- V, pelo amor de Deus sai desse quarto logo antes que o Jeongguk venha até aqui e te arraste daí de dentro – a voz de Hoseok era abafada pela porta às minhas costas, mas o tom alto de sua voz fazia parecer como se ele estivesse logo ali ao meu lado.
Já faziam pelo menos vinte minutos desde que eu havia terminado de me arrumar. Mas enquanto eu caminhava até a porta acabei olhando de relance para o espelho e foi aquilo que estranhamente me prendeu ali desde então.
Nos primeiros segundos apenas analisei minha vestimenta com cuidado. O conjunto de jeans escuro e blusa branca me caía bem e o sobretudo preto se ajustava perfeitamente ao redor do meu corpo.
Meus cabelos rubros reluziam em contraste com toda aquela escuridão chamando atenção diretamente para os meus olhos levemente cobertos pela franja.
Discreto e ameaçador, exatamente como eu queria.
Com inclinado de cabeça para esquerda então tudo de repente pareceu confuso.
Eu nunca fui uma pessoa vaidosa apesar de me esforçar relativamente com o que eu tinha para parecer bem apresentado. Se encaixar parecia uma obrigação na universidade e eu tentava aparentar bem o suficiente para pelo menos passar despercebido, o que não era o caso já que no final Jungsoo acabou morto.
Porém tudo era diferente agora. Agora eu tinha liberdade e dinheiro para me vestir como queria, ser quem eu quisesse ser e todo esse tempo livre, muito tempo livre pra mim mesmo sem precisar me preocupar com que horas o jantar deve estar pronto ou se ele estará muito bêbado para puxar briga ou inconsciente demais para sequer andar além do sofá.
Era estranho olhar no espelho e ver alguém que eu me acostumei a pensar que nunca poderia ser. Que não sabia que poderia ser.
Os planos eram se formar, arranjar um emprego razoável, conseguir dinheiro para sair de casa e me manter estável sozinho esperando pacientemente a ligação que me diria em uma voz penosa que meu pai finalmente havia morrido de tanto beber ou assassinado em algum beco escuro depois de uma briga estúpida com a pessoa errada.
No fim das contas ele realmente arrumou briga com a pessoa errada, a pessoa que me forcei a retrair por todos esses anos.
Eu mesmo o assassinei na sala de casa muito bem iluminada, não terminei a universidade, não arranjei um emprego medíocre e não me afundei numa vida sem graça da qual eu não sentiria a mínima falta se partisse de súbito. Eu não teria arrependimentos, mas também não teria memórias, não teria momentos do qual sentiria falta ou do qual faria de tudo para reviver mais uma vez.
Não seguir o plano nunca foi tão bom.
O reflexo me mostra um assassino. Olhar afiado, as mãos cheias de cicatrizes, a roupa elegante e o corpo pronto para agir a qualquer sinal de ameaça.
Mas ali não havia só um assassino. Eu vejo alguém poderoso, confiante e que sabe do que realmente é capaz.
Alguém que eu gosto de ser, alguém que Jeongguk poderia amar.
Desviei o olhar de mim mesmo me sentindo patético por um momento, mas eu podia sentir, por mais que negasse, a esperança arder em algum canto dentro de mim.
Agora parado ali encarando meu reflexo eu consigo enxergar. Consigo ver claramente a pessoa que ficou escondida dentro de mim por tanto tempo com medo. E eu me sinto bem com isso.
Minhas mãos então agarraram os dois pequenos machados que repousavam em cima da cama. O metal preto reluzente se destacava sob a luz e parecia tão afiado quanto realmente era. Mais um presente de Jeongguk, mas esse definitivamente era o mais especial.
Meus dedos se encaixavam perfeitamente no cabo precisamente esculpido também na cor preta e a leveza com que a lâmina cortava o ar à cada movimento meu só comprovava o equilíbrio perfeito da arma.
Trazendo a lâmina para mais perto do rosto eu podia claramente ver o pequeno símbolo gravado na lâmina e sorri encarando fixamente o traço delicado.
Especial. Assim como o dia de hoje era.
