sorrindo. — Se acontecer algo que você não goste, você pega algum objeto afiado e mira no pescoço da pessoa, sempre funciona.
— Você me assusta.
— Eu sei.
Desistindo de procurar uma lixeira e ficando bastante revoltada em uma escola tão luxuosa não ter no mínimo uma lixeira a cada cinco metros — faria questão de dizer isso para os diretores outra hora —, colocou dentro da bolsa esportiva e suspirou fundo, pensando que teria que andar muito até chegar em casa.
— Você não tem mais aulas, não é? — Artemis assentiu. — Te encontro lá em casa então? Eu ainda tenho treino de natação, mas a noite com sushis, pizza e filme ainda rola.
— Se eu fizesse metade dos esportes que você faz…
— Você não teria um corpinho tão frágil. — brincou Octavia, verificando mais uma vez se seu cabelo estava arrumado de maneira correta enquanto seguia o seu percurso, escutando Ártemis rir atrás de si.
Virou uma última vez para verificar se a sua prima realmente estava indo embora, simplesmente amava Ártemis por ela ser tudo que Octavia não imaginou que ela seria. Se tivesse que escolher alguém para viver por um mês em uma ilha deserta, bom, provavelmente nem teria escolhido ir para a ilha, mas seria Ártemis quem estaria ao seu lado nesse caso.
Respirou fundo, começando a andar em direção à piscina do clube de natação. Pensou seriamente em só colocar seus fones e tentar não pensar no calor que estava fazendo naquele dia, mas quando ela pensou em dar play na música que queria, acabou escutando parte de uma conversa que não queria ter escutado.
Major, um colega de classe, estava totalmente irritado e um tanto frustrado enquanto enviava alguns áudios que Octavia supôs que fosse para a sua namorada pelo apelido brega que ele usava ao se referir a ela e o “eu te amo” que falava nos finais de cada gravação. Parou para observar um pouco, não que fosse da sua conta, mas Major era um amigo de Beatrice e Jon, então deveria ser uma pessoa legal, legal até demais para estar naquele horário enviando áudios pedindo perdão para a namorada por coisas que ele nem sabia que tinha feito.
Suspirando, se aproximou dele.
— Problemas no paraíso? — perguntou, chamando a atenção do rapaz, que olhou para a tela do celular, bloqueando-a e guardando o aparelho no bolso da jaqueta que usava.
— É, tipo isso. — ele soltou uma risada, claramente forçada, coçando a nuca e passando a mão pelas madeixas loiras. Octavia continuou a encarar ele, como se esperasse que o mesmo dissesse qual foi o problema que teve com Wendy. — É só que… Ela anda afastada ultimamente, quero dizer, tudo bem, ela faz o que bem entender, mas não está nem respondendo às minhas mensagens.
— E você não sabe o que fez de errado?
Perguntou, revirando os olhos pela atitude de Wendy que Major estava descrevendo, era tão típico ver isso acontecer em qualquer fim de relacionamento.
— Você está com aquela cara. — Octavia murmurou um “quê?” com a frase do rapaz, e ele continuou. — A cara de quem está pensando “o relacionamento dele parecia ser bom”, “eles viviam ficando quinze minutos em qualquer sala”, “uma relação perfeita”. Nosso relacionamento não se resume apenas no que os outros vêem, sabe? Nós temos problemas como qualquer outro casal, mas geralmente conseguimos resolver eles juntos, e dessa vez ela está me excluindo da equação.
Major parecia estar sofrendo com tudo aquilo, embora estivesse disfarçando a dor em suas palavras com um sorriso meia-boca ou uma risada constrangida. Namoros sempre foram tão complicados assim? Desse problema Octavia queria distância total.
— Pessoas são complicadas, dê espaço para ela.
— Eu acho que ela vai terminar comigo, mas está tudo bem. — novamente, ele forçou um sorriso, fazendo Octavia se questionar o porquê dele estar sempre esbanjando sorrisos mesmo em momentos como esses, que qualquer um já estaria surtando, xingando, ou chorando.
— Você está calmo demais para alguém que vai levar um pé na bunda.
— Nossa, tão delicada.
— Obrigada. — Octavia fez uma pequena reverência, sorrindo de forma cínica.
Major forçou novamente uma risada, retirando o aparelho celular do bolso para verificar se Wendy não havia mandado alguma mensagem, mas deixou os ingressos que guardava ali cair acidentalmente, todavia por sorte Octavia havia os pegado antes que eles chegassem no chão.
Ela ficou encarando os bilhetes por algum tempo, estando em um estado de surpresa e euforia quando olhou para Major após ler as informações no papel.
— São ingressos para o jogo dos Washington Capitals? — questionou, mesmo que a resposta fosse óbvia, ela sorria como se fosse uma criança. — Não sabia que gostava de hóquei!
— Sim, são! O último jogo deles foi simplesmente incrível, você viu a última jogada? — Octavia assentiu, e ele continuou. — Foi maravilhosa! Você nunca falou comigo antes, caramba, poderíamos ter nos conhecido mais cedo assim eu teria uma companhia para assistir o último jogo dos Washington Capitals. — por um momento ele pareceu ter parado de pensar na namorada e estava feliz em ter alguém para falar de hóquei, mas logo sua feição esboçou tristeza, mesmo que fosse por poucos segundos. — Eu ia com a Wendy, mas ela acabou cancelando, disse que tinha que ajudar a Beatrice no dia do jogo, algo assim.
Como um ser humano poderia ser tão trouxa por uma garota? Octavia havia pensado nisso enquanto olhava ele, triste, em plena tarde ensolarada, com ingressos do time favorito de hóquei em mãos, mas lembrando da garota que o sacaneou. Idiota.
— Me leva.
— Quê?
— Me leva com você.
— É sério? — ele sorriu genuinamente, estando feliz por não precisar ir sozinho no evento. — Você quer mesmo ir?
Octavia deu de ombros, segurando na alça da bolsa atlética e sorrindo.
— Não vou fazer nada no final de semana, eu gosto do time e é melhor do que ir sozinho e ficar pensando que ela deveria estar lá.
— Sim, é bem melhor. — de novo, soltou uma risada, fazendo Octavia se cansar de vê-lo tentar disfarçar a tristeza que sentia mesmo estando tão abatido.
— Além disso. — acrescentou, dando as costas para ir logo até o clube de natação. — Se eu te ver com essa cara de taxo de novo é bem capaz que eu te dê um soco para deixar de ser trouxa.
Quando começou a andar escutou a risada dele, balançando a cabeça negativamente e não contendo uma breve risadinha também.
— Tão delicada! — gritou, esperando que ela conseguisse escutar mesmo estando longe. — Te pego às três! Lembre disso!
Octavia fez um sinal com a mão que indicava que ela entendeu a mensagem dele, prosseguindo até o clube de natação onde todos os membros estavam animados ao ver ela passar pela porta e cumprimentá-los.
Para Octavia aquele final de semana teria que chegar o mais rápido possível ou ela iria enlouquecer, a animação para ver um time que ela tanto admirava jogando em campo era simplesmente indescritível e enorme.
Nem todos como Octavia estavam tão animados com o final de semana que estava por vir, mesmo que aquilo fosse sinônimo de festas, diversão e nada de aulas com professores chatos, para Ariana aquele final de semana seria horrível. A sua semana havia sido horrível.
Por uma semana inteira foi forçada a escutar pessoas dando condolências à família do seu amigo recém-falecido, precisou ver os hipócritas que já tinham falado mal dele chorando e fingindo estar totalmente abalados com a morte do rapaz.
Ele era um herói e teve um final tão terrível, sendo odiado até o final de sua vida e chamado de monstro — e mesmo que ele fosse, as vidas que salvou não compensa uma aparência um pouco anormal? Todos eram um pouco anormais, no final do dia.
Com sua cabeça enterrada entre os braços em cima da mesa, ela suspirava e olhava o twitter por baixo do móvel para que nenhum professor percebesse o uso do aparelho na aula. Passava por vários posts de aesthetic — que deram-lhe a ideia de talvez pintar o cabelo de azul para declarar oficialmente que a sua alma estava triste —, algumas threads expondo pessoas famosas, memes novos em formação, compilado de vines, vídeos sobre RPG de mesa e séries.
— Ariana. — o professor que estava lecionando olhou para ela, parando ao seu lado com o livro que estava lendo aberto. Seu olhar a julgava mais que tudo. — Por favor, sabe que não é permitido usar o aparelho durante as aulas.
Ela levantou a cabeça, começando a questionar as suas escolhas de vida no momento em que teve que falar com o professor.
— E, por favor, retire os óculos escuros, não estamos em um…
— Funeral? — Aria completou, achando incrível alguém ainda ter a noção de tentar fazer piada em cima de funerais justo naquela semana. No momento em que a frase foi completada o clima ficou totalmente tenso na sala de aula e o professor estava em puro estado de constrangimento.
— Bom, sim.
— A minha alma está morta nesta semana.
— Lamentamos muito a sua perda e sabemos que deve estar sendo difícil para você, saiba que daremos todo o apoio que precisar, mas regras são regras, então guarde o aparelho, por favor.
— Meu melhor amigo morreu de uma forma terrível, não param de falar nele a semana inteira, eu sequer tive a chance de me despedir, mas isso aparentemente é normal na minha vida. — ela levantou da cadeira, e com a sua estatura baixa, encarou o professor claramente mais alto que ela, com a postura desafiando-o. — Mas tudo bem, agora eu super esqueci disso, porque eu tenho o seu apoio, que incrível.
