Lembro muito bem do primeiro sermão que eu levei do meu pai sobre o trabalho. Na época, eu sequer treinava ainda.
Eu tinha dez anos, meus pais não queriam que eu começasse a me envolver com o trabalho deles pelo menos até uns catorze.
Eu, contudo, sempre fui um pouco teimoso.
Eu e Jungkook estávamos sozinhos na sala, nossa babá 'tava lavando a louça na cozinha. Jungkook 'tava no chão colando umas figurinhas no álbum do homem-aranha que ele tinha e eu 'tava assistindo algo na TV, entediado, até ter a melhor das piores ideia que eu pude ter.
– Vamos, Jungkookie! Vamos treinar que nem a mamãe e o papai! Eu sou o caçador! - Eu puxava o pulso dele pro meio da sala, e Jungkook topava tudo desde que fosse comigo.
– Tá! Eu vou ser o homem-aranha!
– Mas você não pode ser o homem-aranha... você tem que ser o vampiro, Kookie. - Eu resmunguei.
Ele choramingou um pouco, mas depois que entramos em um acordo sobre ele ser um vampiro homem-aranha, ele aceitou.
Eu subi no sofá, tendo roubado a jaqueta do meu pai, e usando uma colher de pau para fingir que era uma estaca de madeira. Jungkook com um lençol preto amarrado em seu pescoço, tendo pintado vermelho em sua boca com giz de cera para fingir que era sangue, começou a encenar.
– Eu sou o vampiro aranha! Huahaha! E ninguém nunca vai me deter!
– Parado aí, vampiro, você nunca vai matar ninguém na minha cidade, eu sou o caçador!! - Eu disse todo pomposo, encenando de cima d
o sofá. Quase sumindo na jaqueta do meu pai de tão grande que ficava em mim.
– Nunca me pegará! - Jungkook rebateu, pulando e rindo do jeito que só criança brincando ria.
– Vamos ver só! - Eu disse, e ,enfim, desci do sofá para começar a brincar de lutinha com meu irmão. Ficamos os dois rolando no chão, simulando uma briga. Meu irmão rosnando (porque ele pensava, por algum motivo, que vampiros faziam isso) e eu continuando a dizer iria vencê-lo, tentando imobilizá-lo.
Acontece que, como eu já disse, nós, na minha família, nascíamos caçadores. Com corpos adaptados a isso. Velocidade maior, agilidade maior, força maior.
E eu e Jungkook ainda não tínhamos aprendido a controlar nossa força, sequer sabíamos que a tínhamos em primeiro lugar. Então, em um dos movimentos que fui fazer para tentar derrotá-lo, eu acabei dando com o cotovelo em seu nariz e quebrando bem feio. Aconteceu tão rápido, sabe? Uma hora 'tava tudo bem e na outra Jungkook tinha sangue descendo pelo seu nariz para sua boca.
– Hobiiiiii. - Jungkook chorou de dor, segurando seu nariz e chorando magoado comigo, pensando que tinha sido de propósito.
– Kookie, desculpa, eu-
Não adiantou nada eu falar porque logo o Jungkook já 'tava berrando ainda mais alto pela dor, esperneando como uma criança de oito anos esperneava. Berrando com dor, muito alto. Quando eu fui tentar chegar mais perto para consolá-lo, Jungkook só chorou mais alto e me empurrou com força pra longe.
Só que Jungkook, muito agitado pela dor, também não mediu sua força, e me empurrou com tudo pra mesinha de centro, que era de vidro. O vidro se estilhaçou e o estrondo foi enorme. Eu dei sorte de ter levado só um corte no braço e um na coxa, mas eles doeram o bastante.
Quando a babá ouviu a barulheira e voltou para a cozinha, o caos já 'tava instaurado. Ela se desesperou ligando pros meus pais, que voltaram em minutos. Preocupados e desesperados e cheios de angústia. Porque, enfim, não é todo dia que você recebia uma ligação dizendo que seus filhos estão sangrando e chorando na sala de sua casa.
Minha mãe se desesperou, indo direto para Jungkook, que era o caçula, afinal, o examinando de cima a baixo antes de abraçá-lo e trazê-lo para si em um abraço tentando consolar.
– Jung Hoseok, o que você fez com seu irmão?! - Ela disse pra mim, com os olhos cheios de mágoa, gritando alto, o que me assustou, porque ela nunca me chamava daquele jeito e nem me olhava assim.
Eu ainda 'tava chorando, meu pai abaixado ao meu lado tentando ver o corte em meu braço. Eu esperneei.
– A-a gente 'tava brincandoooo. - Eu gemi, soluçando em choro.
– Você tem que cuidar do seu irmão! Eu estou muito decepcionada com você! - Ela me cortou sem ligar pro meu choro, colocando meu irmão no colo. E eu só chorei mais, enquanto meu pai me pedia calma e beijava minha cabeça, olhando bem meu braço com um kitzinho de primeiros socorros ao seu lado.
No fim, meu irmão teve que ir pro hospital por causa do nariz quebrado. E eu fiquei em casa, com meu pai cuidando dos meus cortes, que não eram tão graves assim. Ele 'tava colocando aquele remédio que arde muito no corte da minha coxa, abaixado enquanto eu sentava no sofá. O do meu braço já estava em um curativo. Eu ainda choramingava de dor.
– Parado, Hoseok. - Meu pai me mandou, tentando me manter no lugar. Eu parei, gemendo baixinho de dor e fungando. Olhos ainda inchados de choro. Meu pai terminava de fazer o curativo quando me olhou e suspirou. - Você me decepcionou muito hoje, filho, machucando seu irmão.
– N-não foi porque eu quis! E-ele me machucou também... - Eu exclamei, indignado, porque não entendia porque estavam sendo tão duros, e só comigo.
Meu pai suspirou, de novo, e sentou no sofá ao meu lado, me colocando em seu colo antes de continuar.
– Eu sei, esquilinho... mas a ideia foi sua, você sabe que o Jungkookie copia você em tudo. E você é o mais velho, tem que cuidar do seu irmão, igualzinho nós cuidamos de você. - Meu pai disse, e eu abaixei o rosto, fungando e enxugando meu nariz, intimidado e envergonhado. Ele tinha razão, afinal.
– Eu só queria treinar pra ser um caçador igual você. - Disse, baixinho.
E só escutei um suspiro maior do meu pai, que me endireitou em seu colo.
– Esquilinho, olhe pra mim. - Ele pediu, e eu obedeci, fungando uma última vez antes de levantar meus olhos. Olhando para ele de baixo para cima, admirando-o, como sempre fiz.
– As coisas na vida têm seu tempo, meu filho. - Ele enxugou uma lágrima do meu rosto. - Por que você tem tanta pressa em ser um caçador?
– P-porque eu quero ser igual você, e-eu quero ser o melhor, ser famoso e corajoso e vencer todos os vampiros.
Meu pai riu de mim, com afeto nos olhos.
– Tsc,tsc... - Ele negou com a cabeça. - As coisas não são assim, esquilinho. Fama, vencer vampiros, ser o melhor... não é nada disso que importa.
– N-não? - Perguntei, confuso.
– Hm-hmm. - Ele negou com a cabeça. - Se você quer ser um bom caçador, de verdade, meu filho, você precisa de um propósito maior. Algo que te faça querer levantar da cama e fazer o seu trabalho. Algo que te motive a fazer a coisa certa, e que sempre esteja lá pra te lembrar o que realmente importa. Você precisa de algo que faça seu coração bater... - Ele pôs a mão em meu coração, e eu acompanhei o movimento com os olhos. - e que esteja lá, independente de tudo, mesmo se as coisas derem errado. Você precisa de um propósito para lutar, Hoseok, e só assim você vai lutar com tudo de si... porque enquanto o seu propósito for fraco, sua luta também vai ser. Outros caçadores podem até procurar propósitos lá fora, como dinheiro ou vingança ou fama e coisas assim, mas na família Jung, nós procuramos o propósito aqui dentro. - Ele apertou mais o dedo onde estava meu coração. - Coração primeiro, esquilinho, o que vem depois é consequência. - Ele suspirou. - Quando você encontrar seu propósito, aí sim você vai estar pronto para ser o melhor caçador de todos. Por enquanto, você é só uma criança, se preocupe em ser criança, não precisa ter pressa.
Eu escutei tudo aquilo, com olhos grandes e atentos, não entendendo por completo o que ele queria dizer, mas com certeza captando algo. Assimilando, compreendendo.