Então respirei fundo uma última vez antes de colocar minhas armas dentro de um bolsa de couro mediana e sair do quarto.
A cara fechada e impaciente de Hoseok se manteve apenas até alcançarmos a porta da frente da mansão, onde Jeongguk me esperava com as mãos mergulhadas nos bolsos da calça social preta. A camisa de botões branca realmente lhe caía bem contrastando com o cabelo preto bem arrumado para o lado. O primeiro botão aberto não deixava muito para a imaginação, mas eu podia ser bem criativo enquanto perdia meu olhar em cada detalhe do moreno. A julgar pelo olhar convencido e quase divertido que ele me direcionava no momento eu pude ter certeza de que ele também tinha conhecimento do caminho que meus pensamentos tomavam naquele momento.
- Nós treinamos muito, você sabe o que fazer. Agora vai lá e arrebenta a cara de quem quer que você tenha que enfrentar – Hoseok interrompeu minha linha de pensamento nada discreta dando batidas nervosas em meus ombros, o que me fez sorrir brevemente vendo sua empolgação clara.
- Não se preocupe treinador – respondi simplório, mas ainda com o sorriso no rosto – Até mais tarde e cuidado pra não destruir a televisão enquanto assiste a luta – sorri uma última vez e dei as costas para si caminhando na direção de Jeongguk que já havia retomado o olhar sério e impenetrável de sempre. Quando estava à poucos passos de finalmente alcança-lo ele apenas me deu as costas e caminhou até o carro sabendo bem que o seguia de perto.
(...)
A atmosfera dentro do carro era leve apesar do local para onde íamos e o que eu estava indo fazer lá. O ar condicionado mantinha uma temperatura agradável que combinava com o céu estrelado que se estendia logo adiante na estrada vazia e escura.
Deixei meu corpo relaxar contra o banco de couro e me forcei a manter os olhos na estrada, mas é claro que em algum momento do trajeto meu pescoço quase que involuntariamente virou para observar o homem ao meu lado. Seu olhar concentrado se mantinha à frente com uma das mãos na direção enquanto a outra repousava em sua coxa esperando o momento em que precisasse utilizar a marcha. Minha vontade era de poder tocar os dedos longos e entrelaça-los nos meus, mas me contive em apenas observar o modo como agilmente eles rodeavam a marcha e a movia fazendo com que as veias saltassem levemente no dorso de sua mão, subindo por seu antebraço levemente a mostra pela manga cuidadosamente dobrada da camisa.
Seu rosto, entretanto, era a melhor parte. Sério, mas exalando uma tranquilidade reconfortante. O pomo de adão subindo e descendo com graciosidade quando de vez em quando ele engolia a própria saliva. Cada detalhe da face perfeitamente esculpida me mantinha em um transe do qual eu mesmo não conseguia sair, não queria sair. Então foi só quando ele se pronunciou pela primeira vez naquela noite que eu voltei a mim antes que descontroladamente erguesse a mão e sanasse a vontade enlouquecedora de tocá-lo.
- O que tem de tão interessante? – sua voz soou baixa e suave quase me fazendo sorrir. Para alguém tão inteligente ele não deveria sequer pensar em me fazer aquela pergunta.
- Tudo. Eu poderia te olhar por horas – confessei subitamente e me surpreendi com o sorriso de lado que ele lançou ainda com os olhos fixos na estrada.
O curvar de lábios se foi tão rápido quanto veio, mas eu ainda me sentia flutuar por tê-lo visto. Um sorriso rápido ainda é bem melhor do que apenas a sombra de um sorriso.
- Você deveria se concentrar na luta – ele disse enquanto girava o volante para realizar uma curva mais fechada.
- Eu sei – eu pausei e ponderei minhas próximas palavras. Minha boca abriu novamente e eu a fechei me questionando se deveria mesmo falar o que tinha em mente. Era estúpido, eu sei que era, mas a ânsia foi tão grande que eu não pude me conter – Eu... Eu vou me concentrar, mas antes disso eu só queria te-
- Taehyung, você pode morrer essa noite, então é melhor focar nas coisas que realmente importam – dessa vez ele soou mais firme em nenhum traço de diversão em suas feições. Luzes fortes então atravessaram o vidro e me fizeram apertar os olhos em reflexo. Logo eu pude ver a entrada do terreno enorme dos Min.
