Shawn POV
- Shawn... Shawn, vida, acorda... – alguém me sacudia de leve.
Meus olhos foram se abrindo lentamente. Após alguns segundos, consegui focalizar Claire e o quarto dela. Um sorriso surgiu automaticamente no meu rosto. Estiquei um braço e envolvi sua cintura com ele, me arrastando para mais perto dela.
- Que horas são? – indaguei.
- Onze e meia. – informou, acariciando minha nuca.
- Caramba, que tarde... – bocejei.
- Sim. – Claire concordou. – Mas não foi por isso que eu te acordei. Sua mãe ligou e pediu pra gente ir até a sua casa, porque ela e o seu pai iam precisar sair e não podiam deixar a Ally sozinha. – me explicou.
- Entendi... – falei ainda um pouco sonolento. – A gente vai agora?
- Eu pedi pro Nash e pro Cams irem na frente, assim nós dois temos tempo de ir até o shopping e comprar um presente de aniversário pra Ally. – ela informou. Meus olhos se arregalaram.
- PQP, é hoje?! – sentei na cama, porém sem deixar de tocá-la.
Claire riu: - Não, é amanhã. Você deveria saber.
Eu cocei a cabeça: - É que desde que a escola acabou eu não ligo tanto em saber que dia da semana e do mês é.
- Bem, mas agora você sabe. – ela se desfez das cobertas e levantou. – Vou tomar banho pra gente ir, ok?
- Ok. – concordei.
Assim que ela fechou a porta do banheiro, voltei a me deitar em sua cama. O cheiro de Claire estava por todo o lado – nas fronhas floridas, nos lençóis brancos, no edredom lilás. Fechei os olhos e inspirei aquele aroma várias vezes. Eu havia sentido tanta falta de dormir com o corpo dela junto ao meu... Eu sabia que demoraria bastante para que nós dois voltássemos a dividir momentos tão íntimos quanto aqueles divididos em Miami, até porque o verão se encontrava quase no fim e estações frias se aproximavam no hemisfério norte. Todavia, apenas poder passar a noite na mesma cama que Claire, mesmo que houvesse toneladas de cobertores e tecido entre nós, já me fazia inexplicavelmente feliz e melhorava consideravelmente a qualidade do meu sono. Eu não sabia o que teria sido de mim se ela não tivesse me perdoado e nós permanecêssemos separados... Provavelmente, a vida pararia de fazer sentido aos meus olhos por um longo, demorado período de tempo.
Claire POV
- Tô prontaaaaaa! – corri ao encontro de Shawn, que estava em pé mexendo no celular no meio da sala de estar, derrubando nós dois no sofá.
- Meu Deus, Grier, assim você me mata de susto! – exclamou.
- Desculpa. – ri e me ajeitei no sofá. Nesse movimento, nossos rostos ficaram demasiadamente perto um do outro, tanto que eu podia sentir sua respiração em minha face e ele podia sentir a minha. Os olhos dele desceram aos meus lábios e os meus desceram aos dele. Ficamos imóveis durante alguns segundos, até que eu finalmente levantei. – Melhor a gente ir. – peguei minha bolsa e um casaco, já que tinha esfriado desde a tarde anterior, e segui em direção à porta.
- Claire, espera! – Shawn segurou em minha mão. Virei-me para ele outra vez.
Ele estendeu ambos os braços até que as palmas de suas mãos encontrassem os dois lados de minha cintura. Entendendo isso como um pedido mudo para que eu me aproximasse, dei um passo à frente. Shawn fechou um braço ao redor da minha cintura, envolvendo todo o cumprimento dela com ele. Em seguida, esticou o braço livre até alcançar meu rosto, onde afagou com as costas da mão. Eu dei mais um passo em sua direção, fazendo com que meu corpo ficasse colado ao seu. Repousei uma de minhas mãos em seu ombro, enquanto a outra também foi para o seu rosto e também afagou a pele da região. Levantei um pouco a cabeça, ao mesmo tempo em que Shawn abaixou, unindo nossas testas.
- Você me concede permissão pra te beijar? – me pediu.
