- Menina, para de ficar se olhando nessa câmera! Isso é narcisismo ou tu é só gado, mesmo? Já disse que teu cabelo tá bom, para de ficar mexendo, logo tá puro óleo.
Irene abaixou o celular que apontava o rosto só para poder fechar a cara para Yeri Kim. Por que tinha convidado a vizinha para a sua festa de formatura, mesmo? Certamente, não foi para Yeri tirar uma com sua cara. Mas, apesar de irritante, Irene conseguia admitir que a mais nova estava bonitinha, toda arrumada, como se a formatura fosse dela. Parecia até uma mocinha. Para contextualizar, as mais novas e a mãe da Bae tinham acabado de sair de um carro pedido por aplicativo e caminhavam em direção à entrada da casa de eventos, onde ocorria a festa de formatura dos terceiros anos do colégio São Leopoldo. Então, em vez de ficar reclamando com Irene, Yeri devia estar era agradecida por Irene ter considerado dar um convite a ela.
- Os convites, para quem vai na frente. – Tiffany estendeu o envelope entre as duas que seguiam à frente, e Irene o pegou, em vez de dar uma resposta que Yeri certamente merecia. Não que Irene tivesse pensado em uma, mas tudo bem. Poderia ter pensado. Só não pensou porque estava, hm, nervosa. E pouco tinha a ver com inseguranças em relação ao cabelo ou qualquer coisa que fosse. – Ah, olha, que ótimo! Seulgi também já está aí!
Era por isso. Quer dizer, não exatamente por causa de Seulgi, porque... Ok, talvez, agora, um pouquinho. Porque Seulgi... Tipo, uau.... era difícil articular, porque, assim, bonita Seulgi normalmente já era, mas... Irene definitivamente não ficou para trás, sorrindo que nem besta, assim que a Kang ouviu o nome ser chamado, acenou para as recém-chegadas e sorriu em direção a elas. Tipo, o sorriso de Seulgi era muito bonito, também, mas Seulgi estava praticamente brilhando, naquela noite e... Eram Tiffany e Yeri que estavam caminhando rápido demais, na verdade. Irene definitivamente não ficou em choque com a beleza da namorada, porque, poupem a Bae, ela já estava a acostumada a olhar para aquela cara quase que todo santo dia.
Mas, assim, de verdade, Seulgi estava tão... com os cabelos alisados, a maquiagem que marcava bem o desenho dos olhos, com um vestido acentuava bem as curvas de sua cintura fina e com uns saltos que, apesar de não muito altos, valorizavam, ainda mais, aquelas....
- Aí, carai, mais uma yag formada! Só orgulho!
E Yeri estava tão morta. Muito morta. Mas tão morta... Como se não bastasse falar besteira na frente de Tiffany, estava falando baboseira na frente dos pais e irmão de Seulgi. Vê se não dá vontade de estrangular uma criança? Tá, tudo bem que, provavelmente, os mais velhos não entenderam bulhufas do que a Kim dissera, mas, mesmo assim! E como se não bastasse aquilo, Yeri deu passinhos apressados e abraçou a Kang dum jeito desnecessariamente exagerado, as balançando de um lado para o outro, enquanto eram forçadas a girar no próprio eixo, tudo por culpa da Kim. E o que Seulgi fazia, além de agradecer? Isso mesmo, só ria.
Na verdade, todo mundo ria. Irene era a única passando constrangimento com a cena, mesmo. Mas, como julgar a Bae, numa situação daquelas? Era sua mãe, a família de Seulgi, todo mundo junto e misturado. Muita coisa para processar. Seu coração batia tão forte quanto os bumbos da música que vinha do lado de dentro da casa de festas.
Como Irene deveria cumprimentar Seulgi, numa situação daquelas? Certo... Yeri e Tiffany tinham cumprimentado a garota com abraços. E era como Irene normalmente a cumprimentaria, com um abraço breve, é claro, nada no nível de Yeri, fosse na frente de sua mãe ou da mãe da garota, mas... Era muita gente, muita coisa acontecendo. E tinha Tiffany cumprimentando os pais de Seulgi como se aquela fosse uma situação qualquer, e tinha Yeri fazendo um toquinho de mãos com Seojun como se fosse íntima do rapaz e...
- Cê tá linda. – E o abraço meio por trás, meio torto, que Seulgi a deu ao deixar um rápido beijo em sua bochecha foi tão breve que o susto de Irene durou mais tempo. Foi a ação repentina e inesperada, com certeza, duma ligeirice sem tamanho, aquela de Seulgi, que causou, em Irene, um frio tão grande no estômago e uma quase taquicardia.
Só que Irene não teve tempo para agradecer e muito menos para retribuir o elogio. Não que não tivesse tentado, porque Irene até abriu a boca para dizer algo – ela só não sabia o que, mais uma vez -, mas, antes que sua voz saísse, a mãe de Seulgi veio em sua direção para cumprimenta-la também, com os mesmos desejos de parabéns pela formatura. E com um breve abraço. Irene ficou sem saber se agradecia pela iniciativa da mulher – que Irene certamente não teria -, ou se praguejava, porque aquilo estava sendo como um teste para a saúde do seu coração. Felizmente, porém, um aperto de mãos bastou, para cumprimentar o pai e o irmão da Kang.
Irene esperava que fosse um estresse temporário, porém, pois, com toda a certeza, não sobreviveria, se tivesse que lidar com aquilo pelo resto da noite.
- Se a gente tivesse combinado de chegar junto, alguém teria tido algum contratempo, certeza! – Não era surpresa para Irene que quem liderasse a conversa fosse sua mãe, como sempre, o que a Bae agradecia. Porque, assim, Irene estava se sentindo um tanto quanto travada, sem saber se devia prestar atenção na conversa das mais velhas, ou se preocupar com que tipo de besteiras Yeri estava sussurrando no ouvido de Seulgi, naquele momento.
