Regina
Conto com seu silêncio. As palavras de Graham ecoam na minha cabeça. Havia sido uma mensagem para mim — um sinal.
Como ele havia notado que a mulher ao meu lado não era a Emma? Bem, ele é um detetive, seu trabalho é observar aquilo que ninguém mais consegue ver.
Silêncio foi o que ele me pediu. Eu vou fazer o que ele me orientou e tentar manter a mim e aos meus filhos, o mais longe possível de Elsa.
Suas mãos pegajosas continuam em minha cintura, causando-me asco. Mas eu mantenho o controle, pelos menos, enquanto as crianças estiverem lá fora, sob o peso de suas ameaças.
— Senhora, — Janine, uma das empregadas da casa, fala as minhas costas — seu quarto está limpo, deseja mais alguma coisa?
Ela nos encara durante esse momento incomodo e espera em silêncio, por uma resposta minha.
— Não, volte aos seus afazeres — Elsa responde por mim. — E você deve voltar para cama e descansar um pouco, amor.
Não me passou despercebido a entonação que ela deu a palavra cama e, sem margem de dúvidas, ela quer terminar o que começou comigo mais cedo. Não vou permitir que ela me toque novamente, e se o único jeito de evitar isso é ficar em volta das outras pessoas é o que vou fazer.
Aproveitar a farsa que ela mesmo montou ao meu favor. Algo que aprendi com ela é saber usar a fraqueza do meu oponente no momento certo. Apesar de louca e ardilosa, ela não é burra, não jogaria seu plano ladeira abaixo por um capricho momentâneo. Por enquanto, usaria isso para conseguir escapar dela.
— Eu gostaria de um chá — volto-me para ela com um sorriso no rosto.
Ela notou a marca em meu rosto, pois a surpresa em seu olhar foi mal disfarçada. Encara Elsa por alguns segundos e desvia o olhar.
Parte de mim, quer chutar o balde.
Dizer a ela que aquela não era a Emma e que ela jamais levantaria a mão a mim ou a qualquer mulher.
Uma vez ela foi um pouco mais agressiva com Lily, mas ela era uma mulher desequilibrada. Ela havia suportado as loucuras e crueldades dela contra Alice por muito tempo. Quando me atingiram também, foi a gota d’água para ela.
— Cuidarei disso agora mesmo, senhora — murmura ela, indo em direção a cozinha. — Levarei no seu quarto em instantes.
— Eu vou com você...
— Querida, você não está bem! — sinto sua mão pressionando meu pulso.
— Deve subir e descansar um pouco.
— Agora sou mãe e não posso me dar o desfrute de ficar doente, querida — murmuro com a voz doce. — As crianças retornarão em breve, não é? — encaro-a com olhar decidido — Não me deixarão em paz de qualquer maneira. Mas, você tem muita experiência, sabe do que eu estou falando.
Deixei-a bastante irritada, sei disso não apenas pelos olhos estreitos e o brilho feroz que reluz dentro deles, mas, pela força que emprega em seus dedos, em volta da minha pele. Resisto à dor e continuo impassível, se Elsa me quiser naquele quarto, terá que arrastar-me até lá.
— Tem razão, senhora — murmura Janine, parando no meio do caminho. — Tenho dois meninos e já não me lembro a última vez que fiquei doente.
— Está bem — ela sorri, soltando minha mão. — Esperarei Geórgia voltar com as crianças aqui.
A mensagem é clara: não faça nenhuma estupidez ou eles sofrerão as consequências.
Eu sinto vontade de arrancar aqueles olhos frios com minhas próprias unhas.
Controlo a raiva fulminante e sigo para cozinha. Eu tenho controlado muitas coisas, o ódio que sinto, o asco, a vontade cortar a garganta dela com uma faca, por exemplo, ou enfiar um punhal em seu peito.
Pensar em várias possibilidades de vê-la morrer faz com que eu me sinta muito bem. Elsa tem razão, somos capazes de fazer coisas surpreendentes.
Eu morreria e mataria para salvar minha família.
Assim que me acomodo em um dos balcões da cozinha, Janine começa separar os utensílios para o chá e dá continuidade a conversa.
— É interessante como o casamento e filhos modificam as pessoas... — diz ela, com falso desinteresse. — Meu marido virou um ranzinza irreconhecível quando nosso primeiro filho nasceu, mas depois tudo foi se ajeitando.