Fiz que sim com a cabeça, fazendo com que meu nariz tocasse de leve o seu. Normalmente eu não me sentiria à vontade em beijá-lo quando fazia tão pouco tempo que ele me traíra com sua ex. Contudo, depois do que eu descobrira na noite anterior, eu não tinha como negar um beijo a ele. Shawn me amava. E esse fato mudava tudo. Eu me sentia mais segura, sentia que não havia problema em voltar a confiar nele. Minha vontade de passar o resto dos meus dias ao seu lado só aumentava, assim como meu desejo e minha atração por ele. Eu ainda não tinha certeza se aquilo que eu sentia para com Shawn era amor, entretanto, sem dúvida era algo muito forte e que estava em desenvolvimento constante. Portanto, se não era amor, eu estava certa de que logo passaria a ser.
Shawn fechou os olhos e aproximou nossas faces. Não demorou muito para que eu o imitasse. Por um momento, tudo o que fizemos foi roçar nossos lábios um no outro, e mesmo isso já me provocou sensações e emoções diversas. Fazia duas semanas desde a última vez em que ele e eu nos beijamos, e eu estava com tanta saudade dos beijos dele... Após mais alguns segundos da “amostra grátis”, Shawn finalmente me beijou. Seu beijo era exatamente o mesmo – calmo, doce, suave, carinhoso, delicado, terno, afável, agradável, brando, ameno. Só havia uma única coisa que havia mudado, porém apenas no jeito como eu a percebia. Ela já estivera ali antes, mas eu nunca soubera defini-la. Amor. Aquela era a emoção que eu sempre falhava ao tentar reconhecer quando Shawn a exibia de alguma forma. Seu beijo era cheio, carregado de amor.
Sentindo-me amada, alegre e segura de um jeito que não me sentia havia muito tempo, sorri entre o beijo. Shawn sorriu também, e então criamos uma espécie de ciclo sem fim de sorrisos entre o beijo. Em algum momento, apesar de ter altura o suficiente para conseguir beijá-lo sem esforço, fiquei na ponta dos pés. Shawn entendeu o meu pedido mudo e me ergueu no ar do jeito que eu tanto amava, deixando-me só um pouquinho mais alta do que ele. Passei meus braços ao redor de seu pescoço e nós permanecemos daquela maneira por vários minutos. Por fim, eu precisava demais de ar e baixei a cabeça até o seu ombro. Ainda sem abrir os olhos, fiquei um tempo com ela descansada ali, tentando recuperar o fôlego, respirando com certa dificuldade contra a pele macia do seu pescoço.
Lentamente, Shawn começou a baixar meu corpo, de modo que minhas botas tocaram o piso de madeira da sala mais uma vez. Quando eu estava prestes a protestar, ele me pegou no colo, calando-me de novo. Shawn me carregou até o sofá, onde me deitou gentilmente, permitindo que eu usasse a parte superior de suas pernas como travesseiro. Fechei os olhos e esperei minha respiração ficar regular.
- Você não faz ideia do quanto eu senti falta de te beijar. – ele comentou.
Eu sorri: - Acho que não mais do que eu senti de te beijar.
- Então, quer dizer que agora eu te devo um pote de Nutella? – Shawn questionou, afastando delicadamente alguns fios de cabelo que caíam sobre minha face.
- Sim. – abri os olhos para encontrar suas íris castanhas. – E eu te devo muffins. – acrescentei, arrancando dele um sorriso enorme.
(...)
- Chegamoooos! – anunciou Shawn enquanto passávamos pela porta de sua nova casa. Nós dois havíamos ido ao shopping, comprado um presente de aniversário para Aaliyah, voltado à minha casa de modo a guardá-lo e então ido até a dele; tudo isso em menos de uma hora.
Aaliyah descia as escadas com o celular em mãos, lendo alguma coisa na tela do mesmo. Assim que seu olhar encontrou a mim e ao seu irmão, ela abriu um sorriso de canto a canto e correu ao nosso encontro.
- CARAMBA VOCÊS VOLTARAM MESMO, EU TÔ TÃO FELIZ, ISSO É TÃO BOM! – abraçou nós dois. Eu sorri.
- Você não é a única, baby Ally. – afirmei. Também estava feliz por Shawn e eu termos nos resolvido.
- Você. – ela apontou um dedo para o rosto de Shawn. – Se você magoar minha irmã de novo, eu não vou mais te apoiar e ainda vou ajudar ela a arranjar um namorado novo bem gato. E sim, ela é minha irmã agora. Estamos entendidos?
