A solidão possuía sua singularidade. Maior que a natureza, maior que a pobre força de vontade humana, tão sem controle quanto desejos enraizados na carne. Ela, mesmo que distorcida, era bela. A luz branca que trazia iluminava jovens sem rumo, cujo caminho para eles próprios fora perdido há tantos anos. Era fria. Seu abraço acolhia os desamparados e queimava-lhes o que restava. Até que a vida não residisse no corpo, até que os olhos parassem de brilhar e as palavras perdessem os sentidos.
Do Kyungsoo sentia-se particularmente solitário naquela noite.
— Você é uma vadia. — Disse baixo ao telefone, fazendo força para respirar. Ele não podia deixar a ansiedade dominá-lo como sempre acontecia. — Eu confiei em você. E o que recebo em troca?! — O grito foi alto o suficiente para fazer a garota estremecer do outro lado da linha, segurando as lágrimas que teimavam em fazer seus olhos arderem. — Traição! É isso o que você me dá!
— D.O, — ela já chorava a esse ponto, fazendo barulhos que o rapaz considerava nojentos e irritantes. — por favor. Eu nunca…
— Cala a boca! Eu não quero saber seus motivos “honrosos” para entregar meu trabalho numa bandeja. — Ele tentou se acalmar, respirando o mais fundo que podia. — Só suma da minha vista. Se eu te ver rondando perto daqui, eu mesmo tomarei providências.
Lisa sabia muito bem que era uma ameaça. Uma ameaça fria, cujo dono estava quebrado e vazio, assim como qualquer ser humano que tivesse sido traído por quem mais confiava. O termo “faca nas costas” não era à toa.
— Sim, senhor. — E desligou.
Matar ou morrer; lutar por sobrevivência com todas as suas forças. Ela lutou. Traiu seu chefe, entregando seu mais novo roteiro e ideias de anos para um diretor qualquer, que pagou uma quantia relativamente baixa. Ela se vendeu. Sua alma, talvez, ainda não encontrava-se corrompida, mas sua mente estava à beira do colapso. A dúvida e o desespero a consumiram, assim como consumiam o homem que gritara com a mesma agora há pouco.
Kyungsoo sentia ódio. Sua cabeça estava nublada de pensamentos intensos, deixando-o perto da insanidade por um breve momento. Naquele segundo, nada mais importava. Sua carreira estava decaindo, jogada no abismo profundo da falta de criatividade. Tudo o que ele tinha era seu maldito emprego. Aquele que o prendia e o sufocava, deixando-o noites sem dormir e que, mesmo assim, ele dava seu melhor. Se esforçar até perder as forças era gratificante, e agora todo seu significado se perdera.
E o objetivo de viver, que nunca lhe foi claro, finalmente evaporou diante de seus olhos.
O choque da cadeira contra a parede produziu um estrondo amargo, que, se fosse um pouco mais alto, chamaria a atenção de algum empregado. E logo, se continuasse nesse ritmo, isso aconteceria. Mais uma cadeira fora jogada, dessa vez na televisão, fazendo-a cair e quebrar a tela completamente.
Kyungsoo riu. Riu porque era tudo o que lhe restava para afastar a dor no peito. Riu porque estava enlouquecendo. Riu por todos os motivos e por nenhum. Seu corpo todo doía, sua visão embaçada pelas grossas lágrimas que caíam em sua roupa de marca. Qual era o propósito daquelas roupas mesmo?
Impressionar.
— Droga.
Impor uma imagem de alguém de sucesso.
— Droga.
Mostrar que ele tinha dinheiro.
— Droga!
Ele pegou seu notebook, o mesmo que o acompanhou durante tanto tempo, que escreveu seus melhores romances e ficções científicas, e o bateu contra a mesa. Insatisfeito, bateu de novo. E de novo. Até que ele estivesse em pedaços. Gritou até seus pulmões se cansarem, chutando a mesa até a mesma cair, para então destruir tudo o que lhe lembrava seu maldito trabalho. Consumido pelo ódio cego, ele estava prestes a pegar seu isqueiro. O fogo parecia a solução perfeita para objetos indesejados.
— Do-ssi? — Uma voz grossa e assustada o chamou, com o timbre fraco pelo medo. — O senhor está bem?
