Eu definitivamente não era uma pessoa rica. Acredito que minha família chegou no máximo a ser classificada como classe média baixa de acordo com os parâmetros do governo. Então mesmo que no presente momento eu usasse roupas de grife, vivesse em uma mansão impecável e saísse por aí em conversíveis luxuosos, ainda não tinha passado por nenhuma situação que me fizesse sentir na pele como é realmente fazer parte desse grupo restrito da sociedade classe extravagantemente alta.
Parado à frente do degrau mais baixo, inspirei o ar gelado e pisquei devagar encarando a entrada imponente do salão de festas enquanto esperava ansioso Jeongguk trocar algumas palavras rápidas com o manobrista. A euforia de carros recém chegados que se amontoava no estacionamento às minhas costas não atrapalhava o clima animado de início de festa devido a organização severa dos diversos funcionários que faziam o possível para não deixar nenhum convidado esperando mais do que estão habituados. Nada podia ser menos que perfeito essa noite e pelo bem de seus empregos, esses homens e mulheres tinham que fazer acontecer.
- Vamos? - Jeongguk perguntou surgindo em toda sua estonteante beleza ao meu lado, repousando uma de suas mãos suavemente no final de minhas costas exatamente como havia feito hoje pela manhã.
Esta noite ele usava um blazer em camurça bordô e calça social preta que abraçavam elegantemente seus bíceps e coxas respectivamente, realçando as curvas musculosas e bem delineadas, enquanto que a blusa de botões preta acentuava com louvor a escuridão perfurante de seus olhos. A metáfora perfeita para associar Jeongguk ao predador banhado em sangue que ele realmente é. O cabelo negro caindo sobre a testa lhe dava ainda o toque jovial necessário para lembrar à todos do quão jovem ele ainda é.
Meu blazer preto também em camurça se estendia pelos meus quadris cobertos pela calça social preta, conjunto que mesclaria discretamente com a blusa de gola alta também preta se não fosse pelos detalhes brilhosos que se estendiam por toda a longa gola do blazer e o brinco prateado que se enroscavam em minha orelha esquerda e quase alcançava meu ombro.
Imerso em minha autoavaliação desguarnecida de falsa modéstia, inclinei levemente a cabeça percebendo o quanto tinha realmente caprichado na escolha de nossas roupas para esta noite. Então me permitindo ser tomado por essa satisfação, respirei fundo e tentei me sentir mais à vontade e confortável comigo mesmo naquele ambiente antes de acompanhar Jeongguk para dentro do salão sem sequer nos identificar na porta de entrada onde dois homens em ternos elegantes estavam parados certamente com aquele propósito.
Ao contrário do que eu imaginava, Jeongguk não saiu do meu lado para cumprimentar ninguém, ao invés disso assim que adentramos o lugar ele mesmo nos guiou diretamente até o bar onde não hesitou antes de pedir por nós dois. Recostados contra o balcão, o bartender rapidamente nos serviu duas taças de um champanhe caro do qual nunca ouvi falar, assim como grande parte dos aperitivos que nos foram oferecidos nos apenas cinco minutos em que estávamos ali.
Jeongguk mal tinha finalizado seu primeiro gole quando o primeiro homem de meia idade solicitou sua atenção com um sorriso forçado que não foi retribuído. A esposa dele parecia feliz demais por estar ali para ser minimamente crível, mas pelo menos seu sorriso pareceu genuíno quando me cumprimentou depois de eu ter elogiado a combinação do vestido azul petróleo com os saltos prateados. Quando o segundo homem se aproximou eu aproveitei o desenrolar da conversa totalmente fora de minha compreensão para sentar e olhar com mais cautela ao redor.
Tudo parecia assustadoramente imaculado. As paredes sem nenhuma falha na pintura, o piso brilhante resultado de prováveis horas de polimento, garçons e garçonetes dispersos pelo salão servindo com habilidade os aristocratas pomposos e suas famílias de nariz empinado. Todo o esplendor do lugar em display, pronto para agradar pessoas de olhares rasos e egos fáceis. Mas basta olhar com maior interesse que você vai ver a garçonete alguns metros à minha diagonal direita ser assediada por um velho pomposo às costas da esposa, que no momento está ocupada arrumando a gravata do filho pequeno ou quem sabe talvez você consiga perceber o adolescente responsável pela limpeza sendo duramente repreendido por ter adicionado a fragrância errada no aromatizador do banheiro feminino.
Eu podia sentí-los. Mesmo que essas pessoas por trás dos bastidores não atraíssem a atenção dos estreantes da festa, eu podia sentí-los. Os olhos afiados me acompanhavam desde que pus o primeiro pé dentro daquele salão. Eu não sabia se eram direcionados realmente à mim ou ao moreno, mas eu podia sentir o peso dos olhares, as perguntas óbvias estampadas em suas faces bem maquiadas, sua curiosidade quase transbordando pelos lábios falsamente simpáticos. Sua atenção estava em mim e a minha quase não conseguia focar em outra coisa a não ser...
Com um sobressalto me virei em direção a voz que tinha acabado de se dirigir a mim.
- O que disse? - perguntei encarando o rosto de Jeongguk agora totalmente virado para mim. O segundo homem tinha desaparecido.
- Eu disse que você está disperso demais essa noite. Porque está tão tenso? - seu tom casual foi acentuado pelo jeito relaxado com que ele se recostou novamente contra o balcão bem próximo de mim, mas eu podia notar a leve confusão em seu tom.
Apertei a taça de champanhe intocada sobre o balcão me sentindo frustrado por ter permitido o desconforto se sobressair e transparecer tão facilmente em minhas feições.
- Eu não sei, é só que tudo aqui é tão diferente e são tantas pessoas e muitas delas estão… encarando.
Jeongguk me respondeu deixando uma lufada de ar escapar por seus lábios. Soava quase como uma risada se você forçasse bastante sua imaginação ou pelo menos o mais próximo de uma que ele se permitiria exibir na frente dessas pessoas. Entretanto, julgando errado sua ausência de palavras, de repente a taça foi afastada para longe do alcance de meu dedos e braços firmes rodearam minha cintura. Num solavanco fui puxado do banco elevado em que optei por sentar e minhas mãos instintivamente se espalmaram sobre o peito firme. Encarando o rosto de Jeongguk de tão perto meus olhos se arregalaram e eu rapidamente virei minha cabeça para olhar ao redor mesmo que minha mente atordoada não me permitisse enxergar nada além dos ombros largos e rosto sorridente logo a frente.