- E não é, menina? São só vocês três, não são? – Irene ouviu a mãe de Seulgi perguntar e, por via das dúvidas, assentiu em conjunto com a mãe. – Vamos juntar as mesas, então, o que acham?
Irene achava a péssima ideia, mas não adiantava ela achar isso, porque Irene sabia qual seria a resposta de Tiffany.
- Eu acho ótimo!
Seria essa, a resposta de Tiffany.
É. Era com aquilo que Irene devia se preocupar. E com a fila, que não andava. Qual era a dificuldade daquele moço na porta, meu Deus? Era só contar o número de ingressos de cada um e o número de acompanhantes! Irene só precisava de uma mudança de ambiente para repor a compostura, mas, aparentemente, pedir por aquilo também era pedir demais.
- Seulgi, filha, cheguem mais pra cá!
E ouvir a voz de Tiffany estava começando a deixar Irene com medo, mais do que apenas a despertava dos próprios pensamentos. Medo que se mostrou justificável quando viu a mãe erguer o celular com uma mão, enquanto a outra gesticulava para que as formandas se aproximassem de um canto mais iluminado, ali perto da entrada, propositalmente feito para que os alunos posassem para as fotos, antes de entrar.
- Mãe... – Ou para que mães de alunas choramingonas insistissem que as filhas largassem de frescura, ao negar com a cabeça violentamente.
- Hoje a senhora não me escapa. Vamos, deixe de ser chata. – Tiffany apontou de Irene para o local de fotos e, sabendo que não teria como discutir com a mãe em uma situação daquelas, a Bae apenas obedeceu. Resmungando que “não sabia posar para fotos”, mas obedeceu.
- Sorri pra câmera, né? Vai vestir essa cara de cu até hoje? – E Yeri que tinha se juntado à cena completamente desnecessária, para piorar tudo, observando a tela do celular da Hwang para ver o que a câmera capturava.
- Olha a boca, garota! – E sim, a repreensão veio por parte de Irene, que fechou ainda mais a cara para câmera do celular, sabendo que a Kim a encarava por ali.
- Seulgi, faz alguma coisa aí pra ela dar risada. – E se Yeri ligou? Como sempre, não. Fez foi tirar mais com a cara da Bae. E funcionou tanto que até Tiffany riu, para deixar a filha ainda mais pistola.
- Que? – A desatenta, ou desentendida, fora a Kang, também, obviamente.
- Só tira a foto logo! – Tão revoltada quanto constrangida, Irene reclamou mais uma vez. Sorriu para câmera, mas apenas por tempo suficiente para que a mãe pressionasse o botão do obturador duas ou três vezes. E se achou que tinha se livrado, estava enganada, porque logo a mãe estava cutucando Seulgi e apontando para o lado da filha.
- Quero uma com as duas, também. – Tiffany disse, na mesma hora em que Irene suspirou ao cobrir o rosto com as mãos. Sem esfregar, apesar da vontade. Seulgi, por sua vez, que parou ao lado de Irene a quase um metro de distância, mas parou. E Irene, que deu mais um passinho para o lado oposto, a fim de centralizar as duas. O que não deixou nem Tiffany, nem Yeri, muito contentes. Na verdade, a expressão das duas era a mesma, uma mistura de tédio com descrédito, e um pouquinho de falta de paciência para com aquelas duas. – Seulgi, querida, eu sei que você abraça minha filha quando eu não estou olhando. Não faça cerimônias, por favor.
- Isso aí, vamo agilizando que eu quero comer. – Yeri também se juntou aos gestos feitos com a mão, para que as duas largassem daquelas frescuras delas. E coube à Seulgi acabar com a distância, indo mais para perto de Irene ao passar um braço ao redor de seus ombros. Notando, inclusive, que aparentemente estavam com a mesma altura, naquele dia. Uns centímetros a mais para ambas, de fato, mas, da mesma altura, entre si. E se o constrangimento de Irene acabou após o flash quase cegá-la mais uma vez? Não acabou. Porque mal Irene piscara mais de uma vez e uma Yeri selvagem apareceu do nada à sua frente, abrindo espaço entre ela e Seulgi para se acomodar ali no meio.
- Que cê tá fazendo, pelo amor de Deus? – Irene franziu a testa para Yeri que, além de ser daquela forma, tão sem consideração, abraçou Seulgi pela cintura com os dois braços, se aconchegando ali, toda pitica, como se Irene não estivesse ali do lado e não fosse aparecer na foto também.
- Tia Fany vai tirar uma minha também, até porque eu quero registrar que estive nesse momento. – Yeri respondeu, já sorrindo para a câmera. E Seulgi? Bem, Irene não sabia porque ainda se perguntava pela reação de Seulgi, quando sabia que a garota estaria apenas rindo, como sempre. Revirar os olhos foi a resposta automática da Bae. – Chega junto logo, não precisa ter frescura comigo também, não.
E foi assim que Irene entendeu o motivo de a fila demorar tanto para andar. Isso porque Tiffany também quis tirar uma foto com ela presente. Yeri também quis, claro que quis, tirar uma foto com Tiffany e a formanda, também, e logo os pais de Seulgi quiseram fazer o mesmo com a filha. Felizmente, Yeri não se ofereceu para tirar uma foto junto com os Kang porque, conhecendo a figura, Irene não duvidava nada da possibilidade. Seria vergonhoso demais.
Mesmo perdendo mais tempo do que o necessário, conseguiram entrar no salão de festas após alguns minutos, enfim, e Irene pôde respirar aliviada. Sim, tinha música alta, mas nada extremamente absurdo, já que o falatório nas mesas também era grande. Havia lasers e luzes piscantes aqui e acolá, mas não estava escuro o suficiente para que aquilo incomodasse demais a vista. Ainda não estava cheio, então também não foi difícil encontrar um par de mesas vazias, que pudesse acomodar Seulgi, Irene e seus convidados. Os mais velhos se sentaram primeiro, e Irene estava prestes a o fazer também, se a voz de Yeri não tivesse chamado a sua atenção.