Quando o olhei novamente, só uma pergunta se passava na minha cabeça.
– Appa... qual é o seu? Qual é o seu propósito?
Meu pai tocou no meu queixo, e levantou meu pequeno rosto. Olhou pra mim, com amor nos olhos, e nada mais que amor. Sorriu.
– Estou olhando pra ele.
Eu sorri de volta para o meu pai, e ele encostou nossos narizes em um gesto terno e carinhoso antes que eu me atracasse em sua nuca o abraçando, permanecendo em seu colo enquanto afundava meu rosto em seu pescoço e ele me abraçava de volta, acariciando minhas costas.
Eu sentindo seu cheiro, sua proteção, seu cuidado, seu amor. Sentindo que nada nunca ia me fazer mal porque eu 'tava ali em seus braços, porque meu pai 'tava ali comigo.
Meu pai podia até dizer que eu era muito novo, mas naquele momento exato, eu já sabia, em meu coração, qual era o meu propósito. O que faria de mim um bom caçador quando a hora chegasse.
Porque eu aprendi sobre aquilo ali, mas meu coração já havia escolhido faz tempo.
Minha família. Meu legado. Terminar o que meu pai começou.
Nada era mais importante.
🦇
– Seok... você não quer pensar em outra coisa? A-a gente pode pensar em alguma coisa. Não precisa ser assim. - Meu irmão falava, sentado no sofá com os cotovelos apoiados nos joelhos. De moletom e um coque frouxo em seus cabelos.
Eu 'tava sentado ao seu lado, já pronto pra sair de casa, calçando meus all stars. Rosto sério e inexpressivo. A manhã toda eu havia pensado nas palavras do meu pai, de novo e de novo, elas ainda ecoavam na minha cabeça. Eu andava pensando muito nele esses dias.
– Precisa ser assim, Jungkook. - Eu respondi. - Eu não posso perder meu emprego. E o Taehyung não vai ser mandado para aquele lugar por culpa minha. Não mesmo.
Eu neguei com a cabeça. Imagens do centro de reabilitação em minha mente.
Nem pensar.
– Hoseok... pensa bem, quando ele souber que você vai terminar com ele por isso, ele vai se sentir culpado. É capaz de ele mesmo se entregar.
– Eu sei, por isso que eu não vou falar nada sobre Woojin pra ele. E nem você. - Eu o olhei, terminando de apertar meus tênis. Um olhar ameaçador e sério.
– O-o que você vai falar então? - Ele engoliu em seco.
– Eu ainda não sei. Mas vou pensar em algo. Já 'tô evitando Taehyung há um tempo, e Woojin me mandou mensagem hoje me cobrando, eu não tenho mais como atrasar isso. Eu não posso ser demitido. - Eu me levantei, suspirando e colocando uma jaqueta jeans por cima da minha roupa.
– Seok, pensa bem... qual é o sentido de querer tanto um emprego se ele 'tá te tirando algo que você ama? Não era pra ser assim.
Meu irmão tentou segurar meu pulso, mas eu o chacoalhei de lá. Me virei para ele e o calei de uma vez.
– Jungkook... meu coração 'tá nesse emprego. Meu propósito 'tá nele. No legado da nossa família. Do nosso pai. - Eu respondi, gesticulando com os dedos, com a voz forte e firme. - Se eu perder isso, eu não vou ter mais nada. Nosso legado vai morrer comigo e eu vou estar decepcionando a pessoa que eu mais amo nesse mundo, você não entende? Nossos pais confiaram isso a gente, e nós prometemos honrá-los até o final da nossa vida, não prometemos? - Jungkook mordeu o lábio, assentindo. - Então não há o que fazer, Kook. Tirando que eu não vou deixar Taehyung ser maltratado, eu nunca faria isso. - Suspirei. - Esse é o único jeito de impedir as duas dessas coisas, então eu vou fazer o que precisa ser feito e só seguir com minha vida.
Eu me virei e comecei a pegar minha carteira e minhas chaves na bancada, abri a porta de casa e olhei pro meu irmão no sofá uma última vez antes de sair.
– Eu te disse, desde o começo, que nossa profissão não nos dá o luxo de nos apaixonarmos, Jungkook, você terminou com Jimin por isso. E agora essa é a outra prova disso. Então que fique de lição, pra mim e pra você. Até mais tarde.
Fechei a porta sem escutar o protesto do meu irmão e saí, até a casa de Taehyung.
Não tinha mais como adiar.
🦇
– Hoseok 'tá estranho comigo esses dias.
Eu disse, esticado na cama, terminando de aplicar a máscara facial no rosto de Jennie enquanto ela ficava sentada na cadeira do meu quarto.
Doja Cat tocava na minha caixa de som, pacotes de salgadinho e doces estavam espalhados na cama, e eu tinha acabado de fazer as unhas dela. Assim que eu toquei no assunto, Jennie engoliu o pedaço de chocolate que comia de uma vez e tirou os olhos do celular.
– Estranho como?
– Estranho tipo... acho que ele 'tá chateado comigo por algum motivo, mas não sei qual. - Eu disse quando terminei de aplicar a máscara no seu rosto, me ajoelhando na cama e depois me deixando cair de costas com tudo nos lençóis macios, suspirando derrotado. - Ele 'tá seco comigo por mensagem, desmarcou de sair duas vezes essa semana e da última vez que a gente transou parecia até que ele não 'tava lá. Eu acho que eu fiz alguma coisa, mas não sei o quêêêêê. Vou me mataaaaar. - Coloquei as mãos na frente do meu rosto e me virei na cama choramingando, me encolhendo e escondendo meu rosto nas cobertas.
– Eu pensei que vocês 'tavam ótimos. - Jennie apontou, sem ligar muito pro meu drama, eu me sentei na cama e virei pra ela.
– A gente 'tava... tipo muito, até mais ou menos umas duas semanas atrás? Aquele dia que a gente foi pra praia. Desde então a gente mal se vê, e quando se vê, ele 'tá estranho. Ele 'tava dormindo aqui quase todo dia, Nini... e agora fica inventando desculpa de trabalho. E eu sei que ele trabalha, mas isso nunca foi problema, sabe? Parece que ele só não quer me ver. E eu não sei porquêêêê. - Voltei a choramingar, caindo na cama de novo e choramingando nas cobertas abraçando meu travesseiro, sendo bem dramático, mas é que aquilo realmente 'tava me deixando ansioso.
– Você já tentou perguntar pra ele, Tae?
– Eu perguntei pro irmão dele... - Respondi gemendo, abraçando mais meu travesseiro.
– E?
– Ele me ignorooooooou. - Soltei outro choro. Nunca mais iria fazer o jogo do Jungkook pro Yoongi.
– Ai, Tae... fica calmo. O Hoseok é cheio de questões... às vezes ele só 'tá passando por algo e quer ficar na dele. - Jennie disse, e engatinhou na cama para me abraçar naquela posição encolhida que eu 'tava. Senti seu queixo se apoiando no meu ombro, sua bochecha tocando na minha e sua voz ecoando pertinho do meu rosto. - E não é com o irmão dele que você tem que conversar, e sim com ele, bobinho.
– Eu seeei... - Resmunguei.
– Então por que você não conversa?
– Porque eu tenho medo. - Virei o rosto pra ela.
– De?
– De ter feito alguma besteira, Nini... você sabe que eu já fiz antes. - Eu suspirei, com um nó na minha garganta. Eu não queria fazer Hoseok passar, de novo, pelo que ele já passou por minha causa. - V-você acha que é por causa do Instagram ou algo assim? Será que ele acha que eu me exponho demais?
– Ei... deixa disso. O Hoseok sempre te apoiou, Tae. - Jennie me repreendeu, e ela não 'tava mentindo, mas o que mais podia ser?
– Eu sei, mas ele também sente ciúmes às vezes. E-eu podia apagar algumas fotos. - Tirei ela de cima de mim e sentei na cama, já indo atrás do meu celular. Ela se antecipou pegando ele antes de mim e tirando ele do meu alcance.
– Você tá maluco! Você adora isso, Tae.
E eu cheguei a me esticar pra tentar pegar o celular dela novamente, mas depois eu percebi que ela tinha razão. Eu amava aquilo. Eu amava meu perfil e postar coisas lá e mostrar meu dia a dia. Eu amava e Hobi sabia disso.
– É. Eu adoro. - Disse, derrotado, largando aquela ideia e só desabando na cama de novo.
Jennie revirou os olhos, provavelmente cansada do meu drama, e colocou o celular na minha mão.