— Janine... — faço uma pausa pensando no que dizer. — Não acredite em tudo o que você vê. Algumas coisas estão além dos nossos olhos.
—Não está sozinha, Sra. Swan — ela entrega-me a caneca com um sorriso cálido. — Ninguém está.
Sei que estamos falando de coisas absolutamente diferentes. Ela sobre a violência doméstica, que acredita que venho sofrendo. Eu sobre dividir o mesmo teto que uma psicopata cruel.
Janine me alerta que precisa cuidar de outras coisas e eu insisto para que fique comigo. Conversamos sobre qualquer coisa, desde suas novelas preferidas até o nosso cantor favorito em um programa de música.
Algumas vezes Elsa veio até cozinha em busca de um copo de água ou outra desculpa qualquer, quando na verdade sua intenção é me vigiar e alertar que ela está no controle.
A cada badalada do relógio, meu coração pula em meu peito. Geórgia já deveria ter retornado com Alice e os bebês. Milhares de possibilidades passam por minha cabeça.
E se ela tivesse enviado meus filhos para algum lugar distante? Se tivesse feito algo a eles como havia ameaçado antes? E se eu a tivesse desafiado demais e cruzado a linha entre a razão e sua insanidade.
Sinceramente, não há mais nada que venha dela pode surpreender-me.
****
Quase duas horas depois, Geórgia, Alice e os gêmeos retornam, corro em direção a eles, abraço Alice e agarro a alça do carrinho como se fossem meu bote salva vidas, agora posso voltar a respirar com tranquilidade.
— Vocês demoraram —murmuro, com a voz baixa. Pelo canto do olho tenho um vislumbre de Elsa perto do bar, servindo-se de alguma coisa. — Henry não deveria ter saído — verifico a touca em volta da cabeça do bebê. Não está bem ainda.
— Tomei cuidado para que ele não pegasse vento — murmura Geórgia. — Não pretendia demorar tanto, mas Alice encontrou uma amiguinha da escola...
— Tudo bem, desculpe-me, sim — murmuro, arrependida. Não quis ser grosseira com ela, quando foi apenas mais um peão nas mãos de Elsa.
Enquanto ela fala, imagens minhas colocando altas doses de veneno na bebida dela me vem à cabeça.
Isso é algo que me agradaria muito, vê-la contorcer-se de dor, pagando por todo o mal que havia nos feito.
Essa mulher não é apenas alguém perversa, ela é capaz de evocar o lado mais obscuro de qualquer pessoa.
Mesmo alguém pacifica como eu. Não sou do tipo que guarda rancor ou ressalta o defeito das pessoas, mas Elsa arranca de mim os piores instintos.
— Como ela ainda está um pouco abatida.... — Geórgia faz carinho na cabeça da menina — pensei que ficar com alguém de sua idade, faria bem a ela.
— Agiu bem — volto à realidade, concentrando-me no que ela me diz.
— Não aconteceu mais nada além disso, não é? Você viu algum carro estranho rondando vocês?
Geórgia franze a testa como se lembrasse de algo — Bem havia uma van preta estacionada um pouco mais a frente, na esquina, mas, o que houve?
Estão recebendo algum tipo de ameaça?
— Regina anda um pouco nervosa — Elsa coloca-se ao meu lado.
Fiquei tão desnorteada com o que ela disse que não a notei aproximar-se de mim — Eu disse que precisava ir para cama, amor.
Amor. Uma palavra tão linda, mas que dita por ela, perde o encanto e ganha um tom desprezível.
— Emma tem razão — ela me encara preocupada. — Não parecia bem quando saímos. E o que houve com o seu rosto?
— Ela escorregou quando vomitou e bateu a cabeça nos pés da cama.
É impressionante a habilidade que ela tem para distorcer as coisas. Tudo — exatamente tudo, vinha com uma explicação que a inocentasse. Até quando a sorte estaria ao lado dela?
— Oh, Jenny — Geórgia olha-me, horrorizada.
— Eu já estou bem — murmuro, irritada.
Não com ela, mas comigo. Com todas as coisas estupidas e idiotas que faço, como vomitar no quarto.
— As crianças devem estar com fome. Vamos servir o jantar e colocá-las na cama.
Acaricio o rostinho triste de Alice e aperto a ponta do seu nariz. Só agora me dou conta de que esteve muda o tempo todo.