Shawn abriu um sorriso. Depois do que passamos naquela amanhã, havíamos entrado em um estado de espírito muito bom, e praticamente nada no mundo poderia nos desalegrar.
- Sim, estamos entendidos. – confirmou.
- Claaaaaire. – uma voz masculina e preguiçosa me chamou ao longe. Voltei-me na direção dela e dei de cara com Cameron e Nash deitados como dois bichos preguiças nos sofás da sala. – Tô com fome. Faz almoço pra gente? – pediu Cams.
- Cams, não é nem sequer a minha casa. – o lembrei. Ele queria que eu simplesmente fosse até a cozinha e começasse a abrir gavetas e portas de armários, assim do nada?
- Eu não me importo. O Shawn também não. Não é, Shawn? – Ally não esperou pela resposta do irmão. – Viu, o Shawn também não se importa.
Eu ri e a abracei de lado: - Você ficou sem comer até agora? – indaguei e ela assentiu. – Meu Deus, que babás desnaturadas vocês. – repreendi Nash e Cams. – Vem, vou te deixar escolher o que quer almoçar. – comecei a puxar Aaliyah na direção da cozinha. – E, meninos, procurem uns filmes bons pra gente ver enquanto isso.
Shawn POV
- E então, como foi a noite? – indagou Nash, abrindo espaço para que eu sentasse ao seu lado no sofá, ao passo que Cams ocupava completamente o outro sofá.
- Boa. – respondi. Era possível ouvir os risos e vozes de Claire e Ally vindos da cozinha. – Ela me perdoou.
- Não esperava nada diferente. – Cameron e Nash falaram ao mesmo tempo.
Eu franzi o cenho: - Mas vocês não tinham dito que minhas chances de perdão a longo prazo eram só 15%?
Nash sorriu: - Não era sério. 15% tava mais pro perdão logo de cara. Sabe, aquela hora que você foi falar com ela antes de ela desmaiar?
- Então, qual vocês achavam que era minha chance de perdão a longo prazo? – indaguei.
- 90%. – responderam juntos outra vez. Franzir o cenho dessa vez não bastou; eu fiquei boquiaberto. – A Claire é louca por você, Shawn. Bastava você chegar com as suas palavras bonitas pra ela te perdoar. – ironizou Nash.
- Nash. – o chamei. Seu olhar encontrou o meu. – Você sabe que não é bem assim. Você sabe que, quando eu menti ontem de manhã, ela terminou comigo e disse pra eu nunca mais tocar nela outra vez. – e eu apenas mentira porque não me lembrava de ter beijado Morgan, mas mentir não era minha intenção. Se fosse, não teria dado certo, considerando que eu não sabia mentir. Mas disso Nash já sabia. – Tudo o que eu disse pra sua irmã de noite era verdade, e ela me perdoou porque sabia que era. Se apenas palavras bonitas bastassem, Claire teria me perdoado de manhã.
- Okay, que seja. – disse ele. – O fato é que nós já esperávamos que ela fosse te perdoar.
- Certo... – analisei um pouco os dois. Cameron parecia estar pensando em coisas aleatórias e não muito importantes, ao passo que Nash parecia refletir muito sobre algo específico, talvez Claire. – Vocês já esperavam... Mas vocês queriam isso?
- Sim. – afirmou Nash.
- Claro. – ecoou Cams.
- Mesmo depois do que eu fiz? – questionei.
- Você vacilou feio, é verdade. – Cams falou. – Mas só você e a Claire sabem pelo que vocês dois já passaram. Se alguém tiver que julgar você, esse alguém é ela, não eu. Fora isso, estou feliz que agora posso ficar com os meus três melhores amigos no mesmo cômodo sem que um deles tente cometer homicídio doloso e os outros dois fiquem chorando.
- Concordo com o Cams. – disse Nash, e em seguida acrescentou: – Pra mim só o que importa é que vocês dois estejam felizes e minha irmã não vá pra Austrália. Ah, e que você pare de magoá-la, é claro. Mas creio que você não vá mais fazer isso. Afinal, você é o Shawn.
- Eu realmente não vou mais. – lhe garanti. – Mas o que você quer dizer com “Afinal, você é o Shawn”?