— Ariana, nós sabemos que…
— Não. — interrompeu-o, guardando o material que estava em cima da mesa, mesmo que fosse poucos, na mochila dourada. — Vocês não sabem, ninguém sabe o quanto dói não ter meu amigo comigo, mas agem como se soubessem.
— Eu só estou pedindo para guardar o celular e fazer alguma coisa na aula, não é como se eu estivesse tentando ser insensível com a sua perda.
— Semana passada eu fiz um robô.
— Ele explodiu, ativou o alarme de incêndio e tivemos que sair das salas.
— E você reclamou da minha genialidade! Mas agora que eu só quero sofrer você quer que eu faça alguma coisa?
Passou pelo professor, colocando a mochila nas costas e saindo da sala, rumo à qualquer lugar que não tivesse uma foto do seu amigo, ou que a lembrasse dos bons momentos que tiveram.
Beatrice estava correndo atrás da garota, tentando a alcançar para acalmá-la e fazer o papel de boa samaritana mais uma vez naquele dia.
— O que você está fazendo, Aria?!
— Eu vou para casa jogar o jogo do ganso!
Enquanto andava de maneira apressada escutando seu nome ser chamado por alguns colegas de classe que corriam atrás dela, e escutando também as perguntas de Beatrice sobre o que era o jogo do ganso, pegou o celular e digitou no twitter “#NoGoodVibes”, publicando e guardando o celular na bolsa agora que poderia oficialmente deixar todo o otimismo de lado para sofrer a perda — como ele sempre dizia para ela fazer.
Colocou os fones sem fio no ouvido, fingindo que estava escutando música só para não ter que responder às pessoas que a cumprimentavam.
O caminho até a sua casa foi triste, teve muito tempo para pensar em muitas coisas, inclusive no fato de que foi burrice ter decidido ir andando ao invés de pedir um uber, suas pernas doíam, mas não mais que o seu coração.
Após perder tantas pessoas em sua vida Ariana já deveria estar preparada para momentos como aquele, mas parecia que cada vez mais ela enchia um copo que agora estava transbordando. A água daquele copo eram seus sentimentos, e a Stark se cansou de guardar eles e ser positiva sempre, como conseguiria ser em um momento como aquele?
Quando chegou em casa a primeira coisa que fez foi ligar um dos diversos computadores que tinha e ir jogar Untitled Goose Game para se acalmar, sendo interrompida somente quando, horas depois, sua mãe bateu na porta do quarto, abrindo-a e sorrindo.
— Querida? — Pepper chamou-a, sorrindo. — Fiquei sabendo do que aconteceu na escola, está tudo bem?
— Sim, está tudo bem.
Aria sorriu, retirando o headfone que usava ao ver que Pepper estava entrando no quarto, provavelmente já com um discurso inteiro na cabeça pronto, mas sendo interrompida quando Morgan saiu de trás dela e adentrou o quarto com pressa.
— Você está bem? — Morgan perguntou, indo até Ariana e se jogando entre as pernas da irmã, abraçando a sua cintura.
— Por que não estaria?
— Seu amigo não veio em casa essa semana, você está triste por causa dele. Mamãe disse que ele se foi, como o…
Morgan não terminou a sua frase e houve um momento de silêncio entre as três Starks, embora já tivesse passado anos desde a morte de Tony o assunto ainda era um tanto sensível para todas.
— Vamos pedir o favorito do papai? — Morgan sugeriu em uma tentativa de animar Aria, sorrindo para a irmã mais velha ao receber um breve carinho na cabeça.
— Sim, vamos pedir, Morgan.
— Podemos assistir um filme também!
— Filha, pode ir indo na frente? — Pepper não precisou nem terminar a frase e a garotinha já estava correndo para fora do quarto, indo pegar o telefone para pedir os hambúrgueres.
Pepper a abraçou quando Aria levantou da cadeira, passando as mãos pelas madeixas castanhas curtas da sua filha.
— Nós estamos aqui, certo? — disse, beijando-lhe o topo da cabeça e se afastando para que conseguisse a olhar diretamente nos olhos. — Você não precisa ser forte sempre, pode contar comigo quando quiser conversar, ou com a Morgan.
Aria soltou uma risada, sendo acompanhada por Pepper.
— O que vamos assistir? — Morgan perguntou, usando um tom de voz elevado para que ambas a escutassem mesmo estando no andar abaixo.
— E por falar nela…
Novamente, Ariana e Pepper soltaram uma risada, abrindo a porta do quarto para que pudessem sair.
Assim que chegaram no andar abaixo, Morgan já estava sentada no sofá da sala, balançando as pernas impacientemente enquanto a comida não chegava.
— Vamos assistir Star Wars?
Aria perguntou, respondendo à pergunta feita por Morgan minutos antes, notando um sorriso no rosto da Stark menor com a sugestão de filme, gritando em seguida:
— Que a força esteja com você!
— Faz tempo que você não pinta as mechas. — Pepper comentou ao parar de rir da frase da sua filha, passando a mão pelo cabelo de Aria.
— Vou pintar novamente, de amarelo.
— Amarelo? — soltou uma risada.
— Sim, amarelo.
— Tudo bem então, vai ser amarelo.
E foi em uma atmosfera menos pesada comparada à do início do dia, que Ariana se lembrou do porquê amarelo era sua cor favorita, porque ela amava tanto estar em casa com sua família, e o porquê que mesmo quando alguém partia da sua vida, ela poderia contar com Morgan e Pepper.
Ela sabia que era amada mil milhões e não havia sensação melhor que essa — e que a sensação de comer um belo x-burguer quente e delicioso assistindo Star Wars com a família.
Naquele dia, porém, não era somente Ariana que estava tendo um ótimo momento com pessoas que ela gostava.
Em uma casa isolada na cidade de Olympia, o jovem Gênesis — ou seria Demétrio? — estava em puro estado de euforia e nervosismo. Quando acordou naquela sala branca sem saber o que estava acontecendo nem onde a sua família da mansão estava, ele ficou totalmente desestabilizado, mas quando alguns rostos conhecidos pela TV apareceram para ele explicando que seus pais mandaram buscá-lo, ele teve um momento de paz.
Mas esse momento de paz acabou quando notificaram-o que seus pais só iriam conseguir vê-lo em dois ou três meses, com sorte, e que enquanto isso ele ficaria sendo vigiado em uma casa isolada, sendo treinado na Olympus para controlar seus poderes e emoções, como um pedido da própria Rachel.
Ficar em um ambiente totalmente novo era estressante, as pessoas não sabiam quem ele era e Gênesis também não poderia dizer que seus pais eram a própria Ravena e o Mutano para proteger a si mesmo. Não conseguira arrumar muitos amigos, embora Mikael Pryde tenha tentado se aproximar dele, sem sucesso, e Beatrice Wayne estivesse sempre conversando com ele e mandando-lhe mensagens, mas só para verificar se ele estava bem.
Depois de semanas estressantes, depois de aprender coisas que gostou e algumas, que na verdade, ele odiou, mas não deixou transparecer, lhe deram permissão para que ele usasse aparelhos eletrônicos novamente.
Então ali, em frente ao monitor do computador, ele digitava sem parar códigos e formatações, usando as habilidades de conhecimento tecnológico para fazer backup de todas as coisas que tinha no celular antigo, apertando frequentemente a bola de borracha que tinha em uma das mãos.
Quando ele achou o que queria, suspirou, totalmente aliviado em não ter perdido para sempre o contato daquelas pessoas, mandando solicitação de amizade para elas no discord e logo sendo lotado de mensagens de todas, que estavam preocupadas em saber onde ele estava e o que havia acontecido.
Gênesis disse que explicaria melhor quando as pessoas o ligassem e no mesmo instante conseguiu ver a chamada de vídeo ser iniciada com suas amigas e com seu rival.
Quando o rosto de Sabrine preencheu a tela do seu computador e ele a viu com o típico coque de bailarina e com algo que ele julgou ser um collant, seu rosto esboçou um enorme sorriso, aparecendo as suas covinhas.
— Você está tendo um derrame, por acaso? — a voz de Arthur o fez desmanchar todo, junto a qualquer traço de felicidade em sua face, e Gênesis revirou os olhos.
— Arthur! — Sabrine o repreendeu.
— Por que esse idiota está na chamada? — Vênus perguntou, respirando fundo por saber que teria que tirar paciência de lugares inexistentes para aturar Arthur naquela chamada.
— Porque esse idiota não sai da cabeça do Gênesis, ele me ama mas finge que não.
A cara que Gênesis havia esboçado quando escutou a frase dita por Arthur representava exatamente o meme “excuse-me what the fuck”, que fez com que Sabrine soltasse uma risada, mas logo lembrasse da pergunta que queria fazer:
— O que aconteceu com você?
— É, eu estava preocupada. — Vênus completou, mas ao perceber bem a colocação da palavra “eu” na frase, se corrigiu rapidamente. — E-Eu e a Sabrine estávamos preocupadas.
— Ah. — havia um toque de desânimo na voz de Gênesis por ter pensado que Vênus realmente estava preocupada com ele.
Arthur, que havia notado bem a frase de Vênus, o significado dela e a reação de Gênesis, ficou surpreso em ter sido o único a notar os sentimentos da garota ali, mas decidiu ficar calado, afinal, mesmo a odiando tinha assuntos em que ninguém deveria se meter, e esse era um deles.
