- Eu ainda acho uma palhaçada essa história de que vocês ficam fazendo aposta com a vida dos outros... se isso é amigo, quero inimigos para quê?
Seulgi se encontrava no banheiro da casa de Joyce, apoiada contra o batente da porta enquanto expressava a sua indignação. Wendy Son, por sua vez, estava sentada em um banquinho deixado em frente à pia, com uma toalha amarrada ao redor dos ombros, encarando o próprio reflexo e mexendo nos seus fiozinhos ainda escuros. Tinha toda a vibe de Carolina Dieckmann em Laços de Família, com aquele beicinho triste. E foi com essa constatação mental que Seulgi tirou o celular do bolso e colocou “Love By Grace” de Lara Fabian para tocar. A Kang riu sozinha quando viu Wendy a fuzilar com o olhar, pelo reflexo do espelho.
- Cê não reclama que foi uma aposta feita com a melhor das intenções. – Seulgi olhou para trás ao ver Joyce retornar com todo o material que precisava em mãos. Joyce, inclusive, que parou antes de entrar no banheiro, olhando Seulgi de cima a baixo ao se dar conta da música que vinha do celular da Kang. Wendy revirou os olhos quando a Park começou a rir alto. – Mas tu não presta também, né, bicha?
- Deixa essa gay, o que é dela tá guardado. – Wendy, enfim, resolveu relatar o seu descontentamento com toda aquela situação. – Mas, assim, eu não poderia fazer isso sozinha? Porque, assim, menos humilhante do que ter que vir aqui só pra tu pintar minha cabeça e a Seulgi ficar rindo da minha cara.
- É o óbvio, miga, quem perde a aposta tem que pagar a prenda pelas mãos de quem ganhou. – E ver Joyce tão de baixo para cima fazia Joyce parecer mais alta do que o normal, para a Son. Isso junto ao fato de a Park enfim ter deixado todos os frascos de experimento cientifico sobre a pia fizeram Wendy engolir em seco. Disfarçadamente, é claro.
- Tá, se eu tivesse ganhado, eu ia ter que desenhar uma estrela no teu cu? – Wendy ergueu as duas sobrancelhas para a Park, que a encarou de volta sem nem mudar a expressão. Já Seulgi, tadinha, riu sem nem ter entendido direito de onde vinha aquela história de cu estrelado.
- Miga, aí que tá, cê nunca ia ganhar. Eu estava certa desde o primeiro capítulo dessa novela gay. – Joyce caminhou calmamente até estar atrás da Son, dando uns tapinhas de consolo nos ombros da Son. Não que Wendy tivesse ficado mais conformada com aquilo, mas, tudo bem. – Cês já deviam ter entendido que eu sei das coisas, sou um gênio incompreendido...
- Tá, gênio, e a Seulgi? Tá aqui pra que? – Wendy indagou, ignorando completamente a presença daquela que só servia para rir de sua cara e colocar música ruim para tocar.
- Ela vai filmar. – Joyce respondeu, com o mesmo tom de obviedade com que Seulgi ergueu o dedão para Wendy, em resposta positiva. – Aliás, Seulgi, pode começar filmando antes. Wendy, fala pra nós o que cê tá sentindo nesse momento.
- Que?! – Wendy arregalou os olhos ao ver Seulgi interromper a música e erguer o celular em sua direção. A Son só não levantou do banco porque as mãos de Joyce a seguraram no lugar. – Puta que pariu, mano, eu não aposto mais nada com vocês, nunca mais.
- Sabias palavras. – Joyce encerrou o “discurso” da amiga com mais tapinhas em seus ombros, até franzir a testa para Seulgi, que fazia de tudo para conter a risada. Se a Kang conseguia? Não. – Tu para de ser besta e segura esse celular direito, porra, vai ficar com a filmagem toda tremida!
- Não, deixa ela rir à vontade. Se sobrar tinta eu vou pintar o dela também, essa cara de pau. – Wendy fez a ameaça dela, que ninguém levou a sério. A não ser Seulgi, que até se virou em direção ao espelho, filmando o próprio reflexo, sabe-se lá porque, enquanto mexia nos próprios cabelos. Isso até fazer uma careta de desgosto para si mesma.
- Jesus, não. Credo, tá repreendido. Imagina a desgraça? – Seulgi torceu o nariz para a própria cara, do mesmo jeito que a Son também o fez, sabendo muito bem de quem a amiga estava emprestando aquele vocabulário todo.
- Que nada, a patroa ia achar maravilhoso. Tudo que tu faz ela acha lindo. A Seulgi: existe. A crente: falou tudo, perfeita, sem defeitos. – Joyce comentou, meio atenta às fofocas, meio atenta ao encarte com as instruções que tirara de dentro da caixa de tinta.