- Jeongguk, o que você está fazendo? - questionei voltando a encará-lo em alarme ao perceber como cada vez mais cabeças se viravam em nossa direção.
Empurrando levemente seu peito, apenas tive como resposta o aumento da força de seu abraço, colando ainda mais seu corpo no meu.
- Você realmente acredita que eu me importo sobre como eles estão murmurando sobre nós? Ou sobre como estão tentando adivinhar o tipo de relação que temos? Se você vale ou não alguma coisa pra mim.
O escárnio gotejante de suas palavras transparecia no sorriso de canto. Meus lábios então se separaram e eu senti sua respiração sobre minha língua, mas nenhum som deixou minha boca. Contra minha vontade, senti meu peito apertar e instintivamente desviei o olhar para encarar a madeira escura do balcão, tentando engolir o nó doloroso em minha garganta que não me permitia sequer fingir o mínimo dos sorrisos.
Quando senti que o silêncio deixado pelo questionamento pesava demais contra meu coração, respirei fundo e ergui novamente a cabeça pronto para concordar com suas palavras e passar o resto da noite me forçando a não pensar demais no significado aparente das mesmas. Entretanto antes que pudesse fazer qualquer coisa, senti lábios macios tocarem os meus e surpreso demais para reagir de alguma outra forma, instintivamente me deixei levar pelo toque estranhamente familiar, apenas tomando conhecimento do momento em que minhas pálpebras se fecharam e meus dedos apertaram a rigidez de sua forma sobre o blazer macio.
- Eu não me importo que eles saibam quem você é porque cada um deles sabe muito bem quem eu sou - ele disse se afastando alguns míseros milímetros - E eles nunca ousariam tocar em algo que agora sabem que é meu - seus lábios roçando contra os meus só faziam suas palavras soarem deliciosamente lascivas, roubando todo o ar de meus pulmões.
E eu sabia que podia me defender sozinho. O incidente do estacionamento definitivamente não funcionou a meu favor, mas eu tinha pleno conhecimento de que mesmo com várias pessoas simultaneamente partindo contra mim eu ainda era capaz de lhes dar trabalho. Depois do último combate na arena eu enfim me convenci, e talvez todo o resto da platéia, de que com certeza sou difícil de matar. Eu gosto de contar comigo mesmo, gosto de como minha pele formiga ao encarar todos rostos surpresos daqueles que duvidaram de mim, mas nada, nada se compara ao fogo, a euforia que se espalha pelo meu corpo cada vez que aquele homem inalcançável, exalando poder e luxúria me clama como seu. Sua possessividade me deixa quente e seu olhar penetrante focado no meu me faz sentir como se no fundo talvez ele também esteja implorando para ser meu. E eu amo cada segundo.
- Eu só achei que não quisesse ser associado a mim além da Aequum - embriagado pelo momento confessei meu receio antigo que recentemente sempre dava um jeito de voltar a superfície e corroer meus pensamentos.
- Mas eu disse que essa noite eu queria exibir você. Eu quero exibir você de todas as formas que eu puder. Então agora que todos sabem que hoje você não está aqui como meu competidor, agora que podem ver que você é muito além disso… Me deixe te tocar - soava como uma confissão, mas também como um pedido. Um delicado e quase inseguro pedido vindo de uma pessoa que está acostumada demais a tomar sem questionar.
- Você pode me tocar - me apressei em responder, um mero sussurro em meio aos arquejos - Eu quero que eles vejam mais, eu quero que eles saibam melhor.
- Bom garoto - ele murmurou depois de mordiscar com força meu lábio inferior - Agora vamos, me beije com vontade.
No segundo seguinte nossos lábios estavam colados novamente. Línguas se enroscando e braços fortes me puxando cada vez mais contra o conforto do seu corpo. Meus braços instintivamente rodearam seu pescoço e meus dedos entrelaçaram em seus cabelos trazendo seu rosto para mais perto. Minha pele parecia que ia derreter sob o aperto delicioso de suas mãos que passeavam com uma calma perturbadora por minhas costas. Agora o peso dos olhares só fazia a sensação do seu toque ser ainda melhor, mais excitante.
Quando nos separamos, suas mãos repousaram facilmente em meus quadris por baixo do blazer. Ele permaneceu perto, com o pescoço ainda preso pelos meus braços, nossos narizes se tocando. Meu peito agora pesava com algo completamente diferente.
- Eu não gosto de quando fica olhando para baixo - ele murmurou procurando meus olhos - Desde de que chegamos você tem constantemente desviado o olhar e encarado qualquer outra coisa que não seja uma pessoa. Nem mesmo eu - ele confirmou sua teoria quando instintivamente tentei fugir de seu olhar apenas para ser rapidamente interrompida por seu dedo indicador que repousou delicadamente sob meu queixo e me instruiu a encarar o sorriso leve que brincava em seus lábios.
- Eu não dei a toda essa gente a oportunidade de estar em sua companhia essa noite para que fizessem você se questionar sobre qualquer coisa. Eu quero que olhem bem, quero que me invejem profundamente e quero que entendam quem você é pra mim para nunca mais acharem que podem tocar um dedo em você.
Seu sorriso foi morrendo, mas sua expressão não era sombria, ao invés disso seus olhos me encaravam com uma profundidade que eu ainda não tinha presenciado nessa vida. Não conseguiria parar de olhar mesmo se quisesse. Suas orbes convidavam-me a entrar, a explorar e conhecer sua parte mais íntima que passou tempo demais fechada para o mundo. Naquele momento eu me senti protegido, querido.
- Eles não, só você - respondi fracamente com as únicas palavras que consegui proferir, desejando que toda a emoção que explodia em meu peito pudesse ser sentida por ele através de cada poro do meu corpo.
- É, só você - as batidas do meu coração soavam em minha cabeça e eu me senti atordoado com a implicação daquela resposta. Um sorriso largo tomou conta do meu rosto e eu apertei o abraço em torno de seu pescoço.
(...)
Quando eu estou com Jeongguk, tempo não é algo com que eu realmente me preocupo, principalmente quando estávamos bebendo juntos e conversando sobre as coisas mais triviais que nos vinham à mente, então não, eu não tinha noção de há quanto tempo estávamos ali, mas detinha pleno conhecimento de que a sensação de familiaridade e conforto que crescia entre nós só me fazia sorrir cada vez mais largo e me mantinha cada vez mais perto.