- Afinal, você é o garoto que ama a Claire mais do que o Cameron ama dormir. – nós dois olhamos para o bicho-preguiça no sofá. Eu sorri. – Aliás, como vão você e a Sa?
- Bem. – foi a vez de Cameron sorrir, lembrando-se da garota. – A gente precisa voltar logo pra Miami pra eu pedir ela em namoro.
- Medo de perder ela pra um dos surfistas bronzeados de tanquinho? – Nash implicou com Cams.
- Não. – negou. – Medo de perder ela pra maravilhosa vida de solteiro em Miami.
- Creio que vida de solteiro seja maravilhosa em qualquer lugar. – constatou Nash.
Nós consideramos aquela frase por alguns segundos. Enquanto Nash e Cameron pensavam nas garotas por quem eram apaixonados, eu pensei no sorriso de Claire quando estava comigo, no olhar que ela só tinha quando olhava para mim... E o modo como meu coração batia mais rápido em tais situações... Todos os beijos e todos os abraços... Todas as noites com ela que eram muito melhores do que as noites sozinho...
Por fim, nós três completamos em uníssono: - Até certo ponto.
- Até certo ponto o quê? – quis saber Aaliyah, voltando da cozinha. Pude ouvir uma cantoria vinda do mesmo lugar. Claire havia começado a cozinhar.
- Vida de solteiro é boa até certo ponto. – esclareci. Estendi a mão para ela e a puxei para que sentasse com a gente, logo em seguida mudando de assunto: – Você é a melhor do mundo, sabia? Seu plano deu certo.
Ally sorriu: - Que bom que eu ajudei.
- Músicas sempre te salvando, né, cara? – comentou Cameron.
- Pois é... – se não fosse por aquela noite em que eu tocara The Scientist para Claire em Nova Iorque, provavelmente não haveria Shaire hoje.
- Falando nisso, vocês já escolheram os filmes que nós vamos ver? – indagou Aaliyah.
- Qual a relação de uma coisa com a outra? – questionei, estranhando o seu “falando nisso”.
- Filmes têm trilha sonora, ué. – ela deu de ombros.
Nós rimos e fomos procurar um filme.
Claire POV
- Meu Deeeeeeus, esse menino é muito sedução! Será que tem fanfic com ele? – Ally estendeu a mão para pegar seu celular na mesinha de centro e procurar. Eu ri. Os meninos não.
Após uma tarde inteira assistindo a filmes escolhidos por eles – tais como Gigantes de Aço e Velozes e Furiosos – nós duas insistimos muito para ver A Hospedeira e no fim eles cederam, sendo que agora Ally havia desenvolvido uma paixão platônica por Max Irons, um dos atores principais.
- Deve ter. – disse eu. – Procura com o Jake Abel também. – pedi. Ele também atuava no filme e era outro sedução.
- Não sei o que vocês duas veem demais neles... – falou Nash.
- Beleza fora do normal, talvez? – rebateu Aaliyah. – Gostosisse excessiva, quem sabe? – mais uma vez, eu ri e eles não.
- Acho que essa palavra não existe... Mas tudo bem.– comentei, começando a afastar os braços de Shawn que estavam ao redor de mim. Meu namorado me olhou com confusão evidente. – Vou até a cozinha pegar água. Já volto. – esclareci e me levantei do sofá, indo para onde disse que iria.
Já havia anoitecido e a única claridade presente no ambiente eram rastros do brilho prateado da lua que entravam pelas largas janelas. Acendi a luz e me dirigi aos armários, pegando um dos copos transparentes e o enchendo de água. Já estava no último gole quando a porta dos fundos, que dava na cozinha, foi aberta, e duas pessoas passaram por ela. Contudo, eu me encontrava tão absorta em meus pensamentos que nem percebi.
- Chegamos! – anunciou Karen, fazendo-me pular de susto. Assim que seu olhar me encontrou, minha sogra abriu um sorriso enorme. – Você veio mesmo!
- Claro que vim. – retribuí seu sorriso, puxando meu casaco para cobrir a parte da minha blusa na qual eu acidentalmente derramara água em razão do susto. Céus, eu era muito desastrada.
- Ah, querida, é tão bom te ver aqui. – ela soltou a mão do marido, que também sorria, e caminhou em direção a mim. Suas mãos pousaram em meus ombros um pouco antes de me perguntar em tom baixo: - Está tudo bem? Eu fiquei sabendo que você foi pro hospital ontem.
