A mulher tinha seus sentidos entorpecidos e seu corpo se encontrava inerte na poltrona. Ela deveria estar desesperada por não sentir nada além de um enorme vazio em seu peito, como se tivesse um buraco tão grande que a engoliria por inteiro. Mas S/N estava agradecida por seu rosto não estar banhado por lágrimas, igual nos últimos dias. Ela havia chorado mais do que já achou ser possível e aquela constatação não melhorava nem um pouco seu humor.
A pesada porta da sala de reunião da mansão que seu irmão morava foi fechada, fazendo o barulho ecoar pelo cômodo silencioso. S/N estava na mansão do EXO, uma das maiores gangues da Coréia do Sul. Ela nunca havia feito parte desse mundo, já que seu pai e Junmyeon faziam questão de não a envolver em nada daquilo. Mesmo após tanto esforço dos dois, agora a mulher pagava junto de seu irmão mais velho as consequências que aquele tipo de vida trazia.
— Desculpe a demora. - Junmyeon falou, se sentando em um dos sofás de couro.
Sofás estavam postos ao redor de uma grande mesa de vidro, com grandes estantes e pinturas decorando as paredes, juntamente com um grande quadro branco para eles escreverem qualquer plano ridículo que tivessem. Era simples, mas o suficiente para eles fazerem reuniões para discutir sabe Deus o quê. S/N não se deu ao trabalho de respondê-lo, sabendo que sua voz sairia falha por conta de sua garganta seca. — Como já combinamos, você vai se mudar para cá. - Voltou a falar, afrouxando a gravata de seu pescoço. Os dois estavam vestidos de preto, refletindo o luto, dor e melancolia que sentiam. — Eu sei que você não vai querer isso, mas para garantir sua segurança um dos rapazes vai lhe acompanhar. - A expressão dela continuou neutra, ao mesmo tempo que ela tinha várias perguntas em mente.
— Acompanhar para onde? - Sua voz saiu rouca e falha, completamente diferente de como realmente era.
— Para todos os lugares. Como um segurança. - Ela teria rido, caso conseguisse sentir algo. Mas ela não conseguia, não naquele momento.
S/N não queria aquilo, não precisava de ninguém na sua cola o tempo todo, ainda mais sendo um membro do EXO. Ela viu os rapazes uma ou duas vezes em toda a sua vida, e por mais que ninguém tivesse a tratado mal, eles continuavam sendo desconhecidos. Ela sabia que se Junmyeon confiasse neles para a proteger, ela não precisava se preocupar, mas isso não mudava o fato de que ela não queria um segurança.
O olhar de seu irmão mais velho mostrava o desespero que ele sentia por baixo de sua expressão monótona. Desespero e medo de perder a única pessoa que lhe restou de sua família. Eles haviam acabado de chegar do velório de seu pai, um dos fundadores do EXO que já tinha se afastado da gangue a um tempo e passado a responsabilidade para o primogênito. Mas isso não impediu que alguém o assassinasse. Por mais que fosse egoísta, S/N se perguntava por que ela precisava sofrer pelas decisões de seu pai por ter entrado nessa vida. E se irritava com seu irmão por ter seguido o mesmo caminho, mesmo sabendo de todos os riscos.
Agora, tudo o que restava era um ao outro e Junmyeon tentava ao máximo não demonstrar o pânico que sentia por saber que o próximo alvo era sua irmã. Ele precisava mantê-la em segurança até que descobrissem quem havia feito aquilo. E Junmyeon faria a pessoa pagar de uma forma lenta e dolorosa. Se fosse preciso, ele causaria o próprio inferno para encontrar quem estava por trás de toda essa merda.
— E se eu não quiser? - O homem suspirou.
— Eu não estou te dando a opção de sair por ai sozinha e pronta para ser assassinada. - Ela abriu um sorriso quase imperceptível, por mais que não tivesse humor algum naquele gesto.
— Engraçado, eu não tenho nada a ver com isso e entrei nessa merda de qualquer jeito.