Resisti a vontade de suspirar ou cruzar os braços em frustração. Me parecia algo bem infantil para se fazer vindo de alguém que estava ali para matar uma pessoa.
- Tudo bem. Depois que eu matar quem quer que seja eu digo.
Eu tive a impressão de que ele ao menos ouviu o que eu tinha acabado de dizer, mas eu não tive muito tempo para pensar sobre isso antes que minha atenção fosse totalmente tomada pela visão da grande construção da qual nos aproximávamos.
- Nossa - falei por impulso vendo pela primeira vez o Coliseum se erguer sobre nós tão iluminado.
Jeongguk guiou o carro devagar ao redor da estrutura imponente me dando tempo para apreciar de modo superficial a construção até estacionar junto de outros modelos que pareciam tão caros quanto o dele.
Descendo do carro e com a bolsa de couro que carregava minhas armas em mãos, caminhamos lado a lado e eu quase não notei a proximidade estranha que Jeongguk manteve durante todo o percurso até a entrada, ocupado demais observando cada vez mais admirado a enorme construção.
Assim que passamos pelo arco de entrada meus olhos ficaram ainda maiores e mesmo sentindo-os arder depois de um tempo, ainda não conseguia fechá-los e me dar o luxo de perder a chance de observar detalhadamente a maravilha logo diante dos meus olhos.
Era simplesmente incrível. As paredes na cor pálida se erguiam tão alto que eu tive vertigem ao tentar acompanhar com os olhos. As luzes refletiam sobre os pilares e quase me faziam acreditar que eram realmente perolados. Parecia extremamente autêntico e mesmo que eu nunca tivesse tido a chance de entrar no Coliseum original, tive a certeza de que aquela versão era bastante fiel à sua inspiração muito atrás em seus tempos de glória durante o auge do império romano.
Acompanhei os passos de Jeongguk que seguiam confiantes guiando o caminho até que nos encontrássemos no que eu imaginei ser uma espécie de sessão VIP por encontrar todos os competidores e seus mentores reunidos na expectativa de saber qual o próximo combate.
Alguns metros à direita uma cabine luxuosa e rodeada de seguranças ficava bem posicionada num local estratégico com visão periférica dividindo as duas porções das arquibancadas que por acaso já se encontravam recheadas de pessoas ansiosas para uma boa luta.
Tudo era novo e impressionante para mim, mas é claro que para os mentores, que em sua maioria já participaram ou presenciaram várias edições do torneio, a única coisa que importava realmente eram as lutas e quem acabaria de pé no final.
- Ah Jeongguk, por um momento achei que se atrasaria – parei abruptamente quase esbarrando nas costas do moreno me virando para encarar Yugyeom logo a nossa frente com um sorriso largo no rosto.
Jeongguk ao menos se deu o trabalho de responder pronto para passar direto pelo homem em vestes tão extravagantes quanto as que Yoongi costuma usar.
- Vejo que o nosso querido V deu uma passada no salão antes dos jogos começarem. É sempre bom fazer uma mudança não é? Mas devo confessar que essa cor só te deixou ainda mais atraente – ergui uma sobrancelha confuso com o caminho repentino que a conversa tomou. Depois de alguns segundos de confusão, abri a boca para falar algo que soasse como um agradecimento antes que a voz de Jeongguk se fizesse audível.
- O que pensa que está fazendo? – seu tom era firme, mas ao mesmo tempo diferente de como soou quando ainda estávamos no carro.
- Não é claro? Eu não posso passar os olhos por essa maravilha e não falar uma palavra. Talvez se o mentor dele não fosse você eu até fizesse uma visita ou duas ao nosso V apenas para garantir que ele esteja... completamente relaxado. Com a competição é claro – o olhar sugestivo e o sorriso malicioso que brincava nos lábios do homem me deixaram ainda mais surpreso e eu realmente não sabia o que fazer ou ao menos o que falar, mas não parecia que Jeongguk queria que eu resolvesse aquela pequena tensão.