- Sim, eu fui. Mas não se preocupe, estou bem melhor agora. – lhe garanti. Eu adorava o fato de ela se preocupar comigo como se eu fosse sua filha, porém não gostava do fato de ela se preocupar.
- Você desmaiou, não é? Como foi que isso aconteceu? – sua apreensão de mãe continuava ali.
- Bem, eu... Eu e o Shawn estávamos discutindo... E falando alto... Eu comecei a ficar com dor de cabeça...
- Vocês dois estavam brigados, não estavam? – questionou. Eu fiz que sim com a cabeça.
- Estávamos. Mas agora já está tudo bem. – afirmei.
Karen sorriu outra vez e, em seguida, me puxou para um abraço: - Que bom que vocês se resolveram. Fico feliz por isso. Pensava que não ia mais te ver...
- Eu também...
Nós continuamos a conversar por mais alguns minutos. O pai de Shawn se juntou a nós, depois o próprio Shawn, Nash, Cams e Ally. Permanecemos ali até que os primeiros indícios de fome começaram a surgir. Karen permitiu que eu a ajudasse com o jantar, e assim eu o fiz. A noite foi passando até chegar a um ponto no qual tudo que eu era capaz de fazer era bocejar. A partir dele, eu não me lembrava de muita coisa. Apenas de uma luz fraca e algumas vozes provenientes da televisão, um ou outro corpo adormecido no sofá e pedaços de conversas.
- Shawn? – alguém chamou meu namorado.
- Hm? – ele respondeu claramente sonolento.
- Leva a Claire pro seu quarto, ela está dormindo toda torta tadinha.
- Ok, já vou. – Shawn se remexeu ao meu lado e me sacudiu de leve. – Vida... Vida, acorda... – soltei um grunhido de irritação por ele querer que eu me movesse. – Claire, vida... – com certa dificuldade, abri os olhos e ergui o olhar até que encontrasse o seu. – Vem, vamos pro quarto.
Shawn POV
- Shawn, você não vem deitar? – questionou Claire largada sobre os edredons azuis da minha cama, esperando apenas que eu fosse até lá para se cobrir e cair no sono. Um sorriso se formou involuntariamente em minha face. Aquela visão era uma das melhores do universo. Depois de cinco noites dormindo sozinho, sentindo imensamente a falta de sua presença, me perguntando se algum dia voltaria a dormir com ela ao meu lado, lá estava Claire em minha cama, suas botas no piso ao lado, a voz cansada solicitando por mim... E tudo isso parecia tão certo... Eu não sentia vontade de estar em nenhum outro lugar do mundo naquele momento.
- Já estou indo. – lhe garanti, dobrando a última peça de roupa que eu usara naquela tarde, agora já substituída por pijama. Caminhei até Claire e me deitei ao seu lado. – Pronto.
Claire sorriu de olhos fechados. Ela puxou as cobertas e entrou debaixo delas.
- Sua cama é tão boa... – falou.
- Que bom que você gostou. – afastei uma mecha de seu cabelo castanho que caía sobre o seu rosto. – Porque você ainda vai passar muitas manhãs, tardes e noites nela.
Claire sorriu outra vez: - Aguardando ansiosamente por um convite para passar a tarde toda vendo séries aqui.
- Vou convidar, pode deixar. – afirmei. – Boa noite pra você, doce garota. – me inclinei para fazer sinal de cruz e depositar um beijo em sua testa. Acolhi Claire em meus braços e logo nós dois já estávamos sonhando.
No sonho, eu também me encontrava deitado. Ainda não tinha despertado completamente e não sabia dizer onde eu poderia estar. Tudo o que sabia era que não estava sozinho. Uma bela voz cantava ao fundo.
You're magical, lyrical, beautiful
You are
And I want you to know, baby
Meus olhos finalmente se abriram. Estava em um aposento desconhecido e bem iluminado. Fui sentando na cama aos poucos, entendendo que se tratava de um quarto de hospital e que quem me fazia companhia era Claire. Mas é claro, de quem mais poderia ser aquela voz tão linda? A garota dos cabelos castanhos e olhos azuis observava a chuva que caía através da única janela existente no cômodo e cantarolava.
