Nada antes dele foi interessante e nenhuma outra pessoa que veio depois também conseguiu me fazer afastá-lo de minha mente. Todos os meus pensamentos ficaram presos na imagem do seu sorriso ensanguentado e do tempo marcado com dígitos verdes ofuscantes pausado no telão.
6 minutos e 24 segundos restantes. O melhor tempo dentro dos 13 candidatos que já haviam tentado até então.
Meus dedos apertaram os braços da cadeira. As unhas tentando inutilmente fincar a madeira maciça numa tentativa de não reagir estupidamente diante de tantos olhos atentos.
Por que ele me faz sentir assim?
Não era a primeira vez que eu me pegava questionando exatamente a mesma coisa.
Não é um feito grande, não mesmo, meus olhos já viram outras pessoas fazerem coisas muito mais impressionantes, mas era como se meus músculos tensos só fossem relaxar se eu levantasse e caminhasse até si e o tomasse em meus braços ali mesmo diante dos olhos admirados e cheios de inveja contida.
Sua pele reluzia em um bronze esbelto sob da camada de suor. Sangue seco manchando o queixo e terra sujando as roupas escuras.
Ah, ele precisa que eu o toque tanto quanto eu sinto que necessito tocá-lo.
Talvez seja porque eu o observei tão de perto se tornar quem é hoje, talvez seja essa relação tênue de dependência que paira entre nós...
Não importa.
Fechei os olhos por breves segundos e me contive em apenas assistir sentado com a coluna perfeitamente ereta escutando os murmúrios dos outros tutores estupefatos demais com o que o garoto de corpo franzino e feições delicadas podia fazer.
Abismados com uma faísca. Uma simples fagulha.
Eles não viram nada ainda.
Apenas uma rachadura no receptáculo angelical que contém a personalidade sanguinária que mora dentro de si. Mal posso esperar para quando cada capsula da Matryoshka¹ se romper uma por uma diante de seus olhos. Nesse dia eles vão ver o real espetáculo.
Desviei o olhar do ponto fixo que encarava e encontrei os olhos de Yoongi, que me encarava sem se preocupar em ser discreto.
As orbes negras maliciosas pareciam querer me dizer algo que não consegui entender de imediato, mas assim que seus pequenos dentes se fizeram a mostra em um sorriso sugestivo trinquei o maxilar de imediato me forçando a endurecer minhas feições para apagar de sua mente quaisquer pensamentos intuitivamente errados sobre mim e a minha relação com meu competidor.
Se manter impassível, se manter indiferente.
Ele não podia saber da noite em que Taehyung me fez gozar forte apenas por estar em sua boca ou de todas as vezes em que desejei tê-lo por completo com meu membro fazendo-o ver estrelas negras que refletem minhas intenções para consigo e principalmente da vez em que me toquei no silêncio de minha sala tomado por esse desejo anormal.
Ninguém vai saber. E mesmo assim eu ainda vou lembrar da sensação macia de seus lábios me sugando como se fosse a coisa mais deliciosa que já tocou sua língua pecaminosa.
Inspirei lentamente, erguendo o pescoço e sustentando o olhar, forçando-o a desviar segundos depois.
Aqui não se trata de nenhuma das suas presas fáceis Min Yoongi, eu não vou cair no seu jogo de malícias inocentes que buscam informações valiosas para suas negociações.
Não vai conseguir tirar absolutamente nada de mim.
E dessa forma, com o olhar frio e rosto impassível assisti Taehyung olhar uma última vez em minha direção antes dar as costas e desaparecer pelo mesmo corredor que havia vindo.
(…)
Suspirei fundo quando finalmente assinei o último maldito papel deixando-o junto aos outros que formavam uma pequena pilha no lado direito da mesa de vidro. Todos devidamente assinados com o nome do representante responsável pelos negócios quando o Sr. Jeon não podia assiná-los.
É claro que ele não poderia assinar, a essa hora provavelmente deve estar ocupado demais dando atenção às três prostitutas que passaram mais cedo por mim sendo guiadas por um dos seguranças até seus aposentos. Todas pareciam genuinamente encantadas pela a casa e foram devidamente avisadas para calarem a boca e não direcionarem o olhar a mim caso nos cruzássemos. Sorte a delas.
Trinquei o maxilar relembrando do momento que acontecera poucas horas atrás.
É fácil se manter rico e com a reputação inabalável quando se tem um filho que arca com toda a responsabilidade e que faz o real trabalho que vai acarretar em mais alguns quilos de dinheiro vivo depositados em sua renda pessoal. O mesmo dinheiro que ele irá usar para pagar as três prostitutas.
