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História Love at first bite [vhope] - No rush - História escrita por hobievante - Spirit Fanfics e Histórias
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História Love at first bite [vhope] - No rush


Escrita por: hobievante

Capítulo 3 - No rush


Fanfic / Fanfiction Love at first bite [vhope] - No rush

— Mas eu queria treinar mais. - Eu reclamei, fazendo um bico e cruzando os meus braços, ainda magros, em minha barriga.



— Você já não acha que treina demais, esquilinho? - Os olhos castanho-claros da minha mãe me fitaram pelo retrovisor e sua voz era repreensiva, mas ao mesmo te po carregada de carinho. 



— Ele não cansa, Taeyeon, toda vez que eu tento fazer esse garoto parar de treinar um segundo e ir brincar como uma criança normal, ele se recusa!



— Eu não sou uma criança! - Protestei, com aquela voz quebrada de finzinho de puberdade, descruzando os braços empenhado em contrariar meus pais - Eu já tenho 16 anos, e quando crescer mais vou ser um caçador de vampiros maior que o Appa! O maior da cidade toda! 



Minha mãe e meu pai riram juntos, ao mesmo tempo. A risada do meu pai era escandalosa, alta e chamativa, e ele tendia a bater palmas quando ria demais, hábito esse que eu acabei herdando sem perceber. Já a risada da minha mãe, não tão chamativa, se tornava característica pelo jeito engraçado e adorável que ela franzia o nariz ao gargalhar. Jungkook fazia o mesmo. 


E eu, mesmo estando irritado por ter sido tirado do meu treinamento para a viagem típica de feriados que nossa família fazia para nossa cabana de inverno nas montanhas, não pude deixar de sorrir junto deles. 


— Você ainda precisa comer muito espinafre pra isso, esquilinho! - Ele falou, tirando os olhos da estrada para me olhar. E me arrancando outro sorriso só com aquele ato.


Minha pessoa favorita no mundo inteiro.


— Espinafre é muito ruim. - eu franzi o nariz, dando a língua para ele e voltando a admirar os pinheiros grandes que eu via passarem rápidos pela janela do carro. 


Jungkook dormia de boca aberta em meu colo, agarrado nas minhas pernas como se eu fosse seu bichinho de pelúcia, seus dentinhos se mostravam um pouco entre os lábios, um pequeno ronco era emitido vez ou outra e eu acariciava seu cabelo macio. Ele sempre dormia por todas as quatro horas de viagem até as montanhas, e eu sempre chegava com minhas pernas dormentes pelo seu peso, mas nunca reclamava.



— Você vai ter que comer se quiser mesmo se tornar um caçador que nem seu Appa, ele come espinafre todos os dias. Não é, Jongun? - Minha mãe perguntou, olhando para meu pai com os olhos inquisitivos. 



— Claro, claro, todos os dias, ouviu, esquilinho? - Ele respondeu e ela assentiu satisfeita, voltando a olhar para a estrada. Quando eu percebi o olhar de meu pai me chamando pelo retrovisor, sorri largo ao perceber que ele fazia sinal de "não" com os dedos e depois simulava uma cara de vômito e nojo para o que minha mãe havia falado, desmentindo-a sem que ela percebesse. 


Éramos assim, eu e ele. Cúmplices. 


Sempre fomos. 


Em algum momento depois disso, no qual eu já estava com a cabeça pendendo para o lado encostando na janela, com um dos meus fones no ouvido escutando alguma  canção de uma de minhas bandas favoritas, caindo no sono, eu consegui ouvir a conversa dos dois. 


 — Seu filho é um natural, Jongun... - Minha mãe sorriu, olhos para sua janela no banco do carona, e pareciam distantes - Me pergunto a quem ele puxou...


Meu pai segurava o volante, as marcas de luta, machucados e hematomas clássicos sempre presentes em seus braços, minha mãe as fitava. 


— Ele é melhor do que eu... na idade dele eu não era disciplinado assim, Taeyeon. Eu era um moleque. - Meu pai riu, tentando amenizar o clima e neutralizar o olhar preocupado e a voz séria de minha mãe. 



— Eu só espero que ele não goste tanto de se meter em problema quanto esse moleque. Ou que ele não seja tão teimoso quanto esse moleque. - Ela brincou junto, mas algo em sua voz e olhos ainda era diferente, sua fala tinha peso ali. 


Meu pai então a olhou, sorriso diminuindo, passou uma mão do volante para a perna de minha mãe, por cima da saia. Jungkook bocejou fazendo um som bonitinho e eu estava perto de dormir, mas ainda prestava um tanto de atenção nos dois. Suas vozes doces embalavam meu sono. 


— Eu só me preocupo com ele, Jong... - Minha mãe suspirou, segurando a mão do meu pai em cima de onde ele a havia colocado - Ele é tão novo, essa carreira é tão perigosa. -



— É o que ele quer, Taeyeon, você viu o quão empolgado ele está... e não precisa se preocupar, porque eu o acompanharei. Ele é meu filho. A cada passo de seu caminho , um brilhante caminho diga-se de passagem - ele enfatizou essa parte gesticulando com um dedo - Em cada pequeno pedaço dele, eu estarei do seu lado. E quando ele se tornar o maior caçador de vampiros do País, eu estarei lá, Taeyeon, e você também, com lágrimas nos olhos, porque nosso esquilinho chegou aonde queria chegar. 



E então meu pai deu aquele sorriso, tão característico de Jung Jongun, aquele sorriso que, em meu pequeno mundo, poderia pôr fim a guerras e curar doenças, o mesmo sorriso que ele sempre me dava quando eu ficava com medo de um personagem assustador de desenhos, ou quando eu chorava por me preocupar porque ele havia chegado em casa com o braço enfaixado em ataduras manchadas de vermelho. 


Eu vi aquele sorriso se estampando em seu rosto e, só então, me deixei cair no sono, com um também em meu rosto. Me sentindo seguro, me sentindo protegido e amado, como um garoto daquela idade deveria se sentir. 


Porque aquele sorriso me dizia, sempre, mesmo que sem palavras, que meu pai estava comigo,  e que tudo ficaria bem.


E eu sempre acreditei, até o dia que não acreditei mais.


Acordei, com a garganta seca e olhos lacrimejando. 


Não era sempre que eu tinha sonhos em formas de lembranças de momentos os quais eu já havia vivido, e eu particularmente os preferia bastante aos pesadelos que reprisavam, de forma constante em minha mente, as memórias sangrentas daquela noite chuvosa, aqueles que me faziam acordar gritando e sufocando até que Jungkook acordasse e viesse me acalmar. 


Passei as mãos pelos meus olhos e enxuguei os resquícios de lágrimas de meu rosto, sem abrir os olhos, porque aquele sonho havia preenchido o meu coração com uma sensação quente que eu ainda não estava preparado deixar ir. Bocejei e senti o cobertor felpudo e quentinho envolvendo meu tronco despido. Me perguntei quando exatamente eu havia comprado roupas de cama com cetim tão macio, franzi um pouco o rosto e me abracei mais às cobertas sem ligar, porque era tão confortável. Elas cheiravam à baunilha, e eu sorri com o nariz afundado nelas. 


Depois de alguns momentos de preguiça na cama, eu percebi que não conseguiria voltar a dormir e me ergui com os cotovelos apoiados no colchão, esfregando um pouco mais os olhos antes de abri-los. Quando eu me vi dentro de um quarto que não era o meu, as peças se encaixaram na minha cabeça e as lembranças da noite anterior começaram a aparecer, vívidas em minha mente. 


A ameaça de Yoongi, Taehyung em cima de mim fazendo pontos em uma camisa, Taehyung me provocando, nós dois estudando juntos em sua cama, alguns comentários com intenção de me alfinetar, seu olhar triste me contando história de sua família, a silhueta de seu corpo enquanto deitava naquela posição fetal fofa agarrado em seu travesseiro, alguns sorrisos pequenos trocados pela primeira vez desde o que havia acontecido, meu celular vibrando, mensagens de Jungkook, tempestade.


Tempestade, tempestade, tempestade. 


Era tudo o que eu conseguia lembrar depois disso. 


Dor de cabeça e arrepios e falta de ar e ardência nos olhos e lágrimas. 


Isso até eu me lembrar das mãos de Taehyung me cuidando, longas e delicadas, de sua voz doce como chocolate em meus ouvidos, acalmando todos os arrepios em meu corpo assim como a lua controla a maré turbulenta de um oceano angustiado. Nossas respirações sincronizadas. As contagens desajeitadas que ele me ajudava a fazer. Seu truque para sabermos o quão distante estava a tempestade. Suas palavras que me transmitiam tanta segurança. Mais contagens. 


Sua mão segurando a minha. 


Chacoalhei a cabeça e olhei o quarto em que eu estava. Não me lembrava de ter adormecido com um cobertor em cima de mim, nem de ter um copo de água no móvel ao lado da cama. Coloquei os pés para fora me sentando na beirada e tomei vários goles do líquido gelado, ainda sentindo os resquícios do ataque de pânico ecoando em meu corpo e minha mente. 