– Conversa com ele, Tae... aquele garoto é completamente apaixonado por você. Eu tenho certeza que vai ficar tudo bem, seja lá o que esteja acontecendo. - Ela me abraçou por trás, deitada na cama comigo fazendo uma conchinha. - O Hoseok te ama tanto... todo mundo te ama tanto. A sua primeira resposta pra tudo é achar que o problema é você, Tae. E não é, tá bom? Eu te prometo que não é.
Ela me abraçou mais forte, e eu me senti ficar quentinho por dentro com aquilo, até ficando menos nervoso. Eu não sei o que seria de mim sem aquela garota.
– Te amo. - Disse baixinho.
– Também te amo. - Ela disse sorrindo, e me dando um beijo na bochecha, me sujando de creme facial.
– Ecaaaa. - Eu resmunguei, tirando ela de perto de mim, limpando o creme da minha bochecha e passando na roupa dela.
– Eu vou te matar!!! Isso é adidas!!! - Ela começou a me bater e eu comecei a rir, me defendendo dela enquanto a gente começava a se atracar na minha cama.
– Não se preocupa, Nini, eu tenho publi deles agendada pra próxima semana, eu pego um novo pra você! - Eu respondi gargalhando, e ela ainda me batia.
– Acho bom!
A gente ficou naquela besteira na cama por mais um tempo, mas isso só até a minha campainha tocar do nada. A gente se olhou, os dois descabelados, eu com minha tiara de bichinho e a Jennie ainda de máscara facial.
— Você chamou alguém pra cá hoje? - Ele me perguntou, franzindo o rosto.
— Não... só você. Deve ser o Yoongi Hyung. Não sei. Vamo lá. - Tirei minha tiara e sai da cama junto com Jennie. Eu tava, descabelado, sem maquiagem, só com uma camisa de banda do Hoseok e uma calça rosa de moletom, mas como achei que fosse o Hyung, não me incomodei em atender a porta assim mesmo.
Quando eu abri a porta, contudo, não era o Yoongi Hyung, era Hoseok.
E ele 'tava estranho, do jeito que 'tava sempre aqueles dias.
— Xuxu?? O que 'tá fazendo aqui? - Eu perguntei, com um meio sorriso. Porque eu estava surpreso, mas também era bom ver ele ali. Eu estava com saudade.
— Eu 'tava por perto. Resolvi dar uma passada. - Eu abri mais a porta e ele entrou, com um sorriso sem graça, me dando um selinho xoxo nos lábios.
Não me abraçou, nem me levantou pela cintura. Nada. Só um selinho capenga.
Meu coração doeu um pouquinho.
Ele cumprimentou Jennie e eu voltei a falar:
— Eu não sabia que você vinha, tinha marcado com a Jennie de passar o dia junto...
— Na verdade, a gente se vê amanhã, Tae... Eu já tinha que ir embora mesmo. - A minha amiga, quando apareceu na sala novamente, já trazia consigo sua bolsa e tirava a máscara facial do seu rosto com um lenço úmido, toda apressada. - Tchau, Hoseok. - Jennie deu dois beijinhos no meu namorado e depois se virou pra mim, me abraçando e falando baixinho no meu ouvido. - É sua chance, conversa com ele.
— T-tchau... - Eu disse, sem ter tempo de reagir porque em segundos Jennie já estava fechando a porta atrás dela.
Ela foi embora e eu fiquei sozinho com Hoseok na sala da minha casa.
Hoseok 'tava só parado lá. Com as mãos nos bolsos da jaqueta jeans, parecendo visita na minha casa quando ele sabia muito bem que não era.
— O que você tem? - Eu perguntei erguendo uma sobrancelha, irritado com aquilo, cruzei os braços.
— Nada... - Ele respondeu, sem graça, deixando sua bolsa em cima da mesa.
E eu bufei, irônico e debochado, rindo um pouquinho, porque era muita cara de pau falar que não era nada. Mas deixei passar.
— Você devia ter me avisado que vinha. - Só falei isso enquanto fui pra geladeira pegar um refrigerante pra mim. Não 'tava com paciência.
— Ué... eu não podia vir?
— Claro que podia, mas é que você desmarcou comigo ontem, e no fim de semana também... então me desculpa, xuxu, por achar que talvez você só não quisesse me ver. - Eu falei com um sorrisinho cínico, passando por ele irritado, da cozinha para o sofá.
Hoseok suspirou.
— Eu não quero brigar, Tae... - Ele disse, me seguindo e passando a mão pelo rosto em um gesto de frustração, como se fosse muuuuito difícil lidar comigo ali. Piada né.
— Você não quer, mas eu quero, Hoseok... - Eu respondi, ácido, me sentando. - Você não 'tá nem falando comigo direito, eu tive que confirmar com seu irmão se você chegou bem em casa ontem porque você não respondeu minhas mensagens.
— Eu capotei... desculpa.
Hoseok disse, sem graça, se sentando na poltrona na frente do sofá. E eu levantei a sobrancelha, sorrindo debochado, de novo.
— Bom saber que você 'tava dormindo enquanto eu fiquei acordado preocupado com você. - Disse e tirei meu celular do bolso, começando a ver qualquer coisa lá só pra não ter que olhar pra cara dele.
— Taehyung, você sabia, desde quando a gente começou a namorar, que meu trabalho é complic-
— Não, Hoseok, não... nem tenta. - Eu o interrompi, joguei meu celular no sofá e olhei para ele apontando o dedo como se o pedindo pra parar imediatamente. - Não tenta fazer parecer que o problema disso é eu não ser compreensivo com seu trabalho. Não tenta me colocar como namorado maluco porque eu sei que eu não sou isso, você sabe que eu não sou isso, e eu não vou aceitar, ok?!
— E-eu não 'tô tentand-
— 'Tá sim... e isso é muito injusto comigo. O problema aqui não é seu trabalho, e nem eu. O problema é você, sem falar comigo direito, sem me tocar direito, sem querer 'tá por perto. Esse é o problema. - Eu disse, convicto e sério. Porque eu podia ser o xuxuzinho apaixonado que eu era, mas eu também não aceitava nada calado não, principalmente quando ele claramente era o errado da história.
Hoseok escutou tudo e engoliu em seco, olhou para seu colo onde suas mãos nervosas brincavam. Suspirou, como se reunindo coragem para alguma coisa.
Ele passou tempo demais ali calado, e eu só queria que ele falasse algo.
— Fala alguma coisa, Hoseok, porra! Vai me deixar falando só?
Quando Hoseok - finalmente - me olhou, estava sério como nunca. Aquilo me deixou ansioso.
— Eu acho que a gente precisa conversar, Taehyung... - Hoseok esticou o braço para pegar uma das minhas mãos e trazer para seu colo.
E eu deixei, claro, mas franzi o rosto, confuso, porque eu 'tava sendo super ácido e chato com ele e, normalmente, Hoseok retrucava. Só que ali ele só pegou minha mão e parecia até triste, eu pude jurar que ele tinha até lágrimas nos olhos, e Hoseok não era de chorar.
— O que é que 'tá acontecendo, Hoseok? - Eu perguntei, o deixando segurar minha mão e com a voz mais baixa, calma, sem mais acidez ou raiva. Só confusão e sinceridade. Porque só queria, realmente, saber o que 'tava acontecendo.
— É que... - Hoseok suspirou. - e-eu acho que não 'tá dando mais certo.
Não entendi.
— O que não 'tá dando mais certo, Hoseok?
Eu exigi que ele me explicasse. Daquele jeito não dava mais. Hoseok só olhou mais pra baixo, e suspirou fundo antes de me fitar novamente.
— A gente, Taehyung.
— Ahn?
Acho que nunca franzi tanto o rosto na minha vida, aquilo não 'tava fazendo sentido algum. Eu não 'tava entendendo.
— A gente... isso não 'tá mais dando certo, Tae. - Hoseok disse e logo depois olhou para nossas mãos entrelaçadas em seu colo.
Então eu entendi.
E vocês sabem bem que meu coração não bate, mas eu pude jurar, jurar, que ali, naquele exato momento em que Hoseok, o amor da minha vida, me disse aquilo olhando nos meus olhos, eu senti meu coração parar de uma vez. Congelar e rachar.
Minha mão tremeu na dele, e eu a soltei de uma vez, me afastando um pouco. Minha respiração ficando um pouco irregular.
— P-por quê? C-como assim?
Eu não queria já estar chorando. Mas foda-se, eu já 'tava.