Apertei os olhos e me recostei na cadeira cansado demais para permanecer sequer um minuto a mais naquela posição desconfortável inclinado sobre a mesa.
Meu pescoço doía e os ombros tensos necessitavam de uma pausa.
A sala parecia fria demais para a época do ano em que nos encontrávamos, mas eu me mantive quieto por longos minutos encarando os livros organizados cuidadosamente nas três grandes estantes de madeira escura. Meus músculos ainda reclamavam mesmo que eu não me movesse e ainda evitando a todo custo, senti as costas arderem mesmo que eu soubesse que na realidade não tinha nada de errado com elas.
Você só trabalhou por tempo demais sentado nessa cadeira estúpida Jeongguk, apenas isso.
Era o que eu repetia mentalmente como um mantra estúpido que eu sabia que não funcionaria. Depois que a raiva se instalava ela só aumentava a cada segundo que passava.
Por que merda eu apenas não ignorei como sempre faço ?
- Vire de costas. Agora você vai aprender a me respeitar garoto.
Fechei as mãos em punho e as juntei sobre meu colo me recusando a leva-las até a pele em contato com as costas da cadeira.
Isso é ridículo. Absolutamente ridículo.
Eu não vou lembrar disso mais uma vez.
Prendi a respiração por poucos segundos e levantei de uma vez caminhando afobado pela sala. Parei de frente a única janela do recinto e apoiei as mãos no vidro me acalmando aos poucos.
Meu reflexo parecia molhado em razão das gotas que escorriam pelo vidro e eu me via derreter sob as luzes da cidade que se mantinha acordada em plena madrugada. Sequer tinha ouvido o barulho da chuva forte perdido demais em pensamentos que não vinham à tona há muito tempo.
Eles sequer deveriam estar aqui.
Na manhã seguinte, eu segui a mesma rotina de todos os outros dias, sentindo mais uma vez a ausência da voz grave e rouca desejando bom dia a cozinheira com um meio abraço caloroso e um sorriso fraco que condizia com seu estado de meia sonolência.
A jarra de suco de laranja permanecia intocada sobre a mesa e a cadeira a minha direita desocupada assim como todas as outras.
Ainda assim, mesmo depois de terminar completamente minha refeição, eu pegava algum livro para me entreter esquecendo de propósito de que eu não precisava esperar ninguém para me retirar da mesa.
Patético.
Aquilo me irritou profundamente. Sentir falta de algo quando na verdade tudo parecia perfeitamente normal me tirava do sério.
E foi isso que me motivou a naquele dia ignorar todos os meus afazeres e expulsar todos da sala de treinamento.
Depois de mais de uma hora minha camisa já grudava no corpo e eu podia sentir o suor frio escorrer por minhas têmporas, mas meus olhos continuavam fixos na lona escura e meus punhos mal sentiam mais o impacto depois de tantas repetições, o que me levava a adicionar mais e mais força em cada golpe.
Eu me sentia frustrado, impotente diante de minha própria mente que me traía sem nenhum pudor ao trazer à tona todas as noites em que passei sentado aqui assistindo-o treinar.
O corpo esguio se movendo apenas conta a luz da lua, os arfares cansados e o olhar determinado.
Grunhi com raiva esmurrando o grande saco de areia uma última vez antes de segurá-lo para que não atingisse meu rosto.
Mal tive tempo de recuperar o fôlego antes de ouvir o assobio atrás de mim.
- Fazia tempo que eu não te via treinar assim – me virei para encarar Hoseok parado na entrada do local com as mãos nos bolsos da calça e um sorriso pequeno nos lábios.
Permaneci em silêncio notando de imediato suas vestes mais arrumadas do que o normal e o cabelo desbotado ainda úmido.
- O dia mal começou e eu imagino que já está sendo horrível para fazer você vir até aqui e quase destruir o saco de areia só com os punhos – suas palavras podiam parecer debochadas, mas no fundo eu sabia que era apenas para mascarar sua preocupação e curiosidade.
Típico. Quando uma pessoa de costumes não segue a rotina, todos querem saber o porquê.
- Aonde você está indo ? – perguntei me esquivando dos comentários e me afastando para alcançar uma tolha de rosto.
- Hm ? Hoje é o dia do treino particular do V para o próximo desafio, vou me encontrar com ele uma da tarde. Você já ficou sabendo do tema da próxima prova ? – ele perguntou casualmente e eu terminei de tirar o excesso de suor do rosto antes de responder:
- Sim, é por isso que você vai ficar em casa hoje.
Os olhos do mais velho se arregalaram e a confusão em seu rosto era palpável.