- E eu achava que eu era cadelinha. – Wendy concordou com a cabeça, esquecendo até de seu destino trágico por um momento quando o foco era falar mal de gays. – Aquela lá é a pior de todas, puta que o pariu, tô começando a preferir a era surtada dela. O pior é que ela acha que disfarça? Tipo, amiga?
- Realmente, homossexual terrível, aquela lá. – Joyce concordou com a cabeça ao largar o papel que estava em mãos em um canto da pia. Até se perdeu no que faria em seguida quando viu Seulgi piscando ambos os olhos, ou contorcendo a cara toda para piscar um só, enquanto mordia a boca, encarando o reflexo da câmera do celular que ainda tinha em mãos. – Gay, o que cê tá fazendo, pelo amor de deus?
- Gif. – Seulgi respondeu ao checar o resultado, rindo para a tela do próprio aparelho, questionavelmente satisfeita...?
- Joyce, joga logo a água oxigenada, mas nos meus olhos, por favor. – A voz de Wendy soou abafada, já que esfregava as mãos violentamente no rosto, perturbada, tamanha era a sua vergonha alheia.
- Cê não vai mandar isso pra quem eu tô achando que cê vai mandar, ou vai? – A Park perguntou, igualmente em choque. Se Seulgi respondeu? Não, apenas riu que nem idiota ao digitar sabe-se lá o que em seu celular. – Por favor, me diz que a Irene não cai nisso, ou eu vou ser obrigada a cancelar ela tudo de novo.
- Realmente, se eu tava começando a ter algum respeito por ela, acabou de ir pro buraco. – Na verdade, Wendy estava perdendo um pouquinho do apreço que tinha pela amiga também. É que Seulgi tinha ficado encalhada por tempo suficiente para a Son esquecer o quanto a amiga era trouxa.
- Para de gastar bateria com baitolice porque a gente vai precisar de memória pra gravar a reação da Wendy. – Joyce cutucou Seulgi, ao tentar abrir o pacotinho do pó descolorante com os dentes. Era uma decisão esperta? Não muito, mas vocês não devem ter muitas expectativas quanto ao Q.I. daquelas três, à essa altura. – Aliás, tá com o link do tutorial que eu te mandei? Abre o vídeo aí pra mim, por favor.
Wendy suspirou em desânimo ao encarar o reflexo, admirando o seu cabelo tão pretinho e saudável uma última vez. Contanto que aquelas duas não a deixassem careca ou derretessem seu cérebro com produto químico, ela ainda poderia resgatar a própria imagem com profissionais, não é mesmo? Fora isso, a Son só esperava que aquilo não fosse levar embora a sua tarde toda.
...
Quando Seulgi topou o convite de Joyce, ela não esperava que pintar a porra do cabelo de alguém fosse levar a tarde e a noite inteira. Estava largada no sofá da sala de Joyce, mimando Reizinho no colo enquanto apenas assentia em silencio para toda e qualquer coisa que a senhora Park comentasse para ela, sobre toda e qualquer cena que se passasse na novela das nove. Igualzinho o marido da mulher de meia idade também fazia, desinteressado.
Ah, Reizinho, aliás, era o cachorrinho de Joyce. O motivo do nome era óbvio: todo mundo fazia as vontades do pequeno maltês como se ele fosse o dono da casa, por ter sido adotado bem novinho.
E Joyce ainda tirava sarro do nome da gata de Seulgi. Vê se pode?
Seulgi até tentara escapar daquela situação, naquele meio tempo em que esteve ali. Não que mandar um “socorro” para Irene fosse resolver alguma coisa. Até porque tudo o que Irene respondeu fora um “me manda foto quando terminar”. Nem uma palavra de consolo, uma falsa promessa de ir resgatá-la, mesmo que fosse de busão, um “não fica assim que logo termina, meu bem”, nada. Tombada, era assim que Seulgi se encontrava, enquanto esperava Joyce ajudar Wendy a secar os cabelos, no quarto da Park.
Seulgi agradeceu aos céus quando ouviu o barulho do secador de cabelos cessar.
- Seulgi, chega mais!
Ao ouvir o berro de Joyce, Seulgi tirou o cachorrinho do colo e o deixou no sofá, no lugar vago ao seu lado, antes de se levantar e seguir até o quarto da amiga. A Kang teve que cobrir a boca para esconder o riso, assim que abriu a porta e deu de cara com Wendy, sentava aos pés da cama de Joyce. E, não, não tinha dado ruim. O engraçado mesmo era a cara de desespero da Son, porque Joyce fizera questão de manter o armário do banheiro aberto e impediu Son de chegar perto de qualquer superfície que a permitisse de ver o próprio reflexo, até então.