- Eu vou falar pela última vez Yugyeom. Fique longe dele antes que eu mesmo faça você ficar permanentemente fora de alcance – eu não podia ver o seu rosto, mas eu sabia que deveria estar assustador apenas pelo tom ameaçador e carregado de uma raiva contida. Mesmo assim aquilo não pareceu intimidar nenhum pouco o homem mais alto que apenas sorriu mais abertamente e olhou Jeongguk com divertimento.
- Calma coelhinho. Eu não vou tocar nele, eu sei o quanto você pode ficar possessivo com seus... pertences – então ele apenas sorriu mais uma vez para mim e desapareceu no corredor atrás de nós.
Jeongguk nem mesmo me olhou antes de continuar andando até encontrar a poltrona com o nome Jeon gravado numa pequena placa prateada. Então ele sentou e cruzou as pernas confortavelmente encarando a arena através do vidro.
A visão dali era incrível e mesmo que ainda não houvesse ninguém na arena eu sabia que era possível enxergar bem a luta daquela posição além dos telão imenso mais a frente para auxiliar com os detalhes não tão perceptíveis.
O silêncio não era incômodo, mas eu queria poder falar e conversar um pouco antes da luta, mas no momento em que tomei coragem para abrir a boca e iniciar um diálogo, a voz de Yoongi chamou a atenção de todos para si e eu logo pude ver seu rosto sorridente surgir em HD no telão gigante.
Quando ele começou a falar foi então que eu senti o nervosismo crescer dentro do peito e eu amaldiçoei minhas mãos que não paravam quietas. Aquela definitivamente não era a hora e nem o lugar para ficar nervoso. Não quando as pessoas que querem me matar estão todas reunidas logo ao meu lado.
- Não fique nervoso. Você sabe o que fazer – Jeongguk falou baixo e ainda sem olhar para mim, mas aquilo foi o suficiente para que eu respirasse fundo e fechasse minhas mãos em punho me obrigando a se concentrar apenas na arena e no meu objetivo.
Eu ia conseguir. Eu tinha que conseguir.
- Sejam muito bem vindos cavalheiros e damas – a voz de Yoongi reverberou por todo o local – É um imenso prazer recebê-los aqui para mais uma edição da Aequum – os gritos e aplausos tomaram de conta da plateia e o sorriso de Yoongi se alargou – Deve adiantar a vocês que vamos ter muitas surpresas nesta 20º edição e eu estou muito ansioso em mostrá-los belas e emocionantes lutas. Então, sem mais enrolações, vamos saber qual será a primeira luta da noite.
Com essa última fala o homem esguio apontou para o telão e lá nós pudemos observar o rosto de cada um dos competidores aparecer em pequenos quadrados. Eu lembro do dia em que batemos aquelas fotos.
De repente as fotos se moveram ficando em um canto da tela enquanto uma espécie de mural com a organização dos combates apareceu centralizada na tela com espaços vazios que seriam preenchidos conforme o resultado de cada luta. Hoje teríamos 4 combates nas quartas de final, semana que vem os dois combates das semifinais e na semana seguinte a tão esperada final que definiria o grande campeão da Aequum.
Depois de poucos segundos a tela mudou novamente e apenas dois quadrados maiores se encontravam ali prontos para serem preenchidos com as fotos dos primeiros desafiantes. Então quando Yoongi deu o comando o sorteio começou. Um silêncio recaiu sobre toda a arena e eu podia sentir a tensão e ansiedade que emanava da área VIP. As fotos de todos passaram rapidamente diantes de nossos olhos e eu vi meu próprio rosto aparecer no mínimo 3 vezes, mas quando finalmente parou, era o rosto de Jennie que o telão mostrava. Todos aplaudiram ao encararem a primeira competidora, mas ainda havia a apreensão de saber quem seria seu oponente. O segundo quadrado também exibiu nossas fotos repetidas vezes e eu torci para que meu rosto não fosse o que fosse mostrado no final. Eu sabia que mortes eram inevitáveis, até porque todos teriam que morrer se eu quisesse ganhar a competição, mas eu não queria ter que matar uma das únicas duas pessoas que me mostravam afeição durante todo o tempo de treinamento. Meus olhos e o de todos estavam fixos na tela e ouvi bem o som exasperado que soou dentro da cabine quando o rosto de Mingyu foi exibido logo ao lado do de Jennie.