Lembrei de Taehyung e novamente, corei. Porque eu estava em sua casa. Eu não só havia dormido em sua cama como o havia importunado com um ataque de pânico patético, o obrigando a cuidar de mim quando ele ainda devia me odiar por ter sido tão babaca com ele não só uma, mas duas vezes. 


Que vergonha. 


Passei as mãos nos olhos novamente, esperando sumir antes de ter que abri-los de novo, não sumi. 


Quando os abri ainda estava no quarto de Taehyung, ainda sentia seu cheirinho de baunilha e, além disso, aquela maldita saia ainda estava jogada na cadeira perto de onde eu estava. 


Suspirei e me levantei à contragosto, me espreguiçando e bocejando. Eu havia dormido apenas com minha calça skinny preta e me perguntei em que ponto eu havia tirado meus coturnos e minhas meias, porque não lembrava. Criei a coragem para sair do quarto, porque eu ouvia música do lado de fora e não poderia ficar na cama de Taehyung para sempre.


Apenas esperei, com todo o meu coração, que fosse Taehyung que estivesse na sala, e não seu colega de quarto. 


Andei a passos preguiçosos coçando meus olhos, passando pelo corredor não familiar e chegando à sala, um disco ainda tocava na vitrola alguma música lenta em uma voz feminina, que àquele ponto eu já havia desistido de identificar. A voz doce cantarolando a música junto com a cantora me fez não ter dúvida de quem estava ali, assim como as embalagens vazias de chocolate espalhadas na mesa de jantar. 


Taehyung usava outra camisa maior do que seu corpo, dessa vez lisa, em um tom de lilás. Os shorts curtos, também de algodão macio em um padrão quadriculado da mesma cor, me fizeram notar que era um conjunto fofinho de pijama - provavelmente feminino, por causa do lacinho na parte de frente dos shorts. 


Engoli em seco, apesar de ter acabado de beber água.


Havia um bowl de leite repleto comcereal colorido e um copo com achocolatado à sua frente, ele se ocupava em fazer sua refeição ao mesmo tempo que movia sua atenção para suas unhas de um dos pé,  que estava apoiado em cima da mesa enquanto ele os pintava de algum tom claro e brilhante. Suas ondas negras estavam bagunçadas colocadas para trás com uma tiara fina e seu rosto ainda estava amassado de sono. 


Tão, tão fofo. 


Era impossível que fosse um vampiro, completamente impossível


Eu não sentiria vontade de cheirar o cabelo de um vampiro, então por que sentia vontade de fazer isso com aquele que estava à minha frente?


Eu ainda o encarava quando ele percebeu minha presença ali, arregalando os olhos com a boca cheia, um pouco de leite escorrendo em seu queixo. Tão fofo. 


— Oi... - ele falou, uma cor rosada preencheu suas bochechas enquanto ele punha algumas mechas para de trás de sua orelha - Tá melhor? Quer café? Hmmm, eu não tomo café, mas posso tentar fazer pra você, digo, se você quiser. Tem chá tamb-



— Eu tô bem sim... - Eu o interrompi para que não se embrulhasse mais nas palavras, o sorrindo, tão constrangido quanto ele, me sentando com calma na cadeira à sua frente - Acho que vou comer só um pouco de cereal com você, tem problema?



— Não não, e-eu vou pegar uma tigela, pera. - Ele respondeu, tímido, soprando uma última vez as unhas feitas em seus pés, os quais, para minha ruína, eram tão lindos quanto o restante de seu corpo. Se levantou e andou para a cozinha, eu sorri sem perceber vendo o jeito desajeitado que ele mostrava, a forma que ele parecia pequeno naquele conjuntinho de pijama, tendo que ficar de ponta de pés para alcançar os armários da cozinha. 



— Desculpa. - Eu falei, sem jeito, com a atenção em minhas mãos nervosas em cima da mesa quando eu o ouvi voltar da cozinha com a tigela nas mãos - Você não precisava ter se preocupado tanto. E-eu devia ter percebido que a chuva ia ficar mais forte antes de vir, desculpa mesmo. Eu dormi na sua cama... meu Deus... desculpa. - Eu franzi o rosto em constrangimento e espremi os olhos, de novo querendo sumir.


— Hoseok... você tá mesmo pedindo desculpas por ter tido um ataque de pânico? - Ele me perguntou, sentando à minha frente e colocando leite na tigela que havia buscado para mim, uma sobrancelha levantada como se achasse quase cômico o que eu falava.



— Não... sim... é que eu realmente não gosto de tempestades, e você não precisava ter feito tudo aquilo, e essa é a sua casa, sabe? E eu acabei dormindo aqui e sei lá eu só-


— Não precisa se desculpar. Você tava mal. E eu te ajudei. Só isso, nada demais. - Ele me interrompeu, sério, voltando à atenção às unhas dos pés que voltava a pintar, com um dos  joelhos dobrados na cadeira.


— M-mas você não precisava-



— É o que qualquer pessoa faria. - ele me interrompeu, de novo, desinteressado, sem tirar as mãos do pincel do esmalte que passava em suas unhas, mas eu lia o desconforto em sua expressão, era quase raiva. Então eu continuei protestando.



— Não, não é, Taehyung... eu te machuquei e você foi tão gentil e-



— Bom, eu acho que essa é a diferença entre mim e você, não é?  - Ele falou, e existia mágoa em seus olhos, a cor de chocolate brilhante como eu nunca havia a visto, a voz era firme e ríspida, e as palavras incisivas cuspidas em mim, com intenção de me atingir. 



E atingiram, como me atingiram. 


Ele mordeu o lábio depois de perceber minha reação um pouco atônita quando eu permaneci com a boca entreaberta sem ter a mínima ideia de responder, era como se esperasse que eu falasse algo, algo específico.


Mas eu não falei nada. Porque eu não fazia ideia do que falar e porque, sinceramente, eu estava uma bagunça.


Então ele bufou baixinho em uma risada, incrédula, e voltou a pintar suas unhas. Toda a gentileza da noite anterior desaparecendo pela manhã e, bem, eu acho que eu merecia. 


Comi meu cereal junto com ele, querendo sumir a cada minuto do silêncio torturante que havia se instalado entre nós. Ele terminou de pintar suas unhas, tirando o separador dos dedos e esticando a perna à sua frente, um pouco para o alto, mexendo os dedinhos e aparentemente analisando o resultado. Os shorts que usava eram curtos então quando ele se moveu daquele jeuti eu vi, de novo, suas coxas fartas, lisas, com o tom bonito que tinham, brilhavam de um jeito particular, quase cintilante e eu tive que engolir em seco, de novo, porque claramente havia passado algum hidratante que as deixava com essa aparência úmida e brilhosa. 


Tão bonitas. 


— Tão bonitas... 



Eu só fui perceber que havia falado em voz alta quando ele virou o rosto para me olhar confuso.


— S-suas unhas... suas unhas ficaram bonitas. - Eu tentei me safar da situação e não sei se ele comprou ou não, porque na verdade eu ainda olhava para suas pernas. 



— Nem todo mundo gosta... - ele falou, voltando a perna esticada para apoia-la na cadeira de novo e colocando o queixo no joelho, em cima de suas duas mãos, me olhando com um sorriso conformado. 



— Das suas unhas? - Eu perguntei, de boca cheia.



— Que eu pinte elas... que eu passe maquiagem... que eu use as roupas que eu uso, as cores que eu uso - Ele falou, dando de ombros. - Homens se sentem intimidados... mulheres se sentem ameaçadas... já me perguntaram se eu era trans, acredita? Tudo isso porque eu uso rosa, porque eu eu sou do jeito que eu sou, como se isso me fizesse menos homem - Ele riu consigo mesmo, e não de um jeito muito feliz. - Faz sentido? 


— Não... nenhum - Eu fui rápido para responder porque senti que ele me testava, e eu não fazia ideia do que ele queria que eu respondesse. Então só falei o que eu realmente pensava. - É só uma cor, são só... só roupas, sabe? Nada disso te faz menos homem se você se identifica como um. - Eu disse, porque realmente acreditava naquilo, e ainda complementei, desviando o olhar do dele. - E... er... elas te caem muito bem. 



Caíam mesmo. Pra que mentir?


Ele sorriu, e eu vi a coloração rosa de novo tomar conta de suas bochechas, acho que ele não esperava bem a resposta que eu dei, mas gostou dela de qualquer jeito. E pela primeira vez eu pensei ter acertado uma dentro com ele. Ele colocou uma mecha para de trás de sua orelha, sem tirar o queixo de onde estava apoiado, e mantinha o sorrisinho discreto quando falou, com a voz sincera.


—  Talvez... só talvez... você consiga ser gentil, Jung Hoseok. Quando você quer. 



Eu o retribuí um sorriso também discreto, corando um pouco eu mesmo, porque ele me olhava de um jeito que eu não conseguia descrever.


E eu sei que não fazia sentido sentir o que eu sentia porque dias atrás eu o ameaçava de morte e ele era um vampiro, um vampiro que se alimentava de sangue e aind apor cima havia me mordido. 