- Como assim ? Ele precisa de ajuda e eu também preciso ver como ele está depois do último desafio e-
- É o que você ouviu Hoseok – interrompi sua fala e ele me olhou em silêncio se preparando mentalmente para sua próxima onda de argumentações antes que eu me pronunciasse novamente dissolvendo em sua língua qualquer frase que ele fosse proferir:
- Hoje você fica aqui porque eu mesmo vou até lá.
(...)
Não foi só Hoseok que foi surpreendido pela minha mudança de planos repentina. Quando meu carro parou na entrada rodeada por seguranças e eu tive que absolutamente a contragosto baixar o vidro do carro e levantar levemente os óculos escuros, Yoongi quase colapsou pela tela de vídeo.
- A que devo a honra da sua visita Jeon Jeongguk ? Você sabe que mentores não podem vir aqui durante a competição a menos que seja de extrema importância – sua voz soava abafada pelo autofalante.
- Eu não vim aqui como mentor Min, não tenho nada pra tratar com você – resmunguei e notei a sobrancelha erguida do mais velho ainda esperando sua resposta - Hoje é dia do treino particular do meu competidor, estou aqui pra isso – falei de uma vez, ajeitando os óculos escuros e voltando a encarar a frente ainda barrada.
Foi impossível não notar seu sorriso sarcástico quando ele autorizou minha passagem. Arranquei com o carro, ignorando-o, e estacionei o mais próximo possível de onde ficava os alojamentos e as salas de treinamento. Peguei a pequena bolsa de couro preto que descansava no banco do passageiro e saí do carro.
O sol aparente tornava o dia quente, mas não o suficiente para me incomodar mesmo com a blusa preta de algodão que usava. Caminhei pela pequena estrada de terra até o grande portão de entrada dos alojamentos. O porteiro apenas me olhou rapidamente e sem nenhuma palavra sequer, autorizou minha entrada.
Assim que passei pelas portas de ferro elas se fecharam às minhas costas o mais silenciosamente possível e mesmo com as diversas luzes ligadas o lugar ainda assim parecia escuro e frio.
Caminhei seguindo as placas de indicação espalhadas pelo lugar e conferi o horário no relógio de pulso. 12:45. O treino começava às 13 então eu ainda tinha algum tempo para vasculhar o local enquanto procurava pela sala de treinos reservada.
A realidade era que não tinha muito o que se ver naquela parte em específico e tudo parecia extremamente quieto.
Por um momento imaginei o Taehyung barulhento que eu tinha em casa passeando por esses corredores.
Depois de mais alguns minutos seguindo as placas, finalmente pude ver a porta dupla onde tinha escrito em letras douradas “Sala de treinamento nº 7” e logo abaixo um anexo que dizia “Reserva 02/08. Competidor: V”.
Espalmei a mão livre no metal frio e empurrei me dando passagem para a enorme sala sem maiores dificuldades.
Dei apenas um passo para dentro ainda segurando a porta e dei uma olhada rápida no lugar. Tudo impecavelmente arrumado e com uma variedade incrível de equipamentos que sequer são necessários para o que o desafio demanda.
Perto do centro avistei uma mesa de aço móvel que seria perfeita para colocar meus pertences, mas antes que pudesse soltar a porta e me encaminhar completamente para dentro da sala, ouvi algo sutil logo ao fundo. Vozes.
Demorei-me apenas por um segundo, surpreso com a repentina quebra de silêncio e estava pronto para ignorar e entrar na sala quando as vozes ficaram mais altas e próximas. Eu reconhecia uma delas.
Encarei o corredor por onde eu mesmo tinha vindo e pude avistar duas silhuetas risonhas caminharem em minha direção. Os dois homens pareciam imersos demais em uma conversa descontraída que arrancava sorrisos abertos de um deles. Aquele maldito sorriso retangular.
Aumentei o aperto na maçaneta sentido a circulação acelerar apenas pela proximidade e leveza aparente entre os dois. Ele nunca havia sorriso assim por minha causa.
Trinquei o maxilar e soltei a porta pondo todo meu corpo de volta para o mesmo corredor. Alinhei meu corpo e pus as mãos nos bolsos dianteiros da calça encarando fixamente os dois que caminhavam ainda sem notar minha presença. Focados demais um no outro.
Não demorou mais de 5 segundos até Taehyung finalmente pousar os olhos em mim fazendo os seus próprios quase saltarem das orbes antes de um sorriso genuíno tomar conta de suas feições, dessa vez completamente e unicamente em minha direção.
Eu devia estar parecendo realmente furioso, mas ainda assim ele resolveu apenas ignorar e manter o sorriso enquanto caminhava mais rápido em minha direção deixando o outro completamente para trás.
- Jeongguk ! – ele disse meu nome em alto e bom som, como se aquilo tornasse mais real o fato de eu estar mesmo ali diante de si. E eu devo admitir que ouvir sua voz grave e entusiasmada me chamar só fez com o sangue corresse ainda mais rápido em minhas veias.