Em algum momento durante nossa conversa eu silenciosamente me questionei e rapidamente cheguei à conclusão de que não sabia se era porque o champanhe era mais forte do que eu imaginava ou se foi pelo fato de Jeongguk ter desistido da bebida gelada e adotado um copo chique de whisky que continuava esvaziando e sendo rapidamente preenchido repetidamente sem direito à pausas, mas eu podia notar que já havia alguns minutos que o álcool vinha exercendo seu efeito libertador sobre nós. Depois de tantas taças bem polidas de champanhe era de se esperar que eu já pudesse sentir meu corpo mais leve e minha risada mais frouxa, enquanto o whisky com certeza teve seu grau de contribuição para deixar o moreno mais despojado e despreocupado com os arredores, fazendo-o sorrir com mais frequência e me tocar sem nenhum traço de hesitação ou relutância.
Naquele momento inédito para nós dois eu só conseguia me preocupar em manter aquele sorriso discreto e a fala quase tímida voltados para mim. Para falar a verdade se pudesse eu manteria aquela conversa descontraída e não planejada para sempre, mas é claro que em algum momento alguém tinha que aparecer e estourar minha bolha de bom humor.
- Jeongguk! Não pensei que veria você aqui esta noite, afinal já faz alguns anos que não comparece - a voz grave soou bem próxima, nos fazendo virar em sua direção de imediato - Ainda mais acompanhado.
Antes mesmo de pousar meus olhos em quem havia falado, senti o corpo de Jeongguk bruscamente retesar e um braço protetor rodear minha cintura por trás me trazendo com firmeza para mais perto de si. Imediatamente busquei seu rosto com o olhar notando a mandíbula que há pouco estava relaxada agora cerrada e os olhos frios totalmente vazios de toda a diversão que os enchia alguns segundos atrás.
Me virei instintivamente dando de cara com um homem alto e bem arrumado acompanhado por quem eu acreditei ser sua esposa, a julgar pelo ar de superioridade e rosto cheio de orgulho enquanto agarrava com firmeza o braço direito do homem como se sua vida dependesse disso. Logo atrás, à esquerda do homem, mas não menos exuberante estava uma garota, provavelmente da mesma idade de Jeongguk, usando um longo vestido vermelho o qual detinha uma fenda perigosa posicionada estrategicamente na altura de seus quadris e ia descendo ao longo de toda sua perna direita, a qual ela fazia questão de estender para tornar sua coxa o mais visível possível. Franzindo as sobrancelhas não demorou muito para que eu percebesse em qual direção ela exibia sua pele e direcionava um olhar nada inocente.
Apesar do homem estar sorrindo, Jeongguk carregava a expressão fria e impassível que sempre vestia quando tratava de algo que envolvia a Aequum ou qualquer outro tipo de negócio, então não foi difícil deduzir que aquela muito provavelmente era uma pessoa a qual ele não queria que o visse tão solto, tão genuíno. Eu tinha pleno conhecimento de que para si aquilo o fazia parecer fraco e Jeon Jeongguk não é alguém fraco, não podia ser.
- Hyesuk, madame Shin, senhorita Shin - o moreno cumprimentou educadamente e eu o acompanhei com um leve inclinar de cabeça, até levantar os olhos e perceber que toda a atenção da família agora pairava sobre mim. Então, olhando de relance para mim e claramente a contragosto, Jeongguk me apresentou.
- Taehyung, este é Shin Hyesuk um dos parceiros de negócio da minha família e grande investidor da Aequum, sua esposa e sua filha. Hyesuk, você provavelmente já deve conhecer o V se estiver acompanhando a competição deste ano - Jeongguk falou sem muita emoção, mas me direcionou um olhar tranquilizador que com sucesso conseguiu acalmar parte de minha confusão.
- É um prazer conhecê-los - respondi inclinando a cabeça novamente em respeito.
- Ah, o prazer é todo meu. Eu estava ansioso para finalmente conhecê-lo pessoalmente - o homem sorriu largo para mim e eu dei meu melhor para manter a expressão simpática em minhas feições quando o mesmo deu um passo audacioso em nossa direção - Não tanto quanto Jihye é claro, ela estava particularmente agitada para vir cumprimentá-los desde que chegamos. Venha cá querida, não precisa ser tão tímida - Hyesuk então estendeu o braço e a garota, Jihye, não perdeu um segundo sequer antes de se aconchegar debaixo da asa do pai e nos olhar de mais perto.
- É um prazer conhecê-lo - respondi o cumprimento falsamente amistoso a mim direcionado com um sorriso ainda mais fingido e não fiquei nem um pouco surpreso quando no segundo seguinte aqueles olhos castanhos rapidamente ignoraram minha presença e voltaram a encarar Jeongguk assim como tinham feito desde que sua dona se aproximou de nós - E é claro que eu estava ansiosa papai. É sempre bom vê-lo de novo Sr. Jeon.
Aquele sorriso marcado pelo batom escuro em nada me parecia tímido, ainda mais quando ela o direcionava com tanto vigor na direção do moreno enquanto afastava o cabelo castanho de tamanho médio para que repousasse em um de seus ombros e não atrapalhar em nada o decote modesto em display. Eu com certeza usaria aquele vestido.
- Igualmente, senhorita - inspirei fundo na tentativa de controlar a força com que apertava a taça entre meus dedos depois de ouvir a resposta de Jeongguk e observar a leve risada convencida deixar os lábios da garota.
- Ah mas porque tanta formalidade entre nós? Acredito que temos liberdade suficiente para nos tratar a base de primeiros nomes, afinal nós quase chegamos a ser uma família não é mesmo? - ele nem tentou ser discreto ao balançar os ombros da filha e rir abertamente mostrando todos os dentes brilhantes e perfeitamente alinhados.
Ela com certeza tão não parecia acanhada quando acompanhou o pai e sorriu largo encarando Jeongguk enquanto acariciava a parte de cima da própria coxa com as longas unhas carmesim.
- Você tem razão papai, foi realmente uma pena seu pai ter mudado de ideia - sua voz doce demais irritava meus ouvidos tanto quanto aquela mão sorrateira que afastava constantemente o tecido do vestido irritava meus olhos. Será que ela não percebeu que aquela era a primeira vez na noite que Jeongguk realmente lhe dirigia o olhar?