— Tae... escuta, eu-
— E-eu fiz alguma coisa? - Minha voz saiu quebrada, como uma criança patética. Meus lábios tremiam tanto quanto as minhas palavras.
— Não, não! - Hoseok se inquietou, tentando chegar mais perto de mim. Mas eu me afastei, me protegendo dele. - Tae você não fez nada... o-o problema sou eu.
— Como assim, Hoseok? Isso não 'tá acontecendo, né? Você 'ta brincando. - Eu negava, fervorosamente, com a cabeça. Esperando que a qualquer momento Hoseok me dissesse que aquilo tudo era uma piada. - E-eu sei que as coisas tão complicadas mas a gente não precisa terminar!
— Tae, 'cê tem que ficar calmo... - Hoseok tentou segurar minha mão, eu o enxotei com força.
— Como assim calmo, Hoseok?!! Você 'tá terminando comigo!
Me exaltei, me levantando. Ele se levantou junto.
— Taehyung, me escuta- -Ele tentou me tocar nos braços, eu o enxotei de novo.
— O motivo, Hoseok, só me dá o motivo. - Eu gesticulei com as mãos, puto. - Porque até agora você não me deu nada e eu só 'tô confuso pra caralho e isso não é legal!
Hoseok olhou para os próprios pés ao invés de olhar pra mim.
— M-meu trabalho, Tae... você sabe... eu 'tô tão ocupado esses dias e a gente não 'tá conseguindo ficar junto e-
Daquilo ali, eu só consegui rir. Ri, me afastando lentamente e negando com a cabeça.
— Eu não acredito em você, Hoseok. Não acredito em uma palavra do que você 'tá dizendo.
— Tae... é-é sério, e-eu 'tô muito ocupado e-
— Você acha que eu sou idiota?!! - Eu levantei o tom de voz, apontando pra mim mesmo, e já sentia as lágrimas começando a escorrer nas minhas bochechas. - Fala a verdade, Hoseok, me fala a verdade!! Que porra!
— E-eu... eu... - Hoseok olhou para todos os lugares possíveis menos nos meus olhos. E me ofendia pra caralho o fato de, depois daquele tempo todo, Hoseok ainda achar que eu não sabia perceber quando ele 'tava mentindo. - T-tem outra pessoa.
Aquilo só podia ser piada.
— Para de mentir pra mim... - Eu disse baixinho, em meio ao meu riso e ainda negando com a cabeça, porque aquilo era inacreditável.
— T-tae, é verdade-
— PARA DE MENTIR PRA MIM, HOSEOK! - Eu não aguentei mais, e quando ele tentou chegar perto de mim eu o empurrei com força pra longe. O empurrei com força e comecei a ir pro meu quarto com pressa porque eu não aguentava mais aquilo, não aguentava mais olhar pra cara de sonso dele. Quando me virei, no meio do corredor, Hoseok 'tava me seguindo e eu o empurrei de novo, gritando. - ME FALA A VERDADE!
— Tae... calma-
— Como você quer que eu fique calmo, Hoseok?! - Eu me virei para ele, chegando mais perto quando ele entrou no meu quarto atrás de mim. - Como você espera que eu fique calmo se você 'tá terminando comigo sem mais nem menos e ainda mentindo sobre isso?!!!
Eu me descontrolei, e comecei a batê-lo, tapas e empurrões desesperados enquanto eu chorava. Hoseok não se afetava, eu me descontrolava e Hoseok não se afetava em nada, só tentava me segurar, me controlar enquanto eu o batia que nem uma pessoa descompensada. E talvez eu fosse mesmo.
— Tae... para com isso...
Hoseok só andava um pouco mais para trás enquanto eu lutava contra ele sozinho, chorando e xingando batendo em seu peito pateticamente. Me descontrolando mais e mais.
— Para de mentir, Hoseok, para de mentir, que droga!! - Eu esperneei, batendo os punhos em seu peito, chorando mais, sem mais nem fazer sentido. Nada mais fazia sentido e eu era só uma bagunça.
Comecei a bater com mais força, mais força, até que Hoseok gritou.
— Caralho, Taehyung, para!!
Hoseok gritou comigo, pela primeira vez naquele dia.
Pela primeira vez em muito, muito tempo.
Ele segurou meus pulsos perto do meu rosto pra me fazer parar, e ele fez com força, me imobilizando de uma vez, com o rosto perto do meu. Eu respirando ofegante, cansado e com catarro saindo do meu nariz de tanto chorar, olhos inchados e lábios trêmulos. Ele ainda me olhando, sério.
Nós ficamos em silêncio ali, um longo silêncio desconfortável, naquela exata posição, por muitos segundos. Respirando ofegantes, olhando um pro outro e se recusando a desviarmos o olhar.
Eu chorando, enquanto Hoseok me assistia chorar.
E aquela posição em que a gente 'tava, com ele me mantendo imobilizado pelos pulsos, apertando com força enquanto eu chorava, aquela posição me lembrou de uma situação muito familiar.
Uma que eu nunca pensei que Hoseok fosse me fazer passar de novo.
— É porque eu sou vampiro, não é?
Uma lágrima caiu de meus olhos. E eu dei um sorriso triste quando, finalmente, quebrei o silêncio.
Hoseok engoliu em seco, mordendo o lábio inferior como se se contivesse .
Aquela reação foi o suficiente, e eu sorri mais, enquanto mais lágrimas começavam a cair de meu rosto. Eu já tinha parado de lutar ou bater. Hoseok só me segurava forte ali, me mantendo como refém.
— Fala, Hoseok... fala a verdade. - Eu pedi enquanto preso no seu aperto, gentilmente e baixinho. Com o rosto perto do dele, e olhando bem em seus olhos enquanto os meus não paravam de chorar. - Fala que é porque eu sou vampiro, fala que é porque você tem nojo de mim, sempre teve. Fala.
— Taehyung-
— Fala, Hoseok... - Eu o interrompi com a voz chorosa, suplicando, implorando. Chorando tão feio que nem a melhor maquiagem ajudaria minha situação. - Olha pra mim e me diz, me diz que é por isso. Seja sincero. É o mínimo que eu mereço.
Eu disse, tentando manter minha voz e minha postura firmes, enquanto, por dentro, tudo em mim desmoronava.
Hoseok engoliu em seco, e eu vi a primeira lágrima aparecer de seus olhos quando ele me respondeu, curto e grosso. Sem desviar o olhar do meu.
— Sim. É por isso.
Sim, sim, sim.
Hoseok disse sim.
Meu coração já rachado, ali, se estilhaçou. Eu soltei um gemido de dor, fino, agudo, involuntário. Porque eu literalmente senti dor física quando ele falou aquilo.
Doeu, de verdade, não é jeito de falar.
Hoseok - finalmente - me soltou, me olhando, triste, sério. Com lágrimas discretas em seus olhos. Eu acariciei meus pulsos, ele não havia apertado tanto, só o suficiente para me manter parado, mas lá dentro, doeu igual.
— Taehyung-
— Eu falei pra você, Hoseok... - Minha voz saiu quebrada, gemida e chorosa. Eu 'tava tão patético. - Eu falei pra você que você não podia fazer isso. Eu te falei isso bem aqui. - Eu apontei pra minha cama, esperando que ele lembrasse.
"Você pode tudo, você só não pode me machucar de novo. Você só não pode quebrar meu coração, Hoseok."
— E-eu não queria-
— Você prometeu que não ia me deixar. - Eu neguei com a cabeça, já soluçando de chorar, me afastando cada vez mais enquanto ele tentava se aproximar. Eu só queria ele longe. - Você me prometeu isso, Hoseok... e foi bem aqui também. - Eu apontei de novo pra minha cama, enfatizando mais. - Você me deu seu sangue e prometeu não me deixar, Hobi. - Eu chorei mais, completamente destruído e horroroso. Não tinha nem vergonha, as lágrimas só não paravam de cair dos meus olhos e eu deixava elas virem. - Eu não acredito que você 'tá fazendo isso comigo, não acredito... - Coloquei as mãos na frente do meu rosto, fechei os olhos com força e comecei a negar com a cabeça, chorando, não podia ser verdade, aquilo não podia ser verdade.
'Tava tudo se repetindo. Tudo de novo. Primeiro Wonwoo, depois minha família, agora Hoseok.
— Eu te amo, Taehyung...
Foi só o que Hoseok disse, e quando eu tirei minhas mãos do meu rosto, ele me olhava chorando também.