- Ih, ó só quem já tá aqui?
Tanto Seulgi quanto Irene seguiram o olhar da Kim e, não muitas mesas mais a frente, encontraram Joyce Park, Wendy Son e Jennie Kim sentadas juntas em uma mesa, acenando com os braços e sorrindo em direção a elas.
- Se quiser sentar com elas, fique à vontade, viu? – Seulgi tornou sua atenção para a mesa mais próxima, assentindo ao ouvir a voz da mãe. Irene, por sua vez, que lançou a pergunta silenciosa para Tiffany, que também acenou positivamente com a cabeça.
- A festa é de vocês, aproveitem. – A Hwang respondeu, com o sorriso de quem realmente ficaria ali por um tempo sem problema algum.
- Então bora que eu já tô vendo salgadinho na mesa delas. – Yeri foi quem tomou a dianteira, e Seulgi, pelo braço, arrastando a Kang junto consigo. E Irene? Foi obrigada a seguir, revirando os olhos ao cruzar os braços. Assim, era legal que sua melhor amiga e namorada se dessem tão bem? Era. Mas Seulgi mimava Yeri demais, tanto que a Kim a fazia de trouxa, se Irene deixasse. Era difícil, ter que tomar conta de duas crianças.
Tiffany Hwang, por outro lado, ficou a observar as três se afastarem em direção à mesa das amigas com muito mais paciência e ternura. Com um sorriso orgulhoso, de fato, porque seu neném estava se formando no Ensino Médio, pensa nisso? Era estranhíssimo, encarar aquela realidade. Se o fato de a filha ter se tornado maior de idade ainda lhe custava tempo para ser processado, imagine só agora? Indo para a faculdade, dali a uns meses; saindo, graças a Deus, com as amigas com mais frequência; enfim em um namorinho que parecia estar sendo levado bem à sério por ambas as partes, o que, nos dias de hoje e naquela idade, era um fato relevante; e logo mais tomando decisões cada vez mais importantes para o rumo da própria vida.
É, fora aos trancos e barrancos, mas, no fim das contas, achou que tinha feito um bom trabalho.
- Elas crescem muito rápido, não? – Tiffany comentou para a mulher ao seu lado, que assentiu de primeira. Parecia ter sua atenção e quiçá os pensamentos nos mesmos lugares que a Hwang. – Parece que outro dia eu estava deixando Irene na pré-escola. O chororô que essa menina fez, meu Deus... Queria porque queria ficar com a vó, em casa. Foi duro de convencer a ficar na escola, viu? O pior é que eu fiquei com dó da bichinha, tadinha. A idiota aqui voltou pra casa segurando o choro.
- Ah, com esse daqui foi igual. – A mais velha concordou com a cabeça outra vez, mas apontando para o filho mais velho, que tinha uma conversa paralela com o pai, ali ao lado. – Com Seulgi... Foi eu deixar ela na porta da sala e pareceu que eu já não estava mais ali. Ela, sem exagero, saiu se apresentando para todos os coleguinhas que estavam na sala e me mandou embora quando viu que eu ainda estava ali, de olho. Pensei “pronto, já sei quem vai ser a peste da classe”. – Tiffany riu tanto da narração, quanto de como a senhora Kang levou uma mão a testa, em meio a sua encenação. – Felizmente não, só era meio tagarela, mas nunca deu trabalho.
- A Seulgi é boazinha. – Tiffany também aquiesceu e viu a mais velha sorrir para ela.
- Só podia ser menos avoada. Mas nisso, ela, o pai e o irmão... tudo farinha do mesmo saco. – A Dona Kang negou com a cabeça em meio a um suspiro e Tiffany riu em uma concordância silenciosa. Bem, pelo menos quanto a parte de sua norinha, ela podia concordar. – Mas ela leva as coisas que são realmente importantes à sério, então tudo bem.
- O problema da Irene é justamente esse. Ela leva tudo muito à sério. Demais. Mas está melhorando, aos pouquinhos... – Tiffany comentou. Aquele era outro ponto em que ela e a filha tinham pouco em comum, inclusive. Para Tiffany, custou um tempinho para que começasse a levar a si mesma daquela forma.
- Está reclamando do que? Nas reuniões eram só lamentações dos pais, “nossa, como eu queria que o meu fosse que nem a filha da Hwang”. – Tiffany riu, porque sabia que não era mentira, mas... – Sua menina, também é uma boa garota. Acho que por isso foi mais fácil, você sabe... A gente cria certas expectativas, e apesar de eu já ter uma pulguinha atrás da orelha, com Seulgi, a gente se convence que é coisa da nossa cabeça e vai empurrando com a barriga. Até não ter como adiar mais.
- É, eu sei como é... – Tiffany assentiu lentamente, já que era a primeira vez que conversavam especificamente sobre aquilo. – Mas, dizendo pela minha, foi contra as expectativas que ela mesma tinha, então quem sou eu para esperar alguma coisa? – Tiffany indagou e percebeu a mulher aquiescer lentamente também. – É uma possibilidade, não? A gente só ignora que ela existe. No fim os filhos só são quem são e, contanto que não faça mal a ninguém, a gente só pode incentivar.
- E elas se dão bem... – A mais velha concordou, indicando com o queixo na direção à mesa onde as seis mais jovens conversavam animadamente. – Passado o choque, eu fiquei aliviada por ser a Irene. Não apenas por te conhecer, mas ela também é um amor, de tão educada. O ruim é que às vezes eu tenho que me esforçar tanto pra fazer ela se soltar... e no fim ela me responde com no máximo duas palavras, que eu mal escuto, ainda por cima! Avise sua filha que eu não vou morder ela, por favor.