Para disfarçar a frase da garota também, ele soltou um de seus típicos comentários ácidos.
— E eu estou bem triste com o fato de você não ter caído em algum buraco, se perdido na floresta, ou sei lá onde você vive.
— Arthur! — de novo Sabrine o repreendeu, não entendendo o porquê ele não conseguia se dar bem com Gênesis. — Se explica logo, Gen.
— Ah, eu tinha comentado sobre viver em um orfanato, não foi? — perguntou, mais para Vênus e Sabrine do que para Arthur, que até agora não sabia da informação que Gênesis deu-lhes. — Meus pais meio que foram me buscar.
Os gritinhos de felicidade na linha de Sabrine foram escutados, Arthur revirou os olhos, mas também sorriu brevemente, e até mesmo Vênus não conteve o sorriso.
— Eles estão com você agora? — Sabrine perguntou, animada.
— Não, não, eles só vão conseguir me ver em dois ou três meses, até lá eu estou nessa casa. — respondeu-a no mesmo tom animado.
— Eu acho que você está levando um golpe. Se eles queriam tanto assim ter você de volta, porque vão esperar mais tempo?
— Arthur! — dessa vez foi Vênus quem repreendeu a sua fala, o fazendo revirar os olhos.
— Eles ainda não podem ficar comigo, só isso. E os seus pais, hm? Pelo que eu lembro eles também não queriam ficar perto de você.
— Não seja babaca, Roth. — Arthur não havia falado no tom brincalhão ou ácido de antes, ele realmente parecia sério quanto à sua fala, demonstrando não gostar de tocar no assunto dos seus pais.
— Vocês vão começar a brigar de novo? Isso é sério?
— Deixa eles, vou até fazer uma pipoca.
— Eu sou babaca? — Gênesis perguntou, tentando fazer cara de bravo mas falhando miseravelmente. — Você quer os motivos para ser você o babaca aqui em ordem alfabética, de idiotice ou o que?
— Está abusado demais para alguém que tem uma mente tão fraca ao ponto de ser controlada em menos de cinco minutos, tsc.
Arthur revirou os olhos e cruzou os braços, relembrando o dia em que usou os poderes em Roth e o irritou verdadeiramente ao reproduzir uma imagem de seus pais — imagem essa que Gênesis nunca esqueceu.
— Parou! — a voz de Sabrine cortou qualquer chance de Gênesis revidar a alfinetada, ela estava com as sobrancelhas arqueadas, surpresa com a atitude infantil dos dois em plena chamada de vídeo.
— Não seja chata, Bine. — Vênus reclamou, estava gostando de ver Gênesis colocar Arthur em seu devido lugar, mesmo que fosse com tom brincalhão.
— Eu não estou chata, só não gosto de ver duas das pessoas mais importantes para mim brigando dessa forma. O que custa vocês se darem bem um minuto sequer?
Sabrine fez beicinho, parecendo realmente estar chateada com os dois.
— Desculpa, Bine. Você também é importante para mim, talvez a pessoa mais importante.
Em sua cabeça, isso tinha soado totalmente fofo e algo bom para se dizer à sua melhor amiga, mas ao perceber a reação de todos os outros — menos Sabrine, que sorria — na chamada, Gênesis entendeu que talvez a frase tenha soado estranha, principalmente pela cara sem expressão de Vênus.
— Então, Arthur? — Gênesis o chamou, tentando disfarçar o climão que ficou na chamada, escutando-o apenas responder um “hm?” e continuando. — Que tal uma trégua de vinte e quatro horas?
— Não prometo nada, mas vou tentar.
— Esse momento é tão histórico, alguém gravou isso? — Gênesis perguntou, em tom brincalhão, fazendo Sabrine soltar uma risada e assentir com a cabeça.
Soltando uma risada forçada também, Vênus se pronunciou mais uma vez.
— Eca. Eu vou vomitar com esse momento enjoativo. — colocou a língua para fora e esboçou nojo, suspirando e dizendo antes de se desconectar da chamada: — Bom, preciso sair.
— Ela saiu? Vee? Você ainda está aí?
— Ela saiu, idiota. — Arthur falou, passando a mão pelo rosto ao perceber o quão lerdo seu rival poderia ser para não ter percebido que Vênus estava desconfortável minutos antes. — Você é mesmo tão lerdo? Fez cursinho para ser assim, por acaso?
— Como assim?
A pergunta que Gênesis fez não foi respondida, mas no fundo ele sabia bem do que Arthur estava falando. A voz de mais alguém na chamada tirou a atenção do questionamento que o garoto fez e tanto Sabrine quanto Gênesis olharam para o espaço onde estava o vídeo de Arthur, percebendo que tinha mais alguma pessoa com ele.
A pessoa que estava com Arthur fez uma pergunta que Sabrine e Gênesis entenderam como “Johnny, você vem comigo?”, mas ficaram confusos por não saber quem era Jhonny, perguntando então ao mesmo tempo...
— Jhonny?
— Constantine! — Arthur sentiu as bochechas esquentarem no momento que foi chamado, revirando os olhos e olhando para a porta do quarto onde estava hospedado. — Eu já falei para não me chamar assim. É claro que eu vou com você. Pode dar licença agora?
— Seu nome não é Arthur? — Sabrine foi a primeira a perguntar, começando a rir junto à Gênesis quando eles não obtiveram uma resposta de Zatara, confirmando as suas suspeitas.
— Arthur é um pseudônimo mesmo? Ou sua segunda personalidade? — Gênesis perguntou retornando a rir, principalmente da cara que o alvo das suas piadas estava fazendo.
— Nossa, que engraçado ha-ha-ha. — e, mostrando o dedo no meio na chamada de vídeo, Arthur saiu dela, totalmente ultrajado por estarem rindo da forma como Constantine o chamou.
— Você viu a cara dele? — Gênesis perguntou, parando de rir aos poucos e olhando Sabrine.
— Ele vai ter que explicar isso depois, não sabia que ele tinha um nome falso.
Sabrine, embora estivesse rindo de toda a situação, se sentia meio incomodada em ter descoberto que “Arthur” era o nome falso do Zatara não pela boca dele, mas por um acidente aleatório. Queria que ele tivesse mais confiança nela para contar coisas como aquela.
— Qual é a do collant?
Gênesis a tirou de seus devaneios, apontando para a tela do computador e sorrindo, agora que estava a sós com ela poderia perguntar sobre a roupa que Sabrine estava usando.
— Eu estou ensaiando. — começou a falar, com um enorme sorriso no rosto. — Para uma peça de ballet onde eu serei o corifeu. — sua animação a fazia gesticular muito a cada palavra, chegava a ser um tanto fofo vê-la daquela forma.
— Isso é incrível! Você vai arrasar! Quando vai ser? Talvez eu consiga ir te assistir.
— Você viria mesmo me ver? — perguntou sorrindo, mas dessa vez sem mostrar os dentes, e colocando a mão sobre o peito. — Ah, Gen, você é o melhor amigo de todos!
— É claro que eu iria te ver! Não é todo dia que sua amiga começa a ficar famosa no ballet.
A risada de Sabrine era divertida e descontraída, ela parecia realmente estar em uma das melhores fases da sua vida, sem todas as preocupações e ressentimentos que carregava na última vez que ele falou consigo.
— Seria meu sonho ficar famosa, mas por enquanto vai ser uma apresentação na escola, por coincidência, ela vai ser no próximo final de semana. Acho que é muito em cima da hora para você vir, não é?
— Não, não é. Se você me passar o endereço e o horário exato eu consigo pedir permissão para comparecer, sua boba.
— Eu vou te mandar sim, te vejo provavelmente semana que vem? — ele assentiu, e ela sorriu. — Tenho que voltar a ensaiar, então tchau tchau!
— Até logo, Bine.
Gênesis estava contente, mais que ansioso para ver ela fazer algo que amava tanto, sempre soube que a sua amiga foi feita para brilhar nos grandes palcos, nas poucas vezes em que conseguiu ver Sabrine dançar ele teve a certeza de que a garota roubava o brilho de todas as estrelas para ela mesma quando dançava com a alma e com o coração, era algo que ele admirava muito nela.
Assim que a chamada terminou ele mandou mensagem para as pessoas que estavam cuidando dele, perguntando se poderia comparecer ao evento e começando a ficar ansioso para ver não somente Sabrine, como Vênus também.
Tentou mandar mensagem para a sua outra amiga, estranhando o comportamento dela na chamada de vídeo e se questionando o que havia feito errado para Vênus ter saído tão rápido quanto chegou, mas decidiu não ficar pensando demais nisso.
Pegando a mochila e tirando alguns livros da mesma, Gênesis decidiu começar a estudar para as provas que aconteciam todos os finais de semana na Olympus, decidido a tirar ótimas notas para se destacar da maneira que ele mais sabia fazer — com o seu conhecimento.
Mas não era somente Gênesis que estava querendo tirar notas maravilhosas naquelas provas, havia um grupo de amigos que tinha passado todas as tardes daquela semana em uma chamada de vídeo no discord, tentando decifrar algumas matérias, sanear dúvidas, roubar respostas uns dos outros e pensar em maneiras de talvez passar cola uns para os outros, mas com professores cujas habilidades sobre-humanas eram infinitas, eles logo desistiram de tentar burlar as respostas dos testes.