Está agarrada a minha cintura e evita olhar para a mulher que nem ao menos sabe ser a mãe. Biológica apenas, porque a única contribuição dessa mulher ao mundo foi essa linda garotinha, mas a única com direitos irrevogáveis desse título é a Emma.
Corta-me o coração a forma com que Elsa a trata. Como ela pode ser imune a própria filha. Tudo bem que nos odiasse, mas Alice é uma parte dela que anda e respira, a continuação dela mesmo.
Em situações como essa, vemos que laços de sangue não significam nada.
O amor sempre estará acima de qualquer coisa. Isso jamais faltará a ela — não da minha parte e de Emma. Essas adversidades só me fazem amá-la ainda mais.
As crianças e eu comemos na cozinha. Elsa seguiu para o escritório.
Dou graças aos céus por isso, ela é detestável e é quase impossível ignorar o fato.
Eu pensei em segui-la, mas achei arriscado. Ser pega por ela, espionando-a só pioraria ainda mais nossa situação.
Mas eu sei que tenho que encontrar alguma maneira de desmascará-la, sem colocar a vida de Emma e dos meus filhos em risco. Como? Eu pergunto-me o tempo todo.
Subimos logo após o jantar.
Normalmente ficaríamos vendo TV um pouquinho, mas nenhum de nós sente clima para isso hoje. Quase sempre Traquinas nos acompanhava. Pensar na morte dele me deixa infeliz. Se eu tivesse descoberto a verdade antes, talvez o cachorro ainda estivesse vivo.
Com a ajuda de Alice e Geórgia, eu dou banho e alimento os gêmeos. Esses pequenos momentos, lembram-me de que são as coisas simples do dia a dia que nos fazem felizes. Viver assim, cercada por meus filhos e ao lado da mulher que eu amo é o suficiente para fazer da minha vida plena.
Passei tantas horas naquela cela fria e solitária imaginando como seriam nossas vidas quando retornasse para nossa casa e Elsa havia eclipsado isso com suas perversidades.
— Pode cuidar deles um momento?
— pergunto a Geórgia, sabendo que já exigi muito mais do que deveria. — Eu vou ver como Alice está.
— Pode ir querida, eles estão dormindo agora.
Se Emma estivesse ao meu lado, dividir tarefas como essas, seria algo divertido, eu diria até mesmo romântica.
— Onde está a minha esposa? — pergunto. Referir-me a ela como Emma é inaceitável para mim.
— Eu a vi no escritório quando subi com as mamadeiras — murmura ela. — Quer que a chame?
— Não! — percebo a imposição em minha voz, recuou e dou-lhe um sorrio gentil. — Não é necessário. Eu já volto.
Sigo para suíte e após ter certeza absoluta que o quarto está vazio, eu entro apressadamente. Vou direito para o closet. Passeio os olhos rapidamente entre as peças cuidadosamente organizadas. Ignoro os vestidos — jeans e camiseta. Separo uma peça de cada.
Com tudo o que preciso em mãos, eu saio apressada e vou para o quarto de Alice.
Respiro aliviada quando me escoro contra a porta.
— Mamãe? — a voz infantil ecoa ao meu lado, assustando-me.
Ela está sentada com as pernas cruzadas em cima da cama. A sua volta há dezenas de folhas de desenho. Seus cabelos molhados e roupas desalinhadas revelam que ela havia tomado banho e se arrumado, sozinha. Alice está crescendo, penso com um sorriso pesaroso.
— Oi, querida — murmuro, trancando a porta. — Posso usar seu banheiro?
Alice encara-me com confusão estampada em seu rosto, mas segundos depois, balança seus ombros e volta concentrar-se em seu desenho.
Crianças são mais objetivas, as coisas interessam-nas ou não a elas, fazem ou não fazem sentido. Ao contrário de nós que questionamos e procuramos resposta para tudo.
Desfaço-me das minhas roupas e regulo o chuveiro. Eu poderia passar horas, dias, meses ou anos, sob o jato de água quente, remoendo todas as desgraças que marcaram minha vida.
Sempre que algo bom acontece, algo terrível vem em seguida. É como se algumas pessoas tivessem que provar a cada momento que são merecedoras da felicidade.
Havia me apaixonado por uma fotografia, escondida na gaveta de Ivy, para em seguida, ser amaldiçoada por um terrível fantasma.