- Eu disse que ela é rígida demais pras coisas! – E se Tiffany riu alto, foi porque conseguia imaginar perfeitamente a filha em uma situação daquelas. – E isso me deixava aliviada, no começo, porque o que eu definitivamente não queria para ela é que repetisse umas decisões não muito espertas que eu tomei quando tinha mais ou menos a mesma idade... Mas, ao mesmo tempo, começou a me deixar preocupada, sabe?
- É, sei. Eu pensei que Seulgi falasse pouco, mas a sua... – E a Dona Kang concordou com um gesto de cabeça, junto com a Hwang.
- Não é? Desde pequena, sempre foi preocupadinha com tudo, e minha mãe só alimentava isso. Dava pra entender, porque ela não querer que a neta fosse pelo mesmo caminho que a filha, mas ela era muito rígida com a menina. – Tiffany negou com cabeça, mas, só em partes, por causa da mãe. Vendo em retrospectiva, a mulher tinha razão, em certas situações. – Não que eu ou o pai dela ajudássemos, também. Porque, sim, minha mãe exagerava, mas eu não sabia criticar isso de um jeito maduro e sempre acabava em bate boca. O pai se estressava com o trabalho e descontava a culpa em nós duas, como se filho se criasse sozinho. Saía pra beber, pra “relaxar do trabalho”, e quando tava encostado, também era motivo pra briga, porque minha mãe se intrometia. Não era um ambiente lá muito pacífico, e mesmo depois de descobrir que ele aprontava, eu demorei demais pra ter coragem de pedir divórcio.
- E por quê? – A Senhora Kang interveio. Aparentemente, estavam tomando turnos, com os desabafos.
- Não fazia muito tempo de que minha mãe tinha falecido, então as coisas em casa ainda estavam meio... – Tiffany meneou com a cabeça para os lados e a mais velha aquiesceu, compreensiva. – Eu fiquei preocupada que o baque fosse ser forte demais, se o pai também saísse de casa. Mas Irene foi ficando mais velha, e boba ela nunca foi. Bastou ela entender o que tava acontecendo pra começar a bater de frente com o pai. Feio. Foi um choque em dobro, porque, antes disso, Irene nunca batia boca com ninguém. Também porque, quando era pequena, ela e o pai se davam super bem, então...
- Manter o pai em casa não estava ajudando. – Dona Kang se adiantou e Tiffany concordou com a cabeça para a conclusão da mais velha.
- Até hoje, eu acho que ela tem mais rancor do pai do que eu. – Tiffany prosseguiu, com um riso fraco. – As coisas foram se ajeitaram, depois do divórcio. Na verdade, começaram a ser tranquilas só a partir disso. Mas Irene sempre foi muito quieta comigo, então, sem as discussões com o pai, eu ficava sem saber direito o que se passava na cabecinha dela. E era difícil convencer a menina a falar, viu? – E a outra mulher concordou porque, bem, para ela, ainda era. – Mas, esse ano, depois de falar sobre Seulgi, ela tem se aberto mais comigo. Percebo que ela fica toda nervosa e tímida, mas fico feliz só de ver ela tentando. – Tiffany também achou que acabar seu desabafo com uma brincadeira positiva seria o melhor a se fazer. Era formatura de sua única filha, ela já estava emocionada o suficiente. – Então, sim, Seulgi também foi uma surpresinha positiva, no fim das contas. Um alívio, de certo modo. É bom saber que Irene tem a cabeça no lugar, apesar dos pesares. E outra, elas ficam fofas, juntas, não?
...
E se tinha uma coisa que também era consenso era que, aquelas seis juntas, faziam um barulho infernal. Ai de quem se sentava nas mesas ao redor, tendo que lidar com Joyce Park a proclamar seus absurdos para os quatro ventos, alto o suficiente para quem que quisesse ouvir, ouvisse; Wendy Son elevando a voz da mesma forma sempre que que discordava ou precisava muito corrigir alguma baboseira dita pela amiga; como Jennie Kim exclamava alto sempre que alguma informação muito bafo deixava os lábios da Park; como Yeri Kim gritava e apontava ao tirar sarro de algo duvidoso dito por alguém – normalmente Seulgi ou Wendy –; e, o pior de tudo, quando Irene Bae se juntava à bagunça. Aí a dúvida ficava entre quem berrava mais para falar, se era a Bae ou a Park.
Em termos de risada, Irene certamente ganhava. Na verdade, o salão inteiro devia ficar sabendo sempre que Irene achava algo completamente sem noção e estúpido a coisa mais engraçada do mundo, porque o humor da Bae era um tanto quanto... diferenciado.
- Oh, mas, mudando de assunto, como cês foram no Enem, todo mundo? – E quem apaziguou o caos que ali estava instaurado, acreditem se quiserem, foi Yeri. Isso porque a Kim estava indo para o segundo ano, poxa, tinha que sondar o maior número possível de pessoas para se dar bem quando fosse sua vez.
- Olha, eu fui melhor do que eu esperava. – Wendy foi quem tomou a dianteira, dando um sorriso esquisito, de quem estava orgulhosa do próprio resultado. – Teria ido melhor na redação se eles não usassem um gerador automático de temas pra decidir, porque, oh, prova pra ter assunto bosta. Não tem um ano que o povo não reclame do tema da redação!
- Pois é, meu, “acesso democrático ao cinema” ou sei lá? Tem gente que não tem nem energia elétrica! – Jennie compartilhava da mesma revolta, aparentemente, já que arregalava os olhos tanto quanto a Son. – Quem liga pra cinema, numa situação dessas? E outra! Tem aquele tio da banquinha, que fica ali do lado da escola. O cara vende cinco DVDs por dez conto, inclusive lançamento, quem quer ir pra cinema assim?