Me mantive sério e apenas cruzei rapidamente o olhar com o seu antes de voltar a encarar o homem que o acompanhava receosamente aproximando-se de mim.
Na mesma hora Taehyung seguiu meu olhar e o sorriso morreu em seu rosto.
- Hmm. Esse é o Jackson, ele é meu companheiro de andar nos dormitórios e- Deixa pra lá.
Ele se interrompeu quando eu voltei a encará-lo ainda mais irritado. O que diabos ele quer dizer com “companheiro de andar” ?
- Eu acho melhor você ir indo Jackson – sua voz soava cautelosa percebendo que eu ainda encarava o rapaz mais baixo. Ele tentou manter o olhar, mas assim que Taehyung terminou de falar ele os desviou em sua direção.
- Até mais V – ele disse tendo a audácia de sorrir para o loiro antes de dar as costas e sair andando como se eu não estivesse pronto para mata-lo naquele mesmo instante.
Eu poderia desenhar um sorriso muito maior em seu pescoço, só preciso de uma de minhas facas.
Não esperei mais ali parado observando as costas daquele insolente, apenas virei o corpo e finalmente adentrei a sala. Dois segundos depois a porta rangeu mais uma vez atrás de mim.
- Eu... Eu não esperava te ver aqui – ouvi Taehyung balbuciar enquanto me acompanhava a passos leves – Aonde está Hoseok hyung ?
- Você não está aqui para fazer amigos Taehyung – disse alto, minha voz soando firme e fria.
- Hã... Eu sei, é que-
- Isso aqui não é a faculdade – o interrompi me virando para encarar sua expressão vazia - Ele vai conversar com você e vocês vão almoçar todos os dias na mesma mesa até que daqui a duas semanas vocês terão que lutar um contra o outro e ele não vai pensar duas vezes antes de afundar uma faca afiada no seu peito.
Observei ele fechar completamente sua expressão e manter o contato visual enquanto eu me aproximava devagar até estar a pouco centímetros de seu corpo.
- Você vai hesitar quando tiver que matá-lo Taehyung ? – perguntei com a voz baixa ainda encarando profundamente seus olhos amendoados.
- Não – ele respondeu imediatamente.
Ali, sentindo seu corpo tão perto do meu, sua respiração pesada soprando em meu rosto senti meu corpo formigar e uma excitação diferente me invadir levando-me a dar mais um pequeno passo para frente fazendo com que nossos torsos se tocassem e meu nariz quase roçar o seu.
Meus olhos viajaram imediatamente até seus lábios. Rosados e intocados como deveriam ser.
Eles nunca seriam tocados enquanto eu o tivesse, nem por mim e por nenhuma outra pessoa.
- Você hesitaria se eu pedisse que desse um fim nele agora mesmo ? – sussurrei provocativo deixando a sombra de um sorriso presunçoso passar por meu rosto quando sua respiração falhou bem diante de mim.
- Não – ele se apressou em responder se esforçando para manter os olhos nos meus e não em meus lábios. Seu corpo reagindo exatamente como eu queria.
- Ótimo, porque eu escolhi você para vir até aqui e matar essas pessoas, não flertar com elas – meu tom era ácido e cheio de uma raiva que eu sabia de onde vinha, mas nunca admitiria nem para mim mesmo.
No segundo seguinte meu corpo já se encontrava à metros de distância.
De costas para si novamente, repousei a bolsa que trouxe comigo na mesa de ferro móvel que tinha avistado antes e abri o zíper sem nenhuma pressa.
- Eu... hmm, é uma pena que Hoseok hyung não tenho vindo hoje, eu realmente precisava desse treino com ele – o loiro disse num tom baixo.
- E o que você acha que eu estou fazendo aqui ? – perguntei virando apenas meu dorso para observá-lo.
- Algum assunto particular com Yoongi ou-
- Eu vou treinar você hoje, Taehyung – o interrompi mais uma vez.
Sua boca permaneceu meio aberta e ele piscou tentando formular uma resposta.
- Mas, por quê ? – a surpresa evidente o fazia questionar e ainda parecia precisar de um bom motivo que explicasse o porquê de tudo aquilo.
- Simples, porque o desafio dessa semana é com facas e como é a minha especialidade, eu estou aqui para garantir que você vença.
Ele permaneceu em silêncio e apenas concordou com a cabeça.
Dei as costas novamente e abri devagar o pano de veludo que guardava minha coleção pessoal de facas.