Eu encontrei a mulher da minha vida, aquela pessoa que você tem certeza que esteve com você em outras vidas e como se nossas almas houvessem se reencontrado. E quando eu tive certeza que meu mundo não poderia ser mais perfeito, o passado retorna de forma destruidora.
Em pensar que acreditei que os dias na cadeia e ser separada dos meus filhos fossem a pior experiência que poderia ter.
Pensar em Emma dilacera minha alma.
Não saber onde ela está e se está bem.
Se está se alimentando direito ou se está aquecida durante as noites frias. E o principal, como ela está lidando com isso?
Apoio a cabeça contra a parede fria e deixo que a dor em meu peito converta-se nas lágrimas que estive retendo ao longo do dia. O som do chuveiro abafa o som da minha voz desolada, mas não pode calar os gritos do meu coração.
— Volta para mim — escorrego pela parede, abraçando meus joelhos. — Eu te amo tanto.
****
Algum tempo depois e quando me sinto recuperada eu saio do banheiro, e deparo-me com Alice ainda concentrada em seus desenhos. Sento-me na beirada da cama ao lado dela, observando as folhas espalhadas. Há vários desenhos do cachorro, dos bebês, mas uma em particular me chamou atenção.
No desenho, eu, o carrinho dos gêmeos e Alice.
— E a mamãe? — pergunto a ela, erguendo a folha.
— Ela não gosta mais de mim — murmura ela de cabeça baixa.
Sabe aquele momento em que uma faca afiada atravessa seu peito e partindo seu coração? Foi exatamente assim que senti.
— De onde tirou isso, Alice? — pergunto com a voz abafada.
— Lily tinha razão — ela me encara como se me desafiasse a negar o que tem a dizer. — Quando ela tivesse seus filhos normais, não iria querer saber de mim. E você também não.
Ela chora e eu sigo-a, abraçando forte contra meu peito. Como eu posso dizer a ela que aquela mulher não é a mãe dela. Que nunca haverá pessoa no mundo que a ame mais do que Emma, nem mesmo eu.
— Isso não é verdade, Alice — enxugo seu rosto com delicadeza. — Emma a ama muito.
— Não gosta mais, mamãe — diz ela com carregada de tristeza. — Eu sinto isso. Não me trata mais como antes, nem ao menos fica perto de mim.
— Querida... — seco minhas próprias lágrimas — sua mãe está com muitos problemas — respiro fundo. — Ela não... aquela pessoa não é a mamãe que a gente conhece.
— Não entendo — diz ela, confusa.
Não é à toa. Qual a explicação para o comportamento vazio e indiferente da mulher que sempre foi seu mundo, seu porto seguro.
— Ainda não, mas entenderá em breve — murmuro, beijando-a. — Isso logo terá um fim, eu prometo.
— Você ainda me ama, Regi?
A pergunta receosa atinge meu estômago com a força brutal de um pugilista. Se eu a amo? Eu havia me apaixonado por ela antes mesmo de conhecê-la — pelas palavras de Emma e a forma carinhosa com que ela me falava dela. Os gêmeos haviam nascido do meu ventre, mas Alice foi cultivada e regada por Emma, dentro do meu coração. E quando a conheci, mesmo sem poder ver, nossa conexão foi imediata. Eu não a amo como uma filha, ela é minha filha.
— Você ama os gêmeos? — pergunto, segurando seu rosto com carinho.
Ela balança a cabeça — Muito.
— E se tivéssemos outro bebê, você deixaria de amá-los?
Ela reflete sobre isso por alguns segundos. Seu rosto iluminasse-se em seguida, quando compreende o que quero dizer.
— Não, mamãe — um sorriso surge em seu rosto, acho que o primeiro durante todo o dia. — Eu não deixaria.
Beijo a ponta do seu nariz e faço cócegas em sua barriga, fazendo-a contorcer-se de tanto rir.
— Para, mamãe!
Jogo-me na cama e deito ao lado dela, segurando sua mão.
— Eu posso amar quantos filhos eu tiver, Alice — murmuro, suavemente. — Mas jamais deixarei de amar você ou a amarei menos.
Ficamos algum tempo em silêncio, como se trocássemos através de nossas mãos, todo a amor que há em nosso peito.
Assim que ela pega no sono, eu vou para o quarto dos bebês. Geórgia está dormindo na cadeira de balanço. Sinto-me mal por abusar de sua boa vontade, mas não há ninguém mais a qual eu confie.