- E outra, dois mil e vinte e um! Ninguém nem compra DVD, mais! – Wendy concluiu, como se aquele seu argumento concluísse qualquer coisa. Devia ser a tinta interferindo nos neurônios e, contanto que a Son não tivesse usado aquele tipo de argumento no próprio texto, estava tudo bem. O pior é que Jennie concordou bastante entusiasmada. O resto franzia a testa, inutilmente tentando encontrar algum sentido na lógica das duas.
- Eu até que me virei na redação, o negócio pra mim foi a parte de ciências da natureza... – Seulgi comentou em sequência, pensativa. – Principalmente química, tem uns negócios que nunca entraram na minha cabeça e aparentemente nunca vão entrar.
- Pois eu fiz a prova toda baseada em coisas que entraram em minha cabeça. – Joyce falou e Irene franziu a testa para ela, já segurando a risada, porque sabia que dali sairia algo completamente sem noção. Pior que a discussão entre Jennie e Wendy. – Teve umas horas que eu meti o Chico Xavier e só recebi as respostas, tipo assim. – E na mesma hora em que Joyce fez a sua atuação, levando uma das mãos a testa enquanto a outra pintava as bolinhas de um gabarito invisível, Irene fez questão de avisar para o salão inteiro, outra vez, que havia achado a comparação, nossa, muita engraçada. – Pior que eu fiquei na média. Se eu não fui iluminada pelo Espírito Santo, eu não sei o que eu fui. Mas, foda-se, não é como se eu fosse fazer Medicina na USP. Tá bom pro gasto.
- Joyce foi tão gênio que passou na prova Enem viu. – E vocês só entenderam a piada péssima de Seulgi porque, felizmente, tem a narradora aqui que transcreve as palavras dela para vocês. Porque o resto, só ouvindo aquilo, precisou de um minuto inteiro para entender porque diabos a Kang estava se matando de rir, sozinha. Quando o trocadilho clicou, as caretas e reviradas de olhos foi generalizada.
- Ah, não, gay, nossa, não, nasce de novo pra ver se dá certo na próxima encarnação... Nossa, não! Cê destruiu o legado da sua família inteira, com essa. – Wendy, como sempre, exagerou na careta de desgosto que fez para a amiga, ao negar com a cabeça. Tá, talvez daquela vez não fosse apenas exagero. A piada fora realmente horrível e ninguém entendia como Seulgi ainda estava rindo daquilo.
- Tá, mas, e o orgulho da mamãe, como foi? – Joyce mudou de assunto, ou melhor, de foco, antes que coisa pior saísse da boca da Kang. Irene que tratou de responder logo, pelo mesmo motivo.
- Ah, eu fui bem. Eu tirei um pouquinho a mais do que queria na redação, então... Acho que dá pra usar a nota tranquilo em qualquer faculdade. - Só que Irene também não teve chance de desenvolver mais a resposta, se fosse ser o caso, porque Yeri se pôs a falar no momento em que a Bae abriu a boca para prosseguir.
- Mentira dela, ela tá sendo humilde. Foi bem pra caralho. Essa daí sim entra na USP se quiser. – Sim, aquele era o exposed de Yeri. Levou um pescotapa pelo palavrão, mas aquilo a Kim já estava esperando. – Tá, talvez tenha exagerado? Talvez, mas se tu quisesse entrar numa pública, tu entrava fácil.
- E tu não quer por que? – Jennie franziu a testa ao direcionar a sua pergunta para a Bae.
- Eu entrei em contato com umas faculdades, fiz as contas e... Eu acho que consigo uma bolsa bem grande na que eu quero, não tem sentido eu fazer minha mãe me bancar em São Paulo se o curso daqui tem a mesma nota. Seria legal, mas eu me garanto estudando. E outra, se for pelo nome ou pesquisa, eu posso conseguir isso com uma pós. Melhor inclusive, subir por um dia só, se for o caso. – E sim, a criatura estava na formatura do Ensino Médio pensando no que faria depois da colação de grau da faculdade. Você pode até pensar que, daquela vez, pelo menos, não dava para julgar Irene, mas para Yeri... para Yeri Kim, sempre dava para pegar no pé de Irene.
- Isso daí é a justificativa racional que ela dá pros outros, na verdade todo mundo sabe que é por causa de buceta. – Foi o que saiu da boca da Kim, para a alegria da mesa. Yeri levou outro pescotapa? Levou. Aparentemente não só pelo palavreado, pela cara de indignação que Irene dirigia a si. Mas foi por pouco tempo, porém, porque a Bae logo transferiu a atenção para o lado oposto, ao ouvir aquelas risadinhas roucas.
- Qual a graça? – Irene até ergueu uma das sobrancelhas ao questionar. Não que tivesse funcionado para fazer a Kang parar de rir daquele jeito besta. Não que Seulgi fosse a única, mas, enfim.
- Cê sabe que eu sobrevivo te vendo só no fim de semana, não sabe? – Então Seulgi queria brincar? O fato de as amigas terem achado o mínimo de graça que fosse naquilo, sim, para Irene, foi hilário.
- E cê realmente tá achando que eu não vou por sua causa? – E, se por um lado o sorriso confiante da Bae cresceu, as risadas de Seulgi cessaram até não sobrar nem o mínimo resquício de um sorriso no rosto da Kang. As risadas da mesa, porém, foram mesmo altas, daquela vez. Joyce até bateu palmas, de tão satisfeita.
- Uooooou, arrasou, gay! – E, claro, ofereceu a mão aberta para um high-five, que Irene aceitou. Rindo com gosto, apesar de ver Seulgi a sorrir constrangida ao coçar a nuca lhe dar uma dózinha. É que era tão bonitinha, poxa...
- Pois, toma, pra ver se é bom. Pimenta no cu dos outros é refresco, não é? – E claro que Wendy, sendo normalmente o alvo daquele tipo de coisa, não ia deixar barato ao ver a situação se inverter, bem diante de seus olhos. Era bom, para Seulgi se pôr no seu lugar. Talvez assim aprendesse.