Instintivamente meus olhos vagaram para minha direita onde Jennie ainda encarava o telão com o rosto sério. Mingyu por outro lado sorria mais a frente, quase como se já tivesse ganhado a luta antes mesmo de pôr os pés na arena. Aquilo me irritou e sei que irritou ainda mais a morena que apertou firme as mãos em punho ouvindo a pequena risada desdenhosa que seu oponente soltou antes que quatro guardas aparecessem para escoltá-los.
O resto das pessoas parecia tranquila e alguns até conversaram rapidamente sobre suas apostas, mas eu permaneci calado observando até encontrar o olhar apreensivo de Jackson de pé ao lado de seu mentor do outro lado da sala. Eu sabia o que ele estava pensando, mas eu tinha confiança, Jennie era boa no que fazia e ela definitivamente podia derrotar aquele imbecil. Ela podia conseguir.
Com esse pensamento eu desviei o olhar e encarei os dois já posicionados no centro a arena. Jennie estava parada encarando fixamente o corpo relaxado de Mingyu e eu pude sentir a ira emanar do seu corpo quando ela finalmente sacou os leques de metal.
- Esses são seus primeiros competidores. Preparados para a luta? - Yoongi gritou completamente entusiasmado quando a platéia correspondeu e gritou a todos pulmões - Então, deixe o sangue correr!
No momento em que o anfitrião fechou a boca Mingyu sacou sua adaga e atacou, mas Jennie já esperava por isso e no segundo seguinte abriu os leques com extrema elegância roubando suspiros surpresos de toda a platéia ao encararem pela primeira vez os lindos leques de espadas da morena. Eu também tive a mesma reação quando os vi pela primeira vez.
A luta era rápida e eu mal podia acompanhar os movimentos dos dois mesmo olhando pelo telão. Jennie estava se esforçando, eu podia ver a garra em seu olhar a cada investida, mas mesmo assim não parecia ser o suficiente para impedir que a adaga afiada de Mingyu invadisse seu espaço e causasse vários cortes em seu corpo. O sangue já grudava em suas roupas depois de um tempo e a faca que ela levou minutos atrás tornou seus movimentos lentos a um ponto em que ela mal conseguia se defender.
Aquele bastardo era irritantemente bom e toda a confiança que eu carregava antes da luta começava se esvaiu de mim enquanto eu assistia ele prolongar propositalmente o sofrimento de Jennie tendo inúmeras chances para acabar de vez com aquilo, mas apenas a ferindo mais deixando-a cada vez mais fraca e incapaz de lutar.
Depoi de mais alguns minutos o inevitável aconteceu e meus dentes rangeram vendo claramente o sorriso de satisfação no rosto de Mingyu quando ele afundou a adaga negra no peito de Jennie sustentando seu corpo por alguns segundos antes de largá-lo no chão sem vida.
Os gritos irromperam imediatamente e as pessoas comemoraram em seus lugares quando o rosto do campeão apareceu no grande telão. Enquanto Jennie estava caída no chão de areia o homem carregada apenas alguns cortes superficiais com os braços cobertos pelo sangue da morena.
Ele não comemorou. Não tinha o que se comemorar, era claro o quanto aquilo foi fácil para ele, seu sorriso demonstrava claramente aquilo.
Então ele apenas caminhou e saiu da arena lentamente enquanto sua foto era colocada na classificação para as semifinais.
Desviei os olhos por um momento quando homens entraram na arena para recolher o corpo de Jennie, mas me forcei a manter o olhar firme. Eu sabia que isso aconteceria. Todos ali tinham que morrer para que eu vencesse, mas agora eu queria ter certeza de que seriam os meus machados a arrancarem aquela cabeça arrogante do pescoço de Mingyu.