Dizendo que me amava, como se numa tentativa desesperada de melhorar as coisas. Como se colocando band-aid em uma ferida aberta e enorme que ele mesmo tinha me causado.
— Como?! Como você me ama se tem nojo de mim, Hoseok?! - Eu gritei, alto. Fechando as mãos em punhos, porque aquilo 'tava me irritando muito. Minhas emoções 'tavam instáveis e eu ia do desespero à raiva em segundos.
— E-eu te amo, Tae, eu juro... eu nunca quis te machucar. Nunca. - Hoseok tentava vir até mim, e chorava mais. Do jeito contido dele, claro, diferente do meu exagerado e emotivo. Mas eu via as lágrimas ali. Eu via.
Me afastei, neguei com a cabeça e só pedi baixinho antes de dar-lhe as costas.
— Vai embora.
— Tae-
— VAI EMBORA, HOSEOK! - Eu me virei de novo pra ele, e daquela vez gritei tão alto que acho que o prédio inteiro escutou. Me descontrolei, de vez. Andei até ele e o empurrei, com força, para a direção da porta. - VAI EMBORA!
Hoseok tombou, enxugou suas lágrimas, mas não parou de tentar vir até mim.
— Tae, por favo-
— EU TE DISSE PRA IR EMBORA! - Eu gritei de novo. Me virei de costas, peguei uma peça de decoração qualquer da bancada e joguei com força em sua direção. Hoseok desviou, e o som da quebradeira foi alto.
Hoseok me olhou impressionado.
— Tae!
— VAI EMBORA, SAI DAQUI, HOSEOK. VAI EMBORA. - Joguei um vinil, depois um vaso, depois uma paleta de maquiagem qualquer. Tudo em sua direção, tudo se estraçalhando nas minhas paredes depois no chão, uma bagunça. Ele desviou a cada vez, e a cada vez o som da quebradeira ficava mais alto em meus ouvidos. Minha visão 'tava embaçada com minhas lágrimas, mas eu ainda via o borrão de Hoseok ali e eu só queria que ele fosse embora.
Eu só queria que ele fosse embora. Só isso.
— VAI. EMBORA. - Eu berrei uma última vez, com outra coisa na mão preparado para jogar. Quando eu gritei aquela última vez, mais alta e com toda a força que eu tinha em meus pulmões. Eu 'tava cheio de raiva, e só soube que meus olhos estavam vampirescos. Como nunca. Eu 'tava tremendo, respirando com força e muito perto de perder a linha.
Hoseok tombou uma última vez para trás, assustado vendo aquilo, e finalmente foi embora, com pressa.
— D-desculpa... me desculpa... - Ele sussurrou, chorando, e depois saiu da minha vista, porque claramente sabia que mais um segundo ali e eu ia ficar violento.
Eu ouvi o som da porta do meu quarto batendo, e depois a porta do meu apartamento, e, enfim, eu 'tava sozinho.
Sozinho, com os olhos um de cada cor, lágrimas descendo pelo meu rosto, catarro no meu nariz e segurando paletas caras de maquiagem, uma em cada mão, que eu pretendia jogar no meu namorado.
Ex-namorado.
As deixei cair das minhas mãos e se estilhaçarem no chão, sem ligar para nada. Olhei a bagunça no meu quarto, com vidro, porcelana e maquiagem espalhados pelo chão. Uma zona, uma zona igualzinho eu 'tava por dentro. Suspirei fundo em meio ao meu choro, parado ali, tentando controlar a minha respiração, tentando não ter uma bendita crise de ansiedade. Mas quanto mais eu respirava, mais eu soluçava, mais lágrimas queriam sair. Então eu só desisti e me deixei cair na cama, me abraçando com meus travesseiros em posição fetal e deixando tudo, tudo sair de mim.
Com esperança de que se eu chorasse o bastante, se eu enchesse aquele cobertor de lágrimas, se eu soltasse tudo até não sobrar mais nada, eu fosse drenar aquela dor, eu fosse drenar Hoseok de mim.
Mas era inútil, sabem por quê?
Era inútil porque Hoseok estava impregnado por dentro. Hoseok havia ocupado espaço demais. Hoseok havia se entregado a mim de um jeito que não tinha mais volta. Hoseok havia me entregado seu corpo, seu sangue.
Hoseok me amou, me nutriu, me alimentou.
Eu tinha Hoseok correndo em minhas veias.
E agora, o que é que eu ia fazer? Como que eu ia continuar?
Doía, doía em minha cabeça e doía em meu coração. Doía da ponta de meus pés até os fios dos meus cabelos. Doía, doía, doía. E eu chorava aquela dor de um jeito tão desesperado e feio, tal qual a Sadie Sink chorou no short film de All Too Well. Era patético.
Passei um bom tempo naquilo, até ouvir alguém entrando em casa.
– Taehyung... eu trouxe sorvete, coloquei na geladeira. - Ouvi a voz do Hyung ecoando do corredor depois de ouvir a porta batendo. Mas eu 'tava triste demais pra responder qualquer coisa. Só abracei mais meu travesseiro e continuei chorando.
Depois de alguns segundos, escutei passos de Yoongi indo até meu quarto. Ele não estava acostumado a ficar sem resposta minha.
– Taehyung... tudo bem por aí? - Ele bateu na minha porta.
Eu só funguei baixinho, afundando meu rosto no travesseiro, como se se eu fosse fundo o suficiente eu fosse conseguir sumir.
– Tae? - Yoongi abriu a porta com cuidado. - Jesus... que bagunça é essa? Tae? Tae! - Yoongi passou um tempo olhando para zona no chão do meu quarto mas depois que me viu chorando na minha cama só pulou os cacos de vidro, engatinhando em minha cama pra chegar até mim. - O que aconteceu? - Ele disse, tentando limpar lágrimas das minhas bochechas.
– O-o-o Hobi... t-t-terminou comigooooo. - Eu tentei falar entre minha respiração descompassada e choro que já voltava a se descontrolar. Não consegui terminar a frase sem chorar e só me levantei apenas pra que eu coubesse no abraço do meu Hyung, fungando e chorando em seu pescoço.
– Como assim, Tae? - Yoongi parecia surpreso, me aceitou em seus braços e começou a acariciar minhas costas. Preocupado. - Como assim?
– E-e-ele terminou comigo, Hyuuung. P-porque eu sou vampiro. - Eu chorei mais, soluçando em seu pescoço. - E-eu sabia que ele ia fazer isso, eu sabia. Eu sabia.
Eu choraminguei mais. E depois só ouvi a voz grave de Yoongi me perguntar, séria, ainda comigo nos braços.
– Ele terminou com você por causa disso?
– Uhuuuum. - Gemi. - P-p-porque eu sou vampiro, e eu sou nojentooooo. - Chorei mais, apertando sua camisa com força e sujando tudo de lágrimas.
Se passaram alguns segundos, e então Yoongi-Hyung me afastou, pelos ombros. Me olhando sério.
– Ele disse isso?
Assenti, fungando e levando as costas das mãos para secar meus olhos.
Yoongi Hyung me deu medo ali. O jeito que seus olhos vacilaram do castanho usual para o branco vampiresco em segundos. Felinos, predatórios, e com muita raiva.
– Eu avisei pra ele que ele 'tava por um fio. Desculpa, Tae, mas eu avisei. - Yoongi só disse isso, com a voz séria, quando me deixou na cama, começando a pegar sua bolsa de lá e querer ir embora.
– Hyuuung, pra onde você vai? - Eu me apoiei na cama com as mãos, sem entender nada.
– Eu vou quebrar os dentes daquele imbecil, Taehyung, o que você acha? Eu avisei que se ele saísse um pouco que fosse da linha eu-
– N-não, Hyung, não! - Eu me estiquei e segurei Yoongi pelo pulso, querendo impedir que saísse do quarto. - P-por favor. Só... f-fica aqui comigo, por favor, e-eu preciso de você. Só f-fica abraçado comigo, por favor. - Pedi, com toda a sinceridade em meu coração, porque era só daquilo que eu precisava.
Yoongi ainda hesitou, ele 'tava bufando de raiva, super inquieto com o que eu havia falado, intercalou seu olhar indeciso entre mim e a porta durante alguns segundos, mas no fim suspirou, deixando sua mochila cair no chão e vindo até mim na cama novamente.