Afastando-se da mesa de estudos e jogando o caderno de anotações no chão, Magnus soltou um suspiro, totalmente cansado só de pensar que no dia seguinte eles teriam os jogos com a escola rival, tanto trabalho...
— Se nada der certo nessas provas o jeito é começar a vender drogas com Lo.
— Não faço idéia de quem é esse “Lo”, mas meu gato pediu o contato dele. — Octavia falou, escutando Ártemis a repreender.
— Nessa altura, acho que até eu quero o contato desse cara. — Mérida comentou, suspirando e saindo da chamada como um anúncio de que não iria mais estudar.
— É normal você querer o contato de traficantes. — Jonathan comentou, rindo quando Mérida jogou o travesseiro da cama no garoto, o chamando de “abusado”.
— Eu não sei vocês, mas eu super preciso de comida, urgente! — Octavia saiu do campo de visão da câmera do notebook para ir até a cozinha ver se tinha alguma coisa para comer.
— Eu tinha que estar em outro lugar agora, nossa. — Magnus comentou, colocando os braços para o alto e se esticando na cadeira que estava sentado, olhando o horário no celular logo em seguida.
— Vai sair, Magnus? — Jonathan perguntou, curioso. — Encontro?
— É, tipo isso. Vou sair com uma...amiga? Amiga.
— Pelo seu tom de voz acho que ela não é só uma amiga. — Jonathan soltou uma risada, feliz por ao menos alguém que ele conhecia estar se dando bem no amor.
— É, e você? — Perguntou, vendo Jonathan juntar as sobrancelhas e esboçar confusão com a pergunta. — Deu o presente para a surtada que está presa?
— Ela não está pres...uh. — Jonathan cortou a própria fala por saber que estaria mentindo para si mesmo se dissesse que ela não era uma prisioneira. — Eu não sei se ela gostou ou não, ela chorou. Eu nunca vi ela chorar antes.
— Isso é surpreendente, geralmente ela parece ser uma máquina de palavrões ambulante.
Jon ficou calado por algum tempo, aproveitando a oportunidade que tinha para desabafar sobre sentimentos e pensamentos que estava guardando a muito tempo:
— Como eu posso oferecer meu amor quando não consigo nem dar a ela liberdade? — Tirou os óculos de grau pretos, colocando-os em cima da mesa do computador e passando a mão pelas madeixas escuras, cansado de pensar sobre ela. — Eu a amo tanto que trabalho com as pessoas que prenderam ela, incrível.
Magnus não sabia o que falar em uma hora como aquela, quando o assunto era conselhos ele passava toda a conversa para Ártemis, o contato da pessoa que estava desabafando, e deixava a garota ajudá-la, já que a sabedoria do filho de Thor era jogada fora quando o assunto é romance, amor, e sentimentos.
— Octavia! Você foi fabricar a comida, hm?! — Magnus gritou, em uma tentativa de fazer o assunto triste sair dali.
— Ela está pegando a comida que eu pedi, um minuto! — Ártemis gritou de volta.
— A propósito, você já está pronta? — Magnus perguntou, gritando novamente, quando olhou para o monitor percebeu que a vontade de Jon era de matar tanto ele quanto Ártemis por causa dos gritos.
— Você vai levar ela para que lugar? — Questionou Octavia, voltando com um embrulho de algum restaurante nas mãos e sentando na cadeira em frente ao computador. — Volta que horas?
— Não te interessa, uhg. — Ártemis respondeu, adentrando o quarto de Octavia na maior cara cínica e acenando para a câmera quando notou que ela estava em uma chamada de vídeo. — Me dá dez minutos e eu já estou saindo! — Avisou para Magnus, sorrindo.
— Essa é a minha deixa para eu sair da chamada, até depois.
— Se não deixar ela em casa às oito e meia você vai ficar trinta centímetros mais baixo. — Octavia falou, rapidamente para que ele a escutasse, mas no meio de sua frase Magnus já tinha se desconectado e ela o xingou em seus pensamentos por isso.
— Você roubou um banco, por acaso? — Questionou Jon, olhando os sushis que Octavia fazia questão de mostrar na câmera depois de abrir a embalagem do restaurante.
— Não, acho que é pior que isso. — Mérida, que estava atrás de Jon, sentada na cama dele, foi até o computador para ver o que era que Octavia estava comendo e começou a fazer uma análise, finalizando logo seu pensamento: — Ela arrumou um sugar daddy.
— Estou muito estável e bem financeiramente. — Era mentira. — Comprei com o meu dinheiro. — Também era mentira, Ártemis quem tinha comprado. — Muito obrigada, mas dispenso a ajuda de um velho rico pervertido.
— Você quer um novinho então? Aquele que a Ártemis falou? — Mérida perguntou, colocando o cotovelo na mesa e apoiando o rosto na mão, esboçando um sorriso malicioso.
— TEMIS! EU NÃO GOSTO DELE! — Octavia gritou, alto o suficiente para a garota que estava no andar acima escutar e rir, dando a desculpa de "ser uma shipper compulsiva".
— Gosta sim, está na cara.
— Gente, o Major está pedindo para entrar na chamada. — Jon anunciou, sorrindo e permitindo que o seu amigo participasse.
O coração de Octavia parecia ter acabado de visitar uma casa de horrores, palpitou forte e rápido, quase saiu pela boca dela no momento em que Major entrou na chamada.
— Por falar no diabo… — Mérida soltou uma risada breve, olhando a tela que mostra uma Octavia incrédula.
— Diabo? — Major estava confuso com a frase dela, mas entrou na brincadeira também: — Repreende.
— Olha aí, tá pedindo para ser kickado. — Mérida provocou.
— Kickado, kickar... — Repetiu — Isso é um verbo? Uma palavra? Expressão? Gíria?
— Cala a boca. — Mandou Mérida, segurando a risada. — Satanás não tem direito a fala na Santa Call.
— Santa Call? Santa Call do pau oco, por acaso? — Octavia perguntou, rindo antes de comer mais um sushi.
— Vocês estavam estudando? — Magnus perguntou, lendo as conversas do chat de horas atrás. — Por que não me chamaram?
— Nós tentamos estudar, essa é a palavra correta.
— Se o estudo não desse certo, o jeito era pegar cola da Trice para responder as atividades e começar a prestar orações para o cara que está lá em cima olhando com decepção para a gente.
— Faço das palavras da Octavia, as minhas palavras. — Jon falou, balançando a cabeça positivamente.
— Pensei que o plano era ter o contato de um traficante caso o estudo não desse certo. — Major falou, confuso em quantos planos seus amigos tinham para caso acabassem com nota vermelha.
— Não esse era o plano C para caso não desse certo, o contato do traficante eu já tenho. — Octavia corrigiu-o, orgulhosa de si mesma por poder dizer aquela frase. — O plano A era arrumar um sugar daddy, ou sugar mommy.
— E o plano B?
— Assaltar a casa da Beatrice. — Jon e Octavia falaram juntos, achando que era óbvio, escutando a risada de Major pelos planos malucos que seus amigos haviam elaborado.
— Por falar nisso, alguém chama a Beatrice logo para eu ter resposta da questão seis.
Octavia pediu, mesmo que ela precisasse das respostas para mais de uma questão e não somente para a sexta. Jonathan logo mandou mensagem para Beatrice e ligou para ela, quando a garota atendeu ela estava totalmente suada e ofegante, usando roupa de ginástica.
— Oi gente!
— Você sabe a sexta questão de química? — Octavia perguntou na lata, olhando esperançosa para a tela do notebook.
— Vocês só me procuram quando querem respostas da atividade, inacreditável. — Beatrice falou, levemente ofendida, pensando se deveria passar a resposta ou não.
— Eu te pago um sorvete depois, por favor! — Jonathan implorou, olhando para a tela do computador como se pedisse apoio para uma das pessoas que estava na chamada.
— Nem me olha, eu não tenho dinheiro nem para comprar meu próprio sushi.
— E eu estou no vermelho por causa dos livros que comprei. — Magnus falou, dando de ombros.
— Claro, vive comprando livros pornográficos. — Mérida comentou, achando que não daria para escutar, e rindo nervosa quando Jon a olhou surpreso por sua fala.
— Eu passo as respostas no privado. — Beatrice disse, posicionando o celular em algum lugar que ela conseguisse ver todos e fazer Yoga ao mesmo tempo.
— Eu queria ter um pingo da coragem que a Bea tem para ter tantos hobbies, inclusive Yoga.
— Eu queria ter o dinheiro dela. — A fala de Octavia causou um minuto de silêncio entre todos, mas logo tanto Major quando Jonathan concordaram com ela:
— Todo mundo quer ter o dinheiro da Bea.
— Olha, se eu tivesse só a resposta da sexta questão já estaria feliz. — Octavia soltou uma risada, sendo acompanhada por Major que acabou se distraindo e deixando uma das canetas que estava sob a mesa do computador dele cair no chão.
— Olha! O Mike quer entrar na chamada. — Jon anunciou, aceitando o pedido do amigo e acenando para a câmera quando Mikael se juntou a eles.
— Gente. — Mikael sussurrou quando entrou na chamada, parecendo estar andando de um lado a outro no banheiro. — Eu chamei uma garota para a minha casa e agora não sei o que fazer.
Beatrice que estava no meio de uma posição complicada de yoga, caiu no chão, rastejando até onde havia posicionado o seu celular e olhando o visor, totalmente incrédula.