Abafando uma risada cheia de escárnio levei a taça aos lábios sentindo minha pele ferver mais pela ousadia da garota do que pela surpresa em saber que Jeongguk um dia pensou em se casar com ela. Mesmo com raiva eu julguei que seria rude demais virar para o moreno e questionar seus gostos na frente dos pais da ex-noiva, por isso optei apenas por inclinar meu corpo para trás buscando me ver livre do meio abraço de Jeongguk para pedir outra bebida e com sorte escapar daquela conversa, mas é claro que meus planos sempre parecem muito melhores na minha cabeça do que quando os ponho em prática.
- Jihye, nosso noivado durou tempo o suficiente para eu sequer conseguir recordar - Jeongguk respondeu assim que forcei minhas costas contra seu braço, aumentando a força do aperto para me manter no lugar - Nós sabíamos bem que não iria acontecer e eu devo confessar que não foi porque meu pai mudou de ideia - soando quase desdenhoso, o moreno descartou completamente os comentários presunçosos e então me puxou com vigor contra si até que nossos peitos estivessem colados, minha mão que não segurava a taça espalmada contra seu bíceps.
De relance pude perceber o olhar da garota recair sobre a mão de Jeongguk que mantinha um aperto ferrenho sobre minha cintura. Sua mãe parecia desconfortável demais para manter o olhar, mas não podia se dar o luxo de dar as costas para nós e tudo aquilo era divertido demais para que eu hesitasse em me deixar levar pelas sensações que aquele toque possessivo me trazia. Então encarando o rosto perfeito de Jeongguk ergui a mão por seus ombros até que meus dedos estivessem apertando sua nuca, mantendo seu rosto bem perto do meu. Ele não fez questão de virar para o homem e sua família quando se pronunciou novamente.
- Agora se nos der licença, eu e meu acompanhante estávamos no meio de uma conversa muito importante - nossa clara exibição de intimidade finalmente fez o sorriso convencido no rosto de Jihye vacilar e eu fiz questão de virar meu rosto para assistir seus lábios retesarem em uma fina linha de irritação bem diante dos meus olhos quando Jeongguk depositou um beijo leve na lateral de meu pescoço.
- Oh, eu imagino que tenham assuntos importante para tratar, mas além de cumprimentá-los eu também vim aqui para perguntar se os cavalheiros se importam de se juntar a nós - ouvindo isso Jeongguk direcionou o olhar ao homem novamente. Diferentemente da esposa e filha, ele não parecia nenhum pouco afetado pela cena à sua frente, mas mesmo que agisse com naturalidade e mantivesse seu olhar rígido e postura impecável, eu podia ver o misto de surpresa e leve confusão que rondava sua mente, como se nosso comportamento em si não fosse nada demais, mas que nem em um milhão de anos o esperava vindo de Jeongguk - Eu e alguns grandes investidores estamos reunidos em uma mesa no outro lado do salão. Devo ressaltar que estão ansiosos para conhecê-lo V.
Me questionando com o olhar, Jeongguk não precisou dizer mais nada antes que eu concordasse levemente com a cabeça e voltasse a encarar a família Shin, arrastando meu olhar devagar pelo homem, a mulher e finalmente a filha, a qual a perna agora estava muito bem coberta pelo vestido. Contorcendo os lábios eu dei um último gole para finalizar o champanhe quente.
- Claro, seria um prazer.
(...)
Jeongguk acompanhou Hyesuk com a cara fechada depois de eu me soltar dele para procurar o toalete e me aliviar depois de todo aquele champanhe.
Ainda não estava claro para mim o porquê do moreno carregar tanta hostilidade reprimida em relação àquele homem ou muito menos como ele acabou noivo da filha desse mesmo homem mesmo que por pouco tempo, mas eu esperava ter a oportunidade de trazer esses questionamentos à tona em algum momento depois dessa festa. Por enquanto eu estava obstinado apenas em manter minha postura confiante e aproveitar meu tempo ao lado de Jeongguk, além de tentar não esbarrar em ninguém no emaranhado de pessoas no caminho até o banheiro.
Mesmo à distância, quando finalmente avistei o banheiro principal, pude perceber o pequeno aglomerado de homens conversando enquanto esperavam sua vez de entrar. Suspirei profundamente detestando a ideia de ficar alguns minutos parado no meio daquelas pessoas tendo que suportar os olhares invasivos e provavelmente algumas tentativas de ser incluído na conversa.
- Com licença senhor - me virei em direção à voz e encontrei um dos garçons que carregava uma bandeja cheia de taças vazias sorrindo educadamente para mim - Desculpe a interrupção, só queria dizer que se estiver apressado para ir ao banheiro o senhor pode tentar o que fica perto da cozinha, provavelmente deve estar vazio. É só seguir aquele corredor e virar à direita na segunda porta.
- Oh, obrigada pela dica - sorri sem mostrar os dentes, porém genuinamente agradecido e o jovem apenas se curvou levemente antes de se retirar e desaparecer entre o mar de pessoas.
Segui suas instruções e sem dificuldades encontrei o banheiro. Estava vazio. Sorrindo vitorioso comigo mesmo por ter escapado daquela fila, andei rapidamente até um dos boxes. Depois de poucos minutos e com a bexiga finalmente aliviada dei descarga, mas tive que lutar com a fivela do cinto que prendeu no tecido delicado da manga da minha camisa enquanto me movimentava, o que me fez perder alguns segundos tentando desenroscar a camisa sem danificá-la. Quando finalmente consegui me desprender e recompor minha vestimenta, já estava pronto para sair do box quando ouvir passos e vozes exasperadas preencherem no banheiro.
- Aquele moleque aparece aqui depois de tantos anos e age como se fosse o dono da festa - um homem com a voz rouca falou desdenhoso.
- E você viu o jeito com que ele agarrava aquele outro na frente de todos? Um ultraje, mas com certeza ousado - essa voz era diferente, mais alta e consideravelmente mais aguda.
Pelo barulho longínquo dos zíperes se abrindo, eles provavelmente haviam parado nos mictórios fixos na parede oposta do banheiro que era dividido ao meio por uma fileira de pias com um espelho enorme bloqueando a visão entre os boxes e o mictório. Ponderei por um instante se deveria apenas lavar minhas mãos e sair em silêncio para dar privacidade aos homofóbicos, mas como era bastante óbvio de quem eles estavam falando e considerando que eu já estava ali, optei por permanecer em silêncio e inclinar minha cabeça em direção a porta do box esperando ouvir algo mais interessante.