– Ok... - Ele resmungou, e eu só o trouxe pra mim pelo pescoço e nós deitamos na cama, me atraquei em seu corpo como um coala e escondi o rosto no seu pescoço, ficando pequenininho. Sentindo o cheirinho bom de limão que só Yoongi Hyung tinha. Me deixei chorar em seus braços, mais discretamente do que antes porque a presença dele me acalmava. Isso e suas mãos delicadas acariciando minhas costas.
Yoongi por vezes deixava beijos em meus cabelos, e murmurava baixinho "vai ficar tudo bem", "vai passar", "você sempre foi demais praquele babaca" para tentar me acalmar. O que, algumas vezes, até arrancava um risinho meu, porque a forma com a qual ele falava era engraçada, mas eu sempre voltava a chorar logo depois, me abraçando mais forte a ele.
Porque, no fundo, eu não acreditava naquelas palavras, não acreditava que ia passar, que ia ficar bem, que eu um dia fui demais para Hoseok.
Era exatamente por isso que doía tanto, porque na minha cabeça, eu era convicto de que eu e Hoseok tínhamos que ficar juntos.
Só que minha convicção não tinha sido o bastante pra fazer ele fica, não tinha.
Será que, esse tempo todo, eu tinha amado sozinho?
Vocês podem muito bem acreditar que o momento mais doloroso da minha vida foi quando Wonwoo me deixou naquele beco, agonizando com veneno de vampiro queimando em minhas veias.
Mas não, não mesmo, o mais doloroso foi aquele bem ali.
Eu tinha sido abandonado, de novo.
E não tinha veneno de vampiro nenhum agindo, mas tudo queimava.
🦇
Quando eu cheguei em casa, eu tremia, eu tremia muito. Eu conhecia aquela sensação, conhecia muito bem. Se eu não me acalmasse logo eu ia ter uma crise de ansiedade e eu definitivamente não precisava daquilo.
Passei rápido pro meu quarto, rápido, de cara fechada e sem falar um "a". Deixando minhas coisas jogadas no chão da sala mesmo, Jungkook imediatamente parou de jogar seu videogame e me seguiu até meu quarto.
– Seok... seok? - Eu escutei a voz gentil do meu irmão e senti suas mãos tentando me virar para ele, só que eu 'tava com vergonha. - Seok!
Quando meu irmão me virou pra ele, eu já 'tava sem conseguir respirar direito, olhos lacrimejando, mordendo o lábio inferior, rosto pálido.
– Merda, Seok, pera, calma... - Jungkook me fez sentar na cama enquanto eu 'tava literalmente engasgando na minha própria respiração, colocando a mão na garganta porque 'tava difícil pra caralho respirar. Meu irmão saiu do quarto por alguns segundos e voltou com um copo de água na mão, que ele me fez beber um pequeno gole.
– Olha pra mim, Seok, olha pra mim. - Meu irmão pediu e então eu olhei, ainda ofegante, pros seus olhos escuros, redondos e acolhedores. - Vamo respirar, junto, ok? - Ele segurou minha mão.
E eu só assenti, atordoado, tentando manter minha atenção em não desviar meus olhos dos de Jungkook, eles me ajudavam com o pânico e a ansiedade, sempre me ajudaram.
– Uma mão no estômago, outra no peito, lembra? Vamo lá. 'Tô aqui, vai dar tudo certo. - Jungkook guiou uma mão minha para meu peito, outra pro meu estômago. E segurou elas lá delicadamente. Então começou. - Até quatro, até quatro, vamo...
Eu assenti, porque conhecia aquele exercício, aquele eu sabia.
– Um.... Dois... Tres... Quatro. - Eu inspirei, fundo, respirei todo o ar pra dentro enquanto Jungkook contava, assentindo com a cabeça. - Isso, agora segura.
Prendi a respiração, mantive tudo dentro. Tudo parou, o tempo parou.
– Cinco... Seis... Sete... - Continuei prendendo. - Oito.
E então eu liberei tudo, tudo de dentro de mim, visualizei tudo saindo dos meus pulmões e aquilo me deu uma sensação de alívio. Jungkook simulou uma expiração junto comigo, me segurando firme, assentindo com a cabeça, olhos sempre nos meus, me avaliando.
Quando eu terminei aquele, minha respiração já 'tava mais tranquila e eu me sentia um pouco melhor. Mas Jungkook me fez repetir umas duas vezes a mais, para garantir.
Crescendo, no contexto em que nós crescemos, nós dois aprendemos juntos um a lidar com as crises do outro. A gente sempre se ajudava, Jungkook sempre 'tava lá pra mim. Sempre estaria. E foi pensando naquilo que eu soltei o ar pela última vez, junto com meu irmão e apertei a mão dele, respirando bem e assentindo, o assegurando de que ja 'tava bom.
– Tudo bem? - Ele perguntou, apertando meu ombro.
– V-valeu, Kook. - Eu assenti, o garantindo que sim.
– Eu vou pegar um remédio pra você, pera aí.
Jungkook me deixou no quarto, e logo voltou com um comprimido na mão. Eu o aceitei e tomei enquanto ele sentou na cama, finalmente perguntando.
– O que aconteceu, Seok?
– Eu terminei... eu terminei com ele. Terminei com o Tae.
– Sério? - Eu assenti. - E-e como foi?
Eu suspirei, fundo, pensando em tudo.
– Um desastre, Kook, foi um desastre. - Eu me deixei cair na cama, de costas, olhando pro teto com uma expressão vazia. - Ele nem acreditou que era verdade, no começo. Ele chorou tanto, ficou tão puto, tão puto. Começou a jogar coisa em mim, parecia filme. - Eu passei as mãos em meu rosto, ansiedade crescendo em mim só de lembrar. - E sabe o pior? Que ele não acreditou em nenhuma das desculpas que eu dei. Traição, trabalho, ele não acreditou em nada. - Suspirei. - Claro que não acreditou. Taehyung não é burro.
– Então o que você falou pra ele?
E eu fiquei calado, não respondi. Fechei os olhos, não queria falar, talvez se eu não falasse não tivesse que ser real.
– Seok? - Jungkook perguntou de novo, mais repreensivo. - O que você falou pra ele?
Eu abri os olhos, e olhei pro meu irmão, sem emoção nenhuma no rosto.
– Ele me perguntou se era porque ele era vampiro. Porque eu achava ele nojento... Eu respondi que sim.
Jungkook arregalou os olhos, se afastando um pouco.
– Porra, Seok, por quê você falou isso? Meu Deus...
Me sentei na cam, apoiei os cotovelos nos meus joelhos e suspirei antes de responder meu irmão com seriedade. Eu não queria que aquilo que eu ia falar fosse real, mas era.
– Porque era a única coisa que ele ia acreditar.
E ali Jungkook se calou, porque ele sabia que era verdade.
A gente ficou em um longo silêncio, cada um em seus pensamentos ali na minha cama. Eu deitei de novo, olhando pro teto com um olhar vazio e meu irmão com a mão em meu joelho, olhar também distante.
Depois de alguns minutos, Jungkook quebrou o silêncio, perguntando baixinho.
– E agora?
Suspirei fundo.
– E agora acabou... - Dei de ombros. - E eu tenho que avisar pro Woojin. - Me sentei de novo na cama. Fui falando coisa atrás de coisa tentando ocupar minha mente, tentando pensar em qualquer coisa que não fosse Taehyung. - E depois ir lá no Centro falar com Woosung e levar flores pra lápide dos pais e-
– E-ei, Seok, calma, vamo com calma. - Meu irmão me segurou nos ombros. Me obrigou a olhar pra ele. - Você acabou de terminar com o Taehyung. Com o Taehyung. Se... se você quiser chorar, você sabe que 'tá tudo bem, né?
– E-eu sei... eu não quero chorar. - Neguei com a cabeça, porque eu nunca chorava, não era um hábito meu, mas a ardência em meus olhos dizia o contrário.
– Seok... - Meu irmão me chamou, repreendendo.
Ele sabia, claro que ele sabia.
Quando olhei pra ele de novo, meus olhos já estavam cheios de lágrimas e eu mordia meu lábio inferior, minha voz rachou quando eu finalmente falei.
– Ele nunca vai me perdoar, Kook. - Desabei, chorando no ombro do meu irmão. Deixando as lágrimas daquela dor caírem enquanto ele me confortava. - E-eu tinha prometido que não ia mais machucar ele... Kook... e-eu amo tanto, tanto ele... porra.
Lamentei e chorei enquanto Jungkook suspirava palavras de apoio, conforto, que na verdade não adiantavam muito pra me confortar.
