“Abandonai toda a esperança, vós que aqui entrais” – Dante, Inferno.
Narrador On
Haviam se passado apenas cinco dias desde o retorno a Mooresville. Porém, para a maioria das pessoas próximas à Claire Grier e para a própria, esse curto espaço de tempo parecera um pequeno pedaço da eternidade. Os rapazes, principalmente Shawn, vinham checando seus celulares com frequência. Conferindo qual a última vez que Claire entrara no WhatsApp, se ela respondera ou não as mensagens... Mas nunca encontravam nada. Durante cinco dias, a garota não deu sinal de vida em tal rede social. E, enquanto eles ficavam lá contando minutos, Claire nem se importava mais em olhar as horas. Para ela, o pesadelo no qual sua vida se transformara jamais teria um fim; o tempo que passava era indiferente. Aliás, eram poucas as coisas com as quais ainda se importava. Ela andava comendo pouquíssimo; sua vontade de comer se encontrava em um nível parecido com a de viver. Seus dias se resumiam a uma fruta aqui, outra ali. Dispensava a maior parte das refeições em família – era raro vê-la fora de seu quarto. Vez ou outra, quando a fome era extrema, a menina descia até a cozinha e consumia uma dose de carboidratos que fosse suficiente para que ela não desmaiasse por algum tempo. Fora isso, Claire só deixava o quarto durante a madrugada, quando não conseguia dormir e saía em busca dos braços reconfortantes da mãe.
Elizabeth nunca estivera tão preocupada com a filha. Sempre que passava em seu quarto, encontrava-a chorando. Era demasiadamente difícil convencer Claire a deixar sua cama e ir comer alguma coisa para se sentir melhor ou a lhe contar qual o motivo de tanto sofrimento. Elizabeth estava certa de que aquele comportamento tinha algo a ver com Shawn, mas, sempre que perguntava, a filha negava tal fato com resistência incansável. Insistia em dizer que não havia brigado com o namorado, mas que não podia contar a verdadeira razão por trás das lágrimas. Então, Elizabeth parou de perguntar. Envolvia a menina nos braços quando esta lhe pedia um abraço, ouvia os lamentos muitas vezes incompreensíveis da adolescente quando a mesma precisava desabafar e fazia de tudo que podia para que sua pequena melhorasse. Durante a noite, Claire batia na porta de seu quarto solicitando por conforto, arrastava-se até a cama de casal e se colocava entre Johnnie e a mãe, onde chorava por várias horas. A jovem não conseguia mais dormir no próprio quarto. As lembranças que tinha com Shawn ali a assombravam. Às vezes, podia jurar que sentia o cheiro dele nos travesseiros de fronha florida. Era muito difícil para Claire ficar ali, onde seu primeiro e único relacionamento tivera início. E, no entanto, também era onde ela passava a maior parte do tempo. Adolescentes eram difíceis de entender, concluíra Elizabeth.
Claire chegara a pensar em voltar para São Paulo, porém lá as memórias também eram muitas. Também já refletira sobre Miami, mas a situação nesse caso não era muito diferente. Restava-lhe apenas ir à Austrália, ficar ao lado dos gêmeos. Perguntara para a mãe se podia ir, uma única vez, e ela dissera não. Depois disso, o assunto morrera. Claire também não queria contagiar seus amigos com sua tristeza. Todos tinham as próprias vidas, e ela não queria atrapalhar ninguém. Daniel, Tainá, Giulia e Sarah não faziam nem ideia do que a melhor amiga estava passando. Sem contar Aaliyah e Cameron, apenas Nash sabia sobre a traição de Shawn. Entretanto, nenhum dos dois quebrara a promessa de manter a noite do dia 7 em segredo; isso fora apenas um descuido de Claire e Cameron. Em uma das esporádicas vezes em que saíra de seu quarto, a menina seguira para o do irmão. O rapaz dos olhos azuis não estava lá, mas Cams estava. Ele lhe mostrou a foto de uma garota cujos fios do cabelo apresentavam coloração clara, e perguntou se era aquela a menina que beijara Shawn. Era. E, agora que podia ver seu rosto, Claire se deu conta de como a adolescente era bonita. Se beleza cegasse, todos os seguidores dela no Instagram já teriam perdido o sentido da visão.
Cameron lhe explicou tudo. Contou que a garota se chamava Morgan e que fora a primeira namorada de Shawn, contou que eles haviam ficado juntos durante os últimos anos da escola e que terminaram alguns meses antes do início da MAGCON Tour. Por um momento, Claire se esqueceu de que estava no cômodo onde seu irmão gêmeo dormia e começou a chorar. Como ela poderia competir com Morgan? A menina era uma deusa grega que errara o caminho para o Olimpo e acabara por ficar no Canadá. Além disso, ela era a primeira de Shawn. E, segundo 99% da população mundial, nunca se esquecia de um primeiro amor. Claire queria saber por que eles tinham rompido, mas Cameron não sabia lhe dizer ao certo. Tudo que pôde fazer foi tentar acalmar a melhor amiga com algumas carícias em seus cabelos castanhos, até que Nash chegou. Desde então, a razão por trás do atual comportamento de Claire passou a ser conhecida por quatro pessoas, e isso até agora não mudara. Shawn não entendia por que a namorada não respondia suas mensagens e ligações. Chegara a pensar que a atitude se restringia somente a ele, porém acabou por descobrir que Aaron, Carter, Johnson, Gilinsky, Matthew e Taylor estavam na mesma.
A semana havia sido basicamente esta para Claire e algumas das pessoas próximas a ela: sofrimento e preocupação. Um verdadeiro inferno onde o ar pesava com as palavras não ditas, as questões sem respostas, os segredos bem guardados. No intuito de desvendar um pouco do mistério, conseguir alguns fragmentos da verdade, Shawn e os Jacks decidiriam ir à casa dos Griers naquele dia. Cameron também fora com eles, apesar de já saber mais daquela história do que gostaria. Fazia três dias desde que vira Claire pela última vez, e desejava saber como ela estava. Todas as informações que ele tinha sobre a situação da melhor amiga eram transmitidas por Nash através de mensagens de texto. Já estava na hora de ver a garota pessoalmente outra vez.