Octavia, que estava prestes a engolir o sushi engasgou-se e precisou sair do campo de visão da câmera para beber uma água.
Major, que estava pegando a caneta que caiu embaixo da mesa do computador bateu a cabeça no moveu, resmungando algo. E Jon, que bebia tranquilamente um chocolate quente acabou derramando-o em seu colo.
Todos estavam desesperados com a informação.
— O neném não é neném. — Jon concluiu, ainda incrédulo.
— O Discord até travou. GENTE, MEU DISCORD TRAVOU. — Beatrice falava desesperada, fazendo Octavia se questionar como o Batman construía automóveis, armas e armaduras mas não pagava uma Internet boa para a filha.
— COMO ASSIM? — Octavia berrou na chamada quando voltou com um copo e água em mãos. — QUEM É A GAROTA?
— Como assim não sabe o que fazer? Tira o pau pra fora e me…
Major foi interrompido por um Jonathan desesperado:
— MIKAEL, QUEM É A GAROTA? — Perguntou também, pegando uma toalha que havia pedido para Mérida buscar e agradecendo quando ela mandou enfiar o objeto no cu e da próxima vez ir pegar ele mesmo.
— O virjão perdeu o cabaço? É primeiro de abril por acaso? — Mérida forçou uma risada, pegando o celular e indo digitar no Twitter sobre o marco histórico que estava acontecendo ali.
— Gente, eu estou tremendo. — Mikael mostrou a mão na câmera e ela realmente estava trêmula. — Eu chamei a bruxinha para vir na minha casa assistir um filme aí…
— Espera, você ainda tem guardada os preservativos que ganhou do…
Assim como Major havia interrompido a fala de Mike, Beatrice interrompeu a sua também:
— EU SABIA QUE ELE TINHA DADO PRESERVATIVO PRO MIKAEL. QUANDO ELE VOLTAR DA MISSÃO EU VOU CONVERSAR SERIAMENTE COM ELE SOBRE ISSO!
— Se ele não transar hoje, morre virgem. Deixa ele.
— Você disse "bruxinha"? — Octavia perguntou, confusa de aquele era um apelido estranho mesmo ou se Mikael estava tendo relações com alguém sobrenatural.
Seguindo o mesmo raciocínio de Octavia, Major perguntou:
— Ele invocou uma súcubo para perder o cabaço, foi isso mesmo? — Ao lembrar de mais um detalhe importante, Major adicionou: — Ele vai morrer então, mas pelo menos não vai morrer virgem.
— O que é uma súcubo? É um emprego? — Foi a vez de Beatrice perguntar alguma coisa, sendo totalmente ignorada e decidindo procurar na Internet por si mesma.
— Ela não é uma…
Novamente, Mikael foi interrompido, dessa vez por Mérida:
— "F" no chat pelo Mike, galera.
Passou um minuto de silêncio com todos dando F no chat do servidor enquanto Mikael tentava explicar a situação e falhava por estar sendo totalmente ignorado.
— Me escutem! — Suplicou, suspirando e passando a mão pelo rosto, nervoso.
— A gente tava dando "F" no chat, pô. — Major soltou uma risada quando terminou de falar, sendo seguido por todos os outros da chamada.
Mikael novamente se preparou para explicar a situação quando Beatrice deu um grito na call.
— QUER ME DEIXAR SURDO? — Jon perguntou, colocando as mãos nos ouvidos.
— O QUE ACONTECEU? — Major gritou, totalmente preocupado.
Gemidos começaram a ser escutados na call e Beatrice estava pálida, sem acreditar no que estava com acontecendo.
— EU FUI PESQUISAR O QUE ERA SÚCUBO E AGORA…ESTÁ PASSANDO PORNOGRAFIA NO MEU CELULAR. — Ela realmente parecia desesperada ao falar. — E EL-ELE ESTÁ CONECTADO COM A TV DA SALA.
— Se fodeu. — Octavia quase não conseguia dizer a frase direito devido às suas risadas.
— P-PAI, HACKEARAM MEU CELULAR! — Justificou-se, deixando a chamada ligada e correndo até a sala.
As risadas na chamada de vídeo era a única coisa que se escutava, até que um barulho anunciou que alguém havia saído da call.
— O Mikael saiu?
— Ele saiu. — Major respondeu Jon, querendo rir da situação toda.
— Ei, como assim? — Octavia perguntou com dificuldade já que a boca estava cheia de sushi. — O desespero dele era o meu programa da noite! O que eu faço agora?
— Espero que ele esteja bem.
— Espero que ele esteja com os preservativos.
— MAJOR! — Tanto Octavia quanto Jonathan berraram com o loiro, repreendendo-o, incrédulos com o quão pervertido ele havia se tornado.
— Parei. — Major parecia realmente decidido a não falar mais nada malicioso na chamada, até olhar o desespero de Jonathan tentando limpar a calça dele. — Vocês pararam para pensar que o Jonathan deixou o chocolate quente cair nele e ele não reclamou? Deve ter um super pau para aguentar a tempe…
Outro barulho anunciando que mais uma pessoa saiu da call, dessa vez foi Jonathan.
— Puta que pariu. — Octavia suspirou, incrédula com a falta de capacidade que Major tinha de simplesmente ser normal, mesmo tendo cara de santo ele era tão descarado quando estava entre amigos.
Só estavam os dois na chamada de vídeo agora, Octavia comendo o sushi e evitando olhar a câmera diretamente porque sabia que Major estava a olhando e Major encarando a ruiva com os cabelos incrivelmente arrumados para alguém que passou uma tarde inteira estudando, surtando e gritando com o caderno.
— Que climão. — Comentou, por fim.
— É… — Major soltou uma breve risada, tirando print da tela rapidamente para somente então avisar: — Sua boca está suja, no canto.
Octavia não sabia se sentia mais vontade de enfiar a própria cabeça em um buraco pela fa embaraçosa de Major ou se queria enfiar uma bala na cabeça do garoto pela coragem, já que a noção havia faltado.
— Beleza, eu vou sair da chamada também.
E novamente, o som que anunciava a saída de alguém na chamada se fez presente, deixando Major com vários questionamentos sobre o que ele havia feito de errado.
Ele desligou o notebook, desistindo de estudar naquele dia e pegando o celular que estava em cima da mesa do computador, jogando o seu corpo na cama e suspirando. Pensava em ligar para Wendy, mas entendia bem quando ela precisava de espaço e ainda tinha medo de estragar tudo facilmente.
As dúvidas sobre a relação e sobre como Wendy estava cresciam e formavam uma roda gigante de sentimentos angustiantes em sua mente.
Major sempre soube que o amor não seria fácil e estava pronto para encarar o desafio, mas não sabia que seria tão…doloroso e sufocante, e tinha medo de não saber lidar com a dor por não estar preparado ainda.
Dúvidas similares às que estavam passando na mente de Major estavam na de Mikael desde o começo do dia.
Em toda a sua vida ele aprendeu que se você não fosse um jogador de futebol americano com o rosto simétrico e o corpo bombado, você teria que recorrer à métodos sobrenaturais para conseguir uma namorada, ou começava a se tornar o nerd solitário que passa o dia jogando vídeo-game e comendo porcaria.
Para a sua sorte, ele não precisou entrar para o clube de futebol americano e ter um corpo bombeado — a parte de comer porcaria e jogar muito vídeo-game ele já fazia, a diferença, no entanto, era que tinha conhecido uma garota incrível entre as jogatinas diárias.
No começo todos brincavam falando que ela era provavelmente um velho de quarenta e cinco anos solitário querendo sequestrar Mikael para pegar o belo globo ocular que ele tinha — com um leve grau de miopia, mas era um belo olho azul —, mas quando as conversas de texto se tornaram áudios, ligações e chamadas de vídeos, ele soube que a garota que estava do outro lado da tela poderia ser a sua Bulma, poderia talvez ser o Han Solo e ela a Princesa Leia, mas o fato era que Circe era uma garota não somente bonita, como extremamente inteligente, divertida, e era a sua melhor amiga! Isso só acontecia em filmes.
Ter uma melhor amiga tão incrível, quase perder ela, descobrir que ela estava a três horas de distância de si, marcar um encontro, e depois marcar mais um encontro? Esse tinha sido um salto enorme na relação deles.
Mikael ficava pensando na merda que tinha feito quando decidiu chamar ela para assistir filmes na sua casa — e não virtualmente, como eles sempre faziam —, a primeira vez que tinham se encontrado tinha sido estranha no começo por nenhum dos dois saber como agir, mas logo tanto Circe quanto Mikael se soltaram e começaram a se divertir, tirando diversas fotos — as quais sempre que Mikael olhava no celular, soltava um sorriso bobo.
O perfume dela ainda estava na jaqueta que ele tinha usado e céus, ele amava até mesmo o cheiro dela! Quando Circe chegou na sua casa, Mikael surtou de uma maneira absurda, desde o abraço que deu nela até quando deixou-a escolhendo um filme na sala enquanto ele usava o banheiro — como um pretexto para ligar para seus amigos e surtar —, o ar ali parecia ter evaporado.
Quando seus amigos lhe deram um apoio tão incrível na chamada de vídeo que ele fez, seu nervosismo só aumentou.
Lavando o rosto com água e o enxugando na toalha, Mikael respirou fundo, descendo as escadas e indo até a sala onde Circe estava sentada no sofá, usando o celular.
— Decidiu o que vamos assistir? — Perguntou, forçando um sorriso e sentando na ponta do sofá, um tanto longe dela.
