Os três meses de noivado passaram depressa, depressa demais, na percepção de Illumi. Tinha certeza absoluta de que perdeu as rédeas da situação quando aceitou o pedido de casamento inusitado. Estava se deixando levar pela afeição repentina que surgia em seu interior toda vez que encontrava o ruivo excêntrico. Mas quem poderia o culpar? Illumi via tanta beleza em Hisoka, a busca implacável do Morrow pela liberdade era algo que o moreno adorava observar. Acreditava ser inveja, não sabia rotular essas sensações inéditas.
"Está tudo bem, finalmente tudo isso vai acabar." Illumi encarou Chrollo pelo reflexo do espelho.
O Lucilfer terminava de pentear os longos cabelos do assassino, estavam aguardando os últimos convidados chegarem a Liberté para que a cerimônia de casamento pudesse começar. Optaram por um evento intimista no bar, somente alguns amigos próximos do casal receberam convites. Chrollo seria o cerimonialista da ocasião, responsável por oficializar a união e matar um dos noivos no processo.
"Assim que você estiver viúvo, eu poderei te chamar para sair. Então tenho que matar esse desgraçado logo."
Illumi presenciou o homem sorrir gentilmente e se admirou com a ironia. Confessar pretensão de homicídio era um tipo de flerte que nunca tinha visto.
Chrollo se inclinou em direção à Illumi e plantou um selar em suas bochechas sujas, próximo aos lábios finos do Zoldyck, logo em seguida contornou as clavículas expostas pelo robe que o outro usava com o indicador. Illumi se contentou a sorrir minimamente, sabia que a relação deles estava fugindo de apenas um acordo contratual, porém não imaginava que houvesse despertado tanto interesse em Chrollo.
"Conto com você para me deixar viúvo." Illumi usou os dedos longos para cobrir a boca enquanto gargalhava.
Encorajar os clientes, aumentar o ego deles. Uma lição que havia aprendido logo no começo de sua jornada. Seu pai sempre dizia que o dever de um assassino é fazer com que seus clientes se sintam especiais, fingir se importar com os desejos fúteis daqueles que os pagavam. A habilidade de fingir, dissimular, enganar e mentir era mais importante na vida de um matador do que qualquer técnica sangrenta.
"Preciso arrumar minhas coisas para a cerimônia e o estilista que Hisoka contratou parece furioso toda vez que me vê. Acho que ele quer que eu vá embora." Chrollo sorriu antes de deixar o quarto.
Illumi examinou a própria aparência através do grande espelho que tomava grande parte do espaço do quarto onde estava, sua imagem era caótica. Os fios negros espalhados pelo encosto da poltrona em que se sentava, o cetim vermelho que o cobria não fora ajustado perfeitamente e a máscara de argila verde em seu rosto contribuía para o resultado desorganizado. Apesar de tudo, estava confortável com a situação.
"Finalmente o seu amante foi embora." Duas pessoas adentraram o cômodo.
"Leorio, isso não é hora de fazer acusações." Uma outra voz repreendeu.
O Zoldyck levantou para receber os recém chegados, ambos usavam ternos elegantes; o mais alto vestia um conjunto azul marinho e o loiro ostentava peças bordô.
"Sou Kurapika, o estilista contratado pelo outro noivo. Esse sem noção do meu lado é Leorio, meu assistente. Muito prazer em te conhecer, Illumi." O loiro saudou e ergueu uma das mãos para Illumi, que apertou sem titubear.
"Se você desembolsar um valor considerável, eu posso pensar em guardar segredo." Leorio acenou para o Zoldyck.
"Eu mataria ele, se fosse você." Kurapika ergueu as sobrancelhas em uma expressão divertida.
"Se você desembolsar um valor considerável, eu posso pensar na sugestão." Repetiu as palavras do auxiliar dentre um sorriso tímido.
"Não recebo bem o suficiente para contratar seus serviços." Kurapika fingiu tristeza. "Eu queria até continuar a conversa, mas a maioria dos convidados já está lá no salão e Hisoka também já está pronto. Trouxe algumas opções que acho que são a sua cara, vai mostrando pra ele, imbecil."
Leorio abriu uma mala que Illumi sequer havia notado estar lá, retirando da mesma roupas de tecidos que emanavam requinte. Entre as alternativas, selecionaram a menos espalhafatosa: corset preto bordado em renda, blazer e saia de veludo vermelho. Illumi não queria parecer um pavão pomposo, pois tinha certeza que Hisoka já estava se prestando a esse papel com muito gosto.
A dupla além de o vestir, também retirou a máscara grotesca de seu rosto e coloriu seus olhos e lábios de carmesim.
"Agora, para o grand finale: o presente de seu noivo!" Leorio retira de uma caixa um scarpin opyum Yves Saint Laurent com a sola cravejada de pequenos rubis, imitando o solado vermelho dos Loubotins que Illumi usava no primeiro encontro que teve com Hisoka. "Ele mesmo que mandou personalizar e disse algo sobre a sua beleza ser superior a das jóias preciosas, por isso elas devem estar abaixo de seus pés. Acho que era algo assim."