No instante em que os amigos tocaram a campainha da familiar residência, Nash se encontrava sentado em um dos três sofás da sala de estar. A irmã cochilava em outro logo ao seu lado. Apesar de ainda faltarem algumas horas para o céu escurecer, ele achou melhor não acordá-la. Pelo que Elizabeth lhe dissera, Claire andava sofrendo de insônia com frequência. Assim, mesmo que estivesse dormindo durante um horário que supostamente não se deveria dormir, ao menos ela estava dando um pouco de descanso ao seu corpo. Isso era o que importava para ele. Então, ao invés de sacudi-la até que voltasse à realidade, ficou ali ao seu lado refletindo sobre como cuidar dela não era uma tarefa das mais fáceis, e sobre como queria que Will estivesse ali para ajudá-lo. E sobre como Shawn era um babaca. Simplesmente o ser humano mais babaca de todo o universo.
Quando o som que anunciava a presença de alguém na entrada da casa chegou aos seus ouvidos, Nash foi tirado de suas reflexões e se levantou para atender. Ele odiou ver aquele que quebrara o coração de sua irmã – mais de uma vez – dentre os visitantes. No entanto, não proibiu ninguém de adentrar o lugar.
- Fala aí, cara. – os meninos o cumprimentaram.
- E aí, gente. – Nash lhes deu passagem para entrar.
O local estava tão silencioso que parecia morto. Johnnie, Elizabeth e Skylynn não estavam em casa. O único som ali era quase imperceptível de tão baixo – a respiração de Claire. Os garotos seguiram até a sala com passos hesitantes; o ruído de seus pés tocando o chão de madeira parecendo uma sirene de polícia em meio à quietude mórbida. Como sempre, mesmo que estivesse exausta e carregasse dentro de si uma infelicidade torturante e de aparência infinita, Claire continuava linda. A própria Bela Adormecida. Apesar de ela não se considerar superior à Morgan no quesito beleza, Shawn por sua vez sempre achou Claire a menina mais bonita que ele já conhecera. Sua face habitualmente corada parecia serena; sua respiração seguia um ritmo compassado... A garota cochilava calmamente, como uma criança sem preocupações... No entanto, os rapazes sabiam que não era de fato assim que ela se sentia no momento.
- Como ela está? – Cameron perguntou em tom baixo enquanto eles se sentavam.
- Nada bem. – informou Nash, caindo pesadamente no acento confortável onde se encontrava antes de ir receber os amigos. – Quase não dorme, e quase não come. Sai do quarto uma ou duas vezes por dia. Sempre que eu passo lá, ela está chorando. Nunca consigo convencer ela a comer alguma coisa ou sair de casa, e tampouco conseguem a minha mãe e o Johnnie. Não sei mais o que fazer, juro que não sei mais...
- Talvez... Talvez seja saudade do pai. – sugeriu Jack J.
- Pode ser isso também, mas não acho que seja só isso. – Jack G opinou. Nash e Cameron balançaram a cabeça em concordância. Eles tinham certeza de que não era só isso.
- Não tem nada que a gente possa fazer? – questionou JJ. – Chamar o povo, tentar animá-la?
- Não sei, talvez... Mas no momento estou mais preocupado em fazê-la se alimentar do que em fazê-la rir. – disse Nash.
Enquanto eles conversavam, Shawn não conseguia desviar os olhos da amada. Era imensa a sua vontade de ir até ela... Contudo, havia algo lhe dizendo que não deveria. Ele não tinha ideia do porquê de Claire andar daquele jeito, mas sentia que tinha algo a ver consigo. Talvez ele tivesse falado alguma coisa que ela não gostara... Ou talvez ela tivesse ficado brava pelas provocações feitas em relação à aposta deles... Shawn não sabia. Continuou observando-a, como se assim a resposta para todas as perguntas fosse magicamente chegar até ele. E, em algum momento, o garoto pôde perceber que o ritmo no qual o tórax e abdome dela subiam e desciam começava a ficar mais veloz.
- Cara, isso é tão injusto! – lamentou Gilinsky. – Ela sempre bota a gente pra cima quando nós nos sentimos mal. Lembra aquela vez da mina que falou merda do Taylor? – os garotos sorriram de canto ao recordar. – E aí, quando ela fica mal, nós não podemos fazer nada.
- Injusto. – concordou Cams. Seu olhar deixou o corpo adormecido da menina por um instante e pousou em Shawn.
Como já era o habitual, Shawn a fitava como se Claire fosse a coisa mais preciosa do mundo. Parecia que pairava no ar ao redor dele o amor e a admiração que nutria pela garota. E Cameron não deixava de se perguntar por um segundo sequer: afinal, por que ele a traíra?
Mas Cams já estava farto daquela dúvida – pensara a respeito durante a semana inteira, e tudo que conseguira foram fortes dores de cabeça. Por isso, desviou o olhar novamente para a melhor amiga. As conversas haviam cessado e o silêncio estava de volta. Todos naquela sala mantinham o olhar fixo nela. Se Claire não se encontrasse tão aérea a tudo aquilo, provavelmente teria se sentido um experimento científico. E, se não estivesse emocionalmente péssima, teria brincado “Que foi, gente, querem uma foto?” e soltado seu sorriso doce ou sua risada engraçada.
Todavia, a questão era que ela estava péssima. E encontrava-se totalmente aérea quanto ao fato de estar sendo observada, devido às imagens que tomavam conta de seu pesadelo.
- Hey, o que está acontecendo? – todos notaram sua respiração se acelerando e se tornando mais pesada.
- Acho que ela está tendo um pesadelo. – respondeu Shawn. Claire se encolheu. – Acho não; tenho certeza.
Pesadelo On (Claire POV)
Eu fui subindo de um em um os degraus da familiar escada de minha querida casa em Mooresville, a cidade onde nasci. Caminhei pelo corredor até alcançar a porta do meu quarto e, uma vez feito isso, a abri. Ele estava lá. Deitado em minha cama de barriga para cima, as duas mãos sobre a camiseta azul escura de algodão, brincando com os próprios dedos para passar o tempo. Se eu tivesse que adivinhar, diria que ele estava esperando algo.