— E eu odeio isso tanto quanto você.
— Se odiasse você não seria o líder do EXO. - Rebateu, irritada.
Ele a analisou em silêncio, e S/N quis gritar e jogar alguma coisa nele. Ela queria o machucar para ver se seu irmão reagiria. Ela não o viu derrubar uma lágrima até agora e ela queria entender em que momento seu irmão virou um robô que não sabia demonstrar sentimentos. S/N queria socar a cara dele até que ele começasse a sangrar para ver se ele faria alguma coisa. Se ao menos um gemido de dor ele fosse soltar. Ela se perguntou se seu irmão choraria no dia que ela morresse e S/N tinha medo da resposta.
— Chen ficará com você. Ele é o melhor atirador, você estará em boas mãos.
S/N desviou o olhar do rosto de seu irmão, encarando um ponto fixo enquanto aquele nome se repetia em sua mente. Chen. A primeira vez que S/N o viu foi em uma festa onde todos da gangue estavam presentes. S/N tinha dezessete anos e Chen vinte. Junmyeon estava mais incomodado com S/N socializando com os rapazes do que seu próprio pai, mas a garota não se importava.
Ele havia sido um dos últimos a irem se apresentar para ela, mas o primeiro a chamar sua atenção. Todos eles eram muito bonitos, isso era inegável, mas Chen tinha algo a mais em seu olhar. Seu sorriso era de tirar o fôlego e seus músculos eram definidos perfeitamente no tecido da blusa social que usava. S/N não sabia o que pensar sobre ele, mas as piadas, brincadeiras e sorrisos galanteadores que ele lançava para ela, não era o que ela esperava. Ela havia ficado, no mínimo, encantada por Chen. Quem não ficaria? Ela sabia que era bobo pensar daquela maneira, mas em sua cabeça, ela soube que naquela festa Chen só teve olhos para ela e ela também não conseguia olhar para ninguém além dele.
Quando os dois foram para a sacada e ficaram sozinhos, ele parecia que havia saído de um sonho, com a luz do luar refletida em seu rosto, lhe dando uma aura quase angelical, totalmente em contraste com tudo que ele deveria fazer. Seus braços se encostavam enquanto eles estavam apoiados no parapeito da sacada e quando ele virou o rosto para encará-la, os lábios dele pareciam gritar por ela. Ou talvez fosse o corpo dela que estivesse gritando por ele. S/N fechou os poucos centímetros que os separavam e ele não demorou a corresponder. Ela se sentia eufórica, beijando o rapaz que a fez companhia a noite inteira, não falhando em lhe arrancar risadas e sorrisos o tempo todo. O rapaz que trabalhava para seu pai e era melhor amigo de seu irmão mais velho. Quando o fim da noite chegou e S/N precisou se despedir de todos, ela avistou ele encostado em um pilar, as mãos escondidas nos bolsos de sua calça social e um sorriso preguiçoso em seu rosto. Ele piscou para ela e S/N sorriu, acenando brevemente.
A segunda vez que se viram, Chen estava ocupado seguindo ordens do pai de S/N e mal trocaram palavras. A festa havia sido um ano antes disso e em todo aquele tempo, S/N não havia conseguido esquecer ele. Era óbvio que ela se decepcionou enquanto sua expectativa ia por água à baixo, vendo que não receberia atenção alguma do gangster e muito menos sentiria os lábios dele se moldando nos seus novamente.
Eles não se viram mais depois disso e S/N não estava contente em saber que seria ele que ficaria atrás dela igual uma sombra. Óbvio que Junmyeon não sabia, e se Chen não tivesse aberto a boca, ninguém além deles mesmos sabiam sobre o que aconteceu na festa.
— Por quanto tempo? - Ela questionou.
— Até eu matar quem fez isso e você ficar segura.
— Quanto tempo? - Junmyeon a analisou com calma, sem se dar ao trabalho de se apressar para responder.
— Não sei. - A expressão de S/N ficou mais dura que antes e ela queria rebater.