— Geórgia... — sussurro, tocando seu ombro.
— Ah, desculpe — ela olha assusta para o berço. — Eu acho que cochilei.
— Desculpe-me — murmuro, encabulada. — Pode ir agora.
— Quer mais alguma coisa?
— Não, obrigada.
Quando ela sai, eu tiro Henry do berço e coloco no carrinho, tomando cuidado para não acordá-lo. Faço o mesmo com Kara, pego a medicação, as mamadeiras e volto para o quarto de Alice. Tranco a porta, posiciono o carrinho ao lado da poltrona próxima a janela, onde será meu leito por essa noite — desejo veementemente que seja a primeira e única.
Nem em sonhos eu ficarei naquele quarto com Elsa. Não há a menor possibilidade que isso aconteça.
Verifico novamente se a porta está fechada e retorno a poltrona.
O que eu faria se ela arrombasse a porta, assustando Alice e os bebês? Ou pior, se me arrancasse dali a força?
Nada irá acontecer, fixo esse pensamento em minha cabeça. Eu preciso acreditar nisso, pois é a única forma de eu não enlouquecer.
Pergunto-me como algumas pessoas conseguem viver assim? Em constante ameaça, prisioneiras do próprio medo.
A sorte de Elsa é que temo o que ela possa fazer com as pessoas que eu amo. Caso contrário, se eu fosse a Regina de antes, sozinha no mundo, eu não pensaria duas vezes antes de enviá-la ao inferno.
Para fugir desses pensamentos, penso em Graham e sobre o que ele estará fazendo. Por que ele não tinha enviado sinais de vida? Será que já havia descoberto alguma pista que pudesse levá-lo até Emma?
Com o passar dos minutos começo a imaginar se tudo não foi algo criado pela minha cabeça. A dúvida começa a instalar-se em meu coração, angustiando-me.
Não! Ele deu a corda na qual Elsa havia se enforcado. Não foi alucinação minha, embora eu já comece a questionar minha sanidade. Graham pediu-me silêncio. Eu vou aguardar e manter todos nós seguros pelo máximo de tempo que eu for capaz.
Acho estranho que Elsa não tenha me procurado ainda. Eu vi claramente quais são suas intenções em seus olhos.
Que nova maldade ela estaria tramando agora?
Quando penso que a abracei, beijei e deixei que tocasse em mim, sinto vontade de mergulhar em uma panela com óleo fervente. Sinto raiva de mim mesma e nojo de qualquer parte do meu corpo que ela tenha tocado.
Como posso ter sido enganada dessa forma? E se tivéssemos feito sexo? Não seria apenas Emma, que não conseguiria lidar com isso. Eu jamais me perdoaria.
Agora entendo o que ela sentiu quando abri meus olhos e descobri que ela era cópia fiel da irmã a qual odiava. Isso não me faz me sentir melhor, pelo contrário. Sinto um medo inenarrável com a possibilidade de que ela me encare de outra maneira ao descobrir que por pouco, não fui para cama com outra mulher — não qualquer mulher, mas sua irmã e causadora de toda nossa desgraça.
Afasto esses pensamentos rapidamente quando noto o movimento da maçaneta na porta. Meu coração dispara. Como diz o ditado — é só pensar no diabo que e ele aparece.
A desgraçada sabe que estou aqui, seu único objetivo é me deixar aterrorizada. A maçaneta redonda volta a girar, de um lado para o outro, de forma lenta.
Fecho meus olhos e começo a orar em silêncio. Todo meu corpo está rígido devido à tensão, e minhas mãos estão trêmulas. Sinto-me presa em um daqueles filmes de terror.
Os únicos sons que ouço no quarto é o leve ranger na porta, e, sem dúvida alguma, as batidas desenfreadas do meu próprio coração.
Por favor, Deus, não deixe que ela venha. Por favor, não deixe que ela venha... Suplico para que minha prece seja ouvida e que ela vá embora.
Minha pulsação acelera e um medo terrível invade-me. Continuo orando, sem cessar.
Minutos depois, não sei se finalmente alguém no céu, sentiu piedade de mim ou se ela apenas cansou-se da brincadeira macabra e, resolveu ir embora.
Respiro fundo tentando acalmar-me.
Ajeito-me na poltrona, procurando uma posição mais confortável. Fico olhando a porta, receosa de que ela volte.