- Eu pensei que Chul-moo ia arrancar a cabeça dele assim que a luta começasse, mas parece que o garoto magricelo é melhor do que eu esperava - o da voz rouca falou novamente e eu sorri com escárnio. Ele provavelmente ainda não superou que o campeão em quem apostou está descansando dentro de uma gaveta em um necrotério enquanto eu bebia e comia a vontade naquele salão chique. Quase me senti triste por ele.
- Eu soube que ele foi atacado uns dias antes da última luta. Parece que Xiuhong queria ter certeza de que ia ganhar - o da voz fina introduziu o assunto e eu imediatamente franzi as sobrancelhas. Como diabos eles sabiam daquilo?
- E você acha que aquele garoto frouxo ia ter coragem de mandar atacar o competidor dos Jeon? Ser motorista daquela família me dá a oportunidade de ver e ouvir muita coisa, mas você também viu como o garoto Jeon o ameaçou na arena naquele dia em que o ruivinho quase morreu, ele quase se borrou ali mesmo e foi choramingando o caminho todo até em casa - eles riram juntos e eu quase os acompanhei. Eu realmente queria ter visto aquela cena.
- Então quem você acha que foi? - comemorei silenciosamente quando o da voz fina voltou a insistir no assunto. Eu também quero muito saber.
- No começo eu tinha certeza de que tinha sido algum dos outros mentores restantes querendo se livrar dele antes mesmo da luta, mas ninguém apostava naquele tal de V, então não faz sentido que qualquer um deles se sentisse ameaçado e arriscasse sua reputação com uma investida tão direta como aquela se todo mundo comentava que a primeira vitória do garoto tinha sido um golpe de sorte - sorri desdenhoso desejando mais que tudo sair daquele box e mostrar pra eles como eu dou meus “golpes de sorte”, mas a fala seguinte me fez paralisar completamente no lugar.
- Não, não foi nenhum deles que planejou aquilo - o homem rouco concluiu com convicção enquanto ainda se aliviava e baixou a voz quando voltou a falar - Um cara que eu conheci num bar depois da última luta comentou algo sobre ter visto as duas mercenárias que atacaram o ruivo. E todo mundo sabe quem é a única pessoa nesse ramo que trabalha com mercenárias.
- O pai do garoto? Mas ele não estaria se auto sabotando tirando o filho da competição?
- Eu ouvi dizer que ele não ficou muito contente quando o garoto escolheu competir com o novato.
- Mesmo assim isso ainda não é motivo para mandar matar um representante, além do mais ele ganhou a luta.
- E você acha que aquele homem se importa com isso? Se ele matou a própria esposa porque não mataria esse garoto de rua? Ainda mais agora que ele parece tão íntimo do próprio filho.
Não demorou mais que alguns segundos até que os passos se afastaram e o som da porta do banheiro se fechando confirmou a saída dos homens. A porta do box se abrindo não fez nenhum som, muito menos meus passos no piso branco. Quando parei de frente para pia e afundei minhas mãos na água, o toque frio e a fricção dos meus dedos uns nos outros não foram suficiente para me distrair nem desacelerar meus pensamentos. Porque naquele momento foi demais para o meu estado embriagado descobrir que o próprio Sr. Jeon tinha mandado me matar e que a morte da mãe de Jeongguk não foi um acidente.
(...)
Atordoado com todas as informações que obtive através daquela conversa entre motoristas no banheiro e superficialmente irritado com os insultos os quais tive que escutar em silêncio, andei pelo salão dessa vez sem me importar em qual ombro eu esbarrava no percurso. Olhei ao redor e quando finalmente avistei a mesa em que Jeongguk estava, parecendo entediado demais encarando o resto da bebida rodopiar dentro do copo, avancei naquela direção, apenas para ser barrado cerca de três metros antes de alcançar a mesa.
- Quem é você rapaz? - um dos dois guardas que mantinham o resto das pessoas afastadas daquela área me perguntou.
- V - respondi simplório e dei um passo à frente antes de ser mais uma vez impedido de continuar quando o guarda da direita ergueu uma de suas palmas em direção ao meu peito. Recuei antes que ele pudesse me tocar e imaginei se talvez depois de todos os eventos daquela noite minha paciência já estivesse bastante desgastada, porque no momento eu sabia que estava encarando aquela mão como se o simples fato de ela estar erguida em minha direção fosse por si só o pior dos insultos.
- Pra quem você trabalha? Se o seu chefe não estiver aqui, não podemos te deixar passar - o mesmo cara falou me encarando com seriedade. Revirando os olhos e apertando minhas mãos em punho para controlar a irritação, ergui o pescoço e trinquei o maxilar antes de olhar para frente apenas para encontrar Jeongguk já me encarando, o copo de whisky erguido contra lábios e um sorriso malicioso brincando nas bordas.
Um olhar foi tudo o que bastou. Era tão óbvio o que ele queria que eu fizesse que não pude sequer tentar lutar contra a onda de arrepios que passou pelo meu corpo. Vê-lo tão animado apenas com a possibilidade me deixava eufórico, ele queria tanto que eu quase podia sentir seus próprios dedos brincando com borda de minhas vestes. Então sem desviar o olhar, preso na expectativa do que aquele sorriso ansiava, agarrei a manga esquerda do blazer e a ergui até os cotovelos junto com a camisa deixando meu antebraço completamente exposto.
Adornando minha pele, riscos de tinta negra se espalhavam e tomavam o espaço. A precisão do trabalho convergia em um desenho bem arquitetado que em meio ao caos e aparente desorganização trazia a tona uma imagem perfeita. A máscara do coelho sorridente se tornava ainda mais vívida quando as delicadas traçadas em vermelho ressaltavam a desordem e o poder que o homem por trás dela possuía. Uma réplica perfeita da imagem que eu tive o prazer de ver tantos meses atrás.
As luzes do lugar refletindo contra a tatuagem fizeram Jeongguk sorrir.
- Ficou claro agora quem é o meu acompanhante? - questionei aos guardas que imediatamente se afastaram e liberaram minha passagem.
Meu sorriso era um reflexo do seu e assim me aproximei da borda do assento estofado que rodeava a mesa, ele estendeu um dos braços para que eu me aconchegasse ao seu lado. Perto demais, mas nunca o suficiente.