Mas ao mesmo tempo ele também tinha olhos gentis, cheiro de baunilha, unhas roxinhas e mãos delicadas, mãos que foram as únicas que fizeram parar de tremer quando eu precisei. 


Eu não só o devia gentileza, eu queria o ser gentil.


Nos sorrimos ali por alguns segundos confortáveis antes de ele se envergonhar e abaixar o olhar, pegando outra barra de chocolate e a enfiando na boca como se fosse o último alimento que havia no mundo. Eu ri daquilo enquanto terminava meu cereal. 


— Eu juro por Deus que se você não tiver algum tipo de diabetes daqui pros trinta anos eu vou ficar muito impressionado. 


Ele riu uma risada gostosa antes de me responder, gesticulando com os dedos.


— Ok. Um. Eu não vou fazer trinta anos, tipo nunca - Ele riu de mim e assim que eu entendi eu tive que colocar uma mão na frente da minha boca para não espalhar leite pra todo lado com a risada que eu dei, porque por Deus como eu fui burro. - E dois. Não me julga, ok? Doce me... me ajuda... 



Ele falou de um jeito adorável, mais baixinho na última frase, como se tivesse vergonha. 


— Como? - Perguntei, curioso. 



— A controlar... você sabe... a-a sede. - Ele disse e já corava novamente, fazendo pequenos círculos com os dedos na mesa e depois um bico nos lábios, como se realmente o fosse um sacrifício falar daquilo. Gemeu choroso e colocou as mãos cobrindo seu rosto, querendo se esconder enquanto falava abafado. - Desculpa, é nojento. E-eu sou nojento, meu Deus.



— Não, não é... - Meu coração se apertou ao o ver daquele jeito querendo quase se esconder de mim e eu só queria que ele parasse com aquilo, então neguei assim que a afirmação saiu de seus lábios. 



— Você disse que eu era, Hoseok... 



Ele disse, com mágoa na voz quando abaixou as mãos de seu rosto, devagar, os olhos estavam inchados com alguma lágrimas ameaçando sair, olhou para o lado e esfregou debaixo do olho com uma mão, abraçando seu joelho dobrado com a outra. Estava chateado. 


E eu não soube o que responder. Porque ele não havia dito mais nada do que a verdade.


Eu abri a boca para tentar balbuciar algo, qualquer coisa que fosse capaz de tirar a expressão de mágoa de Taehyung à minha frente, queria o falar que ele não era nojento. Que vampiros eram nojentos, mas ele não era, só que isso não fazia sentido e eu de fato o havia dito aquelas palavras dias atrás e não havia como voltar atrás nelas. 


Estava feito, eu o havia magoado e isso estava mais do que claro em seus olhos. 


E então a campainha tocou, me salvando daquele momento no qual eu queria apenas cavar um buraco e me enterrar. Ele esfregou os olhos novamente forma discreta novamente e se levantou, sem me olhar outra vez. 


— Deve ser seu irmão. 



— Kook? Mas como-



— Eu falei com ele, ontem, foi ele quem me ajudou a saber o que fazer pra... pra te acalmar e tudo mais. E ele quem me falou pra tirar sua camisa, ok? Eu não sou um pervertido nem nada assim - Ele levantou as mãos se rendendo com um risinho no rosto. Eu ainda meio confuso. - De qualquer jeito, ele falou que pela manhã vinha aqui pegar você, pra você não voltar dirigindo sozinho se ainda tivesse meio mal. 



Eu assenti ao que ele disse e ele já se virava de novo para ir até a porta, eu coloquei uma última colher de cereal na boca e o acompanhei. 


Acho que nem eu nem Taehyung esperávamos exatamente o que vimos quando ele abriu a porta.


— Eu só estou falando que se eu soubesse que o colega de quarto da dupla do trabalho do meu irmão era tão gatinho, eu teria me oferecido para vir junto - Jungkook falava com um sorrisinho travesso para aquele, que dessa vez não me olhou com desdém, porque estava muito ocupado lançando aquele olhar para meu irmão. 


— Gatinho vai ficar teu olho quando eu te der um soco... - Yoongi respondeu, revirando os olhos e Jungkook seu coração quebrando, com a mão em seu peito e um sorriso no rosto, observando o seu interesse amoroso arisco entrar na casa. Yoongi continuou falando enquanto passava por Taehyung. - Tae, pelo amor de Deus, vamo colocar um limite pro tanto de gente doida que você chama pra essa casa, por favor.



— Me dá pelo menos seu número! - Jungkook falou alto, olhos acompanhando o vampiro com cara de poucos amigos, que já caminhava para o seu quarto. 



— Não! - Ele respondeu de volta, em um tom entediado e tão alto quanto o de meu irmão, logo fechando a porta de seu quarto.



Eu e Taehyung, que mantinha a mão segurando a maçaneta, nos olhamos mutualmente com os olhares completamente atônitos diante da cena que havíamos presenciado. 


Porque que porra foi aquela?


— Os que se fazem de difíceis são sempre os que eu mais gosto. Você vai ter que me ajudar com ele... Desculpa... é Taehyung, não é? - Jungkook falou com um sorriso simpático, endireitando a mochila preta em suas costas antes de erguer a mão para um aperto com Taehyung. 



— Aham... - Taehyung apertou a mão. - E-eu posso tentar, mas o Hyung não é uma pessoa muito fácil. - Riu, um pouco sem graça.


— Eu tenho certeza que posso mudar isso... - Jungkook assegurou com um sorriso. - De qualquer jeito, obrigado por ter cuidado do Hoseok, Taehyung... ele não lida bem com tempestades e eu fiquei nervoso quando soube que ele não 'tava em casa, sabe? Mas pelo visto correu tudo bem. - Jungkook moveu o olhar para mim, se aproximando e colocando uma mão no meu ombro. - 'Cê tá bem, Seok?


— Aham... Taehyung... Taehyung me ajudou - Eu falei, olhando para Taehyung mais do que olhava para meu irmão ao meu lado, me senti corando. - E-eu vou pegar minhas coisas pra gente ir. 


Eu disse e me evadi de lá tão rápido quanto pude. 


— Sua camisa 'tá lavando! Pega qualquer uma minha dentro da gaveta! - Taehyung gritou, ao longe. 



Eu passei alguns momentos calçando meus coturnos que estavam jogados pelo quarto e depois me empenhei em vasculha-lo com os olhos, me perguntando a qual gaveta exatamente Taehyung havia se referido. 


Deduzi que só podia se tratar do cômodo branco ao lado da porta e torci pelo melhor quando abri a primeira gaveta. 


Assim que eu abri, eu senti meu rosto esquentando, de novo. 


Porque não eram camisas lá. 


Eram calcinhas. Várias. De todos as cores e tipos que eu pudesse imaginar. Algumas maiores, com tecido estufado em algodão, de aparência macia, lacinhos na frente e estampas fofinhas, e outras menores, bem menores, com rendas e transparências as quais eu só podia imaginar o que me revelariam se eu as visse vestidas. 


— Pelo amor de Deus... - Eu falei baixinho e sem nem pensar, com a mão firme no puxador que eu segurava, a boca entreaberta. 


Eu sabia que eu deveria fechar, eu sabia que invadia sua privacidade, mas é que tinha uma rosa, rendada com fitas de cetim formando laços em cada um de seus lados, que era tão bonita. E a gaveta cheirava tão bem com cheirinho de amaciante e sei lá, eu só não consegui me mover, ok? Não até a voz de Taehyung atrapalhar minha breve visita à sua gaveta. 



— Gostou? Quer levar uma de souvenir? - Ele perguntou com um sorrisinho ladino, escorado na borda de sua porta, apenas uma parte de seu corpo aparecendo na parte de dentro do quarto, com uma mão na parede, olhando de mim para a gaveta, que eu ainda deixava aberta. 



Eu a fechei tão rápido que quase machuquei meu dedo no processo, corando mais do que nunca e colocando as mãos para trás do meu corpo.


— E-eu não sabia qual gaveta abrir, então só abri a primeira, e-eu juro que não quis- 



— Relaxa... eu tô brincando, tá tudo bem - Ele revirou os olhos caminhando até mim e me empurrou para trás para ter acesso às suas gavetas, abriu a terceira e depois virou se levantando, empurrando uma camiseta branca em meu peito - mas de qualquer jeito... - Ele me olhou comum sorriso sugestivo e os olhos de chocolate me instigavam quando continuou. - Te garanto que elas ficam melhores vestidas do que dentro da gaveta. 


Ele continuou sorrindo e puta que pariu eu não ia aguentar mais um segundo daquilo sem entrar em combustão pelo tanto de vergonha que eu sentia. 


— E-eu tenho que ir. - Eu peguei com pressa a camisa de sua mão e a coloquei da forma mais rápida e desengonçada possível enquanto ele só ria mais, se afastando e cruzando os braços. - O-obrigado, de novo, a gente se vê na aula, tchau. 



Eu falei enquanto pegava minha própria mochila do chão e passava as mãos no cabelo nervoso, logo depois saindo do seu quarto apressado, sem lhe direcionar mais o olhar porque eu sabia que me fitava com aquele sorrisinho desgraçado e eu já havia passado vergonha o suficiente. 