Os minutos não andam, arrastam-se preguiçosamente sobre os ponteiros do relógio. Essa será uma noite muito longa.
****
A última coisa que eu me lembro, foi que briguei contra o sono, fervorosamente, mas pelo visto ele havia vencido.
O quarto está às escuras e sinto uma mão pressionando minha boca. Sou dominada por uma nova onda de pânico e luto para conseguir fugir.
— Calma — ouço o sussurro em meu ouvido. — Está tudo bem.
Graham!
Relaxo meus músculos ao reconhecer sua voz e deixo meus braços penderem ao lado do meu corpo.
— Eu vou tirar a mão, mas me prometa que não irá gritar?
Balanço a cabeça em resposta. Ele afasta a mão e da volta parando a minha frente.
— Como você...?
Olho por sobre o ombro e vislumbro a janela semiaberta.
— Como soube que eu estaria aqui?
— pergunto em um sussurro.
— Não sabia — ele sussurra de volta. — Esse é o único cômodo com fácil acesso à casa.
Caminho até a janela vejo os galhos da árvore próxima, não parece ter sido uma escalada fácil.
Ou ele é realmente muito bom ou eu estava cansada demais, pois não percebi um único movimento dele, nem fora ou dentro da casa.
— Regi, nós não temos muito tempo— Graham segura meu ombro, obrigando-me a encará-lo. — Elsa pode voltar a qualquer momento e irão religar a energia em breve.
— Elsa? — pergunto, surpresa.
Então ela não está na casa. Por isso havia me deixado em paz.
— Você sabe que aquela mulher...
— Sim eu sei — respondo, apressadamente. — Como você soube?
— As coisas não se encaixavam — murmura ele. — Robin pode ter matado a Lily, mas ele não agia sozinho. E tive a confirmação quando olhei para o seu rosto, e não falo apenas da marca deixada em sua pele.
— Vai nos ajudar, não é? — jogo-me em seus braços. — Tem que nos tirar daqui. Precisa encontrar a Emma...
Os soluços que escapam de minha boca impedem-me de continuar. Desde que soube que Elsa usurpou o lugar da irmã, essa é a primeira vez que me sinto segura novamente.
— Regi, ouça — inicia ele — eu sei o que você sente por aquela desgraçada.
Eu sentiria imenso prazer em dar uma morte tão lenta e dolorosa como ela merece, depois jogaria os destroços em uma sarjeta qualquer, mas eu não posso — ele respira fundo. — Ainda não.
— Por favor! — agarro-me a sua camisa. — Me tira daqui!
— Preciso mostrar uma coisa — ele afasta-me com cuidado e tira um telefone do bolso.
Quando meus olhos caíram sobre a imagem, minhas pernas perderam as forças. Se Graham não tivesse me amparado com os braços e me levado de volta à poltrona, eu teria desabado, com certeza.
— Deus! — levo-a a mão a boca para abafar meu grito aterrorizado. — O que estão fazendo com ela?
—Entende porque não posso tirar você daqui? Emma sofreria as consequências.
Tentar frear a cachoeira minando dos meus olhos seria o mesmo que tentar parar um Tsunami.
— Meu Deus, Graham! — tento controlar-me, mas as imagens são fortes demais para mim. Vê-la acorrentada na cama, sofrendo, sozinha, destrói o que ainda resta do meu coração.
Odeio Elsa com todas as minhas forças. Eu poderia matá-la agora mesmo, se surgisse diante de mim.
— Por que não foi atrás dela? — levanto-me exaltada.
Um dos bebês mexe-se e Graham balança o carrinho até o bebê voltar a dormir. Ele me guia até a porta. Assim que saímos, seguimos pelo corredor escuro, descemos as escadas e logo chegamos ao jardim.
— Aqui não há câmeras — murmura ele. — Não as que interessam a ela.
Não sei do que ele está falando, minha única preocupação é com Emma. A única explicação para que Elsa tenha saído de casa é para ter ido atrás da irmã.
— Ela vai matá-la — caminho de forma trôpega. — Por que você não a seguiu?
— Quando sai daqui, eu fui para casa onde juntei as peças. Eu voltei e passei o resto da tarde toda vigiando a rua — diz ele — Sabia que para ela ir até Emma, seria uma questão de tempo.
— Você a encontrou então? — pergunto, esperançosa.