Congelei onde estava, e minha respiração se acelerou, juntamente com os batimentos descompassados de meu coração. Ele estava ali... Ele estava mesmo ali. Senti uma vontade enorme de correr até Shawn e me deitar ao seu lado, deixando-me envolver pelos seus braços. Mas ao invés disso, apenas fiquei parada que nem idiota, fitando-o.
Vi quando ele parou de mexer em seus dedos e soltou um suspiro pesado. Seus olhos começaram a vasculhar o cômodo, impacientemente, ainda esperando algo. E então eles me encontraram, paralisada próxima à porta. Minha respiração parou completamente por um segundo, assim como a dele. Eu finalmente entendi.
- Claire, precisamos conversar. – se levantou, pois sua espera havia acabado.
Merda. Merda, merda, merda, merda, merda. Ele não estava esperando algo, e sim alguém. Merda, ele estava me esperando. Minha cabeça automaticamente se virou para trás, vendo se ainda dava tempo de fugir. Mas a porta pela qual eu passara havia pouco não estava mais lá. Não havia mais porta nenhuma, só uma parede totalmente fechada.
Tive que encará-lo de novo. Antes mesmo que eu pudesse mandá-los parar, meus olhos já estavam percorrendo o corpo dele da cabeça aos pés. Ah, aquele cabelo que eu tanto amava, em que eu fazia carinho todos os dias, enquanto ele fazia em mim... Aqueles olhos sempre tão ternos toda vez que me olhavam, mas que hoje, excepcionalmente, estavam... Inexpressivos?
Aqueles lábios rosados e macios que eu não beijava havia algum tempo, mas que quando me beijavam era tão doces e delicados... Aquele peitoral no qual minha cabeça descansava quase toda noite... Os braços nos quais eu me encontrava embalada quando acordava e quando ia dormir, enquanto eu ria e enquanto eu chorava.
As mãos que me acariciavam o rosto e os cabelos todos os dias, que seguravam as minhas quando eu estava nervosa, que secavam minhas lágrimas quando eu chorava, e que seguravam o meu rosto momentos antes de ele me beijar... E, finalmente, o colo no qual eu sentava quando não tinha espaço para mim no carro ou no sofá, mas eu insistia em arranjar um espaço só para ficar ao lado dele.
Porém, naquele momento, Shawn não emanava nada daquilo. Não era o meu namorado carinhoso pelo qual eu estava perdidamente apaixonada. Naquele exato momento, ele mais parecia um estranho, esperando pacientemente até que eu parasse de percorrer toda a extensão de seu corpo com meu olhar e olhasse-o nos olhos mais uma vez.
- O que você veio fazer aqui? – questionei. Minha voz não passava de um sussurro.
- Claire, precisamos conversar. – repetiu. – Eu sei que você viu a gente.
Eu o esperei continuar, entretanto, ele não continuou. Então, apesar de não ser uma pergunta, respondi mesmo assim.
- É, eu vi, sim. – a vontade de chorar me veio na mesma hora, só de me lembrar daquela cena. Outra garota fazendo carinho em seu cabelo. Outra garota beijando seus lábios doces. Outra garota sentindo as mãos dele em seu rosto durante um beijo.
- Eu a amo.
Suas palavras foram simples, curtas e, mesmo assim, não entraram em minha cabeça. Elas eram claras, mas eu não conseguia entendê-las. Ele a amava? Como assim ele a amava? O que isso significava?
- Vo-você o quê?
- Eu a amo. – reafirmou. – Claire, eu a amo mais do que tudo nesse mundo.
- Ma-mas e... E eu? – gaguejei.
- Nós não podemos mais ficar juntos, Claire, me desculpa. Voltar ao Canadá e vê-la de novo me fez perceber como eu a amo, e nunca deixei de amar, na verdade. Você... – ele pareceu procurar pelos termos certos. – Você foi só uma distração enquanto eu estava aqui nos Estados Unidos. – as palavras dele eram como socos no estômago e tapas aplicados sem pena alguma. Lágrimas não paravam de cair dos meus olhos por um segundo sequer. – Ah, qual é, Claire, você não pensou mesmo que pudesse competir com ela, pensou? Olha pra ela, olha pra você. Ela é um milhão de vezes mais bonita que você.
Eu fiquei chocada com a crueldade com que ele falava comigo. Definitivamente, aquele cara não era o meu namorado carinhoso pelo qual eu estava perdidamente apaixonada. Definitivamente. Aquele não era ele. Nem aqui, nem no Japão.
- Vo-você não tem... Di-direito... De fa-falar... Essas coisas p-pra mim, Shawn. – foi tudo que consegui fazer sair da minha boca.
- Bom, tendo direito ou não, estou falando. Claire, eu a amo. Ela é tudo pra mim. Eu quero a Morgan. Eu estou escolhendo ela, não você.
“Eu a amo” pareceu que a frase saiu de seus lábios e voou a uma velocidade absurdamente grande em minha direção, acertando bem no meio do meu peito e estourando alguma coisa lá dentro.
“Ela é tudo pra mim” o vidro se quebrou mais uma vez.
“Eu quero a Morgan” arrebentado novamente.
“Estou escolhendo ela, não você” e de novo.
Shawn caminhou até mim e segurou minha mão, levando-a até seus lábios e depositando um beijo ali.
- Adeus, Claire.
E então a porta surgiu de novo. Ele passou por mim e foi até ela, saindo do aposento, me deixando sozinha. Minhas pernas fraquejaram e eu caí de joelhos. Minha calça foi rasgada em vários lugares, e minha pele perfurada. Senti meu sangue começar a se espalhar pelo piso e manchar o tapete branco que ficava próximo à minha cama.
Eu finalmente olhei para baixo. O chão em volta de mim estava repleto de cacos de vidro, como se alguém tivesse deixado cair um vaso ali. Só que aqueles cacos não tinham origem de um vaso; eu sabia de onde eles vinham. Eles eram os pedaços do meu frágil coração, que fora sendo despedaçado a cada frase que saía da boca do meu ex-namorado.
Ex-namorado. O termo foi como um choque para mim. Um extremamente doloroso choque.
