Nova York 1990
Enquanto eu brinco com meu brinquedo, a observo perto da piscina. Elsa anda de um lado a outro chutando as coisas pelo caminho e amaldiçoando alguém que provavelmente o deixou contrariada. Finjo que estou concentrada em meu mundo imaginário na esperança de que ela me ignore. Eu não quero ser vítima de seus ataques.
_ Me dê seu brinquedo Emma! _ Elsa grita insolente.
_ Não! _ eu respondo sem me importar em encará-la.
Elsa bate os pés no chão de forma impaciente.
_ Eu já disse para me dar!
_ Você tem os seus _ encaro-a com firmeza demais para vir de alguém tão pequena.
_ Alias tem vários. Por que sempre quer ter as minhas coisas Elsa?
_ Você sempre fica com as melhores coisas.
_ Isso não é verdade os brinquedos são iguais e você sempre os escolhe primeiro.
_ Mas enjoei dos meus e, além disso, alguns estão quebrados _ Elsa se queixa.
_ Por que você não sabe cuidar de suas coisas. Se parasse de jogá-los contra parede sempre que fica com raiva não estariam assim.
_ Se você não me der eu vou afogar seu cachorro na piscina.
Encaro-a com raiva. Algumas vezes eu tenho muita raiva dela como hoje por exemplo.
_ Pega! _ estico o brinquedo para ela já sem me importar.
_ Fique com ele. Aliás fique com todos eles, mas deixa Ava em paz, ele é só um filhotinho.
_ Ah é? _ ela ri com deboche. _ Acho que será mais divertido saber se os cachorros sabem nadar.
_ Você não faria isso! _ encaro-a com determinação.
O cachorrinho branco enrosca nas pernas dela sem a mínima ideia de que é alvo de suas maldades.
_ Então olhe!
Elsa pega o cachorro no chão pelo pescoço e me empurra contra a árvore em que estive encostada. Bato a cabeça contra o tronco e me sinto desorientada por alguns instantes e a cena que segue diante de mim me deixa estática.
Minha vontade é de correr até eles e impedir o que ela está querendo fazer, porém minhas pernas e minha cabeça ainda zonza não me deixa sair do lugar.
_ Pare Elsa _ sussurro quase inaudível. _ O deixe em paz.
Elsa me encara com olhar de desafio enquanto o animal se debate dentro da água. Eu encontro forças de onde não sei e corro até eles. Vejo-a soltar o animal que jaz imóvel na piscina. Lágrimas inundam meus olhos quando
percebo que é muito tarde.
_ Você o matou! _ empurro-a no chão com muita força.
_ A culpa foi sua _ ela faz cara de inocente. _ Você me provocou. Vai guardar essa culpa para sempre Emma. Matou seu pobre cachorrinho. Sim, a culpa era minha. Não devia tê-la provocado e entregado o maldito
brinquedo quando ela pediu. Eu sabia que Elsa seria capaz de uma coisa assim e não deveria tê-la desafiado.
_ Jesus Cristos! _ uma voz feminina ecoa diante da cena. _ O que aconteceu aqui?
_ Elsa afogou meu cachorro na piscina mamãe _ Emma a encara com olhos cheios de lágrimas.
_ Ela matou Ava.
_ Elsa você fez isso? _ o olhar chocado da mãe não consegue acreditar em tais palavras.
_ Não! _ ela começa a chorar. _ Ele caiu na piscina e só tentei ajudar, mas eu não consegui mamãe.
A jovem se agarra a mãe e chora copiosamente.
_ Sinto muito! _ ela parece bem convincente, menos para mim.
_ É mentira! _ encaro-a com raiva. _ Ela afogou porque eu não quis dar o meu brinquedo para ela.
_ Não é verdade mamãe _ Elsa soluça. _ Emma é sempre tão má comigo.
_ Vá para o quarto Emma _ a mulher a encara com firmeza. _ Conversamos depois.
_ Está bem Mary.
_ Mary? _ ela me encara zangada. _ Eu sou sua mãe!
_ Acho que não é _ sussurro ignorando seu olhar chocado.
Essa foi a primeira vez que parei de trata-la como mamãe. Mary tinha apenas uma filha e essa não era eu. A mágoa por ser punida sem merecimento ficou cravada em meu coração por mais tempo que gostaria.
Nova York junho de 2019
Não sei por que essa lembrança me veio à mente exatamente hoje. Na verdade eu sei. Estou perto de acertar as contas com meu passado. Tentar passar uma borracha em tudo o que aconteceu e seguir com a merda da minha vida.
Não que ela será perfeita como em um maldito conto de fada ou como nos filmes com finais felizes, mas talvez eu consiga um pouco de paz para minha alma.
O próximo passo será dar um fim em minha situação insustentável com minha mulher de uma vez por todas. Estou cansada de sua vida inconsequente e os maus tratos com minha filha. Já que ela não seria uma boa mãe, pelo menos deixará de ser uma cadela sem coração.
Olho para o relógio em meu pulso e desisto de esperar. Por que será que ele não apareceu? Isso me leva de volta para os mesmos fantasmas que me atormentam por anos. O que será que aconteceu a irmã e por onde ela anda?
Graças a minha mulher havia demorado quatro anos para encontrar a carta.
Sentindo-me frustrada, jogo algumas notas sobre o balcão e deixo o café ainda intacto. Observo que o café está um pouco mais cheio do que quando entrei a três horas, apesar do aspecto degradante que ele tem e da iluminação escura.
Saio do bar ignorando alguns olhares femininos e masculinos em minha direção.
Caminho até meu carro estacionado em uma área não muito confiável, se bem que naquela região nenhum lugar é confiável. Penso se devo ligar para Graham ou não, para saber o que aconteceu quando um grito me chama atenção.
Não qualquer grito, mas um grito desesperado de mulher. E o que mais me chamou atenção foi que apesar de desesperado ele era incrivelmente angelical e, algo que não sei o que, me impulsionou até o local, para o
Desconhecido.
Céus, eu mal sabia o que me esperava...
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