— Até segunda! - Eu ouvi sua voz em um tom brincalhão enquanto agarrava a gola do moletom preto de Jungkook, que comia uma barra de chocolate na bancada da cozinha, e o puxava à força para me acompanhar na saída.



— O-o que? Meu Deus você tá vermelho... - ele riu da minha cara sendo puxado e depois gritou para que Taehyung o escutasse. - Tchau, Taehyung! Tchau, gatinho! 



Depois de Jungkook me pedir a chave da caminhoneta para dirigi-la durante a volta para a casa, nosso percurso foi silencioso. 


Ele havia se preocupado comigo, não me ignorava e respondia as perguntas bestas que eu fazia, mas eu conseguia perceber que ainda estava magoado, que provavelmente só tinha o coração grande demais que sempre teve para deixar isso o impedir de vir até mim. 


— Você não machucou ele de novo, machucou? - ele perguntou, sério, depois de alguns longos minutos silenciosos, com olhos na estrada.


— O quê? Não... não... claro que não! Nós só fizemos o começo do trabalho e eu acabei dormindo lá por causa da tempestade. Eu sequer encostei nele! - eu levantei minhas mãos me rendendo porque era a última coisa que queria discutir com meu irmão novamente.


— Hmmm, ok. Porque ele realmente parece um garoto legal, Seok... - Meu irmão tirou os olhos da estrada para me fitar com um olhar sincero. - O jeito que ele me ligou ontem tão preocupado com você, que não reclamou nenhum segundo quando eu passei tanto tempo o dizendo repetidamente o que fazer, porque eu também tava nervoso, que ele cuidou de você... - Jungkook suspirou antes de continuar. - Eu não tô falando que é pra vocês ficarem  de novo ou que você tem que amar ele loucamente ou algo assim... só... só trata ele bem, ok, Seok? Ele pode não ser um humano, mas fez mais por você do que muitos por aí fariam... E você já o machucou demais. 


Eu olhei para meu irmão enquanto o escutava falar aquelas coisas, e cada palavra era como um golpe certeiro em minha consciência. Porque Jungkook estava certo em cada uma delas. E não é como se eu já não soubesse isso dentro de mim ou como se eu não houvesse percebido pela mágoa nos olhos e na voz de Taehyung, mas ouvir de um jeito duro tudo aquilo era um tapa na cara que eu não estava muito preparado para receber, mas que eu acredito que merecia. 


— E-eu vou... eu vou, Jungkook, eu quero, pelo menos. Mas ele ainda é um pouco... difícil comigo. - Eu falei, um tanto frustrado, descendo os olhos para minhas mãos em meu colo. 



— Como assim? - Meu irmão franziu o nariz, voltando à atenção para a estrada. 


— Eu não sei... - eu passei as mãos por meus cabelos com a testa igualmente franzida. - Ele é tão doce comigo às vezes, doce de um jeito que ninguém nunca foi, ele ri das coisas que eu falo e me toca e às vezes até flerta de um jeito tão pra frente que eu tenho vontade de sumir de vergonha... - eu ri comigo mesmo - mas ao mesmo tempo, algumas vezes, ele se fecha, como se já soubesse tudo sobre mim quanto o que existe para saber, sabe? Ele me olha com raiva e me alfineta o ego e me faz sentir tão mal. Eu não o entendo, Kook, hoje mesmo antes de você chegar ele me olhou de um jeito que eu só sei que ele queria algo de mim, só que eu não faço ideia do que seja. E eu não sei o que fazer porque esse trabalho é enorme e eu muito provavelmente vou ter que ver ele de novo em breve e toda vez que ele me olha eu só quero sumir. 



Eu basicamente despejei tudo o que se passava na minha mente desde que eu havia saído de lá em Jungkook, e ele me ouvia atentamente, assentindo ao que eu o dizia. Eu me distraía tanto no meu desabafo que sequer percebi que nós já chegávamos na garagem do nosso apartamento. 


Jungkook tirou a chave da engrenagem e respirou fundo antes de me olhar com uma sobrancelha levantada. 


— Você realmente perdeu todo e qualquer resquício de traquejo social, né, Seok?



— Ahn? 



— OK. Vamos lá. Eu pensei que eu fosse o mais novo mas pelo visto é você que precisa ser orientado aqui. - ele gesticulou com as mãos como se falasse com uma criança - Seok, o cara claramente gosta de você, pelo menos o bastante para ter se preocupado quando você precisou de ajuda... só que - pasme -,  você machucou ele! Literalmente machucou ele e eu não digo só fisicamente porque pelo jeito que você falou ele ainda tá bem magoado. E quando a gente machuca alguém... o que é que a gente faz? - Ele me olhou querendo que eu completasse.


— Err...


— Pede desculpas, Hoseok, caralho!! - meu irmão exclamou jogando a cabeça para trás contra o banco e fechando os olhos como se aquilo tudo o exigisse muita paciência. - Eu sei que no trabalho você é acostumado a machucar os outros e não pedir desculpas, e eu não tô falando que 'cê tá errado! Porque quando você não exagera, você é foda pra caramba no trabalho, qualquer pessoa vê isso... só que aqui a gente não tá falando de trabalho, Seok, tipo, ele pode ser um vampiro, ok, mas no caso ele tá envolvido na sua vida, nas suas relações, amorosas ou não ou que seja. Kim Taehyung não é um chamado do Governo. Você só não pode confundir as coisas, Seok! Você pelo menos pediu desculpas pra ele? Depois de ter apertado a garganta dele até machucar? Depois de ter tratado ele daquele jeito fez todo mundo ficar assustado com você na faculdade?



— Sim! - eu exclamei, depois franzi o nariz e neguei com a cabeça. - Quer dizer, não... médio... eu pedi desculpas por ter importunado ele na casa dele, com o negócio da tempestade. 



— O mesmo que bosta! - Jungkook falou, alto, quase como se não aguentasse mais minha burrice. - Você não pediu desculpas porra nenhuma, e tá querendo que ele te trate como príncipe? 'Cê diz que ele é difícil com você mas quem é que não seria? Depois disso tudo... 



— E-eu não pensei nisso... - eu falei, sem graça.



— Claro que não pensou! Ultimamente, você não pensa em várias coisas, Seok... - Os olhos de Jungkook começaram a mostrar mágoa e ele os desceu para seu colo.



E ali eu, pela primeira vez em muito tempo, soube o que fazer, porque ele havia acabado de me ensinar. Mordi o lábio antes de quebrar o silêncio. 


— Desculpa, Kook... - Seus olhos grandes subiram de novo, interessados no que eu tinha a dizer, e eu engoli em seco antes de continuar - S-sobre o que eu falei pra você aquele dia, sobre o pai... e-ele nunca ficaria decepcionado com você. Ele te amava tanto, tanto, tanto. - Jungkook travou a mandíbula e enxugou uma pequena lágrima em seu olho. Eu não parei por ali. - Ele teria tanto orgulho de quem você se tornou, tanto orgulho de quem você é hoje, Kook, eu tenho certeza... eu só falei aquilo porque fiquei com raiva, com raiva porque você disse que de novo que eu exagerava, mas você tava só se preocupando comigo, você sempre se preocupa, Kook. - Eu suspirei. - Você é a melhor parte dessa família hoje, e-eu que sou uma bagunça. Desculpa, desculpa.


— Nós dois somos, Seok... Depois daquela noite, vivendo do jeito que a gente vive, eu duvido muito que um dia algum de nós dois não vá ser uma bagunça - Jungkook me falou, baixinho, olhando para baixo antes de me voltar os olhos. - Mas vai ficar tudo muito mais bagunçado se você ficar me afastando desse jeito... Você tem que me deixar cuidar da sua bagunça, do mesmo jeito que você cuida da minha, ok? 



Eu tive que engolir o nó na minha garganta pra não chorar bem ali, mas não iria fazer isso na frente de Jungkook apenas para ele usar contra mim depois, só assenti com os olhos brilhosos e cheios de afeto e o abracei, o trazendo para mim com força antes de falar com a boca em seus cabelos - que tinham um cheirinho de côco  que era tão familiar. 


— Ok... Eu prometo, Kook. Eu te amo. Muito, muito, muito. Desculpa. - Eu falava repetindo, mas não adianta quantas vezes eu repetisse, as palavras não expressariam de verdade o quanto eu amava aquele moleque. 



Ele retribuiu meu abraço com aquele corpo forte de um jeito que quase me esmagou, enquanto afundava seu rosto em minha camisa. 


— Ok, tá desculpado. Eu também te amo, Seok. Eu e você, sempre



— Sempre. - Eu respondi, rindo, porque ele já fungava e era típico dele, de durão ele só tinha a aparência. Era um bebê. 



Nós nos separamos e ele ainda enxugava envergonhado ainda algumas lágrimas com um sorriso pequenininho. 


— Bom, um de dois. - ele falou.



— Quê? - franzi o rosto, já abrindo a porta do carro. 



— Pedidos de desculpas que você tá devendo, idiota!