Tudo em mim estava doendo. Minha cabeça, minhas pernas cheias de cortes, mas, principalmente, o vazio no meu peito onde antes era o meu coração... Onde antes pertencia ao Shawn. Eu simplesmente não sabia o que fazer. Olhei para cima e esperei por alguma resposta, de qualquer deus que se dignasse a me ouvir.
“Siga seu coração” a frase ecoou em minha mente com a voz do meu pai. Voltei a olhar para baixo, para os cacos de vidro. Tudo bem, seguir seu coração sempre era um bom conselho – porém, naquele caso em especial, só serviu para me deixar ainda mais perdida. Afinal, qual dos pedaços eu deveria seguir? Eu não fazia ideia.
Pesadelo Off
Narrador On
O grito que escapou dos lábios de Claire fez com que os meninos pulassem de susto. Aquele barulho poderia muito bem ter sido produzido por uma pessoa que acabara de testemunhar outra sendo assassinada – pavor puro estava presente em cada fração de segundo que o som durou. Os olhos dela se abriram e a garota se viu sentando no sofá, mas de um modo que não podia notar os outros presentes no cômodo. Seu corpo apresentava todos os sintomas do medo; parecia que tinha acabado de escapar de um serial killer. Sua cabeça girava por ter sentado de forma muito rápida e em alguns segundos sua face já estava encharcada. Será que, da próxima vez em que visse Shawn, a conversa deles seria assim? Será que ele iria lhe dizer que amava a outra e que Claire nada significava para ele?
Ela não acreditava que poderia sobreviver se tivesse essa conversa. Aquelas palavras machucavam de um jeito pior até do que agressão física. Claire já se sentia extremamente infeliz e ferida, mesmo tudo não tendo passado de um sonho. Parecia que seu coração sangrava e que seu organismo não queria mais água, mandando-a toda para os dutos lacrimais da menina. Os soluços não podiam ser controlados e as fungadas não tinham fim.
- Hey, calma. Nada disso é real. Foi só um sonho. Já acabou. – Nash havia sentado em frente à sua gêmea e agora estava com uma mão em cada um dos ombros dela. O tom que usou com Claire foi suave, porém isso não a impediu de continuar chorando de forma incontrolável. – O que foi? Foi diferente dessa vez? – normalmente, bastava lembrá-la de que não tinha nada horrível acontecendo na vida real para que se acalmasse. Claire assentiu. – Vem cá, pequena.
Nash abriu os braços para a irmã, e neles ela entrou. O corpo rígido e imóvel dele fazia um contraste imenso com o dela, que tremia e tossia sem pausas para descanso. Nash nunca antes a vira chorar com tamanha intensidade; e olha que ver Claire chorar para ele era quase tão comum quanto vê-la respirar. Cameron e os Jacks também estavam impressionados; pouquíssimas foram as vezes que já viram lágrimas caindo dos olhos dela. E mesmo Shawn, que já estivera com a garota em alguns dos momentos mais difíceis da existência dela, se encontrava boquiaberto com a cena. Todos haviam paralisado, sem saber o que dizer ou fazer.
Assim como no sonho, parecia que tudo em Claire doía. Sua cabeça, sua garganta, o lugar em seu peito onde ficava o coração... Ela desejava com todas as forças que o abraço de Nash fosse o suficiente para fazer seu choro cessar, mas daquela vez não seria. O pesadelo se repetia em sua mente como se tivessem ligado um vídeo, apertado o “play” e em seguida o “repeat”. Ela ouvia as frases ressoarem interminavelmente.
Eu quero a Morgan... Estou escolhendo ela, e não você... Você foi só uma distração pro tempo que passei nos Estados Unidos...
- Clary, acho melhor te levar pro seu quarto. – Nash começou a se levantar com ela.
- Não! – Claire soltou outro grito apavorado, fazendo-o recuar. Ela não podia retornar ao cenário daquele terrível pesadelo. – Não, meu quarto não! Não quero voltar lá... Nunca mais... – sussurrou.
- Clary, nós já conversamos sobre isso. Você não vai pra Austrália. – disse ele.
Shawn parou de respirar por um instante. Austrália? Que história era aquela de Austrália? Claire não podia ir embora; ele não podia ficar longe dela. E, afinal, por que a garota queria tanto ir embora?
- E pra Miami?
- Também não.
- E... E... – ficou pensando em possibilidades. – E pra Nova Iorque? Nash, o Will está lá, ele pode cuidar de mim... – ela implorava em tom desesperado. – Por favor...
- Claire, você não vai sair da Carolina do Norte. – o garoto tentou parecer calmo, apesar de que a ideia de ficar longe da irmã o enlouquecia e acabava com ele por dentro.
- Então eu posso ir pra Charlotte? – ela se referiu à cidade mais populosa da Carolina do Norte.
Nash franziu o cenho: - Quem você conhece em Charlotte?
- É uma cidade grande... Certamente deve ter algum fã meu lá.
Ele riu; só ela mesmo para fazê-lo rir naquele momento.
- Clary, você tá se ouvindo falar?
Claire não respondeu, apenas continuou a fitá-lo com um olhar demasiadamente molhado e triste.
Nash suspirou: - Você não vai sair de casa. Serve o meu quarto?
Desistindo de tentar convencê-lo, ela fez que não com a cabeça: - O da mamãe.
O irmão a ergueu do sofá e subiu os degraus até o quarto onde Elizabeth dormia com Johnnie. Shawn, Cameron, Gilinsky e Johnson não tinham se mexido até então. Os dois Jacks se entreolharam e depois fizeram que sim com a cabeça – haviam chegado a um acordo mudo. Ambos se levantaram. Quando Nash estava descendo as escadas, esbarrou com eles, que subiam.
- Aonde vocês vão? – indagou o jovem dos olhos azuis.
- Falar com ela. – respondeu JJ. – E não vou embora até essa menina rir pelo menos uma vez.
- E ter pelo menos uma refeição descente. – completou JG.
Nash sorriu e liberou a passagem: - Boa sorte. Se conseguirem alguma coisa, me avisem. No caso de dar certo, vou começar a ligar pro Taylor todos os dias e fazer ele contar umas piadas via telefone.