— Não. Segui-a de carro até um hangar e de lá, ela pegou um helicóptero — murmura ele. — Deixei dois dos meus homens por lá para quando ela regressasse, e vim para ver como vocês estavam? No caminho, recebi as mensagens do Emma, mas desconfiei que fosse Elsa querendo me enganar.
— Como você sabe que não é ela, então?
Bem, eu não preciso daquela resposta, realmente. Aquela mulher na foto é a Emma. Ainda não consigo entender por que não percebi no exato momento que Elsa cruzou a porta, naquele dia. Dizer que estive abalada e emocionada demais ao rever meus bebês não me parece uma explicação suficiente. De alguma forma, eu soube e não quis aceitar isso.
— Eu a perdi — ajoelho-me na grama, desolada.
Vou perdê-la e nem ao menos pude dizer o quanto a amo. Talvez eu devesse ter feito a que aquela miserável queria desde o início. Entregar meu corpo em troca da liberdade da mulher que eu amo.
Afinal, Elsa conseguiria isso cedo ou tarde.
— Conseguimos rastrear de qual torre as mensagens vieram — Graham ajoelha-se ao meu lado. — Não é uma região com muitas residências. Fizemos o mapeamento do lugar e vamos invadir cada buraco que encontrarmos, Regi. Eu só preciso que fique bem. Que mantenha a cabeça fria e atrase-a o quanto puder.
— Elsa vai matá-la! — eu grito, exaltada. — Você não entende isso?
— Ela não fará isso agora — Graham segura meu rosto. — Ou já teria feito. Elsa sabe que para manter você e os pais dela calados, precisa de Emma viva?
— Os pais dela?
— Há capangas fazendo vigia na casa deles — murmura ele. — Para todos os efeitos, são homens encarregados da segurança, mas eu não os conheço.
— Por isso eles estavam estranhos — concluo. — Elsa estava chantageando-os.
— Killian, August e Ruby farão vigília lá fora, o tempo todo — Graham leva as mãos no bolso da jaqueta e entrega-me um aparelho redondo com um botão vermelho. — Esse é um aparelho do pânico, similar ao usado por pessoas vítimas de violência, claro que esse é modelo mais sofisticado, desenvolvido por minha equipe — ele me olha firme — A qualquer momento que você se sentir ameaçada, o alarme será enviado e quem estiver mais perto virá até aqui e para resgatará você e as crianças.
— Por que não a polícia? — pergunto, alarmada. —Ela ameaçou a Zelena...
— Por isso ela é a única que não sabe de nada ainda — murmura ele. — Invadiria essa casa, armada com uma metralhadora.
— Não quero que nenhum deles saia ferido, Graham. Por que não vamos à polícia e contamos tudo o que está acontecendo?
— Seria um risco alto demais — adverte-me ele. — Está pronta para isso? Além disso, eles são os únicos que podem entrar aqui sem levantar suspeitas.
Elsa não teria mais nada a perder se ela fosse presa antes de encontrarmos Emma. É isso o que ele quer me dizer.
Não, eu não posso arriscar sobre isso.
— Vai encontrá-la? Promete-me isso?
— Eu só preciso de um ou dois dias — garante ele.
Nesse momento, as luzes de dentro e fora da casa são acessas. As lâmpadas no jardim iluminam nossos corpos e só agora percebo que ele usa roupas pretas.
Há movimentos vindos do outro lado do jardim, vindos da garagem.
—Tem que voltar para dentro, Regi — ele me guia de volta. — Pode suportar isso por mais um dia?
Para que Emma continue viva?
Eu até seguiria Elsa para qualquer parte do mundo que ela quisesse. Mas eu não disse isso a ele.
— Graham — chamo-o assim que ele desaparece na penumbra. — Não a deixe morrer.
Apesar de não vê-lo mais, eu tenho certeza que me ouviu.
Eu volto para o quarto, para o meu cativeiro, minha prisão sem grade. Por sorte, as crianças continuam dormindo.
Alheias as maldades que as cercam.
Volto para poltrona imaginando quando voltarei a sentir paz outra vez.
Minha resposta — não a que eu gostaria, veio no clarear do dia.
Não foram os raios de sol em meu rosto que me despertaram, foi a forma rude que meus braços foram agarrados.
— Levanta! — o olhar desprezível conecta-se com o meu. — Nós vamos embora, hoje, agora!
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