- Você demorou - ele comentou afundando o rosto em meu pescoço e eu me inclinei em direção ao toque.
- Muita gente e muita conversa afiada na fila do banheiro - respondi. Eu sabia que não deveria mentir pra ele, mas aquele não era o momento nem o lugar para contar o que eu tinha descobrido, então apenas desvencilhei o assunto e me permitir deixar um pouco da tensão abandonar o meu corpo a cada toque dos seus lábios contra minha pele.
- Uou, é você mesmo na tatuagem Jeongguk? - um homem alto sentado de frente para nós perguntou apontando para o meu braço parcialmente coberto - Você exige que seus homens façam isso?
- Não, ele fez por conta própria - Jeongguk respondeu afastando o rosto apenas o suficiente para me olhar nos olhos. Ele parecia tão orgulhoso, sorrindo para mim como se eu tivesse acabado de lhe dar o melhor presente de todos.
- E você realmente parece gostar - outro homem falou provocando uma onda de risadas discretas de todos na mesa, mas Jeongguk não se importou, ele estava ocupado demais se inclinando para roçar seus lábios contra o lóbulo de minha orelha.
- Eu gosto, mas devo admitir que ainda prefiro aquela que eles não podem ver - ele sussurrou e eu fechei os olhos quando seus dentes mordiscaram devagar aquele lugar tão sensível. Eu tinha marcas frescas em meu corpo para me lembrar do quanto ele adorou da minha segunda tatuagem realizada naquele mesmo dia. Seu nome adornando minha nádega direita em menos de 24 horas já havia me proporcionado alguns orgasmos incríveis.
- Boa noite senhores - cumprimentei os outros homens assim que recobrei meus sentidos e consegui fazer com que Jeongguk parasse de me provocar por pelo menos alguns minutos.
- Boa noite meu caro, nós estávamos aguardando você - falou o que parecia ser o mais velho do grupo, a julgar pelo cabelo e barba grisalhas, além do rosto cansado.
- Taehyung, este é o Sr. Choi - Jeongguk apresentou o senhor - Seu filho, Gobaek - ele apontou para o rapaz logo ao lado, o que havia feito a piada.
- O Hyesuk você já conheceu. Go Jaehu - este era o que havia perguntado sobre a tatuagem - E Lee Sunghae, todos eles são patrocinadores dos jogos - o moreno finalmente terminou as apresentações gesticulando para o último homem, que se destacava dentre os demais por aparentar ser bem mais jovem e também porque até agora não tinha se pronunciado, mas em compensação não parava de me encarar.
- Senhores, esse é o V, meu acompanhante e meu competidor na Aequum - inclinei a cabeça na direção de cada um deles e voltei a me recostar no banco circular enquanto Jeongguk se ocupava em me pedir uma bebida.
- Ah V, este rapaz aqui é um importante investidor e estava louco para conhecer você - Shin Hyesuk falou sacudindo os ombros de Lee Sunghae.
- É um prazer finalmente conhecê-lo Kim Taehyung - o homem enfim falou e eu de imediato me senti desconfortável com o jeito que meu nome verdadeiro soou em sua voz.
- Me chame de V, por favor.
- Como queira V, eu assisti à todas as suas lutas até agora e devo admitir que você me impressionou bastante, achei que morreria na primeira rodada - Sunghae falou com um sorriso sincero.
- Não se preocupe, você não foi o único - respondi dando de ombros e mesmo que não fosse minha intenção, minha resposta fez os homens rirem alto, menos Sunghae, este se manteve calado, os dedos cheio de anéis cruzados sobre o colo.
- Você é muito intrigante, mata como um profissional apesar de ter começado há tão pouco tempo - sua observação repentina me fez enrijecer e Jeongguk pareceu perceber a mudança, já que aumentou o aperto em meu ombro trazendo-me para mais perto antes de me entregar uma bebida colorida.
- Eu não sabia que era tão novo assim no ramo. Há quanto tempo você trabalha para o Sr. Jeon? - o Sr. Choi indagou parecendo genuinamente curioso.
- Eu já trabalho para o Jeongguk por volta de um ano.
- Ah, então você realmente é muito talentoso, já que luta tão bem mesmo tendo tido tão pouco tempo de treinamento - Gobaek comentou deixando sua admiração transparecer na voz.
- Eu tive bons treinadores - comentei casualmente e me inclinei um pouco mais na direção de Jeongguk que observava em silêncio a conversa se desenrolar.
- Imagino que sim. Realmente impressionante - Go Jaehu concordou com a cabeça.
- Não mais impressionante do que a sua beleza - engasgando uma arfada de surpresa, minha mão parou no ar quando ia dar o primeiro gole na bebida.
- Você não acha o mesmo Jaehu? Você parece tão… perfeito - Sunghae continuou sem hesitação, se dirigindo a mim como se não tomasse conhecimento do abraço possessivo de Jeongguk.
- Já que Sunghae comentou, eu devo concordar que sua beleza chega até mesmo a nos distrair no meio das frases - os dois homens compartilharam uma risada fraca e eu me apressei em desviar o olhar para conferir a reação de Jeongguk.
- Você não percebem que estão constrangendo o rapaz com essa conversa? - Shin Hyesuk interviu, mas o sorriso discreto em seus lábios quando voltou seu olhar para o moreno ao meu lado entregava suas verdadeiras intenções.
- Ah, mas por favor, olha esse rosto. Talvez se vocês não fossem casados pudessem perceber… - Jaehu não parava de falar e o desconforto de Jeongguk chegou ao seu limite quando sua outra mão largou o copo de whisky sobre a mesa e agarrou minha coxa esquerda com força.
- É, mas quem sabe depois que a competição acabar nós possamos ter uma reunião em particular para negociarmos alguns trabalhos futuros quando seu contrato com os Jeon acabar não é? - naquele momento toda minha raiva acumulada pareceu explodir dentro de mim e eu não pude mais aguentar nem uma palavra a mais daqueles homens.
- Acho que isso não será possível.
- E por que não ? Sou um apostador bastante valioso e não me interesso por qualquer um. Posso te fazer ganhar muito dinheiro se conseguir vencer a luta final - Sunghae insistiu como se meu corte não fosse o suficiente para fazê-lo desistir.