Leorio se abaixou para colocar os sapatos nos pés de Illumi.
"E não é que o pedófilo tem bom gosto? Você deveria seguir o exemplo e me dar um desse no nosso casamento também." Kurapika comentou.
"Só se o Illumi comprar meu silêncio." Leorio respondeu.
"Chrollo não é meu amante." Illumi viu a postura do loiro vacilar no momento em que disse o nome do magnata.
"Tudo bem, nós não estamos aqui pra julgar, muito menos para fazer fofoca. Estamos aqui só pra entrar com você, até porque eu já fui avisado que o Hisu acabou de entrar. Vamos?"
Leorio se enlaçou no braço direito do Zoldyck e Kurapika no esquerdo, o conduziram para o salão principal da Liberté, onde encontraram os convidados, um tapete vermelho e um Hisoka emocionado aguardando seu futuro marido em um dos palcos do bar. Os três caminharam pela passarela tão vermelha quanto o sangue das milhares vítimas que Illumi matou. Assim que chegaram ao pé do palco, Leorio e Kurapika se sentaram junto aos outros convidados e deixaram Illumi subir de encontro ao noivo sozinho.
"Em nome dos noivos, agradeço a presença de todos que estão aqui. Estamos aqui para celebrar essa união e comemorar essa nova etapa na vida de Hisoka e Illumi." Chrollo, que também estava no palco, iniciou seu discurso. "Eu como amigo próximo de Illu, estou muito grato de poder acompanhar esse lindo relacionamento de perto, mas antes de eu me estender muito falando como um pai orgulhoso, vamos começar essa cerimônia, que é o que realmente importa aqui. Repita comigo, Hisoka: eu, Hisoka Morrow,"
"Eu, Hisoka Morrow," O ruivo repetiu.
"prometo estar com você, Illumi Zoldyck, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, te amando, te respeitando e sendo fiel a você em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.” Chrollo exemplificou e o ruivo repetiu os votos.
A plateia o ovacionou.
"Eu, Illumi Zoldyck, prometo estar com você, Hisoka Morrow, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, te amando, te respeitando e sendo fiel a você em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.” Illumi também repetiu o típico discurso.
"Aqui, entregue ao seu amado e repita as minhas palavras." Chrollo entregou uma das alianças ao Morrow e disse outro clichê de matrimônios.
"Receba esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade.” Hisoka replicou a frase dita anteriormente ao colocar a aliança no anelar de Illumi.
"Receba esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade.” Illumi fez o mesmo enquanto adornava o dedo magricela do noivo com o anel de compromisso.
Illumi respirou fundo inconscientemente, o próximo momento seria aquele em que Chrollo mataria Hisoka.
"E agora vamos para a clássica frase: se alguém se opõe a esse casamento, fale agora ou cale-se para sempre."
Kurapika ergueu a mão direita, causando alvoroço entre os presentes. Ao notar o olhar cúmplice do loiro com o quase esposo, Illumi se acalmou — ainda que isso fugisse dos planos de seu patrão, com quem deveria de fato de se importar —, só poderia ser mais um dos caprichos loucos de Hisoka.
"Diga, meu rapaz." Chrollo instigou, se corroendo por dentro. As coisas estavam saindo do seu controle.
"Contra a união eu não tenho nada, mas contra o filho da puta do cerimonialista eu tenho."
"Ele tem mesmo." Leorio confirmou.
"Chrollo Lucilfer não é nada mais que um latifundiário mercenário, capaz de mandar exterminar povos só pra expandir o seu poder. Foi o que ele fez com a minha família, seus homens estupraram as nossas mulheres, venderam as nossas crianças, mataram todos cruelmente e deixaram seus corpos em um aterro a céu aberto para os abutres comerem." Illumi poderia jurar que viu um feixe vermelho permear o olhar de Kurapika.
"Então você é um Kurta, não é? Você deve me entender, o mundo dos negócios funciona assim. Os fracos são carne e os fortes comem, é o ciclo da vida." Chrollo deu de ombros, tomado pela raiva.
Aconteceu rápido demais, em um segundo Chrollo estava debochando do loiro e no outro ele estava caído no chão ao lado de Illumi, manchando os sapatos novos do Zoldyck com seu sangue. Quando ouviram o disparo da pistola de Kurapika, os convidados se agitaram e saíram desesperados do bar, deixando somente o casal e o corpo inerte do Lucilfer no meio do palco.
"Acho que essa seria a hora em que ele diria que eu posso beijar o noivo. Então venha cá, ma doux."
Hisoka pisou em Lucilfer para poder envolver Illumi em seus braços e iniciar o ósculo que encabeçava uma nova era: a vida de casados.
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