Eu havia machucado Taehyung, eu havia usado a única coisa que eu sabia que o afetava mais e machucado ele com aquilo. Eu havia quebrado todas as minhas promessas, com ele e comigo mesmo. Eu havia feito merda, muita merda.
Eu nunca devia ter me permitido me apaixonar. Eu não merecia aquilo. Eu nãomerecia amor.
Talvez eu devesse mesmo viver o resto da minha vida só focado no meu trabalho.
Porque, aparentemente, era a única coisa que eu sabia fazer direito.
🦇
Não 'tava nada bem, e 'tava tudo bem.
Eu não saía direito do quarto direito há umas duas semanas, e naquele momento eu 'tava quieto no meu cantinho, escutando as mais tristes do Folklore com as luzes desligadas, só uma frestinha de luz entrando no meu quarto escuro. Ar condicionado ligado no mínimo. Usando um moletom gigante e confortável que eu tinha, um shortinho mais ainda e meias três quartos felpudas pra me proteger do frio que eu mesmo tinha colocado. A maquiagem que eu tinha usado pra fazer uma merda de live que eu tinha prometido pra uma marca já 'tava toda borrada de choro. Linhas de rímel descendo de meus olhos e manchando minha pele e minhas cobertas limpinhas, mas eu não 'tava nem aí.
Eu 'tava no meu esconderijo quentinho, curtindo minha fossa, e a voz da Taylor no fundo 'tava cantando Illicit Affairs enquanto eu fungava chorando baixinho abraçado com meu travesseiro e cantando junto, 'tava tudo sob controle.
Uns cinco sacos plásticos de embalagem de chocolates também estavam espalhados na cama, porque, adivinhem?
Quando você se acostuma a beber sangue humano de uma pessoa só, frequentemente e por muito tempo, como eu fazia com Hoseok, no momento em que você se priva disso, você fica em abstinência.
E era um pesadelo, era a porra de um pesadelo.
Eu comia e comia, doce atrás de doce, chocolate atrás de chocolate que Yoongi trazia pra mim, com refrigerante de uva e achocolatado. Estava a ponto de injetar glicose na minha veia só para ver se isso me ajudava, mas tudo continuava doendo, eu continuava irritado, meu corpo cansado, eu continuava com sede, continuava com olheiras, continuava puto. E, não me levem a mal, o sangue da Jennie era docinho e confortável, e 'tava super me ajudando muito nesse período.
Mas não era ele que meu corpo queria, não era por ele que meu corpo chamava, todo dia. Mal acostumado com um carinho e atenção que foram tirados de mim tão de repente.
Eu 'tava em porra de abstinência de Hoseok, e isso não era nem jeito de falar.
Dava pra ficar mais dramático do que isso?
Eu só queria explodir, sumir, morrer.
Sendo que eu nem podia morrer porque eu já 'tava morto, então eu queria morrer por já estar morto e não poder morrer. Inferno.
Eu já 'tava cantando o "don't call me kid, don't call me baby, look at this god forsaken mess that you made me" junto com a Taylor, abraçado no travesseiro em posição fetal e chorando enquanto isso, quando escutei minha porta sendo aberta com força.
– Bora, levanta daí. Chega disso. - Jennie entrou no meu quarto sem bater, andando até a minha janela para abrir e deixar a luz entrar, luz que quase cegou meus olhos, então eu só me escondi debaixo das cobertas resmungando.
– Mhmmãããão. - Eu disse, gemido e choroso, embaixo das minhas cobertas e com o rosto fundo no travesseiro. Não queria luz, não queria conversar, não queria existir, não queria nada.
– Taehyung... chega! Já faz duas semanas, você tem que reagir, botar um cropped. Sei lá! Só sai dessa cama. - Jennie começou a tirar minhas cobertas de mim enquanto eu brigava por elas e entrávamos em um cabo de guerra.
– Eu ainda 'tô na minha fase de lutoooooo. Não quero reagir. - Bufei. - Quero ficar no meu quarto e escutar a versão de 10 minutos de All Too Well em loop! - Continuei resmungando enquanto tentava brigar pelas minhas cobertas, mas eu 'tava muito morto e sem energia, então ela facilmente venceu, me descobrindo.
Eu não liguei e só me deitei de novo mesmo sem as cobertas, escondendo meu rosto na cama, não queria conversa.
– Tae... se você não levantar daí, eu vou chamar o Yoongi pra te obrigar a levantar junto comigo. Da última vez que ele se irritou porque você não saía da cama pra comer ele jogou água na sua cara. Você quer que isso aconteça de novo?
– Mhmmmhmhmhmmm. - Gemi mais uma vez, choroso, contra o travesseiro, mas depois me sentei na cama, descabelado e com o rosto todo manchado de delineador e rímel e lágrimas. Olhei pra Jennie com olhar de poucos amigos. - Você é uma bruxa.
Ela sorriu triunfante, pegando o controle do ar-condicionado e desligando.
– Sim, mas uma bruxa muito gata, tipo a Hermione ou a Sabrina... agora vai tomar banho.
– Não quero. - Cruzei os braços e virei a cara, não queria.
– Eu sou imune à tua birra, Taehyung. - Jennie jogou um travesseiro na minha cara do nada e depois já se virou pra sair do meu quarto, me deixando lá. - Toma banho e veste algo fofo, 'tô te esperando lá fora. Se você não aparecer, quem vai vir aqui vai ser o Yoongi. - Ela disse, me ameaçando, do corredor.
E eu resmunguei e gemi choramingando e reclamando, mas depois de um tempo me rendi, levantei da cama e fui até o banheiro, porque sabia que ela ia me perturbar até fazer isso.
Tomei uma ducha gelada para acordar meu corpo que obviamente ainda 'tava meio dormente e cansado por causa da falta do sangue de Hoseok, tirei aquela maquiagem nojenta e borrada da minha cara, fiz uma skin care básica, mas não me importei em me maquiar, porque não tinha energia pra isso.
Coloquei um jeans surrado que usava sempre, uma t-shirt cropped mas só um pouquinho em cima do quadril, sem mostrar quase nada (porque eu 'tava reagindo, mas não tanto), um quimono cor creme e um all-star vermelho. Dei uma olhada pra mim mesmo no espelho enquanto colocava o sapato, sentado na cama.
Bonitinho até, mas nada extraordinário, apenas o bastante praquela bruxa não brigar comigo.
Sai pra sala e Jennie 'tava sentada na mesa me esperando. Yoongi mexendo no notebook sentado no sofá, tomando café gelado com um canudinho.
— Uau, Jennie, parabéns... Conseguiu mesmo tirar ele daquela caverna. - Yoongi apontou, debochado. Eu o dei o dedo do meio.
— Eu disse que ele só precisava da motivação certa! - Minha amiga se levantou, e veio até mim. Desamassando meu quimono.
— É... e água na minha cara não é uma motivação certa, Hyung. - Eu disse, deixando a Jennie ajeitar meus cabelos e com um bico emburrado. Eu ainda 'tava magoado com ele por aquilo.
— Pareceu motivador o suficiente pra mim. - Yoongi deu um sorrisinho ladino, dando de ombros tomando um gole do seu café. E eu ia abrir a boca pra resmungar dele, mas ele mudou o assunto. - Ah, e eu ia perguntar... o que é aquela caixa ali?
Yoongi apontou com o nariz para a caixa de papelão fechada que estava largada perto do móvel da televisão
Só de olhar e lembrar que ela 'tava ali eu quis chorar de novo, engoli em seco e virei o rosto com os lábios tremendo e cruzando os braços. Ignorando Yoongi, ignorando aquilo, não queria mais saber.
Jennie revirou os olhos pro meu drama, e respondeu Yoongi enquanto ainda ajeitava meu cabelo.
— São as coisas do Hoseok. Uns presentes que ele deu pro Tae, umas roupas que deixou aqui, acho que um tênis,, algumas coisas da faculdade...
— E o que vocês vão fazer com isso?
— Queimar.
Eu falei, ainda sem nem querer olhar praquela caixa, e empinei mas meu nariz.
— Ahn??
— Eu vi um tipo de feitiço na internet, uma magia negra pra fazer a pessoa ficar com disfunção erétil. A gente vai fazer com o Hoseok, só tá faltando vinagre e uma folha de louro. Depois a gente junta tudo e queima. Vai ser tudo. - Jennie falou, como se não fosse nada demais, sorrindo empolgada.