O mais novo se sentiu idiota pela pergunta tão óbvia, sentindo o corpo queimar de nervosismo e vergonha. Não era por ser tímido, e sim por estar temeroso. Seu chefe nunca, nem mesmo quando tinha se divorciado, ficou em tal estado.
Ele levava seu trabalho muito a sério.
— Não, Yixing. Por acaso te parece que estou bem? — Seu tom era ácido e seco. — Vá limpar aquela merda de piscina e me deixe em paz.
Zhang Yixing era um limpador de piscina. Fizera faculdade de artes quando terminara o ensino médio, porém ele descobriu, do pior jeito possível, que pintar quadros não colocava comida no seu prato. Então, depois de tanto procurar, ele finalmente tinha achado o emprego perfeito. Seu patrão pagava bem, era gentil, e ainda lhe dava um quarto na mansão para ficar.
Em cinco anos naquele serviço, Lay — como era chamado por amigos próximos —, nunca fora tratado de forma tão grossa.
— Olha, eu não sei o que houve, e peço perdão por isso. Mas não aceito que me trate desse jeito. Querendo ou não, você não está em condições de tomar alguma atitude — Ele se referiu ao isqueiro na mão do mais velho. — E eu só queria ajudar. Não quer minha ajuda? Ótimo. Só não use esse tom prepotente comigo outra vez. Eu sou seu empregado, não seu cachorro.
Kyungsoo não queria deixá-lo mal. Não queria tratá-lo daquela forma. E, principalmente, não queria ter feito o que fez; ele encarou nos olhos do outro, se aproximando lentamente. Ainda estava confuso, machucado e sem expressão facial. A solidão já havia dominado seus ossos, entrado em sua corrente sanguínea e sido bombeada em seu coração. Sua mente estava infectada com paranóias que não existiam e ele não tinha certeza de quase todos os seus atos.
E, talvez por sua situação emocional, ele começou a gritar “sai daqui”, “fora”, “está demitido” e xingamentos desnecessários de serem repetidos. Lay não moveu um centímetro, fazendo a última trava dos sentimentos do Do explodir. Os gritos tornaram-se um choro forte cheio de soluços angustiados, a ameaça silenciosa tornou-se tristeza e seu empregado tornou-se um apoio para que não caísse no chão. Um apoio para que ele pudesse demonstrar o quão quebrado estava.
— Desculpa — Ele murmurou enquanto chorava, fungando a cada dois segundos. — E-eu s-sou um i-idiota.
— É mesmo — Aproveitou o momento para brincar um pouco, mesmo que fosse arriscado. — Mas é um idiota legal.
Aos poucos o moreno parava de chorar, voltando à realidade. O escritório estava uma zona; papéis jogados no chão, a mesa estava com o pé quebrado, as janelas caídas, a televisão totalmente sem conserto e, o pior, o notebook aos pedaços. E, apesar de toda a dor anteriormente, Kyungsoo percebeu que se importava. Mas agora era tarde para se importar.
— Merda — Ele suspirou, reparando que estava agarrado ao subordinado por tempo demais e se afastando. — Por que diabos eu fiz isso?
— Ódio — O rapaz respondeu, mostrando um sorriso melancólico. — Eu sei como é. Ele nos cega, às vezes.
Do soltou o ar de leve, como uma risada contida.
— Você, com ódio? Não consigo imaginar — A essa altura, nenhum dos dois se lembrava do estado da sala. — Talvez consiga imaginar você como algum guru do amor, psicólogo, ou até professor de yoga.
— Professor de yoga?! — Soltou uma risada longa e alta, tentando esconder os dentes com a mão direita. — Acho que você está louco nas drogas.
Ambos riam, se encarando e rindo mais ainda. Um emitia um som mais ridículo que o outro, batalhando para ver quem tinha a risada mais absurda. E, pela primeira vez em um longo tempo, Kyungsoo sentia-se feliz. Mesmo que Lisa tivesse entregado seu roteiro, mesmo que ser roteirista fosse uma benção e uma maldição, e mesmo que estivesse sendo consolado por seu limpador de piscina, ele sentia um calor no peito. A melancolia que o perseguia se extinguira, levando a raiva e o medo consigo. Ele podia não estar na melhor situação — ninguém estava —, mas era bom.
Era bom ter Zhang Yixing ao seu lado.
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