Os Jacks assentiram e continuaram a subir, enquanto Nash continuou a descer. Não demorou muito e estavam apenas ele, Cams e Shawn na sala. Cada um ficou em um sofá, e ninguém disse nada. Dentre todos os meninos, os três eram os mais próximos à Claire. Suas mentes vagavam, enchendo-se de pensamentos preocupados quanto à mesma.
Shawn foi o primeiro a quebrar o silêncio.
- Gente... Vocês... Vocês sabem o que ela tem? – perguntou. Cameron e Nash fizeram que sim com a cabeça, sem olhar para o garoto. O problema de Claire tinha endereço, idade, altura, nome e sobrenome. Shawn Mendes. – E o que é?
- Eu não... Não posso dizer. – respondeu Cams.
- Você tá brincando, né? – Shawn questionou.
- Não tô. Eu prometi pra ela que não ia contar pra ninguém. – e, ao contrário de certas pessoas que eu conheço, eu levo promessas a sério, quis dizer, mas se conteve.
Shawn suspirou e olhou para o outro amigo, esperançoso: - Nash?
- Não fiz promessa nenhuma, mas não estou falando com você. – declarou.
Shawn sentiu como se tivesse levado um tapa. Ele tinha fortes suspeitas de que tinha algo a ver com o comportamento de Claire, no entanto, não tinha ideia do que poderia ser e com certeza não fizera de propósito.
- Muito maduro da sua parte. – comentou.
Isso foi o suficiente para fazer Nash perder a paciência de vez: - E VOCÊ É QUEM PRA VIR ME FALAR DE MATURIDADE? – explodiu. – VOCÊ NÃO TEM A MERDA DE UMA ÉTICA! VALORES, ESSA PALAVRA SIGNIFICA ALGUMA COISA PRA VOCÊ?! EU DUVIDO MUITO QUE VOCÊ TENHA A PORRA DE ALGUM VALOR E SE VOCÊ TEM É MELHOR VOCÊ REVER ISSO AÍ PORQUE BONS VALORES ELES NÃO PODEM SER, CONSIDERANDO QUE VOCÊ SIMPLESMENTE SAI POR AÍ MAGOANDO AS PESSOAS E QUE SE FODAM ELAS! – Nash havia se levantado e estava avançando furiosamente na direção de Shawn, quando Cameron colocou uma mão em seu peito, fazendo-o parar.
- Cara, violência não leva a nada. – lembrou o amigo. – Você sabe disso.
Nash respirou fundo algumas vezes, apesar de que nada parecia ser capaz de acalmá-lo naquele momento. Seu olhar encontrou o de Shawn, que estava arregalado.
- Eu só... Eu... Isso não é justo! Você tem alguma ideia de como é viver sem ela? – começou a descarregar toda sua angústia sobre Shawn. – Eu passei dez anos sentindo a falta dela todos os dias da minha vida. E, agora que ela finalmente voltou, quer ir embora de novo! Eu vou ter que viver sem ela de novo! – respirou fundo outra vez e piscou com força. Ele não ia se lembrar do dia em que Claire e o pai saíram de casa. Ele não ia. – E que culpa eu tenho no que aconteceu? Nenhuma! Eu vou ter que sofrer as consequências de uma coisa que não tenho a merda de culpa nenhuma! Não, aliás – se corrigiu. – Eu tenho culpa sim. Retiro o que eu disse. Eu tenho culpa porque eu te apresentei pra ela, porque eu incentivei esse namoro, porque eu te ajudei em todas as porras dos seus planos! – o arrependimento queimava dentro de Nash. – E agora eu me pergunto: qual foi o sentido de tudo aquilo? Por que você fez tudo isso se no final ia estragar tudo? E a minha maior dúvida de todas – raiva jorrava de sua voz nesse momento. – O que a Claire fez pra você? O que ela fez pra merecer isso? Por que você fez isso com ela?
A cabeça de Shawn girava sem parar: - O que eu fiz foi tão ruim assim?
- AGORA É VOCÊ QUEM TÁ DE BRINCADEIRA COMIGO! – foi a vez de Cameron se irritar. – QUE MERDA DE PERGUNTA É ESSA? É CLARO QUE FOI RUIM! FOI PÉSSIMO! FOI A PIOR COISA QUE VOCÊ PODIA TER FEITO NA VIDA! COMO VOCÊ PODE PENSAR QUE ISSO SERIA OKAY? QUE ELA ACEITARIA NUMA BOA? VOCÊ NEM AO MENOS SE ARREPENDE DO QUE VOCÊ FEZ? – o rapaz estava indignado, indo até o outro com os punhos cerrados. Nash deveria ter tentado impedir, entretanto, ficou sem reação ao ver Cams daquela maneira.
- EU NÃO POSSO ME ARREPENDER DE UMA COISA QUE EU NEM AO MENOS SEI QUAL É! – Shawn se levantou. Cameron parou. – Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não sei por que ela está desse jeito? Da última vez em que eu a vi ela disse que eu era uma das pessoas mais importantes da vida dela e que estava muito, muito apaixonada por mim. Com dois “muitos”. – destacou. – E então de repente ela parou de falar comigo. Eu não sei o que aconteceu. Eu pensava que estava tudo bem quando nós voltamos do Canadá, apesar de que agora vejo que não está. Mas eu não sei o que eu fiz pra deixar ela assim. Não sei do que vocês estão falando. Não sei por que estão gritando comigo. – Nash e Cameron o olhavam com dúvida, se perguntando se Shawn estava sendo cem por cento honesto. – E vocês sabem que eu tô falando a verdade porque eu não sei mentir.
Tudo bem, aquilo era certo. Se havia alguma verdade nessa vida, era que Shawn Mendes não sabia mentir. Cameron suspirou.
- Tá, eu acredito em você. Mas não vou pedir desculpas por ter gritado. Mesmo sem saber o que você fez, isso não muda o fato de que você fez. E ainda não posso te dizer o que é. Não vou quebrar a minha promessa.
- E eu também não estou muito a fim de falar. – continuou Nash. – Gosto de pensar que pode não ser verdade, e se eu te contar e você disser que de fato fez isso... Bem, eu não quero ter “homicídio doloso” constado na minha ficha criminal. Mas você pode perguntar pra ela. Tenho certeza de que Claire não bateria em você.