- E eu agradeço a proposta, mas não pretendo encerrar meu contrato com Jeongguk - olhei com atenção para o homem falando cada palavra com máxima convicção - Eu trabalho para ele e se não for assim, eu simplesmente não trabalho. Se não tinha ficado claro antes, esse é o motivo pelo qual fiz a tatuagem, não tenho o mínimo interesse em trabalhar para mais ninguém, nem agora nem no futuro.
Assim que fechei minha boca senti a mão sobre minha coxa finalmente relaxar e inclinando a cabeça eu sorri observando o rosto surpreso de Jeongguk.
- Então isso confirma o que todos estão comentando, Jeongguk realmente é bastante possessivo com você. Mal podemos imaginar o quão bom você deve ser para ele - o desdém na fala de Sunghae tentava mascarar a irritação por ter sido descartado tão depressa, mas seu orgulho ferido não era o suficiente para impedir um Jeongguk irritado e embriagado de agir.
- Na verdade cavalheiros, imaginar é a única coisa que podem fazer. Então eu tomaria mais cuidado com as coisas que falam ou insinuam. Acho que ficaram tão maravilhados com as coisas que ele fez dentro da arena que esqueceram o que eu posso fazer fora dela.
- Vamos Tae - levantamos do sofá, seu braço ainda sobre meus ombros. Antes mesmo de dar o primeiro passo senti ele apoiar parte do seu peso corporal em mim, então passei um dos braços pela sua cintura e o ajudei a caminhar até a saída sem deixar aparente a quantidade de copos de whisky que ele teve aquela noite.
Nós realmente tivemos mais que o suficiente por uma única noite.
(...)
O trajeto até a mansão foi tranquilo. Tivemos que chamar um motorista e um acompanhante para nos levar e levar também o carro em que viemos para casa já que nenhum de nós estava sóbrio ou com paciência o suficiente para dirigir.
Jeongguk estava recostado contra a janela com sua mão direita repousada sobre minha coxa. Quando enfim percebi o relógio prateado que eu mesmo havia escolhido em volta do seu pulso, descobri que já passava das duas da manhã.
A viagem de carro realmente foi tranquila, quase nenhum carro nas ruas e várias estrelas no céu quanto mais nos afastávamos do centro da cidade. Entretanto quando chegamos à mansão, enquanto o carro seguia pelo caminho de pedra até a escadaria de entrada, algo em Jeongguk pareceu despertar e ele de repente se tornou obstinado a falar tudo que ele tinha guardado durante a festa.
Assim que desci do carro e dei a volta encontrei o motorista paralisado ponderando com intensidade se deveria ou não ajudar seu chefe bêbado a descer do carro. Com um aceno de cabeça o dispensei e estiquei os braços para que Jeongguk se apoiasse em mim.
- Quem ele pensa que é pra falar de você daquele jeito na minha frente? - sua indignação me fez rir, o eco do som parecendo estranho demais em contraste com aquelas paredes.
- Ele queria irritar você - afirmei o óbvio quando começamos a subir os primeiros degraus em direção ao primeiro andar.
- E quase conseguiu ser morto. Sorte dele que nos encontramos naquela festa.
- Por falar nisso, eu ainda não entendi o porquê dessa festa ser tão importante.
- Hmm, você lembra daquele pronunciamento que você só escutou os primeiros 15 segundos e disse que era chato demais pra desperdiçar nosso tempo no bar? Bom aquele era o anfitrião da festa agradecendo a presença dos maiores aristocratas de Seoul esta noite, ele é o principal parceiro de negócios do meu pai e eu provavelmente devia ter prestado atenção, mas eu sinceramente não me importo com uma palavra do que aquele velho diz - deixando toda a eloquência de lado jeongguk caiu na gargalhada e eu o acompanhei quando tropeçamos em um dos degraus e pousamos de joelhos se apoiando um no outro para conseguir se levantar.
- Bom, pelo menos você teve a oportunidade de rever sua ex-noiva não é? - provoquei o moreno que imediatamente fez uma careta.
- Eu podia ter vivido o resto da minha vida feliz sem ter visto ela de novo - aquilo me fez rir ainda mais alto.
- Você não acha que pegou pesado demais com aquele fora que deu nela?
- Ah por favor meu anjo, não tem porque fingir que não gostou.
Entre risadas frouxas e passos cambaleantes finalmente conseguimos chegar até o quarto de Jeongguk, onde nos apressamos em tomar um banho gelado, o qual eu finalizei antes que ele pudesse me prender contra a pia e me fazer se render aos beijos que ele depositava lentamente ao longo do meu maxilar. Parecia que meu sorriso havia se tornado permanente esta noite, principalmente enquanto eu secava o cabelo do moreno sentado na cama, estando de pé entre suas pernas. Suas mãos em meus quadris sacudindo meu corpo no ritmo em que eu balançava a toalha em seus cabelos, numa cena inocente e tão doméstica.
Deitado de costas vestindo apenas uma cueca box preta, Jeongguk já pronto para dormir me observou andar pelo seu quarto vestindo uma de suas cuecas e uma camiseta branca que abraçava confortavelmente o meu corpo. Descartando as toalhas molhadas, antes de subir na cama encontrei novamente os olhos escuros ainda me encarando, mas dessa vez havia uma sensação de calmaria tão confortável que eu não pude perder mais nenhum segundo sequer antes de engatinhar pelo colchão e me deitar ao seu lado.
Sem hesitação ele se virou para mim e se aproximou para abraçar minha cintura, repousando a cabeça na curva do meu pescoço. Sem pensar duas vezes, tomei a liberdade que a posição me oferecia para afundar uma de minhas mãos em seus cabelos enquanto a outra traçava delicadamente linhas imaginárias na extensão de seu braço. Quando pressionei as pontas dos dedos no couro cabelo ele gemeu em satisfação.
- Isso é bom - ele murmurou lentamente contra o meu pescoço e eu sorri.
Ali sentindo seu cabelo roçar meu pulso e seus fios sedosos escaparem por entre meus dedos, ouvindo as batidas suaves do seu coração contra minhas costelas, focando no padrão relaxado da respiração quente contra minha pele, eu fechei os olhos e supliquei em pensamento para que permanecessemos assim, para que aquele momento não se tornasse mais uma memória distante que eu teria que guardar e recordar sozinho no silêncio do meu quarto.
Eu queria o calor de nossos corpos colados mesclados em um só, queria nossos pensamentos imersos em um silêncio tão aconchegante que não permitia que a inquietação do mundo lá fora nos alcançasse. Sozinhos, na calmaria da escuridão. Juntos.