- Eu também não tinha planos de vir até aqui – comecei a falar sabendo que ele escutava atentamente logo atrás – Mas quando fui informado sobre do que se tratava o desafio... – fiz uma pausa quando algo finalmente passou pela minha cabeça.
- Taehyung, você alguma vez já ouviu falar sobre mim ? – questionei me virando de frente para si.
- Não. Até o dia em que o vi pela primeira vez eu nunca tinha ouvido falar em nenhum Jeon Jeongguk – ele disse dando de ombros e eu sorri de lado cruzando os braços em frente ao peito.
- Tem certeza de que com tudo que sabe sobre mim agora, nunca ouviu absolutamente nada sobre mim ? – perguntei mais devagar plantando a dúvida em sua mente enquanto erguia uma das sobrancelhas.
- Eu não acho que-
Suas feições imediatamente se tornaram pensativas e eu quase podia ver algo acender em sua mente.
- Há uns 4 meses, teve uma noite em que eu cheguei do trabalho mais cedo e enquanto tirava os sapatos na sala me distrai com o noticiário que meu pai assistia jogado no sofá – ele disse.
- E o que dizia o noticiário ? – o instiguei.
- Falava sobre a morte um homem importante, um homem de negócios – ele se forçava a lembrar – Eles entrevistaram alguns funcionários do prédio de onde ele caiu, 17 andares direto para baixo, se não me engano. Antes da polícia chegar julgaram que poderiam tê-lo empurrado da sacada ou até mesmo que teria sido suicídio, mas quando foi a vez do policial responsável finalmente falar...
- O que ele disse Taehyung ? – falei baixo me aproximando de si.
- Ele disse que não tinha sido nenhuma dessas razões, o homem tinha uma coisa pequena cravada no peito, uma faca que cabia na palma da mão.
- Como essa aqui ? – levantei a faca bem próximo de seu rosto e ele concordou com a cabeça desviando o olhar da arma para mim.
- Exatamente como essa.
- Lembro de o policial dizer que de acordo com a perícia a arma foi lançada de fora do apartamento, muito provavelmente do telhado do prédio que ficava logo a frente. Ele não entendia como era possível porque muitos metros distanciavam um edifício do outro, mas a faca foi certeira no coração o que fez o homem se inclinar e cair pelo parapeito baixo da sacada aonde estava – sua voz admirada preenchia meus ouvidos enquanto eu me ocupava em observar seu rosto.
- A última coisa de que me lembro foi de um dos vizinhos dizendo que foi até a sacada do próprio apartamento para fumar mais ou menos na hora do assassinato e que tinha visto esse homem no telhado do outro prédio. Ele não conseguiu descrever muito como ele se parecia porque estava muito escuro na hora e o homem vestia roupas pretas. A única coisa que ele pôde garantir é que esse mesmo homem usava uma máscara. Uma máscara de coelho.
Seus olhos se iluminaram quando focaram nos meus novamente. A percepção lhe atingindo em cheio.
- Então você ouviu falar de mim – eu disse com um sorriso pequeno levemente orgulhoso por vê-lo tão fascinado antes de virá-lo de costas para mim. Um alvo circular pairava alguns metros à frente.
- É por isso que eu mesmo vim até aqui treinar você Taehyungie – disse devagar passeando com as mãos pela lateral de seu corpo até alcançar sua cintura, puxando-o levemente para trás até que suas costas tocassem meu peito – Diferente das pessoas do seu mundo sem graça, no meu mundo todos me conhecem – peguei a faca pequena na mão direita e encostei a ponta em seu quadril. Ele observou em silêncio enquanto eu passava a arma afiada por cima de sua blusa, tocando suas clavículas perfeitas até voltar a descer com ela pelo seu braço direito - Eles sabem o que eu faço e sabem que eu faço bem – repousei a faca em sua mão e pus a minha sobre, guiando seu braço a se levantar em direção ao alvo - E é por esse motivo que eles não esperam menos que perfeição de você já que eu sou seu mentor e eu sou o melhor no que eu faço – no segundo seguinte impulsionei nossas mãos juntas e o loiro suspirou quando a faca deixou seus dedos e voou em direção ao alvo.
Ele continuou encarando a arma fincada no centro do alvo com um sorriso discreto e animado e por algum motivo eu mantive minhas mãos firmes em seu corpo por mais tempo do que o necessário. Eu não conseguia me afastar, eu não queria recuar. Minha mente só queria tocá-lo mais e mais, em todos os lugares que eu pudesse alcançar.
E ali no silêncio daquela sala de treinamento, segurando seu corpo junto ao meu, sentindo seu calor irradiar por cada centímetro de minha pele, eu temi pela possibilidade de perdê-lo para o jogo. Pela primeira vez não se tratava apenas da vitória, parecia infinitamente maior que isso. E era por esse motivo que eu precisava garantir que ele seria o melhor em tudo e o último a ficar de pé.