Ela queria retrucar com alguma razão boa o suficiente para que não fosse necessário Chen virar seu mais novo segurança particular, mas S/N não tinha nenhuma. Seu irmão estava tentando a manter viva e não havia muito que ela pudesse fazer. Ela queria perguntar se precisava ser Chen, mas Junmyeon iria querer saber qual o problema e justificaria, mais uma vez, que Chen é o melhor atirador. Claro que ele era. O universo não colaborava com ela para que fosse qualquer outra pessoa.
— Ele já sabe?
— Sim. Ele está esperando do lado de fora da porta. - S/N fechou os olhos, soltando um longo suspiro. — Qualquer coisa que você precise de ajuda, pode pedir para qualquer um dos rapazes, eles estarão à disposição. - Ela assentiu mesmo que não fosse pedir nada para ninguém. S/N imaginava que eles deveriam ter suas próprias preocupações para lhe ajudar apenas por obrigação. — Chen vai mostrar o quarto que você vai ficar e vai te levar para casa para pegar o resto das suas coisas.
— Ele vai fazer isso porque imagino que você deve estar muito ocupado para se dar ao trabalho de fazer você mesmo.
— S/N, não é isso e você sabe.
— Tanto faz. - Murmurou, se levantando. — Não vou tomar mais do seu precioso tempo. - Falou com desdenho, irritada com seu irmão e com absolutamente tudo.
Quando empurrou a pesada porta, S/N encontrou Chen encostado na parede do corredor, esperando por ela assim como Suho havia falado. S/N havia o visto no funeral, assim como viu o resto dos rapazes, mas eles não chegaram a trocar muitas palavras, até porque não tinha muito o que falar. E S/N também não estava disposta a ouvir.
— Oi. - Chen pronunciou, abrindo um pequeno sorriso para ser simpático.
— Oi. - Ela respondeu, soltando um pigarro para limpar sua garganta.
— Sinto muito pelo o que aconteceu.
— Eu também. - Deu de ombros, sem querer tocar no assunto. Ele assentiu.
— Vou mostrar seu quarto.
S/N o seguiu pela grande mansão, subindo as escadas e caminhando pelo longo corredor. Havia várias portas e ela se perguntava se todos aqueles cômodos eram quartos ou eram algo a mais. Parando na frente de uma porta, Jongdae abriu a mesma, deixando que a mulher pudesse analisar o mais novo lugar que ela dormiria.
Ela se manteve em silêncio, sob o olhar analítico dele. S/N soltou todo o ar de seus pulmões. Aquele quarto estava absolutamente longe de ser tão confortável e aconchegante como o apartamento em que ela morava sozinha. Lá, cada cantinho tinha um pouco da personalidade da mulher, decorado com cores e objetos que ela gostava. Tudo organizado no lugar em que ela queria e que demorou tanto para ficar pronto. E agora, ela teria que deixar seu canto para trás, como se não tivesse valor sentimental algum e simplesmente vir morar naquele lugar. O mesmo que ela foi proibida de conhecer a sua vida inteira.
— Você pode decorar da maneira que quiser. - O homem se pronunciou, como se estivesse lendo os pensamentos dela.
As paredes eram pintadas em uma cor creme, a roupa de cama era um cinza claro e os móveis eram todos brancos. Havia uma porta que ela imaginava que desse para um banheiro e ela ficou aliviada em saber que, pelo menos, não teria que dividir um banheiro com varios homens.
— Vamos logo pegar minhas coisas. - Disse em um murmuro, recebendo um aceno positivo dele.
S/N caminhou para fora daquele cômodo e daquela mansão a passos pesados. Ela não conseguia ouvir os passos silenciosos de Jongdae atrás de si, mas conseguia sentir a presença dele a poucos centímetros de distância. Por mais que ela amaldiçoasse toda sua família por ter terminado daquela maneira, S/N sabia que nada disso mudaria o fato de ela estar sendo alvo de algum criminoso que queria sua cabeça em uma bandeja.
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