Ah.


— Ah.



Eu fiquei calado o resto do caminho até o nosso apartamento, aproveitando do silêncio confortável com meu irmão e pensando em como eu poderia fazer para resolver pelo menos um pouco as coisas com Taehyung. 


Querendo ou não, era ele minha dupla nesse trabalho e nós nos veríamos e ele de fato não havia se mostrado perigoso um segundo sequer desde aquela noite na festa. Eu precisava fazer isso, mas não sabia exatamente como, porque Jungkook estava certo, o meu trabalho estava tirando de mim qualquer traquejo social que eu um dia tive e um simples pedido de desculpas parecia se tornar impossível. 


Já no elevador, depois uns segundos olhando para a tela do meu celular, logo meu pensamento foi cortado por Jungkook.


— Nem pensar... você não vai pedir desculpas por mensagem. - ele disse eu levantei o olhar confuso.


— E-eu não ia, eu só tava pensando...



— Quando você ver ele de novo, você pede. É simples, Seok. "Me desculpa por ter quase te matado. Duas vezes." É uma frase simples, você consegue. 



Respirei fundo, assenti, rindo de sua piadinha.


Será que era simples assim?


A dúvida ainda perturbava minha mente quando entramos em casa, Jungkook se jogando no sofá e segurando seu controle de video-game e eu pegando as correspondências embaixo da porta, me apoiei na bancada as conferindo e em pouco tempo já ouvia os sons de tiros do jogo de meu irmão, sorri pequeno comigo mesmo porque, nossa, como eu senti saudades. 


— O que 'cê vai fazer hoje? - eu perguntei, olhando para as cartas que eu colocava uma para trás das outras em minhas mãos. 



— Vou pra casa do Minghao, vai rolar uma socialzinha... vai uma galera pra lá. Se quiser ir. 



— Acho que passo, Kook... mas se divirta. - eu falei com um sorrisinho no rosto porque depois de sexta passada e da ressaca do dia seguinte eu não estava muito na vibe de ir para uma festa, ainda mais com os amigos de meu irmão que são, na maioria, tão sem juízo quanto ele. 



— Ok, se mudar de ideia já sabe. - alguns barulhos de tiros soaram antes que ele continuasse. - Ah, e de tarde vou tatuar, quer ir? 



Inclinei a cabeça e levantei a sobrancelha em uma expressão de contemplação comigo mesmo, pensando bem na proposta de meu irmão. 


Será que uma tatuagem nova iria fazer todos os meus problemas e conflitos internos que precisavam urgentemente de solução se resolverem magicamente? 


Ok, não ia, mas era uma boa ideia, vai. 


As pessoas lidam com o estresse de formas diferentes, para mim e para Kook, escutar o sonzinho da máquina e sentir a dorzinha aguda de traços novos sendo deixados em nossas peles era como terapia. 


E, considerando nosso emprego e o estresse que passávamos diariamente, não preciso dizer que já tínhamos mais tatuagens do que conseguíamos contar. Jungkook tinha o antebraço e braço direitos quase fechados com desenhos que eu gostava de chamar de Estética de E-boy Gamer para brincar, mas que na verdade eram bem bonitos. Eu estava no processo de fechar meus dois antebraços.  


Duas maiores rodeavam cada um deles. Em um, uma paisagem com os pinheiros altos e a silhueta das montanhas nevadas, que representava o locam que nossa família sempre viajava para passar os feriados, eu havia feito pouco após a morte de meus pais. Em outro, nuvens cinzentas se unindo formando uma tempestade, com um raios longos percorrendo toda a extensão do antebraço. Essa eu havia feito porque, bem, pensei que marcar aquilo em mim seria um jeito de enfrentar meu medo.


Além disso, eu gostava da ironia. 


Eu tinha algumas outras menores,  sempre em estilo old-school, preenchendo os espaços que não eram ocupados por essas maiores na área. Uma no pescoço com a data de nascimento de Jungkook, que ele tinha igual com a minha, e uma de tamanho médio, com caracteres formando a palavra esperança em coreano, na lateral do meu quadril.  


A outra lateral dele estava vazia. Análise. 


Já dizia aquele ditado que só existe na minha cabeça, né: quando a vida fica difícil e você não sabe o que fazer, faça uma tatuagem!


— Quero, a Lisa tá com horário vago pra tarde? Só confio nela. - Respondi meu irmão finalmente.



— Você e seu old-school... - Jungkook revirou os olhos. - Deve tá sim, confirma com ela por mensagem  e diz que 'cê vai comigo umas quatro. 



Depois que eu confirmei o horário vago, o dia passou rápido e em pouco tempo eu e Jungkook estávamos no estúdio de tatuagem e piercing que era quase nossa segunda casa. 


— A letra de uma música do Nirvana, sério? Como se um olho vermelho não fosse emo o suficiente, Kook... - eu debochei do meu irmão com uma sobrancelha levantada porque, nossa, como Jungkook era previsível. 



— O corpo é meu e se eu quiser tatuar uma música do One Direction eu tatuo, Seok, agora para de se preocupar com a minha vida e escolhe logo o que você vai fazer. 



Eu voltei o meu olhar ainda rindo para o caderno com os desenhos livres da Lisa em minhas mãos e cocei a nuca. Não fazia a mínima ideia. 


— Não sei... sério, menor ideia. - eu falei, folheando. Os desenhos eram lindos, qualquer um ficaria bom porque a Lisa era foda pra caralho, mas nada chamava minha atenção. 


— Duvido você fazer essa aqui. - Jungkook riu apontando um desenho específico, e eu pensei um pouco, passando os dedos em cima dele com um sorriso antes de responder. 



— Ok, por quê não?



— Sério? - meu irmão me olhou quase como se me desafiasse. 



— O desenho tá foda, é bem a estética que eu gosto, filmes de terror e essas coisas, e essa em específico tem super a ver com a gente, não?  



— Você é maluco... - meu irmão falou, negando com a cabeça.


Minutos depois, eu sentia a ardência perfurando a lateral do meu quadril inferior, bem próximo aos ossos que formavam o corte V no fim do meu abdômen, e doía para caralho. Eu fazia careta pela milésima vez e Jungkook, com a sua já terminada, colocava um piercing na hélix. 


— E você, Seok? Quando vai me deixar fazer um piercing nesse teu corpinho sem furo? - Lisa falou sorrindo, concentrada no desenho enquanto o zumbido da maquininha ecoava.



Eu ri, com o rosto ainda franzido de dor.


— Eu tatuo até meu pé, Lisa, mas não tem quem me faça colocar um piercing. 



Eu tinha apenas os furos da minha orelha onde eu usava argolas pequenas vez ou outra, e não pretendia me furar mais do que aquilo, só a ideia me doía. 


Alguns minutos depois, eu olhava satisfeito o resultado dela no espelho. 


Um crucifixo de madeira, daqueles bem clássicos, de filmes de vampiros de antigamente, aqueles que eu e minha família costumávamos maratonar. Enlaçada fazendo algumas voltas nele, havia  uma rosa vermelha com espinhos, uma de suas pétalas pingando sangue. Todos os traços grossos no estilo old-school que eu gostava, basicamente em preto com um pouco de vermelho e verde na rosa, ocupando boa parte da parte frontal e um pouco da lateral do meu quadril inferior. 


Ok, era meio clichê e previsível, eu sei. Mas que ficou foda, ficou. 


Depois daquilo, Jungkook pegou o metrô direto pra casa de seu amigo e eu fui para casa com o carro, o que me deu bastante tempo para pensar, sozinho, sobre tudo. 


E, como esperado, uma tatuagem nova, apesar de bem bonita, não havia melhorado muito a minha situação. 


Tirei o celular do bolso quando cheguei em casa e joguei as chaves na bancada, desabando no sofá e pensando algumas várias vezes se eu devia falar com ele, porque ele não saía da minha cabeça. 


Ele e aqueles malditos olhos enormes, cheios de mágoa me olhando. 


Eu só precisava falar algo, qualquer coisa, precisava de qualquer mínimo pretexto que me permitisse começar essa conversa com ele. 


Hoseok - 19:12


oi, eu fiquei com sua camisa, levo segunda na aula..


Ele demorou um pouco para responder, o que foi o tempo de eu tomar banho e pegar a camisa dele do varal. Uma branca, a capa do que parecia ser um álbum na frente, com o nome Ultraviolence em cima, julgando pela cara de sono da moça que estampava, não tive dúvidas de que era a tal Lana Del Rey. 


Apesar dos nossos estilos bem diferentes, eu havia até gostado dela em mim, pra ser sincero. E juro que não era porque ela tinha o cheirinho de baunilha dele. Ou... não só por isso. 


Quando eu já estava deitado só com a calça de moletom, pensando se tirava ou não o plástico da tatuagem, meu celular vibrou. 


Taehyung - 19:42 


oii


ok!


Nossa, ele demorou tudo isso pra um 'ok'?


Hoseok - 19:43



obrigado de novo por ter me deixado dormir aí e td mais


e desculpa pela gaveta, eu juro que n sabia 


Ele demorou, de novo. E eu sem perceber fazia um bico emburrado, porque o que poderia estar fazendo de tão especial para demorar assim. 