- Como você pode ter tanta certeza? – Shawn questionou. – Segundo vocês, o que eu fiz não foi horrível e a pior coisa que poderia ter feito na vida? – a mente dele continuava feito montanha-russa. Ele não conseguia entender como provocações relacionadas a uma aposta poderiam ser tão graves assim. Ou brincadeiras quanto à natureza desastrada de Claire. Ou beijos no pescoço. Shawn simplesmente não conseguia se lembrar de nenhuma ação sua que pudesse causar tanta revolta e abominação.
- Em primeiro lugar porque, não sei se você ouviu, mas ela não está comendo direito e não tem força nem pra matar um mosquito. – Nash não queria ser tão grosso, mas não podia evitar. Sim, quando olhava para Shawn, via nele o seu melhor amigo. Porém, acima de tudo, via um namorado desleal e a causa das lágrimas da irmã. O antigo modo de agir de Tainá para com Shawn parecia tão compreensível agora... – E em segundo lugar porque, não sei se você percebeu, mas ela ainda é apaixonada por você.
Shawn estava tão tonto que precisou sentar. O que ele tinha feito de tão ruim que Claire até estava deixando de comer? O que fizera para causar tamanho sofrimento? O que fizera para perder a namorada e os melhores amigos?
- Quando eu posso falar com ela? – indagou.
- Que horas você anda acordando? – Nash respondeu com outra pergunta. Cameron e ele também haviam voltado a sentar.
- Sei lá... Umas nove, mais ou menos.
- Vem amanhã umas dez, então. E a Ally, tá acordando que horas?
Shawn franziu o cenho: - Agora é que eu não sei mesmo. Que pergunta é essa, afinal? – eles sorriram. Por um curto momento, outra vez eram os melhores amigos que não nutriam raiva nenhuma um pelo outro.
- É que eu estou precisando entender melhor as mulheres. Seria legal se você trouxesse ela. – esclareceu Nash. Os três garotos riram.
- Tudo bem, acho que posso trazer a Aaliyah. – concordou. – Mas não sei se vai ajudar muito. Claire Grier não apresenta exatamente o que se pode chamar de “comportamento previsível”.
- Verdade. – concordou Cams. – Ela devia estar te odiando agora.
Shawn estava pensando se ia dizer ou não, todavia, concluiu que precisava saber. Então, por fim, disse: - Assim como vocês estão?
Nash suspirou. Sua postura era séria quando falou: - Shawn, eu não odeio você. Você é um dos meus melhores amigos. Mas você fez merda. Magoou minha irmã. E agora eu corro o risco de perder ela por isso.
- E eu também não odeio você. – afirmou Cameron. – Mas eu não esperava isso de você. Não mesmo. Nunca.
Shawn levou a mão para o local de sua cabeça onde uma dor começava a se formar: - Vocês não tem ideia do quão confuso estão me deixando.
- Você realmente não tem ideia do por que ela está assim, não é mesmo?
- Eu realmente, realmente não tenho ideia. – insistiu Shawn. A quietude dominou o ambiente por alguns segundos. – Gente... Vocês podem opinar numa coisa?
- Opinar no quê? – Cams e Nash indagaram ao mesmo tempo.
- Quais... Quais as chances de ela me perdoar? – aquela realmente era uma boa pergunta.
- Bem... Acho que, logo de cara, são mínimas. – falou Nash. – Eu diria que amanhã você deve vir preparado pro pior.
- Você... Vo-você quer dizer... – Shawn sentiu uma sensação péssima no estômago.
- Quero.
Cameron notou como a respiração de Shawn havia se acelerado, e tentou tranquilizá-lo: - Mas talvez, em longo prazo, você e ela possam se resolver. Vai depender. O quanto a Claire significa pra você, Shawn?
- Ela é minha vida, Cameron. – Shawn dispensou mais explicações. Apenas a emoção contida naquela frase e no olhar que lançou ao amigo já eram suficientes para provar o valor que a garota tinha para ele.
- Isso significa que você não vai desistir dela? – Nash indagou.
- Nunca. – não vou perder a garota que eu amo, pensou. Não posso. Não vou.
Cameron sorriu: - Então acho que suas chances aumentaram um pouquinho, meu amigo.
- É. – Nash também sorriu. – Foram de 5% pra 15%.
Shawn afundou no sofá com uma expressão derrotada. Nash não acreditava mesmo que as chances dele em longo prazo fossem tão pequenas. Talvez, aquelas pudessem ser as chances do perdão logo de cara. Afinal, Claire era louca por Shawn e Nash podia perceber o quanto ela sentia falta do namorado. Porém, antes que pudesse dizer ao garoto que estava apenas brincando, um barulho absurdamente alto ecoou pelo ambiente. Um trovão.
- PUTA QUE PARIU! – Cameron pôs a mão no coração. – Que droga foi essa? – caminhou até a janela, podendo ver a chuva que começava a cair do lado de fora.
Shawn se lembrou de quando levantou naquela manhã. Estava indo para a cozinha tomar café, checando o celular novamente para descobrir se Claire respondera alguma de suas mensagens ou retornara suas ligações. Karen preparava a comida enquanto assistia à televisão. Estava passando a previsão do tempo; uma moça de terno e saia lápis apontando para um mapa. A mulher havia dito que as chances de chover em Mooresville naquela tarde eram de 15%.
(...)
O céu da manhã seguinte era azul claro e apresentava algumas nuvens brancas. Fazia calor e as pessoas andavam pelas calçadas vestindo blusas de manga curta e conversando. Aaliyah e Shawn estavam entre elas.
- E então – disse Ally. – Você está indo pedir desculpas?
- Creio que primeiro precise descobrir o que eu fiz... Mas é, vou tentar nos resolver, se foi isso que você quis dizer. – respondeu Shawn.
- E por que você está me levando? – quis saber a menina.
- Porque você é uma gracinha e uma boa companhia. Já não é motivo suficiente?
- Valeu. – ela sorriu. – Você também é uma boa companhia. Mas, se dissesse que meu irmão é uma gracinha, teria que rever meus conceitos de “gracinha”.