- Venha, vamos começar o treino.
(...)
Três dias depois eu me encontrava de frente ao espelho de meu quarto conferindo minhas vestes. O clima estava quente então a camiseta branca era uma melhor opção sob o casaco preto e a calça jeans de lavagem escura.
Encarei meu próprio rosto com cuidado e mesmo nunca tendo ligado muito para minha aparência era notável o aumento das olheiras e da frequência com que eu apresentava uma aparência cansada depois que ficou ainda mais difícil dormir à noite.
Toquei as bordas levemente mais escuras logo abaixo dos olhos antes de decidir ignorar completamente aquela reflexão sem sentindo. Então apenas apanhei as chaves do carro, a carteira e o celular antes de deixar meu quarto.
Hoseok hyung me esperava do lado de fora da casa conversando alguma bobagem com um dos seguranças. Assim que passei por ele o senti me acompanhar de perto até a garagem.
- Bom dia pra você também garoto – ele disse ironicamente e eu apenas olhei em sua direção antes de abrir a porta do carro e entrar sem mais demora.
Por incrível que pareça o caminho foi silencioso, mas é claro que isso só aconteceu depois do comentário malicioso de Hoseok sobre o porque de eu estar batucando no volante impacientemente.
Nem eu sabia, mas quando finalmente chegamos as instalações da Aequum, meu único pensamento era que chegasse logo o horário daquela maldita prova.
Às 9:30 todos os mentores estavam reunidos no lugar de realização do desafio e antes que Yoongi aparecesse dei uma boa olhada na estrutura cuidadosamente montada para a prova.
Podia parecer levemente semelhante com a da prova passada, mas essa definitivamente se mostrava muito mais elaborada. Era como um labirinto enorme com longas paredes de madeira. No início havia uma mesa com utensílios que eu não conseguia enxergar do local em que me encontrava e no final se posicionava um televisor grande semelhante à outro próximo das cadeiras destinadas à nós mentores.
Poucos segundos depois escutamos as boas vindas exageradas de Yoongi que por mais incrível que pareça, usava roupas relativamente normais hoje.
- Bom dia meus queridos ! Sentem-se, sentem-se. O tempo está ótimo hoje não acham ? – ninguém respondeu, mas sua simpatia maníaca se manteve inabalada como sempre – Bom, como nós somos muitos e eu não tenho a intenção de repetir como será a prova para cada participante em suas respectivas vezes, vou fazer isso apenas uma vez para mentores e participantes, então por favor prestem bastante atenção.
Na velocidade de um olhar, Namjoon surgiu praticamente do nada e atrás dele, no que deveriam ser duas fileiras, vinham os participantes.
Sentado na primeira fileira com Hoseok logo ao meu lado eu podia ver cada um se aproximar e olhando mais atrás finalmente pude avistar quem realmente me interessava naquele maldito lugar.
Taehyung usava roupas confortáveis e práticas além de uma bandana vermelha que impedia os fios loiros de caírem por sua testa e atrapalharem sua visão. Algo intimamente relacionado àquela bandana fez com que eu me remexesse desconfortavelmente na cadeira.
Seus olhos sérios encontraram os meus e suas feições se mantiveram impassíveis, a única coisa que tive de si foi um balançar quase imperceptível de cabeça. Era notório o quão focado ele estava, a determinação transbordava de si e eu não queria que meus olharem intensos acabassem lhe atrapalhando, por isso, mesmo a contragosto, desviei o olhar e foquei em Yoongi.
- Bom, como vocês veem ao meu lado, nós temos um belo labirinto inspirado em um dos meus locais favoritos, a esplêndida Mansão Winchester, que para aqueles que não a conhecem devo informá-los que se trata de um dos lugares considerados como os mais assombrados do mundo com uma construção enorme cheia de corredores entrelaçados e escadas sem destino. Então quando entrarem ali não fiquem surpresos com o que possam encontrar em cada corredor – uma risada pequena ecoou no fundo de sua garganta – A tarefa de vocês é sair daquele labirinto, mas além disso devemos lembrar que vocês receberam uma dica, a qual dizia que deveriam treinar sua pontaria com facas – captei seu olhar sobre mim antes de ele o desviasse no milésimo seguinte – Isso se dá em razão de que dentro do labirinto você vão encontrar alvos, os quais vocês devem acertar com perfeição no local indicado. Talvez pareça simples, mas nunca se sabe o que pode acontecer quando o alvo tem duas pernas funcionais e pode fugir antes mesmo de você sacar a faca.