Taehyung - 19:54



tá tudo bem :)


A resposta parecia amigável, apesar de curta e da clara intenção dele em acabar o assunto, mas da última vez que ele havia usado carinha sorridente ele não estava exatamente sendo simpático. Mordi o lábio e continuei digitando qualquer coisa que não deixasse o assunto morrer.


Hoseok - 19:55



eu tava pensando na segunda parte do trabalho e acho q a gnt podia pegar referencial teórico daquele site que a gnt viu aí


Taehyung - 19:56



hoseok, na semana a gnt conversa sobre isso, ok? 


tipo, com td o respeito a vc querer conversar, mas é sábado, as pessoas tem planos, e eu tenho um pouco mais o que fazer além de ficar te ouvindo tagarelar por mensagem hehe


enfim, eu vo sair aqui


dps a gnt conversa disso


tchau


:)


Certo, definitivamente a carinha sorridente não era amigável. Ele claramente ainda estava chateado e isso me inquietava tanto, de um jeito insuportável.


Depois do fora, tentei me distrair vegetando no sofá, colocando um filme de terror qualquer na Netflix e fazendo pipoca, pausando o filme apenas para responder as fotos bêbadas que Jungkook insistia em me mandar. 


A distração teria dado certo, só que a merda do filme tinha uma cena com vampiros e toda vez que eu via dentes perfurando o pescoço de alguém na tela eu lembrava da sensação dos seus no meu próprio. Do seu corpo agarrado ao meu enquanto ele lambia e cheirava meu pescoço e de novo e de novo e de novo.


Falhei em me distrair por causa disso e antes das onze desliguei a televisão sem ver o fim do filme, indo pro quarto, desligando as luzes e me jogando na cama para ficar de novo, preso com esses meus pensamentos que eu já não aguentava mais.


Fechei os olhos, tentei dormir e, obviamente, não consegui. 


Imagens dele continuavam tomando conta da minha mente. Lembrei do que ele me falou da sua família, como o rejeitaram não só uma como duas vezes, como o proibiram de falar com o irmão, como ele parecia abalado por isso. Me perguntei quanto tempo fazia desde que isso aconteceu. 


Pensei também na vergonha que ele teve em me falar que comia doces para ajudar a controlar sua sede, como seu rosto corou e ele sentiu necessidade de se esconder apenas pela menção do tópico da sua alimentação, de como ele mesmo se chamou de nojento.


De como eu o chamei de nojento. Convicto, o olhando de cima para baixo com desdém naquele closet, enquanto ele agonizava no chão após eu o ter enforcado. 


Ele definitivamente me falou como se já fosse inseguro com isso. E eu, por pura raiva, aparentemente havia espalhado sal em sua ferida.


Eu sabia bem como era quando alguém pegava sua maior insegurança e a usava contra você, e não era nada bom.


Por quê eu fiz aquilo?


Sentei na cama angustiado, muito angustiado, eu me sentia tão péssimo e culpado que não conseguia dormir, não conseguiria parar de pensar nisso. De pensar em Taehyung. 


Eu suava frio e sabia muito bem que essa sensação não passaria até que eu resolvesse as coisas com ele. 


Olhei a hora no meu celular. 23:24. 


Nem tão tarde.


Molhei meu rosto com pressa, sequer fiz questão de tirar a calça preta de moletom que eu usava, coloquei uma camisa de banda qualquer por cima do torso, me calcei, peguei as chaves e saí de casa. 


Eu precisava resolver isso. E ele que me perdoasse, mas não daria pra esperar até segunda. 


Antes de meia-noite, eu estava na porta da casa de Kim Taehyung, um pouco molhado de chuva, com sua camisa em minha mão e muitas, muitas dúvidas em minha cabeça. Eu escutava música baixinha vindo de dentro e também alguns passos, então pelo menos alguém estava lá.


Respirei fundo e levei a mão para bater na porta, orando a todos os deuses existentes e inexistentes para que eu não fosse recebido por Yoongi novamente, algo me dizia que ele não gostaria muito de uma nova visita minha, muito menos àquela hora da noite.


Bati na porta três vezes e eu juro que até eu ouvir alguma conversa baixa e passos vindo até a porta, meu coração estava pulando para minha garganta.


E quase saiu de mim quando a porta se abriu me revelando Taehyung. Porque uau.


Ele usava uma camisa preta de gola bem alta e mangas longas, que se colava à sua pele moldando perfeitamente seu torso, principalmente sua cintura fina, que era ainda mais moldada pela calça que usava, apertada na cintura com o cinto com fivela quadrada e dourada. A calça era completamente folgada no resto de suas pernas, naquele estilo baggy jeans, detonada com rasgos por toda a sua extensão, revelando as pernas que eu já havia visto tão bem e, para pôr a cereja no bolo, cobertas com uma meia-calça arrastão, que ficava bem á mostra em cada um dos rasgos.


Seu rosto, obviamente, também estava de tirar o fôlego.  Cílios grandes, delineado bem feito, bochechas coradas. Boca levemente avermelhada.


Notei depois de uns segundos que estava mais avermelhada do que usualmente estava. 


E por que  havia gloss espalhado ao redor dela? Por que seus lábios estavam inchados? Por que seu cabelo estava mais bagunçado do que o normal?


Quando ele percebeu que era eu, olhando para dentro da casa constrangido e puxando a porta para que apenas um pouco de seu corpo aparecesse na fresta, não tive mais muitas dúvidas.


— Que porra você tá fazendo aqui, Hoseok? - Ele me perguntou, olhando novamente para dentro e depois para mim nervoso, com as bochechas corando e fechando ainda mais a porta.


—E-eu não sei... - eu tremi os lábios antes de finalmente conseguir falar algo, porque eu ainda estava processando sua aparência e o fato de que claramente estava se agarrando com alguém que não era eu, e também o fato de eu sentir uma sensação quente e incomoda subindo até meu rosto por perceber aquilo. Ele me olhou com uma expressão ainda mais raivosa e confusa e eu chacoalhei a cabeça antes de tentar me recompor para  explicar. - Quer dizer, e-eu sei... eu só precisava... err... conversar com você.


— Você tem noção de que horas são, Hoseok? Se eu não queria falar da merda desse trabalho por mensagem o que te fez pensar que eu iria querer conversar na minha casa em plena meia-noite de um sábado?! Tem gente aqui, ao contrário de você eu tenho o que fazer!


— Não é sobre o trabalho... - Eu expliquei, assim que ele terminou de me esculachar daquele jeito. - E-eu só preciso falar com você, Taehyung, minha cabeça tava me matando e eu não consegui dormir e eu só preciso falar com você, desculpa te interromper, e-eu só... - Sua expressão raivosa não durou muito quando eu comecei a me embrulhar nas minhas próprias palavra, ele já me olhava com uma expressão mais curiosa, com olhos grandes e boca entreaberta enquanto eu suspirava e tentava ontinuar. - Eu só queria te pedir desculpas... E eu sei que 'cê tá ocupado e que foi egoísta da minha parte vir até aqui porque eu não conseguia dormir mas era só o que eu precisava fazer, ok?! Eu tentei abrir tópico com você por mensagem e 'cê não facilitou as coisas para mim então mil perdoes mas foi o que eu tive que faz- 


— Entra. - Ele me interrompeu. Eu estava envolvido demais nas minhas próprias explicações para notar que ele havia aberto a porta. Sua expressão ainda era seria, mas não mais raivosa, era como se quisesse ouvir o que eu tinha a dizer. Eu assenti depois de alguns segundos impressionado e entrei. 


Logo que entrei meus olhos se encontraram com o elemento que estava sentado no sofá. Pernas abertas como se fosse o dono do mundo, cabelos bagunçados, taça de vinho nas mãos, boca inchada e com resquícios de gloss. Ele me deu um sorrisinho, que em toda a minha sinceridade poderia ter sido facilmente só um sorriso amigável que se dá para alguém que você não conhece, mas naquele momento eu estava tão incomodado com sua presença ali que apenas interpretei como um sorrisinho malicioso provocador e filho da puta, de quem estava minutos atrás beijando Taehyung e fazia questão que eu soubesse daquilo.


Não retribui o sorriso, e continuei o encarando sério como se se eu o encarasse com cara de cu por tempo o suficiente ele fosse sumir. Taehyung tocou no meu braço e me empurrou para a bancada da cozinha.


— Fica aí um instante, eu vou falar pra ele ir embora. - Ele avisou e se virou de costas indo para onde ele estava. 


Eu queria ter visto a cena de Taehyung sentando em seu colo e o dando sorrisinhos e o falando coisas no ouvido? Queria tê-lo visto segurando sua cintura para mais perto enfiando a língua na boca de Taehyung antes de se levantar para ir embora? 


Não.


Mas vi, e fiz o máximo para disfarçar o quanto aquilo me incomodava.