- Depois dessa eu vou ficar é quieta. – O que era mentira, dali a menos de um minuto Seulgi estaria abrindo a boca para ser humilhada de novo, mas era a vida, não? Também não conseguiu manter a pose de ofendida por muito tempo. Mas, como, também, depois de Irene alcançar sua mão sob a mesa e apoiar a cabeça brevemente em seu ombro. Se nem brava de verdade Seulgi resistiria àquilo, imagine quando tudo não se passava de encenação?
Então, sim, Seulgi admitia sua fraqueza. Mas só às vezes.
- Ei, Rene... – Mas como gado não é gado se não se contradiz, Seulgi não sossegou enquanto não chamou a garota a sua esquerda, com um sussurro ao ouvido, tirando a atenção de Irene do papo que seguia correndo solto, de volta para ela. – Se eu pedir com jeitinho, cê dança comigo?
- Que? – Apesar da expressão confusa de Irene, Seulgi soube que a namorada tinha a ouvido, por como piscou os olhos rapidamente, surpresa. – Dançar? Agora? – E Seulgi assentiu duas vezes, uma para cada pergunta, para o desespero de Irene. – Que? Não, não, Seulgi, nem dançar eu sei.
- Não é difícil, é só balançar de um pé pro outro... – E lá vinha Seulgi com o charminho dela, a empurrando de leve com o peso dos ombros e balançando suas mãos dadas, após entrelaçar seus dedos. – Por favorzinho, eu te ajudo...
- Por que cê quer me ver passando vergonha? – Irene indagou ao soltar a mão da Kang, para poder cruzar os braços. Era a única pose durona, também, porque a cara da Bae estava do jeito que vocês estão imaginando estar. Com aquele sorriso contido que começa com “boi” e termina com “ola”.
- Não vai, não... Uma musiquinha só, por favor, faça essa caridade pra comunidade lésbica, elas precisam dessas migalhas de viadagem com a namoradinha pra sobreviver... – E, de fato, o pedido de Seulgi foi bastante sofrido e dramático. Pelo menos pelo curto tempo em que a Kang conseguiu conter as risadinhas. – Imagina, cê linda desse jeito e eu não poder aproveitar nem um pouqui –
- Tá, tá, tá. Vamos, antes que você fale ainda mais besteira. – Irene se levantou, tão de supetão quanto interrompeu a fala de Seulgi. Se a Kang se importou? Nem um pouco. Abriu o maior sorrisão ao se levantar também e saiu guiando Irene pelos ombros. Ouviu Joyce gritar, perguntando por aonde as bonitas estavam indo, mas Seulgi apenas acenou para trás, sem dar muitas explicações, e seguiu em direção a uma pista de dança cheia de casaizinhos jovens quiçá tão insuportáveis quanto às duas. – Sua mãe vai ficar me encarando...
- Que? Claro que não! Olha pra ela, tá no mó papo com a sua desde que a gente chegou. – Seulgi riu da preocupação desnecessária de Irene, assim que pararam de caminhar e a Bae se virou de frente para ela, fazendo a manha birrenta de sempre. – Eu não sei que medo é esse que cê tem da minha mãe, sabe que ela não morde, não?
- Não é medo, é respeito. – Irene revirou os olhos, os mesmos que arregalou quando Seulgi colocou as suas mãos nos ombros dela, para então segurar em sua cintura, mas mantendo o meio metro de distância entre ambas.
- Assim é respeitoso o suficiente? – Às vezes, aquela risadinha idiota de Seulgi enchia Irene de vontade de morrer. Ou matar. No caso, já estava constrangida e arrependida o suficiente de ter aceitado o convite de Seulgi.
- Eu vou voltar pra mesa... – Irene ameaçou, mas, como o tom bravinho e cheio de dengo, Seulgi sabia que era furada. Não conseguiu evitar as risadas, mas as conteve para não apanhar. Deu dois passos, então, antes de envolver a cintura da Bae em um abraço, mudando o peso do corpo de um pé para o outro, no ritmo da música que tocava. Irene também a abraçou de volta e acompanhou os seus passos, sem escolha, com os braços ao redor da nuca da Kang, mas escondendo o rosto em seu ombro. Só por precaução, para caso o rosto estivesse corado demais.
- Se continuar sendo fofa desse jeito, eu que vou ter que te morder. – Seulgi sabia, sim, que o que tinha acabado de sussurrar no ouvido da outra era piegas demais, mas a intenção fora fazer Irene rir, e isso ela conseguiu. Fazer o que, se Seulgi estava se sentindo demasiadamente viadinha, àquela noite? Com direito a coração quentinho, borboletinhas no estômago e todo o resto que vocês já sabem.
- Idiota. - E tinha como não ficar, com Irene a encarando de volta com um sorrisinho soft daqueles? Não tinha, amigos. Não tem coração de pedra que não amoleça com aqueles olhinhos cintilantes voltados para si. Seulgi já tinha elogiado Irene hoje? Porque, assim, se aquela não era a garota mais linda do mundo... E, provavelmente, a cara de trouxa de Seulgi também devia estar demais, por como Irene riu ao negar com a cabeça para ela, antes de apoiar o queixo em seu ombro.
Se Seulgi se via minimamente constrangida por aquilo? Nem um pouco. Não quando era sortuda o suficiente para poder realizar o sonho que quase toda gay tem, de levar a namoradinha para a formatura da escola. Bem, no caso, era a formatura da namoradinha também, mas... a Kang só queria aproveitar o momento da melhor forma possível.
- Rene? – Seulgi chamou, após algum tempo de silêncio, em que ambas apenas aproveitaram o ritmo da música. Prosseguiu assim que Irene murmurou em resposta. – Não é bem doido? Pensar no começo do ano? Tipo, olha como a gente tá agora... – E Seulgi viu Irene concordar com risadas cujas a Bae tentou controlar o volume, ainda que o corpo de Irene tremesse ligeiramente contra o seu.