- Isso mesmo meus caros, os alvos são pessoas. E não, vocês não vão matar ninguém, pelo menos não ainda. Cada uma dessas 15 pessoas está vestida com coletes e vestes acolchoadas apropriadas para essa atividade, por isso tratem de acertar no alvo para não machucar ninguém, vocês vão se dar muito mal se algo assim acontecer. Além disso ainda há outras pessoas espalhadas que não são alvos e que estão lá apenas para impedir que vocês prossigam na missão, sejam vencidos por eles e vocês estão fora. O objetivo de vocês então é acertar o maior número de alvos e encontrar a saída do labirinto. Assim que alcançarem a saída o cronômetro vai parar e você terá finalizado a missão independente de quantos alvos acertou. Não será permitido que você esteja na direção da saída e volte porque percebeu que não atingiu alvos o suficiente. Então o tempo conta, mas os alvos também, por isso pensem bem nas escolhas que irão fazer porque no final elas podem acabar decidindo como foi o desempenho de cada um. Ah e mais uma coisa, vocês não estão autorizados a utilizar suas armas contra as pessoas que servem como distração, apenas a boa e nem sempre justa luta corporal. Estamos entendidos ? – assisti todos os outros concordarem levemente com a cabeça antes de Yoongi juntar as palmas pálidas em uma palma estrondosa – Então, vamos começar !
(...)
O primeiro participante não teve nenhum pouco de sucesso em suas escolhas. Tempo demais gasto e poucos alvo atingidos. Meus olhos arderam assistindo o quão mal ele utilizava aquelas lindas armas que lhe eram oferecidas.
O quarto se saiu melhor, mas sua precisão era tão ruim que as facas acabaram depois que ele acertou apenas cinco alvos.
A partir do nono candidato as coisas foram ficando mais interessantes, mais habilidade com a faca, melhores técnicas de luta e tempos de chegada melhores.
Estava trocando algumas observações com Hoseok sobre o candidato anterior quando o décimo oitavo competidor entrou na arena.
Taehyung manteve os olhos sempre a frente enquanto caminhava até a entrada do labirinto onde uma mulher prendeu o cinto de utilidades em volta de sua cintura repetindo o mesmo protocolo que fez com todos os competidores anteriores. Preso a ele estavam exatamente quinze facas medianas bastante afiadas.
Enquanto ela ajustava o acessório em sua cintura, notei ele retirando uma das facas e testando o peso da mesma, do jeito que eu havia lhe ensinado poucos dias atrás.
Você não terá nenhuma noção de quanta força deverá usar para acertar o alvo se não tiver um senso das dimensões e da leveza da arma que está usando.
Quando ele finalmente sinalizou que estava pronto, Yoongi pigarreou antes de anunciá-lo.
O assisti respirar fundo e quando seu primeiro passo para dentro do labirinto foi dado, o tempo começou a contar.
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Ele correu, mas não tão rápido. Era uma corrida cautelosa, seus olhos atentos eram captados por uma das várias câmeras espalhadas e transmitido no televisor.
Não demorou até que a primeira armadilha aparecesse, uma pequena mina terrestre explodiu logo no primeiro corredor o qual ele entrou.
Taehyung rolou para o lado oposto e bateu com a costas na madeira olhando atordoado para os lados em busca de uma nova ameaça. Nada ainda, mas não demorou muito até que a primeira pessoa aparecesse.
Taehyung foi rápido em desviar do golpe surpresa e antes de revidar avistou o primeiro alvo correndo cerca de quatro metros de onde estava. Um único soco bastou para que o loiro se livrasse do homem e corresse em busca do seu alvo ambulante. Ele corria rápido, mas ainda assim era difícil atirar daquela forma. Taehyung então acelerou enquanto retirava uma das facas e quando estava perto o suficiente, parou de repente soltando o ar no mesmo momento em que soltou a faca no ar.
O grande círculo vermelho nas costas da pessoa foi atingido em cheio e o alvo caiu devido a força do impacto.
1 já foi.
O loiro não perdeu tempo e olhou para os lados procurando mais e mais círculos vermelhos.
2
5
8
O relógio corria, mas Taehyung estava indo bem, muito bem. Meus olhos estavam focados inteiramente na tela que me mostrava seu rosto suado, a boca aberta em razão da respiração ofegante.
Por um momento ele diminuiu o ritmo para recuperar o fôlego, não demorou mais que cinco segundos, mas foi se aproveitando desse seu momento de dispersão que duas pessoas se aproximaram e partiram para o ataque.
Taehyung foi atingido por um chute no estômago e cambaleou para trás erguendo o corpo a tempo de bloquear um soco que tinha seu rosto como destinatário.
Os golpes eram rápidos e ele não conseguia fazer nada além de se defender.