— A Bela e a Fera.
— Isso é sério? Nós vamos assistir a Bela e a Fera? — Mikael soltou uma risada, sendo acompanhado por Circe.
— É o live action com a Emma Watson, vai ser ótimo! — Sua animação estava presente em cada palavra que disse e ela sorriu novamente.
— Você está pronta para ver a sua parente distante amaldiçoar o príncipe?
— Ele era um babaca antes da maldição, além de ser super machista, então sim, estou pronta para ver minha parente distante ser sensata.
— Você me dá medo, bruxinha! — Mikael exclamou, soltando uma risada. — Eu devo me preocupar com o fato de que você pode jogar um feitiço em mim?
— Quem disse que eu não já joguei? — Circe perguntou, olhando séria para Mike mas logo rindo pela cara de medo que ele esboçou.
— Você é terrível, sabia?
— Eu sei, eu sou horrível mesmo. — Forçou a risada, apertando a barra do vestido preto que usava, um tanto nervosa.
— Ei, sem comentários autodepreciativos hoje, certo? — Mikael aproximou-se dela no sofá, segurando a mão de Circe e sorrindo de lado para ela.
Seu primeiro pensamento era afastar a mão de Mikael da sua, mas Circe estaria sendo uma completa mentirosa se não dissesse que aquele simples toque fez seu coração acelerar, e que mesmo sabendo que não poderia causar a mesma reação em Mike por ele já estar com outra, uma parte sua desejava fortemente ter mais toques dele.
— Eu…
Circe foi interrompida pela campainha que foi tocada inesperadamente, Mikael levantou do sofá, avisando que iria atender a porta e saindo, deixando Circe sentindo falta da mão dele sob a sua.
Céus, como ela gostaria de ter realmente usado um feitiço nele, quem sabe assim ele a amasse mais do que amava Lucy, quem sabe assim teria a escolhido, mas Elizabeth sempre seria uma perdedora, até mesmo no amor, e não havia feitiço nenhum capaz de mudar isso.
Quando Mike voltou ele tinha em mãos duas caixas de pizzas e uma garrafa de Coca-Cola.
— Mas o que…?
— Me ajuda, por favor. — Ele pediu se referindo às pizzas. Circe levantou e pegou uma das caixas, colocando na mesinha de centro da sala.
— Eu posso abrir? — Perguntou, apontando para a caixa que ele ainda segurava e Mikael assentiu, já sabendo que ela queria ver qual era o sabor sem perguntar e soar rude.
Quando Circe abriu e sentiu um cheiro familiar, sorriu.
— Pizza vegetariana? — Mikael assentiu, sorrindo. — Nossa, você é incrível.
— Não foi nada demais. Eu sei que você é ovolactovegetariana então…nossa, é difícil falar essa palavra, não é?
Circe empurrou-o levemente, sorrindo.
— Não seja modesto! Foi atencioso da sua parte.
— Bom, eu não sei você, mas eu estou com fome. — Comentou, sorrindo de volta. — Pode pegar um pedaço pra mim, por favor?
— A minha barriga te respondeu que ela está com fome sim.
Circe soltou uma risada, pegando uma das fatias da pizza e apontando para Mike, mas o garoto apenas abriu a boca, fazendo ela rir com a cena mas colocar a fatia em seu alcance, rindo mais ainda quando ele mordeu um pedaço da pizza e soltou um suspiro.
— Não tem coisa melhor que pizza, no mundo inteiro. — Mikael sentou no sofá, agradecendo a Circe e pegando da mão dela o pedaço de pizza que tinha mordido.
Ele sorriu quando notou que Circe estava contente ao pegar uma das fatias da pizza, ela realmente parecia contente com o gesto simples — embora muito importante — de Mikael, e o Pryde não sabia dizer como era gratificante fazer a garota que gostava sorrir daquela forma.
Enquanto assistiam o filme que Circe escolheu, eles conversaram brevemente sobre assuntos aleatórios, riram de algumas partes do filme, terminaram de comer as duas caixas de pizza — Mikael comeu boa parte das fatias, mas se perguntar ele jura que elas simplesmente sumiram —, e deram play em mais um filme.
Quando Mikael se deu conta, eles haviam passado a tarde inteira assistindo filme, Circe tinha adormecido em alguma parte e estava com a cabeça deitada no braço do sofá, parecendo realmente precisar daquele tempo descansado.
Mikael teve cuidado para não a acordar, subindo e indo até o quarto pegar uma coberta para cobrir a garota. Olhou para o quadro de investigação que estava na parede, um grande labirinto que dava voltas e voltas e chegava no mesmo lugar: nenhuma pista.
Mas hoje não era um dia para focar naquilo, e sim em Circe. Totalmente e completamente nela.
Mikael desceu as escadas com cuidado, indo até a garota e colocando o cobertor por cima dela. Sentou novamente na ponta do sofá com cuidado, pegando o celular e verificando o horário.
Já estava ficando tarde e ele deveria acordar ela, mas sabia que Circe se privada muito de coisas simples como um bom descanso, então decidiu deixar ela dormir mais um pouco enquanto ele terminava de assistir o filme.
Como ele planejou, o filme acabou e logo em seguida ele tinha desligado a televisão, estava ao lado de Circe, balançando o seu ombro levemente enquanto a chamava.
Quando Circe acordou o seu primeiro pensamento foi "que horas são?" a garota pegou o celular que estava em cima da mesinha de centro e o desbloqueou, vendo o horário e se desesperado porque deveria estar em casa a quarenta minutos e Morgana não iria ficar nada feliz com sua falta de pontualidade.
— Eu…P-Preciso ir para casa.
Circe falou, levantando do sofá e pegando o celular, as botas de coturno que havia tirado e verificando se não havia esquecido de mais nada.
— Eu te levo em casa, está tarde demais. — Mikael se pronunciou, pensando se deveria mesmo ter deixado ela dormir, culpando-se pelo nervosismo dala.
— Não precisa, de verdade, eu posso ir sozinha. — Respondeu-o, sorrindo para tranquilizar mais a si mesma do que ao rapaz e guardando o celular na bolsa preta depois de ter colocado as botas.
— Sabe, quando você dizia que estava indo para casa em um horário como esse eu meio que surtava em casa, pensando que deveria ser eu a pessoa que iria garantir a sua segurança, mas estava longe demais para isso. — Comentou, coçando a nuca e soltando uma risada, totalmente nervoso. — Deixa eu cuidar de você, bruxinha.
— Você se preocupa muito com os outros, Mike. Isso é bonito. — Falou, parando em frente à porta da casa dele.
— Eu me preocupo com você, é diferente…
Mikael estava olhando para o chão, realmente parecia estar decidido a ir levar ela e se odiava pelas coisas embaraçosas que estava falando ali.
— O que você é? — Perguntou, sorrindo e abraçando ele rapidamente. — Um anjo que veio diretamente do céu?
— Se fosse, eu saí do céu para cuidar de você.
Circe ficou calada por alguns segundos, colocou uma das mechas castanhas atrás da orelha e sorriu, sentindo as bochechas esquentarem um pouco.
Antes que respondesse alguma coisa, escutou o barulho da porta sendo destrancada e afastou-se dela para que não atrapalhasse seja lá quem estivesse chegando.
Para a sua surpresa e desprazer, Lucy cruzou a porta da entrada, com os cabelos loiros bagunçado em um coque e segurando duas sapatilhas.
— Ah! Circe. — Lucy a olhou assustada, não esperava ver alguém na casa naquele horário, principalmente se esse alguém fosse a feiticeira. — Não sabia que estava aqui.
— É… eu já estou de saída, de qualquer forma. — Circe falou, parecendo ter pressa em sair tanto da casa de Mike quanto daquela situação embaraçosa.
— Você chegou mais tarde hoje, foi dançar? — Mikael perguntou, apontando para as sapatilhas de balé que Lucy tinha em mãos.
— Sim, eu ia ficar no estúdio mas… — Notando que Circe ainda estava lá, Lucy preferiu não comentar o real motivo de estar em casa tão tarde. — O Nick havia me chamado, disse que estaria aqui em meia hora e que queria conversar com a gente.
— Uh, você pode pedir desculpas para ele por mim? Eu vou levar a Circe em casa, não vai dar para ficar.
— Não. Tudo bem. — Circe falou, apressada, realmente não queria atrapalhar a vida do garoto, tampouco ser um incômodo para ele e para a namorada. — Eu posso ir sozinha.
— Circe, mas… — Antes que Mikael tentasse a convencer a deixar ele levar ela em casa, Circe já estava andando para fora da casa, acenando para ele e apertando os passos, segurando a bolsa preta contra o corpo com força.
Circe não se importava com o fato de que a brisa gelada de Olympia a fazia sentir frio, e, principalmente, medo, medo por estar sozinha em um horário como aquele em uma cidade estranha, mas a sensação de que estava sozinha se acabava se esvaindo completamente a cada vez que seu olhar encontrava algum herói amador vestindo uma máscara e olhando atentamente para ela de cima de cada prédio luxuoso de Olympia.
De certa forma, era irônico para Circe ter esse sentimento de alívio ao ver heróis em momentos como aquele, afinal, ela estava estudando para ser uma vilã de grande porte, mas continuava a lançar olhares brilhantes para todos aqueles que se preocupavam com vidas além das suas, para todos aqueles que diariamente estavam se preocupando com o povo.