- Obrigado, baby Ally. – eles caminharam mais um pouco, até que chegaram à entrada da casa dos Griers. Shawn encarou a campainha, desejando ter tido mais tempo para se preparar mentalmente. Afinal, Nash havia dito para que ele estivesse pronto para o pior. E ele não estava. Longe disso, inclusive. Depois de tudo o que os dois passaram juntos, será que Claire poderia mesmo terminar com ele? – Bem... Acho que a hora é agora.
- Boa sorte, Shawn. Espero que dê tudo certo. – Aaliyah falou.
- Obrigado. Eu também espero. – Shawn finalmente tocou a campainha.
- Baby Ally! – Nash e Cameron sorriram ao vê-la.
- Oi, meninos! – ela cumprimentou de volta, enquanto eles entravam na casa.
- E então – Shawn chegou mais perto de Nash. – E a Claire?
- Está no quarto dela. Pra variar.
- Ela tomou café hoje?
- Não. – negou Nash. – Minha mãe e o Johnnie saíram, então não há quem convença.
Uma sensação ruim tomou conta do corpo de Shawn: - E por minha culpa.
- Em parte. – Nash fez a observação.
- Você não quer mesmo me contar o que eu fiz? – tentou o garoto uma última vez.
Novamente, o outro negou: - Por que você não vai lá em cima descobrir?
Shawn suspirou derrotado e foi em direção às escadas. Quando estava no segundo degrau, Nash o chamou.
- Hey! – isso o fez virar até que encontrasse o olhar azul do amigo. – Boa sorte, cara.
Shawn sorriu sem mostrar os dentes: - Valeu, cara.
Em alguns segundos, ele já estava parado diante da porta do cômodo onde Claire dormia. Abriu-a lentamente; uma adolescente de costas foi surgindo em seu campo de visão aos poucos. A garota que ele amava se encontrava de pé próxima à janela, olhando para o exterior sem realmente nada ver. Claire estava tão absorta em pensamentos que nem notou o que acontecia ao seu redor. Shawn adentrou o aposento com passos hesitantes; era estranho não se sentir bem-vindo ali pela primeira vez. Ele se aproximou dela devagar. Quando enfim estava perto o suficiente para poder tocá-la, pousou uma de suas mãos em um dos ombros da menina. Ato que acabou por assustá-la.
Claire começou a se virar: - Mas o que... – sua fala morreu ao ver o garoto, seu corpo paralisou.
- Hey. – Shawn jamais a vira com aparência tão péssima. Olheiras profundas e escuras emolduravam seus olhos cansados, contrastando com a pele pálida. Seu olhar e sua expressão beiravam infelicidade, e Shawn estava certo de que ela emagrecera. E, apesar de tudo, Claire continuava a ser a garota mais bonita no mundo aos olhos dele. A garota que ele amava. – Você... Você sumiu essa semana. Eu estava preocupado com você. – Claire desviou o olhar de suas íris castanhas até que este pousasse na mão dele em seu ombro. Quando a menina começou a levar a própria mão até ali, Shawn pensou que ela iria fazer algum tipo de carinho em sua pele. No entanto, o que Claire fez foi afastar o toque dele, acabando com o contato físico entre eles. E então ela ficou em silêncio, ainda sem olhá-lo nos olhos. – Eu pensei... Pensei que você estaria feliz agora que eu me mudei. Pensei que... Que você fosse querer comemorar... No restaurante aonde fomos no nosso aniversário de um mês, talvez...
Só Deus sabia o quão difícil era para ela que ele estivesse ali. Claire não estava pronta para ver Shawn outra vez. Tê-lo ali ao seu lado deixava sua ferida mais vívida, fazia com que ela se acendesse dentro de Claire. E doía demais. Ela o via ali em sua frente e se lembrava do lindo relacionamento que os dois tinham... E de como a traição de Shawn abalou a estrutura dele. Claire queria tanto tudo aquilo de volta... Os aniversários de namoro, os beijos, os abraços... Mas então se recordava das mentiras, das promessas quebradas... E doía demais.
- Chega! – a palavra saiu dos lábios de Claire, levando consigo o autocontrole da menina. O choro finalmente lhe escapou. A voz dele, somada à presença dele, e ainda à menção daquela data... Foi demais para ela.
- Vida, o que foi? – Shawn deu um passo na direção dela. Claire estendeu a mão em sinal para que ele não avançasse mais. – Por que você tá chorando? Me conta, vida, por favor...
O vocativo usado por ele fez a dor dela aumentar. Aquele chamamento tinha o poder de alcançar um dos pontos fracos da garota – o coração.
- Shawn, vai embora. – sussurrou. Ela não sabia o que poderia acontecer se ele continuasse ali.
- O quê? Claire, não! – algo parecido com revolta se fez presente dentre as emoções dele. – Eu não vou embora até você me contar o que está acontecendo! Por que você anda me evitando? Por que você não me deixa te tocar? O que foi que eu fiz?
Ela ergueu o olhar até o dele outra vez. A frase que saiu de sua boca em seguida a destruiu por dentro: - Você me traiu.
A cara que Shawn fez foi como se tivessem acabado de acusá-lo de cometer um crime desumano e repugnante, no qual ele nem sequer estava envolvido: - O quê? Claire, isso é ridículo! Eu nunca faria isso com você!
Claire queria gritar. Não podia crer que Shawn continuasse a omitir a verdade dela, não podia crer que a promessa que fizeram de nunca esconder nada um do outro não tinha valor algum para ele enquanto para ela significava tanto. Contudo, a jovem não tinha forças para gritar. Andava excepcionalmente fraca nos últimos tempos.
- Por que... – Shawn precisou se inclinar para ouvir o que ela dizia, tão baixo era o tom da voz. – Por que você continua mentindo pra mim?
- Claire, eu não tô mentindo pra você! – insistiu.
- Ah, não? Então você não beijou a Morgan aquela noite na pizzaria? Sou eu que imagino coisas, não é?
Shawn sentiu como se tivesse levado um tapa na cara. A ficha dele finalmente caiu. Claire sabia.
Claire. Sabia. Sobre. O. Beijo.