Depois de revirar os olhos algumas vezes enquanto eles conversavam e se despediam na porta, porque meu deus parecia que o assunto nunca acabaria entre os dois, Taehyung subiu na ponta dos pés para o dar um último beijo na bochecha. Ele apertou sua bunda e Taehyung o bateu com as mãos em seu peito, corando e rindo de seu ato. Então ele saiu e Taehyung fechou a porta, com bochechas vermelhas, um sorrisinho pequeno, colocando uma mecha para de trás do rosto e olhando para o chão.


Hm.



Depois disso ele veio até mim e cruzou os braços, como se esperasse que eu fizesse logo o que eu havia ido até ali para fazer, e eu demorei um pouco para falar algo porque ele estava tão lindo, tão lindo com aquela roupa. E ainda por cima ele havia se arrumado todo pr'aquele cara e isso não falhava em me fazer sentir super estranho. 


— E-eu realmente não queria atrapalhar. - Menti. 



— Bom, agora é um pouco tarde demais para se lamentar por isso, né? - ele revirou os olhos, se virando e indo pegar as duas taças de vinho pela metade em cima da mesa de centro e levá-las à cozinha. - Quer vinho? - ele perguntou, tomando um gole da sua e pegando uma limpa na bancada da cozinha após eu assentir com a cabeça. 


Ele pôs o vinho, se apoiou na bancada com os cotovelos e arrastou minha taça para mim, que estava do lado contrário. Ele mantinha a sua na boca e me olhava com olhos grandes, calado esperando que eu falasse qualquer coisa. 


Eu tomei dois goles, longos e fartos, porque, por Deus, eu acho que precisaria. 


— Então... pode falar. 



Eu engoli em seco e olhei por um bom tempo minha taça antes de voltar meu olhar para Taehyung e finalmente respondê-lo. 


— Eu te devo desculpas. - ele se levantou da posição apoiada na bancada, mais interessado. - E não por ter tido um ataque de pânico ou porque eu atrapalhei teu encontro com quem quer que seja aquele mal-encarado - Ele deu um risinho de leve que me deixou um pouco menos nervoso, então eu decidi continuar até falar tudo o que eu tinha para falar. - Eu te devo desculpas por ter te machucado aquele dia, e depois por ter te machucado de novo na sala. Desculpa por ter te tratado tão mal, por não ter te deixado se explicar. - suspirei fundo, ele me olhava impressionado, olhos arregalados e boca entreaberta como se não acreditasse que eu realmente o falasse aquilo ali. - E desculpa, principalmente, por ter te chamado de nojento, Taehyung. Você... você não é nojento. - tomei outro gole, constrangido e espremi um pouco os olhos antes de continuar porque se eu continuasse o olhando provavelmente não teria coragem. - Se você é alguma coisa, você é o contrário de nojento... v-você é doce, gentil, atencioso, delicado, e não precisava ter aceitado fazer esse trabalho, nem ter cuidado de mim, mas 'cê fez tudo isso e eu zero merecia, eu zero merecia, eu não mereço nem que 'cê 'teja me escutando falar tudo isso agora mas ainda assim você abriu a porta da sua casa pra mim de novo e me ofereceu vinho e agora tá me escutando falar e falar e falar porque eu sou uma bagunça e eu realmente peço desculpas porque você não merecia ser tratado do jeito que eu te trat-



Eu estava tão imerso no nervosismo e na minha culpa enquanto eu falava tudo aquilo que eu nem percebi quando senti sua mão encostando em meu braço, ele estava na minha frente e me interrompeu. 


— Hoseok... calma... - ele falou e nem percebi o quanto eu estava ofegante. Seu toque em meu braço me aqueceu. Eu engoli em seco, olhei para baixo novamente, com vergonha. As mãos foram parar na área da dobra entre meu pescoço e meu ombro e começaram a me massagear ali. - Tá tudo bem, ok? Eu te desculpo... - Eu o olhei. - Tipo, não dá pra simplesmente esquecer tudo o que rolou mas você tá aqui e você se desculpou e eu não gosto de guardar rancor, nem de ficar brigado com ninguém. - Ele apertou mais forte a área que acariciava e eu respirei aliviado. - E-eu na verdade não achei que você pensasse nada disso, porque você passou a noite aqui e nem de manhã tocou no assunto, então eu só presumi que eu fosse apenas o vampiro nojento que você odeia mas que precisa aturar pra passar na cadeira. 



— Não é... não é, Taehyung! - eu me antecipei pra falar, me inquietando, e ele riu, assentindo.



— Ok, ok, agora eu sei... Tá tudo bem, eu te desculpo, ok? Não precisa mais se explicar. - ele acariciou meu cabelo e sorriu. - Eu te disse que você conseguia ser gentil quando queria, não disse?



Eu, finalmente, depois de ficar tenso por tanto tempo quando eu posso lembrar, sorri junto dele, aliviado, ele desceu as mãos para o meu peito, deu dois tapinhas com um sorrisinho antes de se afastar. Eu cocei a nuca, obviamente corando.  


— Obrigado, por ter me escutado... - eu falei, depois lembrando da camisa que eu havia deixado em cima da mesa. - Ah, e tá aqui sua camisa. - eu a estendi para ele e ele a segurou.


— Ah, ok... eu nem lembrava dela. - Ele a segurou com as duas mãos e nós ficamos ali, com sorrisos discretos, nos olhando sem saber o que fazer até que eu quebrei o silêncio depois de suspirar. 



— E-eu acho que era só isso mesmo. Eu acho que vou conseguir dormir agora. - Ri sem graça. -  Desculpa de novo por ter atrapalhado sua... - franzi o rosto lembrando do chamego entre ele e aquele cara. - sua noite... E-eu vou embora, já te importunei demais, até seg-



— V-você pode ficar... se você quiser. - ele me cortou, dizendo isso um pouco nervoso, ainda segurando a camisa que eu o havia dado, a apertado em suas mãos de um jeito fofo. Ele era fofo.



— Ahn?



— Já tá tão tarde, não faz diferença 'cê ficar mais um pouquinho, ainda tem vinho... E é o mínimo que você pode fazer já que expulsou meu date, ok? Pelo menos até o Hyung voltar do estúdio, por favor? - Ele fez um bico pidão nos lábios e era adorável, simplesmente adorável. 


É claro que eu cedi. 



🦇




— Então, aquele é seu namorado? - eu perguntei, enquanto Taehyung me servia o último gole que havia na garrafa de vinho. Estávamos próximos, mas não muito, no sofá e ele havia colocado algum show de alguma cantora pop para passar na televisão, no qual não prestávamos muita atenção já que a conversa fluía de forma tranquila. Depois de tópicos como faculdade, festas, música e também depois de três taças de vinho, me senti a vontade para o questionar aquilo. 



Ele bufou em um risinho colocando a garrafa de volta na mesa de centro. 


— Dá pra parar de querer ficar arranjando namorado pra mim? - ele levantou a sobrancelha e eu ri junto dele. - Bogum é... um amigo. A gente vai e volta, na verdade. Hoje aconteceu de ser um dos dias que a gente volta, mas não, definitivamente não é meu namorado. 



— Ah... - eu respondi, tomando um gole da taça de vinho para tentar disfarçar minha expressão de desconforto. Pelo jeito que ele riu, de novo, acho que falhei. 


— E você? 


— E eu o quê? 


— Ah, Hoseok... acorda! E você, tem alguém? Duvido que não tenha, as pessoas da faculdade podem até ter medo de você, mas na mesma proporção todas têm tesão em você. - Ele brincou. 


Eu sorri envergonhado e não levantei o olhar da minha taça quando o respondi.


— As pessoas da faculdade definitivamente precisam de um gosto melhor... e não, não tenho alguém. Longe disso... - Manti o sorriso, pensando em como eu era solitário quando se tratava de qualquer pessoa que não fosse Jungkook. Claro, Namjoon era um bom amigo, mas não era como se eu o deixasse fazer muita parte da minha vida, ou como se eu deixasse qualquer pessoa fazer parte da minha vida.


Meu sorriso deve ter desaparecido, porque Taehyung logo perguntou. 


— "Longe disso" por quê?



E eu não queria entrar no assunto, mas já estava feito. 


— Eu não tenho muito jeito com essas coisas... meu trabalho não torna nada mais fácil, se é que você me entende. Tipo, ninguém quer ficar com alguém que faz o que eu faço, sabe? Ocupa tempo demais, é complicado demais. 


— Você já tentou? - ele perguntou, inclinando a cabeça e trazendo os joelhos mais para perto de si na posição um pouco encolhida que tinha no sofá, virado para mim. Pequeno. 


— Não... 


Depois de um pequeno silêncio, ele falou:


Então talvez não seja tão complicado, talvez você só queira que seja complicado porque é mais conveniente... Ficar sozinho.



Eu não respondi, porque de novo, não sabia como. Mas refleti sobre suas palavras enquanto esvaziava minha taça com um último gole. Ele percebeu minha expressão um pouco angustiada com o assunto e em pouco tempo se levantou, estendendo a mão para mim e propondo animado.


— Vem, vamo abrir mais um! - ele deu alguns pulinhos e eu ri incrédulo.