Menos de dez minutos depois Yoongi estava pronto para anunciar a próxima luta. Meus olhos voltaram para a tela e todo aquele silêncio recaiu de novo sobre a arena. Poucos segundos depois o rosto de Lee Gwanji apareceu na tela. Seu oponente estava sendo escolhido agora e por um impulso meus olhos procuraram Jeongguk que mesmo estando ao meu lado por todos esse tempo ainda não havia dito uma palavra. Eu ainda olhava esperando que ele virasse seu rosto para mim quando os gritos foram ouvidos novamente e eu desviei os olhos para tela. Tela essa que mostrava meu rosto. O cabelo ainda castanho realmente me faziam parecer mais delicado e eu fiquei grato por ter mudado a cor do cabelo antes da competição.
Respirei fundo e fechei os olhos me abaixando para alcançar minhas armas dentro da bolsa aos meus pés. Quando ergui meu corpo novamente Jeongguk finalmente estava olhando pra mim.
Apenas nos encaramos por alguns segundos antes que os guardas aparecessem para nos levar para a arena.
- Se concentre e faça o que você sabe fazer - foi a única coisa que ele me disse antes de voltar a olhar pelo vidro e eu concordei com a cabeça mesmo que ele não pudesse me ver antes de sair da sala.
Meu competidor caminhava ao meu lado e nenhum dos dois falou uma palavra enquanto caminhávamos até uma sala escura com duas grandes portas de madeira na frente. Me forcei a manter meus olhos no chão e me concentrar ao invés de analisar a sala. Eu precisava ser perfeito agora. Não havia espaço para erros ou meu corpo acabaria no chão como o de Jennie.
Foi só quando eu ouvi a voz de Yoongi anunciar nossos nomes que os guardas abriram as grandes portas de madeiras. Meu pseudônimo V nunca pareceu tão grandioso quanto Yoongi fez parecer ao me chamar para arena e eu fui.
Caminhei lentamente até parar de frente ao meu oponente que havia sido chamado primeiro. Era muito diferente comparado a estar na cabine. Aqui não tem ar-condicionado, só o calor do público, aqui você pode se dar o luxo de perder o foco, sua atenção tem que estar inteiramente direcionada a cada movimento realizado e aqui você não observa, aqui você luta e no final mata ou morre.
Com um último olhar em volta pude enfim sentir a profundidade de ter tantos olhares sobre você. As arquibancadas agora pareciam muito mais cheias mesmo que no fundo eu soubesse que não havia tido uma adição de pessoas tão considerável. Eu só não conseguia senti-las antes. Agora eu consigo e o peso dos seus olhares me fazia sentir pequeno mesmo que todos aqueles olhos estivessem assim para nos assistir, me assistir.
Respirei fundo e saquei minhas duas machadinhas do coudre de couro firmemente preso em meu dorso. Dessa vez as armas pareciam pesar mais em minhas mãos e eu senti falta do equilíbrio que senti hoje mais cedo quando estava em meu quarto me sentindo confiante. Confiança.
Apertei meus olhos com força por meros segundos escutando os feitos ficarem mais altos ao mesmo tempo que tentava cala-los em minha mente.
A fase de treinamentos não se compara a isso. A pressão é muito maior, o dever de ganhar é muito maior e o risco de perder mais amedrontador. Eu não tenho medo de morrer, não. Mas não vou morrer pateticamente sabendo que seu capaz de levar esse prêmio.
Eu só preciso me concentrar e me desligar, não por completo, ainda não, mas preciso abandonar um pouco da racionalidade se quiser dar o meu melhor.
Em todos os desafios que a fase treinamento da Aequum me submeteu eu comecei perdendo antes de conseguir ter sucesso. Dessa vez não. Eu vou mostrar pra eles meu objetivo desde o primeiro segundo.
Abrir os olhos dessa vez me trouxe uma visão mais clara do meu oponente que agora deixou toda a calmaria de lado e praticamente rosnava para mim com sua grande lança afiada em mãos.
- Vocês estão prontos para a luta? - os gritos ensurdecedores pareciam fazer o chão tremer. E eu não duvidava que conseguissem.