O peso do que tinha feito caiu sobre ele de maneira sufocante. O garoto ficou desesperado como nunca antes tinha ficado na vida. Havia conseguido magoar sua amada novamente, e dessa vez podia ser que não houvesse mais volta. As consequências eram graves a um ponto que Shawn não conseguia aguentar. Claire tinha um motivo para terminar com ele. Um motivo muito bom para terminar com ele. Shawn se lembrou de Nash e de Cameron no dia anterior... Dos dois dizendo que aquela fora a pior coisa que ele poderia ter feito na vida... Que as chances de perdão eram poucas... Que não esperavam algo assim dele... Caramba, ele tinha merecido. Todas as palavras duras, todos os olhares irritados... Ele tinha merecido.
E Cameron estava certo. Aquela fora a pior coisa que Shawn poderia ter feito na vida. Mas ele não queria ter feito aquilo... Shawn amava Claire, e não sentia nada por Morgan. Não pensava que Claire fosse descobrir sobre o beijo. Não era sua intenção esconder coisas dela, quebrar a promessa que os dois haviam feito... Porém, não pensara que fosse fazer diferença. Jamais voltaria a ver Morgan outra vez; o Canadá e tudo o que vivera ali agora era passado. Ele estava começando uma nova vida em Mooresville, ao lado de Claire e dos melhores amigos... Por que trazer aquilo à tona? Aquele beijo não significara nada para Shawn e contar sobre ele à Claire só a faria sofrer, enquanto os dois poderiam estar felizes, aproveitando aquela nova fase de suas vidas juntos. Além disso, se Claire soubesse, poderia terminar com ele. E Shawn não tinha nenhum medo maior do que perdê-la. Por isso, pensou que seria melhor se a garota nunca descobrisse sobre o ocorrido naquela noite.
Entretanto, de alguma maneira, ela havia descoberto. E não por Shawn, o que só deixava tudo ainda pior. Era pior porque isso tornara possível que ela tomasse conclusões precipitadas. Era pior porque isso fazia dele um quebrador de promessas, e promessas que tinham grande valor para Claire. Era pior porque fazia do sofrimento da garota maior. E era pior porque diminuía drasticamente as chances de perdão, aumentando também drasticamente as chances dele de perdê-la. Oh, Deus, o que ele iria fazer? Jamais conseguiria se perdoar se aquele relacionamento lindo terminasse por causa daquela pequena e ao mesmo tempo imensa falha, daquele tão relevante erro insignificante. Claire e ele haviam passado por tanto para poder continuar juntos... E ele conseguira estragar tudo. Estava tão perto de perdê-la... Perder sua amada... Isso se já não havia perdido.
Shawn agora era movido à base de desespero.
- Quem... Que-quem te contou sobre isso? – os lábios dele tremeram ao balbuciar. O rapaz estava começando a suar frio. Sentia como se o pesadelo que tivera em Miami estivesse se tornando realidade.
- Ninguém me contou, Shawn. Eu vi. Eu estava lá. Não deixei você me ver porque queria saber se você ia me dizer a verdade ou não. Eu fiquei esperando a noite toda... Não conseguia dormir pensando no que eu vi... Eu esperava que você fosse se sentir mal com o que fez e também não conseguisse dormir. Eu esperava que você fosse me procurar e falasse a verdade. Eu fui idiota, tão idiota... E, mesmo assim, ainda esperei que você contasse a verdade no dia seguinte. Mas você não me contou. Uma semana se passou, e você não me contou... Depois de prometer que nunca esconderia nada de mim... Que não haveria segredos entre nós... Você mentiu pra mim... E eu confiava tanto em você... – cada nova palavra parecia um novo tapa. Quando acabou, Shawn sentia como se tivesse sido espancado num ringue por um lutador profissional do UFC.
- Você não precisa deixar de confiar em mim... – As palavras de Nash no dia anterior não saíam da cabeça de Shawn. Esteja pronto para o pior. Nash não estava exagerando. De fato, era possível que aquilo acontecesse. Bastante provável, inclusive. Shawn se sentia a um fio de perder Claire para sempre. As lágrimas rolavam livremente pelo rosto dele.
- Você quebrou sua promessa. – Claire o lembrou. Como ele podia dizer aquilo? Como ele queria sua confiança depois da promessa quebrada? Depois de uma traição? – Você ao menos se lembra dela, Shawn? A promessa que eu propus porque confiava em você? – agora os termos escolhidos tinham um resultado mais parecido com facadas do que com tapas.
- É claro que eu lembro, vida. – afirmou Shawn. Seu coração parecia sangrar. E tudo só piorava quando ele pensava em como o de Claire deveria estar dez vezes pior. E que ele era o responsável por isso. – Eu não quis quebrar a promessa. Você sabe que eu levo promessas a sério. Eu só não te contei porque não achei que fosse importante.
- Ah, você não achou que fosse importante. – Claire repetiu incrédula. – Então isso é algo normal pra você? Com que frequência você fazia isso, Shawn?
- Claire, para, você sabe que nenhuma. Você sabe que eu jamais faria isso com você. – a ferida parecia que só se abria cada vez mais e mais. Ele estava mesmo perdendo Claire. E era como se perdesse o próprio sangue. Como se precisasse dela para preencher seu coração. Como se precisasse dela para viver. Como se sua falta fosse ter consequências terríveis.
- Isso o quê? – Claire questionou. Shawn ia abrir a boca para dizer “te trair”, porém, ele não podia. Não podia nem ao menos dizer “te trair mais de uma vez”. Mas as coisas também não eram do jeito que Claire colocara... Ele não a traía com frequência, não seria capaz de fazer isso com ela... Haviam sido apenas duas vezes, e em nenhuma delas ele quis ter feito... – Isso o quê, Shawn? – repetiu a garota.
- C-Claire... – ele não podia dizer o que queria dizer. Não podia fazer o discurso de um namorado perfeito, porque este não era ele. – E-eu sinto muito... Eu nunca devia ter feito isso... Me perdoa, por favor, me perdoa...
- Por que isso é tão importante assim pra você? Você está livre pra ficar com a Morgan agora. Acabou tudo entre a gente. – e então o coração dele estourou de vez.
- Não, Claire, por favor... Por favor, por favor, não faz isso com a gente...
- Não, Shawn. – ela sacudiu a cabeça de um lado para o outro; não ia permitir que ele a fizesse sentir mais culpada do que já se sentia. – Foi você quem fez isso com a gente.
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