— Eu vim de carro, Taehyung... - eu o disse, mas ao mesmo tempo peguei sua mão e o deixei me guiar para a cozinha. 



— Você mora perto, uma tacinha não faz diferença. - Ele me olhou com um sorrisinho travesso. - Lava essas taças, eu vou pegar outro. 



Eu obedeci e em pouco tempo ele apareceu novamente com outra garrafa na mão, a colocando na bancada e depois me pedindo:


— Desculpa, 'cê pode ir um pouco para trás? O saca-rolhas fica no armarinho em cima da pia. 



Eu assenti e me afastei de leve da pia, ele se colocou no espaço apertado entre mim e a bancada e se esticou de ponta de pés para abrir o armário. 


A distância entre nós naquele momento se tornou mínima, mínima de um jeito que não era desde o dia em que nos atracamos um contra o outro bêbados no closet da casa de Seokjin, e eu não vou dizer que eu não estava levemente ébrio ali, mas eu estava sóbrio o bastante para ter a consciência do que eu queria e não queria.


E eu queria Taehyung. 


Vampiro ou não, eu o queria. 


Seu cheiro de baunilha me atingia de forma especialmente intensa e eu tinha a visão de seus cabelos sedosos tão próximos de mim, sua cintura fina estava tão perto de minhas mãos hesitantes e seu corpo estava tão perto do meu, ansioso. Minha respiração falhava, meu rosto esquentava e meu coração batia rápido, mas eu sabia que não estava tendo um ataque de pânico, do qual eu poderia ser cuidado por Taehyung. 


Como eu poderia ser cuidado por ele se era exatamente Taehyung, lindo, doce e delicado Taehyung, que me fazia sentir tudo aquilo em primeiro lugar?


Eu arfei baixinho e não contive o instinto de minhas mãos, que estavam tão, mas tão ansiosas para tocá-lo. Quando percebi, uma mão minha envolvia lenta e furtivamente sua cintura por cima do tecido fino de sua blusa e outra alcançava seu pescoço, buscando as mechas macias de seus cabelos. 


Eu o tocava com cuidado, sentindo cada arrepio seu ao tato delicado de meus dedos, que vacilavam em de fato encostar na sua pele, como se tivessem medo de que Taehyung a qualquer segundo fosse evaporar e escapar por dentre eles. Talvez por remorso de o já terem machucado tanto antes, tiveram receio de que fugisse a qualquer anúncio de um novo toque.


Eu não queria que fugisse. 


Taehyung estava de costas, mas eu o sentia se entregando ao meu toque, eu percebi quando inclinou sua cabeça respirando vacilante para que meus dedos alcançassem mais seu pescoço, logo seguidos de meu nariz. E então eu o cheirei, me aproximei e cheirei a área de sua nuca que antes eu tocava, sem o deixar escapar de mim por um segundo sequer. Inspirei e suspirei, forte, na área e ele se rendeu mais, arfando baixinho em um gemido quase mudo. O deixei um selo, longo, no mesmo local e ele repetiu a reação. Nossos corpos já completamente quase colados.


Ele então se virou, lentamente, para mim. Suas bochechas queimavam corando, ele respirava descompassado e seus lábios tremiam em uma hesitação ansiosa, eu admirei a visão tão próxima que eu tinha de seu rosto entregue e tirei uma das mechas que caíam em seus olhos, com cuidado, para de trás de sua orelha. 


Ele mantinha os olhos para baixo enquanto eu mantinha os meus olhos nele, só nele.


Quando mordeu seu lábio inferior em um gesto de vergonha, o libertando tão inchado, úmino  avermelhado logo depois, eu não me contive, novamente. 


E o tomei nos meus.


Não deixei de o acariciar o rosto e os cabelos quando o beijei. E ao contrário de nosso primeiro beijo, aquele era calmo. 


Eu tomava meu tempo, deixando ele se acostumar ao calor dos meus lábios enquanto eu me lembrava do dos seus, tão úmidos, tão quentes, tão perfeitos juntos dos meus. Mantive-me travado naquele selo inicial e, quando ele levou as mãos para apertar o tecido de minha camisa, perto de meu peito, eu entendi como uma permissão para continuar. Sentia a umidez do interior de seus lábios a cada novo selo que eu o dava, repetindo os movimentos de forma diferente, como se cada vez que eu o beijasse não fosse o suficiente. Abri minha palma envolvendo seus cabelos em meus dedos e ele abriu as suas em minha camisa, se rendendo. Sua respiração era quente em meus lábios, a cada vez que eu me separava dos seus apenas para me unir novamente e novamente, em beijos lentos, calmos.


Taehyung se derretia em meu beijo, me deixando engolir cada um de seus gemidos baixinhos e arfares sôfregos. 


Quando eu aproveitei uma das pausas em que ele respirava com os lábios abertos na minha boca para tentar introduzir minha língua ao beijo, ele inicialmente me permitiu, me apertando mais e gemendo um pouco mais intensamente ao que eu mexia minha língua reconhecendo o interior de sua boca. Na segunda investida que eu dei com ela dentro de seu interior quente, tão quente, ele travou, como se houvesse acordado de um transe.


E tão rápido quanto fez isso, quebrou nosso beijo afastando a boca da minha, apenas o bastante para que pudesse me falar, depois de alguns segundos respirando descompassado. Soprando cada palavra em meus lábios abertos e ainda úmidos dos seus:


— A-ainda não... 



E eu não entendi, franzi o rosto confuso porque sua expressão ali havia se tornado triste, eu cheguei a ver medo em seus olhos brilhosos, e tirei de novo uma mecha para de trás de sua orelha, passando meu nariz no dele.


Taehyung... 



— E-eu não consigo... - Ele fechou os olhos apertando-os com força e apertou minha camisa em meu peito na mesma intensidade. Passou uns segundos assim antes de respirar fundo e finalmente os abrir, me olhando novamente. - Eu gosto de você, Hoseok... mas... mas você... você me machucou - seus olhos se marejaram e meu coração se apertou - E-eu ainda tenho marcas da tua violência no meu corpo e... eu sei que eu te desculpei, eu sei, mas ao mesmo tempo... e-eu não confio em você ainda. Não o bastante. Desculpa. - Ele fechou os olhos de novo e a última palavra que proferiu saiu quase muda, na voz chorosa que ele usava, ele mordeu o lábio inferior novamente, prendendo o choro.


Eu não o deixei continuar mais um segundo sem que eu o tivesse em meus braços, o envolvendo num abraço enquanto ele respirava fundo em meu peito, com as mãos ainda apertando o tecido da minha camisa. 


— Eu entendo, Taehyung, eu entendo, você tá certo... Desculpa, de novo. Eu não queria te pressionar.- eu disse, depois de o beijar os cabelos, mantendo uma mão os acariciando.


E ele demorou alguns segundos, se aconchegando mais em meu abraço antes de falar abafado, quase para dentro de minha camisa, afundando mais o rosto nela:


— Eu ainda preciso de um tempo. 


— Eu acho que eu tenho tempo. - eu respondi, sem fazer a mínima ideia do que eu estava fazendo exatamente. 



Ele se afastou e me olhou de baixo para cima. 


— Você disse que era complicado... 



 E  você disse que talvez não seja tão complicado assim. - Eu sorri e ele finalmente quebrou sua expressão triste para me retribuir, com um sorriso geometricamente lindo. 



Nos abraçamos mais um pouco antes de ele se afastar, enxugando os olhos de leve ao se recompor.


— É melhor eu ir... - eu propus, porque achei que quisesse ficar sozinho. 



— Não, fica, por favor... Só até o Yoongi-Hyung chegar, eu prometo. Eu não quero ficar só. - Ele me pediu com olhos enormes e as mãos segurando a barra de minha camisa. Eu obviamente assenti, de novo. - Escolhe algum filme na TV, eu vou só trocar de roupa, essa tá me matando.


Eu o respondi 'ok' e sentei no sofá escolhendo um filme qualquer e dando o play, prestei atenção na introdução dele até o momento que Taehyung apareceu de volta na sala, com a mesma camisa da Lana Del Rey que eu havia trazido de volta para ele. Ficava grande em seu corpo, longa cobrindo suas pernas até um pouco acima da metade das coxas, e eu acho que não usava nada além de roupa de baixo sob ela, mas naquele momento aquilo não era importante. 


Ele se aproximou a passos preguiçosos, coçando os olhos e bocejando de sono de um jeito muito fofo, se sentou do meu lado e apoiou a cabeça em meu ombro. 


Eu coloquei meu braço ao seu redor e o expliquei o que havia acontecido no filme, recebendo alguns "uhuns" arrastados como resposta, intercalados com alguns bocejos. 


Ele dormiu antes de vinte minutos de filme. Eu dormi antes de meia hora, com um sorriso no rosto, porque ele roncava baixinho às vezes e era muito fofo. 


E em um último pensamento antes de cair no sono, sentindo a respiração delicada de Taehyung me aquecer o pescoço, eu pensei comigo mesmo:


Talvez eu tivesse tempo.





🦇



Notas Finais


Feliz ano novo, gente, espero que tenham gostado :)


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