Meu oponente parecia se alimentar deles e gritou junto mostrando os dentes numa tentativa ridícula de me amedrontar. Ergui uma sobrancelha para o gesto completamente estranho.
Agora a qualquer momento Yoongi poderia dar início a luta.
Apertei com mais força meus dedos em torno dos cabos maciços dos dois machados.
O homem me encarou e rodopiou a lança dando um show visual para a plateia que se empolgou ainda mais com a sua pose final apontando a lâmina para mim.
Realmente parecia afiada. Mas será que ele sabe o quão rápido eu posso desmembrar alguém com um machado? Acho que ele não vai querer saber o que eu posso fazer com dois, eu por outro lado, já estou ansioso demais pra descobrir.
- Então, deixe o sangue correr!
Quando Yoongi enfim deu o sinal eu fui atacado. A ponta da lança elegante buscou meu abdômen, mas não é como se eu não esperasse por isso e ele sabia disso também.
O movimento previsível foi desviado com facilidade e depois dele muitos outros vieram. Ele era rápido e seus ataques inconscientemente estavam me fazendo recuar não me dando espaço para atacar, o que passou a me irritar profundamente depois de certo ponto.
Meus desvios eram ágeis e o barulho das machadinhas colidindo com a lança soavam alto em meus ouvidos mesmo com a torcida incansável. Ele tentava acertar minha cabeça e meu torso com a lança, utilizando as pernas apenas em raras tentativas de me desestabilizar. A primeira abertura que eu tive foi quando ele parou alguns segundos para recuperar o fôlego se afastando mais do meu alcance, mas eu avancei tentando aproveitar a oportunidade. Meu braço direito voou e cortou o ar em diagonal quando ele desviou, mas com um meio giro de costas eu consegui defender um contragolpe seu na altura do meu rosto, o contato forte dos dois metais quase criando faíscas. Encaixando os dois machados no cabo da lança eu a empurrei para longe do meu rosto e virei rapidamente encaixando uma sequência de golpes mais agressivos que os anteriores tentando acabar de uma vez por todas com aquela luta, mas mesmo minhas machadinhas conseguindo penetrar em sua guarda, ele era habilidoso demais com a lança usando-a de forma que eu nunca conseguia chegar perto o suficiente a ponto de conseguir um bom golpe, muito menos um golpe fatal.
Grunhi sentindo o estresse dominar inconscientemente meu corpo. Eu não sabia há quanto tempo já estávamos lutando, mas eu já podia sentir meus braços reclamarem dos movimentos repetidos e eu sabia que meu oponente não estava diferente, ainda manuseando uma arma bem mais pesada que as minhas. Era tudo muito rápido e eu definitivamente não tinha tempo para pensar direito, mas tinha que usar as desvantagens do homem raivoso que rosnava mais a cada minuto à meu favor de alguma forma.
Mas enquanto eu tentava pensar ainda lutando, meu amiguinho parece que teve a mesma ideia que a minha de acabar logo com aquilo. Em menos de dois segundos os ataques ficaram mais agressivos e ainda mais rápidos. Ele rodopiava e girava a lança com as mãos enquanto eu desviava e tentava me aproximar. Então ele pulou impulsionado pelo cabo da lança apoiado no chão e usou as duas pernas para me dar um chute no peito me fazendo andar para trás com o impacto e baixar a guarda quase que por completo, antes de empurrar a lâmina contra meu estômago me fazendo saltar ainda mais para trás e eu me apressei em me recompor e erguer o braços para desviar dos golpes incessantes. Eu claramente ainda estava desestabilizado pelo ataque e foi aí que ele encontrou espaço para um giro que fez sua lâmina cortar o ar à poucos centímetros do meu rosto antes da lâmina do oponente acertar o chão de areia. Com as duas mãos eu me inclinei e desviei da arma que planejava me partir em dois com aquele golpe, mas com as duas mãos ocupadas eu não fui rápido o suficiente para me defender quando ele rapidamente recolheu a lança e a abaixou na direção contrária acertando minha coxa esquerda.
Com um gemido e um trincar de dentes eu movi meus braços e senti quando uma das lâminas acertou o braço estendido que acabara de me atingir. Nós dois cambaleamos para trás alcançando nossos ferimentos para conferir rapidamente a seriedade dos dois.