Eu sentia os olhos em mim ao mesmo tempo em que Taehyung era avaliado por todos os outro no local, mas eu não conseguia me importar menos.
Dois socos seguidos acertaram em cheio seu rosto e Taehyung grunhiu com raiva antes de partir para cima deles. O primeiro soco que desferiu foi tão forte que o homem que defendeu cambaleou e o loiro aproveitou a guarda baixa para chutá-lo com um grito lançando o homem de costas no chão.
Ele estava pronto para partir para o próximo quando este pulou em suas costas e agarrou seu pescoço. Taehyung agarrou o braço que o enforcava tentando se livrar do aperto, mas o homem enlaçou as pernas em sua cintura e apertou cada vez mais.
Ele sacudiu o corpo e rodou em torno de si mesmo numa luta frenética para se soltar, mas de repente seus olhos se arregalaram e no segundo seguinte ele os fechou e seu rosto se contorceu em uma careta enquanto se lançava ao chão. Foi tudo tão rápido.
Ele girou o corpo dos dois sobre o chão fazendo com que o homem o largasse ao mesmo tempo em que alcançava mais duas facas na cintura. Suas mãos graciosas agarravam o cabo preto da faca com uma elegância perigosa. Com a direita ele lançou um faca à frente e no momento seguinte a mão esquerda soltou outra faca à sua direita.
As câmeras captaram o exato momento em que os dois alvos caíram no chão e eu nem mesmo tinha percebido a silhueta à direita, mas Taehyung mesmo atordoado durante a luta foi capaz de notar a movimentação e fazer dois lançamentos perfeitos.
O tempo ainda corria e por isso o loiro não queria esperar até que o homem no chão se levantasse e viesse atrás de si mais uma vez, por isso ele se levantou e voltou a correr. Corria como se sua vida dependesse disso, sua mente trabalhava rápido percebendo que era hora de sair dali.
Ele cruzou alguns corredores e foi esperto ao desviar de vários obstáculos que só o atrasariam.
Meus olhos desviaram e encararam o relógio. Ele precisava sair logo dali. Faltava tão pouco.
Meus punhos se apertaram e eu quase vibrei quando ele tomou o caminho correto, ele estava apenas à poucos metros da última curva e Hoseok já estava pronto para vibrar quando ele dobrou encarando a saída logo a frente.
Agora ele só precisava de um último fôlego para sair de vez dali. Mas em vez de correr ele virou de costas.
Abri mais meus olhos em confusão, assistindo um Taehyung cansado alcançar sua última faca presa ao cinto.
Ninguém estava entendo o porquê de ele ter parado, mas foi só o ângulo na tela mudar que pudemos ver o que Taehyung via. Um alvo correndo à alguns metros de distância se preparando para dobrar na curva mais próxima.
Ele sabia que não podia voltar, a saída estava logo ali e as regras ditadas por Yoongi eram claras.
A cada milésimo o homem ficava mais longe.
Sinta a lâmina como uma extensão do seu braço.
Ele segurou firme a faca em sua mão direita.
Afaste as pernas paralelamente aos seus ombros.
Seus pés se arrastaram na areia e seus ombros foram para trás.
Traga o braço para trás e mire
Seu braço direito foi para trás enquanto o esquerdo apontava para o alvo.
Respire fundo
A respiração ofegante se acalmou e seu peito estufou e desceu devagar.
E solte a faca.
No segundo seguinte seu corpo se impulsionou para frente e a faca deixou sua mão. Eu duvidava que ele acertasse e temi que ele machucasse o homem e perdesse todo o progresso que já tinha até ali, mas no momento que o alvo caiu ele apenas deu as costas e voltou a correr.
Em menos de trinta segundos ele já estava fora do labirinto. O relógio parou imediatamente e a contagem de alvos acertados ainda estava congelada em 10 até que a câmera focou no homem que acabara de cair no chão.
Procurei por sangue, observei se ele respirava, meus olhos buscavam o prateado da faca em qualquer lugar. Então antes que eu pudesse tirar minhas próprias conclusões, o homem se mexeu e levantou com dificuldade virando de costas para mostrar com nitidez a faca cravada na borda do alvo vermelho.
O contador agora marcava 11 alvos atingidos. 11 alvos em 16 minutos e 32 segundos.
Hoseok gritou ao meu lado comemorando aquela performance incrível e eu me deixei sorrir ouvindo os murmúrios invejosos e nada discretos dos outros homens ao meu lado.
Taehyung caminhou até perto de nós ainda ofegante e parecendo genuinamente cansado.
Seu sorriso satisfeito se alargou ao me ver sorrir junto. Com os olhos em mim, somente em mim.
Os lábios sujos de sangue nunca me pareceram tão encantadores.
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