Ali, sentada no banco no ponto de ônibus, ela se lembrou do começo daquela semana, havia sido conturbado para todos alunos da Legacy Of The Devil desde quando eles souberam da morte de um colega infiltrado entre os heróis, e pior ainda foi o momento em que a escola comentou sobre o namorado dele, que também era estudante da Legacy, ter sobrevivido ao evento que matou o jovem vilão, mas que agora se encontrava em uma sala no hospital, a poucos instantes de sua morte.
Era aterrorizante saber que ambos os rapazes, com suas vidas tão planejadas e com personalidades tão fascinantes estavam prestes a sumir completamente da Terra, eles seriam esquecidos completamente, mas segundo os diretores, suas vidas seriam lembradas no dia em que Thanos trouxesse glória novamente para todos.
Tão patéticos, esperando que o cocô roxo pudesse salvá-los. Circe não acreditava nenhum pouco nisso, e cada vez mais ela se questionava porque ainda continuava com aquela vida repleta de sangue, sangue esse que ela nunca quis que estivesse em suas mãos.
Claro, ela não conseguia controlar nada em sua vida, não passava de uma marionete de Morgana e quanto mais cedo aceitasse isso, melhor seria para enfrentar a realidade diária.
Suspirando e abraçando o próprio corpo em uma tentativa de se aquecer, assustou-se quando escutou o som de uma buzina. Levantou a cabeça que estava encostada nas costas do banco e colocou a mão em frente aos olhos para proteger da luz forte que estava sendo direcionada a ela.
— Aquele bastardo não foi homem o suficiente para te levar em casa?! — Questionou Kai, desligando a moto momentaneamente, totalmente irritado pela sua amiga ter que esperar três horas naquela cidade imunda. — Venha logo! Depois vou ensinar algo para aquele filho da puta.
— Eu deveria ter pedido socorro para qualquer outra pessoa. — Reclamou Circe, se culpando por ter pensado em Kai assim que saiu da casa de Mike e ter enviado uma mensagem para ele, pedindo para que a buscasse.
Circe levantou do banco, caminhando até a moto e pegando o capacete que Kai estava nas mãos de Kai, estendendo-as para ela. Assim que o colocou e olhou para ele novamente, se surpreendeu com a mão estendida de Kai que estava a oferecendo a jaqueta que usava, mesmo que estivesse irritado, Kai ainda se preocupava com Circe e isso era gratificante.
A garota agradeceu, subindo na moto e colocando os braços ao redor da cintura do amigo, notando que havia uma marca de batom no pescoço dele e revirando os olhos por isso. Ela não quis falar durante o trajeto até Basin City, só ficou aproveitando a segurança momentânea que Kai oferecia com toda a auto-confiança e até mesmo arrogância dele.
Quando passou pela escola que soube que a Legacy Of The Devil iria enfrentar no dia seguinte, Circe admirou a bela arquitetura do lugar, mas ficou incomodada com o fato de que ainda tinham luzes acesas na quadra de basquete, anunciando que algum estudante aplicado ainda estava lá, provavelmente se preparando para o dia anterior.
E seria irônico se Circe soubesse que Beatrice não estava na quadra de basquete para praticar o esporte, tampouco para se preparar para o dia seguinte em que enfrentaria a escola rival da Olympus.
A Wayne admirava muito de basquete, tinha que admitir, mas raramente estava ali por vontade própria, gostava de ficar quando todos os alunos já tinham ido para suas casas, no momento em que somente a quadra era iluminada e o silêncio total permanecia, transformando a quadra em um local bom para espairecer de vez em quando, mas dessa vez ela estava acompanhada.
Raphael segurava a bola de basquete em suas mãos, a arremessando até a cesta e comemorando quando acertava algum lance, rindo para Beatrice, que apenas o olhava, sentada no chão do lugar ainda trajando a roupa de cheerleader.
Ela não imaginou que após a vergonha imensa que passou na festa que o rapaz a convidou para ir, ele ainda iria querer se encontrar com ela. Tinha sido bastante embaraçoso acordar na manhã seguinte à festa e ser informada por Alfred sobre seu pai ter ido a socorrer depois que ela deu o que os adolescentes brasileiros chamavam de “PT”, mas ao contrário do que esperava, Raphael não estava constrangido pelo evento, na verdade ele havia tirado sarro de toda a situação, pedindo para que ela parasse de pedir desculpas sempre que ele enviava alguma mensagem já que o dia tinha sido icônico.
Quando ele pediu para encontrar ela naquela tarde e Beatrice informou que estava na Olympus, Raphael foi ao seu encontro, e Bea ainda desejava descobrir o motivo daquela visita inesperada.
Se soubesse que Raphael só havia pedido para a encontrar porque estava preocupado com Beatrice, a garota jamais teria olhado em seu rosto novamente e ele sabia disso, mas desde a festa havia notado um certo desânimo em suas entrevistas, mensagens, ela parecia estar simplesmente um caos e de alguma forma, ele desejava pegar as peças da sua mente e as encaixar de volta para vê-la feliz.
— Ei. — Beatrice o chamou, fazendo errar a cesta e olhar para ela enquanto ia atrás da bola de basquete. — Por que você pediu para me ver?
— Somos amigos. — Ele respondeu rapidamente, agarrando a bola do chão e encarando-a. — Quero dizer, isso é normal, não é?
— Acho que sim.
Raphael ficou passando a bola de uma mão para outra, esperando que ela falasse mais alguma coisa, mas Beatrice decidiu ficar em silêncio, encarando a própria saia e tentando não pensar no caos que estava a sua vida.
— Aconteceu alguma coisa? — Finalmente perguntou, deixando Beatrice desconfortável ao ponto de ter levantado do chão, arrumando a saia e rumando até a saída da quadra de basquete.
— Não aconteceu nada. Vamos embora. — Ordenou curta e seca, como ele nunca havia visto antes.
Não que já tivesse sido avisado pelos seus amigos que a Wayne provavelmente usava só uma máscara, mostrando ser uma boa samaritana só quando a convém, mas Raphael não estava preparado para vê-la daquela forma.
Jogou a bola de lado e correu para a acompanhar, segurando a mão de Beatrice quando eles já estavam fora da quadra de basquete e a fazendo virar para o encarar.
— Eu… — Ele começou, olhando para o chão e depois para ela. — Eu posso te ajudar, me diga qual é o problema, eu vou te ajudar.
Beatrice soltou uma risada um tanto irônica, soltando o pulso e acariciando-o levemente.
— Não é como se eu fosse falar os meus problemas para os outros e eles fossem ser resolvidos magicamente. Falar não ajuda em nada.
— Mas pode aliviar a sua dor. — Raphael a cortou, colocando a mão em seu ombro para a confortar e sorrindo minimamente.
— Desculpe, eu só estou cansada. — Beatrice admitiu, se odiando por ter chegado ao ponto de não conseguir nem ser um ser humano decente com os outros e estar sendo tão seca e rude com quem desejava o seu bem.
— É pelo seu colega que morreu essa semana, não é? — Novamente, Raphael havia feito uma das piores perguntas de uma maneira tão natural e despreocupada que deveria ter criado um clima ruim ali, mas a este ponto perguntas como aquela já não abalava mais Bea.
— Algo assim. — Respondeu, colocando uma mexa das longas madeixas escuras atrás da orelha e desviando o olhar.
— Algo assim…?
— Ele havia me mandando mensagem naquele dia. Ele pediu a minha ajuda, eu não consegui ajudar.
— Ele...era um herói, o que você poderia fazer em uma situação como aquelas? Não foi sua culpa. — Raphael falou, esboçando um sorriso que fez com que Beatrice pensasse que não o merecia, não quando sua vida dupla estava sendo escondida dele.
— Eu...Bom, eu poderia estar ao seu lado. Poderia ter me despedido. — Beatrice segurou o braço esquerdo, encarando o gramado e se esforçando ao máximo para não fraquejar e acabar chorando ali, em frente à quadra de basquete, com um rapaz que realmente não merecia escutar o seu drama.
— Ele não teria ficado feliz por você estar mal, ou ficaria?
— Esse argumento é sempre usado quando alguém da minha vida morre. — Beatrice falou, seca, surpreendendo Raphael. — Porra, o que vocês esperam que eu faça? — Perguntou mais para si mesma do que para ele, sem conseguir o encarar já que sabia que sua face estaria surpresa por ela ter soltado um palavrão. — Espera que eu fique feliz e esbanje mais sorrisos falsos como os que eu esbocei a maior parte da minha vida?!
— Tudo bem não sorrir. Tudo bem sair da linha e ter um vocabulário sujo de vez em quando. — Disse, deslizando a mão do ombro dela pelo braço, até chegar na mão da garota que ele segurou delicadamente. — Beatrice, você só vai aprender a ficar mais forte quando todas as suas defesas forem derrubadas e você ter que mostrar para todos que é forte mesmo sem elas.
— Você ainda não entende que se eu abaixar as minhas defesas por um segundo sequer todos vão notar a farsa que eu sou forçada a viver diariamente?!
Do quê diabos ela está falando? A vida de alguém rico é mesmo tão péssima assim? Raphael se perguntava em o quanto os Waynes poderiam ter sido ruins ao ponto de deixar aquela garota totalmente destruída, ou será que ela sempre esteve assim, mas ninguém se importou ao ponto de olhar através das capas de revistas?