- Parece uma realidade paralela, de fato. – Seulgi também conseguiu sentir Irene aquiescer em seu ombro, em meio à resposta.
- Eu queria muito chegar na Seulgi de março e dizer: “Ei, sabe a Irene Bae? Você vai estar dançando abraçadinha com ela no dia da sua formatura, e vai ser a coisa mais lindinha do mundo”. – É, Seulgi sabia que tinha sido gay demais outra vez, então o tapinha que Irene deixou em seu braço foi merecido. Péssimo era que Irene tinha gostado da breguice, ou não estaria rindo.
- Eu tô bem sem voltar pra Irene de março, obrigada. Eu ia passar muita raiva ou acabar me batendo. – Foi a vez de Seulgi rir, diante da pequena reclamação da Bae, com direito a um tonzinho irritado e tudo. – No máximo, sei lá, ofereceria um calmante.
- Posso recomendar um? – Seulgi perguntou e viu Irene se afastar, erguendo uma das sobrancelhas para ela. Desde quando Seulgi entendia de calmantes? Irene não sabia. Mas, mesmo assim, assentiu. – Kang Seulgi. Ouvi dizer que é ótimo.
- Meu Deus... – É, Irene devia ter adivinhado, por aquele sorrisinho idiota da Kang. Outra vez apoiou a testa no ombro de Seulgi, mas foi para não fazer um facepalm. E se Irene ria, era de descrédito, pelo quão péssima a cantada fora. – Pare de seguir conselhos da Wendy, por favor, isso foi muito brega.
- Desculpa... – Seulgi ria? Sim, Seulgi ria, mas, bem, o constrangimento vem para todos. Mas se Seulgi se arrependia do que havia dito? Nem um pouco. – Mas, falando sério, o que cê acha que você mesma diria?
- Se eu voltasse no tempo e contasse isso pra mim mesma? – Irene perguntou e foi ela quem percebeu Seulgi aquiescer, daquela vez. – Provavelmente ia chutar minha bunda com tanta força que eu ia sair de órbita... – Irene começou, pensativa, e, apesar de as risadas de Seulgi serem baixas, ela conseguiu ouvir. – Ou ia pensar que seria o cão disfarçado, ou sei lá. Se bem que, assim, isso daria pra entender, porque, tipo, imagina, que bizarro, falar com uma versão sua que diz vir do futuro? – E por mais que Seulgi não estivesse olhando, conseguia imaginar direitinho o jeito como Irene franzia a testa para si mesma. – Mas, meu deus, Seulgi, que papo brisado é esse? Por que a gente tá falando disso, do nada?
- Eu só tava pensando, foi mal, foi mal. – Seulgi ria, porém, sinal que o arrependimento não havia batido, daquela vez.
- Mas e você? – E o pior era que, aparentemente, Irene daria corda para as ideias dela. – O que acha que Seulgi faria?
- Hm... – E, mesmo agarrada à namoradinha, Seulgi deu um jeito de olhar para o teto, ao pensar. – Provavelmente ia rir da minha cara... – E Irene sabia exatamente como Seulgi riria de Seulgi. Algo como “hehehe”, ou coisa parecida. – Mas talvez ficasse com uma pulguinha atrás da orelha? Ver muito anime enche a cabeça do ser humano de fantasia. Ia, provavelmente, me sentir protagonista de um mangá top, falando com uma versão minha do futuro, ia ser massa. – E sim, aquela resposta, vinda de Seulgi, também era um tanto previsível. Mesmo assim, Irene riu da ideia.
- Eu não sei se concordo. Porque, tipo, e se o futuro fosse ruim? No nível apocalíptico, ou sei lá. Eu prefiro não saber do que viver na agonia, obrigada. – É, aparentemente, a brisa agora era filosófica. Muito nerd por metro quadrado dá nisso.
- Mas e se você tivesse a chance de mudar? – Seulgi se afastou um pouco ao fazer a pergunta. Irene, como era de se esperar, levara a pergunta a sério demais. Nem tinham desviado legal do assunto, aquelas duas.
- Mas isso é impossível, tecnicamente falando. Sabe, Física? – Irene negou com a cabeça. Um papo casual, para acompanhar uma dança lenta em um baile de formatura. Tudo normal por ali. – Não tem como sua eu do presente alterar o presente da sua eu do futuro. – Também não entendi muito bem, desculpem. - Sabe, as linhas do tempo? Elas divergem. Então...
- Nerd. – Seulgi acusou e Irene riu porque, sim, sabia que, se Seulgi deixasse, teria continuado com a sua palestrinha.
- Não, nerd, não. Vingadores. Você é geek, você que devia saber dessas coisas. – Irene também acusou de volta, e Seulgi nem tentou argumentar, pois, mentindo, Irene não estava. – Mas, sério, por que você é assim? A gente ainda tá insistindo nesse assunto...
- Porque você dá corda. – Seulgi sabia que não estava errada, então, o tapinha que novamente atingiu seu ombro foi quase como se Irene tivesse admitido parte da culpa. Até porque a Bae também ria, apesar de tentar disfarçar. E, apesar de estarem literalmente rindo uma da cara da outra, não era ruim. Ainda mais quando se encontravam dançando abraçadinhas, daquele jeito. Melhor ainda depois de Irene ter apertado um pouquinho o abraço, daquele jeitinho manhoso dela, e que a Bae, depois, se fazia dizendo que não tinha. Muita cara de pau, a de Irene.
- Mesmo assim, podia ter acontecido antes... – E apesar de tranquila, seguida de um suspiro, aquela fala da Bae soou mais como uma leve reclamação. – A gente.