- Como era antes? - franzi a testa ainda de olhos fechados.
- Hm?
- Como era sua vida antes de eu te trazer pra cá? - o ritmo de meus dedos vacilou e eu senti meu corpo retesar com a pergunta inesperada sussurrada na madrugada - Eu admito que te observei por um tempo e na maior parte dos dias eu te via sempre fazendo as mesmas coisas. Mas uma coisa que eu sempre quis saber era como você realmente se sentia.
Surpreso demais com toda aquela indagação abri os olhos e respirei fundo encarando o teto enquanto voltava a acariciá-lo devagar.
- Eu… hoje, quando paro para pensar, percebo como sempre estive no piloto automático. Fazia o que tinha que fazer, na hora em que tinha que fazer e exatamente do jeito que esperavam que eu fizesse. Eu achava que assim seria impossível errar. Que levar uma vida simples e sem complicações me levaria à uma realidade diferente da dos meus pais, para que se um dia eu pusesse alguém nesse mundo esse alguém não acabasse como eu.
- No fundo eu sabia que não importava o quanto eu tentasse me convencer do contrário, não tinha como eu acabar diferente deles se eu continuava seguindo um caminho alternativo da trilha destrutiva que aquela família me deixou. Então no final do dia eu só conseguia me sentir infeliz.
- Eu até gostava da universidade, gostava da ideia de um dia ter algo pelo qual batalhei e que ninguém poderia tirar de mim, mas ter que lidar com todas aquelas pessoas me encarando e sussurrando, ter que passar horas naquele trabalho de merda pra ganhar um salário vergonhoso e voltar para aquela casa… Se eu tivesse passado mais um minuto ali talvez fosse o meu corpo que a polícia teria encontrado.
A confissão me fez sentir leve. Eu nunca tinha dito tais coisas para ninguém, apenas eu mesmo sabia como era viver preso naquele looping tedioso e desafortunado. Mas agora mais alguém sabia, mais alguém se importava.
- Então ainda bem que eu te vi naquela noite. Ainda bem que você aceitou vir para cá - ele me respondeu me abraçando mais forte.
Torcendo meu pescoço para encará-lo, ergui minha mão e devagar afastei sua franja dos olhos fechados com a ponta dos dedos, sentindo meu coração se expandir dentro do peito quando ele se inclinou em direção ao meu toque.
- Eu deveria ter me livrado daquele homem muito tempo atrás, mas eu sou grato por tudo ter acontecido naquele momento, porque assim eu pude conhecer você. Então é, ainda bem que você aconteceu na minha vida. Ainda bem que aquela não é mais a minha vida.
- Aquilo nunca foi você, era só uma sombra. Você está aqui agora não está? - a pergunta me fez sorrir. Um sorriso cansado, mas cheio de amor, um amor que agora eu podia me permitir admitir que estava ansioso para vivenciar.
Concordei com a cabeça me aproveitando do seu estado letárgico e sincero para me inclinar e arrastar meus lábios pelo seu rosto, sentindo cada centímetro da pele macia que eu podia alcançar.
- E eu quero continue assim.
- Como assim? - franzi as sobrancelhas em confusão.
- Você e eu. Eu quero que seja assim por muito tempo - ele sussurrou com a bochecha amassada pressionada contra o meu ombro.
- Deitados assim? Na sua cama?
Ele sacudiu a cabeça em negação e num movimento brusco me virou completamente de frente para si, minhas costas contra o colchão e seu peito pressionado contra o meu.
- Só juntos. Não importa em qual quarto, nem quem esteja vendo, mas eu... Eu só… nunca tive isso. Essa coisa estranha e grande demais que nós temos. Eu só não quero que acabe - seus olhos não conseguiam parar em um único lugar e eu nunca o tinha visto tão perdido como naquele momento. Ele parecia tão jovem.
- Não vai.
- Como pode ter tanta certeza? Eu costumo ser o fim de muitas coisas.
- Não pra mim, você foi o meu ponto de partida e escutar tudo isso agora só serve para confirmar para mim mesmo de que não existe nenhuma possibilidade de eu deixar você ir - confessei apertando meus braços em volta de seu pescoço.
- Você não precisa se preocupar com isso - ele me tranquilizou e eu sorri decidindo que já tínhamos tido o suficiente daquele clima pesado.
- É mesmo? E quanto aquela garota? Qual é a sua história com ela? Nunca imaginei que você fosse o tipo de cara pra casar - comentei sem me preocupar em esconder o deboche em minha voz. Aquilo pareceu divertir Jeongguk, o que o fez me puxar novamente consigo até que eu estivesse deitado sobre o seu peito.
- Nós perdemos a virgindade juntos alguns anos atrás, a arrumadeira nos viu e nossos pais acharam uma boa ideia que nos casássemos - ele riu consigo mesmo - Eles acharam que seria bom pros negócios e que o fato de já nos gostarmos facilitaria tudo - virando para me apoiar sobre meus antebraços cruzados sobre seu peito e encarar seu rosto, observei enquanto ele ria mais uma vez e pela primeira vez eu pude perceber como seus dentes frontais se projetavam para frente, como um coelho. Não o da máscara, não, aquele ria do sangue e da dor que infligia e era sexy e tentador o suficiente para me fazer tremer dentro dos jeans. Esse sorria por causa do meu ciúme aparente e sobre situações de sua vida que eu nunca imaginei que ele compartilharia comigo, esse riso me fazia tremer da cabeças aos pés de um jeito completamente diferente.
- Nosso noivado só durou até eu descobrir que ele existia, o que se eu me lembro bem foi 1 dia e meio - sorri junto consigo antes de ele levantar a mão e tocar minha bochecha com delicadeza - Você sabe que ele só falou aquilo pra te fazer se questionar.
- E eu preciso me questionar em relação a isso? - perguntei ainda imerso no meu surto de coragem.
- Você não precisa sentir receio quanto a nada. Não quanto a você mesmo, não quanto a mim... Nem quanto a nós - a última parte foi dita num murmúrio tão baixo que eu não teria captado se não estivéssemos sozinhos e tão próximos naquele quarto enorme.
Então sem saber como responder e atônito demais com todos os momentos e confissões especiais que compartilhamos essa noite, apenas avancei devagar e colei nossos lábios. Leve e lento como nunca tínhamos nos beijado antes. E aquele beijo se manteve por toda madrugada a dentro.
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