— Pessoas como eu não podem se dar ao luxo de cair. — Beatrice limpou a lágrima que caiu com as costas da mão, suspirando irritada quando conseguiu sentir mais lágrimas caindo por seu rosto. — Eu sinto como se tudo estivesse desabando na minha frente. E eu não consigo fazer nada além de ficar sentada, sorrir e observar! O namorado de um dos meus melhores amigos nessa escola está em um hospital, quase morrendo! E ele mesmo morreu sendo odiado por toda a mídia só por ser um pouco estressadinho. Ninguém mais vê ele como a pessoa incrível que eu conheci! É só “o herói que guardava uma fera dentro de si” ou “o herói que morreu como um vilão”. É tudo que eles pensam mesmo sobre ele?
As suas palavras tinham acertado a ferida de Raphael, ele era um vilão, será que ela ficaria tão devastada assim caso descobrisse? Ele também sabia que o amigo dela não era exatamente um herói bonzinho, não era um santo, nem um diabo.
Beatrice soltou a sua mão da dele, usando-a para cobrir o rosto e se permitir chorar um pouco.
— Se você não quer que ele seja conhecido assim, o faça ser lembrado como alguém bom! Você não pode esperar que as outras pessoas façam isso.
Raphael segurou as mãos que antes Beatrice usava para cobrir o rosto, de alguma forma, se sentiu mal ao vê-la com os olhos cheios de lágrimas e o coração partido.
— Vai ficar tudo bem agora, não chore.
Antes que Beatrice abrisse a sua boca para falar alguma coisa, eles sentiram seus celulares vibrando, anunciando uma nova mensagem em cada um dos aparelhos. A Wayne foi a primeira a abrir sem sequer ver qual era o destinatário, leu o conteúdo da mensagem e olhou para Raphael, estática.
O namorado do seu amigo havia morrido. Agora, não havia mais motivo para se forçar a sorrir.
— Ele… — Beatrice deu as costas para Raphael, jogando o celular no gramado e balançando as mãos, seus soluços eram escutados cada vez com mais frequência e ela sentia as lágrimas caírem por seu rosto sem cessar.
Raphael, que havia recebido a mesma notícia se forçava a não chorar ali também, afinal, conhecia o garoto a muito tempo e a sua perda — e a do seu namorado, uma seguida da outra — o destruiu por dentro, era esse o destino que todos os vilões teriam?
Passou as mãos pela cintura da garota e a abraçou por trás, tentando a acalmar de qualquer forma possível.
Beatrice chorava pelas perdas daquela semana e Raphael também, ambos compartilhavam a mesma dor, mas para Bea, as lágrimas significavam muito mais do que aquilo, as brigas com a sua família, o cansaço que a perseguia por todos os lados, a forma como ela desejava parar de ser perfeita, tudo aquilo havia formado uma grande bola de sentimentos e medos que caiu sob ela da pior forma possível.
No dia seguinte, ela estaria bem, e Raphael iria se esforçar para fazer com que dessa vez seu sorriso fosse genuíno. Já havia ajudado a tirar tanta coisa daquela garota, seus irmãos, seus amigos, agora estava decidido a ajudá-la a se recompor, independente de quanto tempo demorasse ou quantas vezes teria que a abraçar em um gramado até que seu choro parasse e ela dissesse que estava bem novamente.
Não era somente Beatrice carregando dores que ninguém mais conseguia ver.
Adaeze, por exemplo, estava passando por tempos difíceis nos últimos meses. Seu namoro parecia sempre estar em uma montanha russa, com altos e baixos, mas agora, parecia ter despencado de uma maneira que ela não conseguia fazer parar.
Suas preocupações eram imensas, não somente com o relacionamento, mas com o reino, com sua vida como heroina, como princesa. E mesmo assim ela terminava encontrando-se imersa em pensamentos que levavam à Damian, como se o mundo girasse em torno dele, e bem que ele gostaria disso, mas Adaeze entendia que o seu mundo girava ao redor daquele homem arrogante, por isso sempre tentava apaziguar a situação, mesmo quando Damian não queria resolver as coisas.
— Eu não entendo. — Adaeze falou cruzando os braços.
Damian observava a namorada, fingindo estar tão confuso quanto ela. Amaldiçoava Beatrice mentalmente, pois até aquele momento Adaeze não sabia da briga dos irmãos até a Prince Wayne pedir, por Adaeze, desculpas pelo ocorrido. Tentava se manter neutro — ela parecia suspeitar de algo desde que Damian embarcou com ela para Wakanda —, não queria uma discussão maior, tinha ouvido muito durante a tarde então esperava que não houvesse mais brigas. Ou culpa.
— Por que a Beatrice, logo a Bea, te daria um soco? — ela retomou. Obviamente, Damian não poderia responder a pergunta e torcia para ser convincente aos olhos de Adaeze.
— Nós brigamos, é o que irmãos fazem. Eu gosto de irritar ela, sabe disso. — falou simplesmente.
— Certo.
Mas não estava nada certo, Adaeze sentia. Tinha algo de errado acontecendo e não era de hoje. Ainda estranhava não ter sido pedida em casamento no jantar com Frida e Hélio, pois ouviu, dois meses antes, uma conversa sobre anel e casamento entre o namorado e Bruce, e não entendia o que aconteceu para que os planos de Damian mudassem. Na verdade se questionava o que teria acontecido com seu namoro de forma geral; Damian estava distante, parecia fugir dela e suas respostas a certos assuntos eram vagas e suspeitas. Não seria nada demais para alguns, mas para eles, que tinham uma relação de anos bem estruturada, aquele distanciamento e certas ações dele, como dormir fora e não dizer a ela onde ou com quem estava, apenas aumentava suas suspeitas.
— Você sumiu. — ela falou mais calma. Damian suspirou e se aproximou da namorada, a abraçando pela cintura. — O que aconteceu?
— Estava ocupado ajudando meu pai com os assuntos da Olympus e desse jogo de amanhã. Você sabe que é uma coisa grande.
Era um tanto quanto amedrontador saber que no dia seguinte as duas mulheres que namorava estariam no mesmo lugar. Odiava mentir para Dae, odiava mesmo, pois a amava e nada mudaria isso. Mas também possuía um laço forte com Marzena, a quem ele se apegou. Estava ferrado, certamente.
Como ironia do destino seu celular tocou e o nome na tela fez Damian sentir um pequeno frio nas costas, então bloqueou a tela e baixou o celular, antes que Adaeze pudesse ver algo. Claro que a ação dele não passou despercebida, mas Dae fingiu que nada tinha acontecido.
A princesa de Wakanda sentou em sua enorme cama e ficou observando o céu estrelado de sua casa, buscando na paisagem a calma que precisava no meio do caos que seus pensamentos estavam. Eram muitos sinais para ignorar, mas ainda se recusava a acreditar.
Já Damian observava a namorada com um aperto no peito. Ela estava em transe de pensamentos e ele sabia que era por ele, sabia também que aquela ação seria seguida de uma pergunta e esperou isso.
Damian conhecia Dae há muitos anos, pensava consigo que a conhecia mais do que ela mesma, e sabia das manias, coisas que ela gosta, sabia do que ela passou, a conhecia de verdade e se apaixonou por cada coisinha de Adaeze, deixando de lado até o próprio orgulho e arrogância para estar com a mulher. Via um futuro com ela, tanto que comprou o anel, mas não imaginava perder Marzena ou deixá-la desamparada, era alguém que ele via o reflexo dos próprios problemas e queria ajudá-la, cuidar dela, mas o pensamento que as enganava era forte e doía saber que poderia perder Adaeze caso tudo fosse descoberto.
— Dae? — chamou quando o silêncio se prolongou mais que o normal.
— Eu não vou brigar por isso. De novo não. — a fala saiu baixa, o que fez um nó se formar na garganta de Damian. Ela estava triste, sentia isso, e odiava ser o causador daquilo. — Nunca tivemos um relacionamento padrão, mas ainda éramos nós dois contra o mundo. Isso mudou e você sabe. — aquilo doeu. Nos dois.
Dae estava em um dia ruim, ele sabia. Tinha tido uma péssima reunião, estava preocupada com alguns assuntos políticos de Wakanda e teve tempo de brigar com ele por quase duas horas sobre o afastamento e falta de notícias — os céus estavam tão escuros e barulhentos como quem os causava. Adaeze estava mal, mesmo que não demonstrasse, e ele também.
Sentou ao lado dela e a abraçou, puxando seu rosto para depositar um rápido beijo. Adaeze relaxou em seus braços e Damian sorriu, dando um beijo na testa da mulher antes de voltar a abraçá-la.
— Eu te amo. — ela sorriu, o dando um selinho. Não era a primeira vez que ouvia aquilo, mas a frase não era dita sempre e por isso ela apreciava todas às vezes que a ouvia. — Não se esquece disso.
Como poderia esquecer? Tinha Damian ao seu lado e isso bastava para ela, para os dois, mas algo havia mudado e doía pensar no que aquilo poderia ser. Damian não faria aquilo com ela, não poderia, mas se sentia perdida só de pensar que sim, ele tinha outra.
Deitaram então, a noite era rápida para os dois que usaram o sexo para apreciar um ao outro, usando da madrugada inteira para isso. No entanto, quando os raios solares começaram a aparecer, Dae, ainda acordada, firmou consigo a missão de investigar o que acontecia, pois Damian estava escondendo algo dela, e ela iria descobrir o que. Ou quem.
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