— 'Tá faltando uma foto também, eu acho que eu tenho umas reveladas na minha gaveta. - Eu comentei com Jennie, sem nem reparar a expressão cada vez mais confusa de Yoongi no sofá.
— Que?!! - Yoongi falou exclamando, mas logo depois ele só suspirou, passando a mão no rosto como se estivesse impaciente. - Olha, eu não vou nem perguntar mais nada já que vocês dois são claramente perturbados da cabeça. Mas na minha casa vocês não vão queimar nada nao... deixa essas coisas aí, eu deixo na casa do Hoseok.
— Mas- - Eu protestei..
— Mas nada. Eu não quero vocês fazendo um ritual satânico bizarro na minha casa. Fim de história. — Yoongi estava irredutível. Eu revirei os olhos, bufando irritado. - Deixa isso aí que eu entrego lá no Hoseok.
— Você não é divertido, Yoongi. - Jennie deu a língua pra ele enquanto me empurrava pra porta. Yoongi fez um sinal com a mão meio que nos enxotando. - A gente volta mais tarde.
Yoongi grunhiu alguma coisa parecida com um 'tá bom' e Jennie em segundos já estava me levando pela mão enquanto eu a seguia pelo hall, a óbvio contragosto.
— Pra onde a gente vaaai? - Eu choraminguei, porque nenhum lugar que a gente fosse iria me fazer ficar melhor.
Jennie olhou pra mim enquanto ainda me puxava pela rua.
— Você fez publi hoje, não fez?
Eu franzi o rosto, desconfiado.
— Fiz.
— O dinheiro já caiu na sua conta?
Eu a olhei mais desconfiado ainda, e me limitei a assentir.
— A gente vai no shopping gastar ele, Taehyung, 'vamo logo. - Ela só disse isso com um sorrisinho e se virou.
Depois de processar tudo, eu cheguei a esboçar um sorrisinho, a seguindo.
Ta... talvez tivesse um lugar que fosse me fazer ficar melhor.
Depois da quinta loja de roupa e de umas oito sacolas nas minhas mãos (que eu tentava ao máximo não pensar que Hoseok estaria carregando pra mim, se não tivesse tudo ido pro ralo), Jennie me levou pra assistir um filme bobo adolescente, comendo um monte de doce que a gente comprou no mercado.
Foi divertido até, foi confortável. Eu amava Jennie, sua presença me fazia bem, E eu via, eu via o quanto ela 'tava se esforçando pra que eu me divertisse, pra que eu esboçasse um sorriso no meu rosto que andava tão, tão sem ânimo. Tão sem brilho. Sem nada.
E era difícil, mas as vezes, em momentos bem rápidos, bem passageiros, quando tinha uma piada muito engraçada no filme ou quando eu provava uma calça que caia certinho em mim e ela me elogiava, nesses pequenos momentos eu até conseguia exibir um sorriso sincero, até que eu, por alguns segundos, esquecia de tudo o que tinha rolado.
Talvez, com o tempo, eu fosse ficar bem, certo? Foi o que eu quis acreditar.
Quando a gente saiu do shopping, eu 'tava tomando um milkshake de morango e o sol 'tava quase se pondo. Jennie insistiu muito que eu fosse pra casa de um amigo nosso da faculdade que 'tava fazendo uma reuniãozinha. Porque era sexta e eu não podia ficar em casa.
Eu não queria, já 'tava bom de ânimo. Eu já tinha reagido o bastante, só queria voltar pro meu esconderijo, me enfiar nas cobertas com um pote de sorvete e colocar o Red pra tocar.
Mas Jennie insistiu, disse que a gente não ia demorar, que me deixava em casa, que eu tinha que ir, etc.
Tal hora cansei de resistir e só me deixei ser levado, de novo.
Quando a gente chegou lá, eu cheguei a ficar aliviado, porque não era uma festa nem nada (meu look não 'tava lá essas coisas pra uma festa). Hyunjin tinha uma casa grande, com um jardim enorme com piscina, e tinha só umas pessoas espalhadas ali, algumas que eu conhecia, algumas que não, sentadas na grama. Tomando cerveja ou outras coisas. Uma música boazinha tocava. Tinha umas luzinhas de natal decorando. 'Tava até aconchegante.
Sentei com Jennie e uns amigos nossos numa rodinha, e continuei bebendo meu milkshake enquanto a galera tomava bebida alcoólica, só porque eu queria voltar cedo e ficar de boa em casa, enfim, fiquei lá conversando sobre faculdade, sobre fofoca, sobre reality shows e essas coisas supérfluas que são boas de conversar. Deixando o tempo passar, curar.
Algumas duas pessoas desavisadas me perguntaram onde estava Hoseok e eu tive que falar, sem jeito, que terminamos, querendo matar cada uma.
Tirando isso, 'tava tudo ok. Tudo ok.
Eu ia ficar bem. Com o tempo, eu ia ficar bem, eu tinha certeza.
Mas que bobo que eu era.
Porque no primeiro vislumbre daquela jaqueta de couro entrando pela porta, eu já 'tava desmoronando de novo.
No primeiro 'seok' que eu escutei de longe, o cumprimentando, meu coração já 'tava quebrando de novo. Tudo de novo.
A cada passo que ele deu, entrando ali, era como se fosse o som do meu coração sendo atingido por adagas, de novo, e de novo e de novo.
Hoseok 'tava lá, com Jungkook e Namjoon o acompanhando, entrando e cumprimentando os amigos do irmão com um sorriso sem graça. Hoseok 'tava lá, de jaqueta de couro, camisa de banda e coturno. Hoseok 'tava lá, e parecia ótimo. Hoseok 'tava lá. Hoseok 'tava lá, Hoseok 'tava lá.
Hoseok 'tava lá e eu não podia beijá-lo, eu não podia pular em seu colo,, atracar minhas pernas em sua cintura e o beijar até que ele ficasse sem fôlego. Eu não podia mais fazer essas coisas porque não era mais minha posição, porque nós não éramos mais namorados, porque nós não éramos mais nada.
Lembrei do motivo daquilo, e doeu, doeu tão excruciantemente quanto doeu no exato dia em que Hoseok me deixou.
Eu 'tava sentado em uma espreguiçadeira perto da piscina, as pessoas conversando ao meu redor e eu olhando fixamente pra ele, sem conseguir parar de olhar, mesmo que eu quisesse. Eu não conseguiria nunca parar de olhar, porque era Hoseok. E Hoseok 'tava lá, e eu olhava para o seu rosto, e eu sentia o seu cheiro. Eu não conseguia parar.
Hoseok era um vício, Hoseok era uma droga.
Hoseok era a porra de uma droga, e eu 'tava em abstinência.
Minha mão tremia no resto do meu milkshake, e eu sentia as mãos de Jennie indo até meus ombros numa tentativa de me acalmar, mas eu nem escutava nada do que ela falava.
Eu não escutava nada. Porque a música 'tava cada vez mais alta em meus ouvidos e Hoseok 'tava lá.
Os olhos dele, no momento em que ele 'tava aceitando uma cerveja que davam pra ele, se cruzaram com os meus.
Eu congelei.
Abri e fechei a boca várias vezes. Lábios trêmulos e ansiosos, querendo falar algo, querendo ir lá, querendo chegar perto. Querendo escutar sua voz e sentir seu cheiro e provar dos seus lábios. Querendo qualquer coisa dele, qualquer coisa que fosse. Minha mente vacilando entre levantar ou não levantar. Entre ir lá e não ir lá. Minha mente e meu coração em um embate constante, travando batalhas infinitas dentro de mim e deixando tudo uma bagunça
No fim, eu nem precisei tomar decisão nenhuma..
Porque tão rápido quanto o olhar de Hoseok encontrou o meu, ele também desviou.
Hoseok me ignorou, fingiu que não me conhecia, pegou sua cerveja e andou para a parte de dentro da casa onde tinham outras pessoas. Me deixando lá, me deixando pra trás enquanto eu o assistia ir, com lágrimas nos olhos e uma garganta seca. Patético.
Eu não ia ficar bem.
Ignorei as palavras de Jennie que tentavam inutilmente me confortar, perguntando se eu queria ir pra casa, me pedindo pra ter calma. Minha única reação foi pegar um copo de bebida forte de alguém que eu nem sabia quem era ao meu lado e colocar tudo pra dentro em dois segundos, sabendo muito bem que aquilo não ia ser o suficiente pra mim.
Segundos depois meus olhos cheios de lágrimas já estavam à procura de outro copo, à procura de mais. Eu precisava de mais.
Eu não ia ficar bem.
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