- Podia mesmo? – Seulgi indagou e Irene se afastou um pouco para poder encará-la, de um modo questionador. – Digo, cê acha que a gente ia ter a mesma maturidade? Se fosse antes. – A pergunta que foi procedida de um silencio pensativo, o que a Kang percebeu ao ver Irene franzir ligeiramente a testa, com o olhar distante.
- É, provavelmente não. – Irene concordou ao franzir um pouco as sobrancelhas. Grande parte do motivo por sua própria causa, mas um pouquinho por Seulgi também. Se Irene tivesse sido o primeiro relacionamento de Seulgi, passando por toda a dor de cabeça pela qual passou... É, provavelmente a Kang não teria tido a mesma paciência com ela. Irene admitia. Seulgi era bem mais racional e menos impulsiva do que ela. Não teria dado certo, com ambas as partes inexperientes e emocionadas demais.
- A gente ainda tem muito tempo... eu espero. E espero que você concorde com isso também. – Seulgi brincou e ouviu Irene rir baixinho ao concordar com a cabeça. – Não fica pensando em “e se...”. Foi do jeitinho que tinha que ser, e foi tão bom quanto poderia ter sido. Vamos só aproveitar, então, o que a gente tem agora. – Seulgi também notou Irene afirmar lentamente com a cabeça. A diferença é que, daquela vez, Irene retribuiu o abraço, quando ele foi apertado.
- Eu não te mereço... – E no momento em que ouviu o resmungo, acompanhado de risadinhas fracas, Seulgi se afastou o suficiente para encarar Irene. Não que a Bae tivesse a olhado de volta. Também não era a primeira vez que Irene vinha com histórias parecidas. Seulgi revirou os olhos e negou com a cabeça, como sempre fazia. Irene iria continuar com aquilo até quando?
- Por que não? Você é a pessoa mais amorzinho, lindinha e cheirosa que eu conheço. Aposto que é de mim que as pessoas têm inveja. – Sim, Seulgi sabia que era cringe. Mas funcionava para fazer Irene rir e a acertar com os tapinhas dela, mais uma vez, antes que a Bae entrasse em uma de suas bad vibes, por culpa.
- Você só pensa assim porque é maluca. – E, de fato, tinha dado certo. Irene estava a provocando de volta. Era bom sinal.
- Não, eu penso assim porque te amo. – Tá, para isso Seulgi não tinha desculpas. Aquilo só foi exageradamente gay, mesmo. Seulgi podia botar a culpa na Coca-Cola? Podia, não? Porque o tanto que aquilo tinha de açúcar... E mesmo que a Kang risse com vergonha, bem, parecia inafetada, perto de Irene, que usou o seu pescoço de esconderijo outra vez. Rindo, mas ao mesmo grunhindo pelo constrangimento.
- Assim é injusto... – Seulgi riu também, do resmungo manhoso, mas como julgar Irene? A impressão que a Bae tinha era que nunca iria se acostumar a ouvir Seulgi dizendo aquilo para ela. Era vergonhoso, como aquilo sempre fazia seu coração pulsar mais forte em uma batida ou duas, e lhe enchia o peito daquele calorzinho conhecido. – Você sabe que eu não sei falar bonitinho assim, por que cê faz isso...?
- Porque eu sei que você tem o seu jeitinho de demonstrar as mesmas coisas. – Seulgi respondeu, por mais que Irene ainda continuasse a negar com a cabeça. – Mas se você não gosta, é só pedir que eu paro. – E como esperado, tudo o que Seulgi recebeu em resposta foi um longo silêncio. Seu erro foi ter rido, sabendo muito bem o que aquilo significava. – Achei que não fosse querer. - Mais um tapinha em seu braço, alguém está contando?
- Eu mudei de ideia, você tem sorte que eu te amo, também. Não é qualquer um que aguenta ficar ouvindo esse monte de absurdo que sai da sua boca. – Irene reclamou, ainda que aquilo não tivesse soado muito como uma reclamação, mas... Seulgi riu, em resposta, como a boba que era. E a autora se contorceu toda, de tão cringe que essas duas eram. Puta que o pariu. Tem limite para tudo, gente, alguém avisa elas.
- Era isso que eu estava tentando te dizer. – Seulgi tentou se redimir, com a piadinha. Só não ajudava muito o fato de Irene ter rido para ela. Os níveis altos de glicemia continuavam sendo os mesmo. Mas, bem, a estratégia da Kang funcionava, também. Porque Irene não reclamou do beijo que ganhou em sua bochecha. O que encheu Seulgi de tanta confiança que até olhar ao redor a gay olhou, para garantir que não havia atenção desnecessária sendo direcionada a elas. – Não tem ninguém olhando...
- Elas também não... – Seulgi ouviu Irene dizer, com os olhos fixos em algum ponto acima de seus ombros, Seulgi sabia muito bem para onde, antes de a Bae voltar a atenção para ela. Seulgi sorriu contente, com a resposta, antes de discretamente aproximar seu rosto ao de Irene, pressionando seus lábios juntos por pouco mais que cinco segundos, mas que, mesmo assim, pareceu tempo suficiente para ambas, naquele momento. Riu quando Irene usou seu ombro de esconderijo outra vez, mas o que Seulgi poderia fazer? Seulgi poderia apostar que vocês teriam um sorriso tão grande quanto o dela, se estivessem na mesma situação. – Se você rir de mim de novo eu vou voltar. De verdade.
- Eu vou parar, juro. – Seulgi disse, exasperada. Se Irene acreditou? Provavelmente tanto quanto a gente acreditou numa balela daquelas, mas, bem, a gente também só fingiu acreditar que Irene iria realmente deixar Seulgi plantada ali.
Enfim, vocês também conhecem essas duas, Irene e Seulgi.
Então... Apenas deixemos elas serem as boiolinhas que eram e terem o momento delas, sem julgar.
Muito.
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