- Mano, agiliza isso que eu tô pra dar na cara das duas rindo pelos cantos aí. – O que não impedia Wendy de trazer uma mexa de cabelo num loiro tão clarinho à frente dos olhos, fazendo uma careta de quem se perguntava se aqueles fios eram realmente seus. E contanto que sua raiz estivesse daquele jeito, e não laranja ou ressecada como palha, não seria o seu fim. A grande questão era se aquilo tinha combinado com sua cara ou não. Na verdade, era o maior problema, já que careca, ao menos, ela não havia ficado.
- Tudo pronto aí? – Joyce perguntou e viu Seulgi fazer um joinha ao erguer o celular em direção à Son outra vez. – Beleza, miga, pode olhar agora. – E se sentindo como um daqueles apresentadores de programas de transformação de tribufus em princesas, Joyce devolveu o celular de Wendy para a dona. Wendy que, apressada, abriu o aplicativo da câmera frontal do aparelho, como se nunca tivesse se visto na vida.
E não tinha, mesmo. Pelo menos não loira daquele jeito.
- Eu não tô careca... – Wendy sussurrou, ainda abismada com a própria imagem, tocando no próprio cabelo como quem vê mechas claras daquele jeito pela primeira na vez na vida. – Puta que pariu... – Ah, por segurança, Wendy checou a divisória dos cabelos também. Não, suas raízes não estavam na cor laranja, ou quebradas, seu couro cabeludo não estava queimado e nem havia pedaços aleatórios de sua cabeça faltando cabelo. – Nossa, meu, eu muito que me faria, puta que pariu, quem é essa gostosa? Nossa, gata, se beleza fosse dinheiro, cê seria o Banco Central, sua linda.
- De nada, miga, cê tá gata, mas seja menos, por favor. - E depois de ouvir aquela auto cantada horrorosa, Joyce fez um gesto de corte com os dedos que Seulgi entendeu na mesma hora como sendo um sinal para que encerrasse a gravação. A Park gostava, sim, de fazer Wendy passar vergonha, mas até humilhação tinha um limite, não? Depois Wendy se perguntava o porquê de não pegar mulher.
- Oh, Wendy, olha pra cá. – Wendy, aliás, que franziu a testa ao ver Seulgi com a câmera do celular apontada para si, outra vez. Não tinha parado de gravar? – Faz uma cara bonita. A Rene pediu pra mandar foto.
- Puta que pariu, gay, “Rene”? – Joyce contorceu tanto a cara ao questionar aquilo que pareceu até uma disputa entre ela e Son, por quem conseguia fazer a pior careta de nojo.
- É, eu ouvi a mãe dela chamando ela assim e achei bonitinho. – Seulgi justificou sem dar muita importância às outras duas, ocupada demais ao enviar a foto que tirara sem permissão para a Bae.
- Gay, cê chama a mina com quem tá de rolo pelo apelido que a mãe deu pra ela? – Wendy teve até que parar de se admirar por uns segundos, por indignação, mesmo.
- O importante é que funciona e ela gosta. – Seulgi assentiu, confiante e exibida demais, na opinião da Son. – Cês tem que ver, ela desmonta toda, quando eu chamo desse jeito. Melhor que calmante. Acaba com a marra dela em dois segundos.
- Prefiro ficar cega a presenciar isso, obrigada. – Wendy fez careta ao negar com a cabeça. O que via na escola já era tortura o suficiente.
- Olha, se funciona pra acalmar os surtos da surtada, eu julgo um pouquinho menos. – Joyce, porém, concordou com a cabeça ao cruzar os braços. – Mas cês já tão na era de dar apelido gay uma pra outra, viada? Ela te chama do que, então?
- Seulgi. - A própria respondeu. E Wendy fez um facepalm. – Só Seulgi mesmo.
- Ai, que gay seca. – Já o rosto de Joyce se torceu em uma careta outra vez.
- Ah, mas ela fala de um jeito mó bonitinho, toda manhosinha, fazendo vozinha, parece um neném. – E Seulgi partiu em defesa da Bae, já que a dita cuja não estava ali para o fazer. - Dá vontade de esmagar, cês têm que –
- Não, Seulgi, a gente não tem que ouvir isso também. – E pior que ter que ouvir Seulgi a dizer que Irene fucking Bae parecia um neném, ao menos para Wendy, era tanta viadagem estar começando a engatilhar a própria carência.
- Tá, então posso ir embora agora? – Seulgi encarou as amigas, ao guardar o celular de volta no bolso traseiro dos shorts. Joyce, de pronto, negou com a cabeça, gesticulando para que ambas a seguissem para o banheiro. Seulgi suspirou em derrota e Wendy, de cansaço, antes de se levantar e seguir a Park.
- Eu não fui cabeleireira de uma e enchi o bucho das duas pra arrumar a bagunça toda sozinha. Quem não quiser ajudar com a louça que arrume aquela zona do banheiro, pois não sou empregada de ninguém, não! Quero ver gays trabalhando!
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