Naqueles poucos segundos eu desviei então o olhar para minha direita onde mesmo de longe eu pude ver claramente Jeongguk sentado na poltrona com um olhar impassível, quase como se não tivesse se movido nenhuma vez desde que saí do seu lado. Ele não expressava nenhuma reação, mas mesmo assim eu senti o desapontamento em seus olhos. Ele não estava nenhum pouco impressionado e passando os olhos pelos outros competidores e seus mentores eu quase podia ver o desdém carregado em seus olhos. Esperando que eu falhasse como já previam. Esperando que eu fosse um dos primeiros a morrer como haviam especulado. Um garoto que deu sorte em vir até aqui apenas para morrer na primeira luta.
Esse não era eu. Essa não era a pessoa que me olhava de volta no espelho apenas algumas horas atrás.
Eu não podia falhar. Não agora e principalmente não hoje. Hoje não.
Senti meu sangue borbulhar em minhas veias ao ver o sorriso desdenhoso que Mingyu me lançava. Eu não podia morrer antes de matar aquele desgraçado. Então no segundo seguinte eu me virei ouvindo o grito gutural que o homem lançou pouco antes de se jogar lançar contra mim.
Num reflexo ergui os machados e bloqueei o golpe antes de nos afastarmos e atacamos novamente. Meus braços pareciam mover por vontade própria. A cada ataque eu colocava mais força, mais vontade, ignorando completamente os cortes e poupando quanto pudesse minha coxa machucada.
Ele estava cansado, eu quase podia sentir seus braços pesados pelo esforço de manusear a arma e aquele momento era a minha chance. Então na segunda pequena brecha que ele me deu, deferimento um chute alto em sua lateral esquerda onde seria mais difícil de ele defender e ele defendeu. Mas minha intenção nunca tinha sido acertar e quando ele bloqueou usando a lança de um jeito desengonçado, eu imediatamente retrai minha perna e a apoiei no chão antes de usar toda minha força num golpe em direção o seu lado direito, na altura contrária do golpe anterior.
Todo o ar de meus pulmões foi solto quando soltei o machado e cambaleei para trás.
Por alguns segundos tudo que eu via era o chão de areia enquanto meu peito subia e descia freneticamente e o ar que entrava nunca parecia o suficiente. Mas vendo o sangue em minhas mãos e erguendo o olhar para encarar uma das machadinhas cravadas na lateral da cabeça do homem agora estirado no chão me fez sorrir abertamente.
Eu não conseguia ouvir os gritos, mas sabiam que eles estavam ali, assim como o meu rosto deveria estar sendo mostrado no grande telão. Então eu apenas me inclinei sobre o corpo e puxei o machado limpando rapidamente na blusa preta antes de dar as costas voltando para onde meu mentor estava. Os gritos agora pareciam ainda mais altos e o sorriso de lado se manteve em meu rosto enquanto eu passava por todos naquela sala até que finalmente estivesse do lado de Jeongguk que não levantou seu olhar pra mim.
Eu podia sentir todos os olhares sobre mim e meu rosto ensanguentado. Minhas mãos ainda tremiam com a euforia, mas eu não largava os machados ou os guardava. Apenas quando me senti mais calmo e os preparos para a próxima luta desviaram a atenção de todos foi que eu encaixei os machados nas costas e me inclinei levemente sobre a poltrona em que Jeongguk repousava elegante como sempre.
- Eu já matei quem eu devia matar, então feliz aniversário Jeongguk - sussurrei de uma vez e já estava pronto para me afastar sem esperar nenhuma reação sua ou no mínimo uma reação negativa, mas então eu pude ver o sorriso crescer em seu rosto. Era quase como se ele não quisesse sorrir, mas por algum motivo foi inevitável e eu só pude admirar em silêncio aquele sorriso incrédulo que mostrava seus dentes salientes e o faziam parecer ainda mais jovem e lindo.
Naquele momento eu quase quis me oferecer para voltar a arena se a cada pessoa que eu matasse significaria ver aquele sorriso mais uma vez.
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