I, I love you like a love song, baby
I, I love you like a love song, baby
I, I love you like a love song, baby
And I keep hittin re-pe-pe-peat
Sorri com a cena e me arrastei um pouco mais para frente, para a beira da cama, no intuito de ouvi-la melhor. Claire percebeu a movimentação e a seguiu com os olhos. Ela ficou boquiaberta quando eles me encontraram.
- Shawn? – questionou com a expressão perplexa.
- É... Acho que sim. – eu não conseguia me ver, de modo que não sabia se estava diferente ao ponto de lhe causar espanto. Pelo menos minha voz continuava a mesma de sempre.
- Ai, meu Deus, eu não acredito nisso! Não, não pode ser... Shawn, você acordou! – Claire correu para o meu lado.
- O que aconteceu comigo? – perguntei confuso. – Por que eu tô no hospital?
- Você estava em coma. – me informou.
- Coma? – franzi o cenho. Como assim, produção? Que história era aquela?
- Sim, mas isso não importa mais. Vamos, eu não aguento mais ficar nesse quarto deprimente! – estendeu a mão para mim e me ajudou a levantar.
Quando já estávamos do lado de fora do hospital, caminhando pelas calçadas molhadas em razão da chuva recente, ela me perguntou: - E então, como você se sente?
- Normal, eu acho. – respondi.
- Você se lembra de mim? – seus olhos azuis brilharam em esperança.
- Claro. Claire, não é?
- Sim! – ela se animou pelo fato de a minha memória estar boa. – E do seu melhor amigo?
- Hmm... – precisei me esforçar um pouco mais para recordar, pois algo me dizia que eu tinha mais de um melhor amigo. – Cams? Nash?
- Sim! – se alegrou outra vez. – E a sua noiva?
- Minha noiva? – estranhei. Claire fez que sim. – Ahn... É você, não é?
Claire soltou uma risadinha: - Não, não sou eu.
- Então quem é? – eu estava absurdamente confuso. Não conseguia me lembrar de nenhuma outra garota no mundo senão Claire.
- A Morgan.
- Morgan? – fiz uma careta, finalmente recordando-me de outra garota.
- É, a Morgan. Não se lembra dela? – supôs preocupada.
- Sim, eu lembro, mas... Lembro que você era minha namorada. – e minha vida e minha amada, acrescentei mentalmente.
- Sim, eu era... Mas aí aconteceram umas coisas... Depois nós viramos melhores amigos e fomos estudar em Harvard. – ela explicou. – Também não lembra disso?
- Estudamos em Harvard? – ergui as sobrancelhas. Não duvidava da capacidade de Claire, mas desde quando eu tinha intelecto desenvolvido ao nível de Harvard?
- Sim, depois criamos um aplicativo e ficamos ricos!
- Ricos? – Jesus, aquilo estava estranho demais.
- É! Shawn, você vai ficar repetindo tudo o que eu disser? – Claire riu.
- Ahn, tá certo, me desculpa... – tentei pensar em outro assunto, mas foi difícil já que não me lembrava de quase nada da minha vida. – Pra onde nós estamos indo? – indaguei por fim.
- Pra sua casa.
(...)
- Morgan, desce aqui! – Claire chamou após abrir a porta da enorme cobertura.
- Não dá agora, estou me arrumando pra ir ver o Shawn! – Morgan gritou do andar de cima.
- Não precisa mais se arrumar, só vem logo!
- Tudo bem... – Morgan apareceu, descendo as escadas. Sua expressão ao me ver, é claro, foi de pura surpresa. – Ai meu Deus, amor! – começou a descer os degraus de dois em dois e atravessou a sala voando, em seguida se atirando em meus braços.
- Hey. – foi o que brilhantemente eu respondi. Por cima do ombro de Morgan, olhei para Claire com uma cara de “Isso tá certo mesmo?”, porém tudo o que Claire fez foi abaixar a cabeça e fitar o piso de madeira do apartamento.
- Meu Deus, não acredito... – sussurrou Morgan com os olhos marejados.
- Ei, não chore... – me afastei um pouco para poder secar suas lágrimas. Era isso que se fazia quando sua noiva chorava, não era? Eu esperava que sim.
Sem aviso prévio, Morgan ficou na ponta dos pés e selou nossos lábios. Eu não havia fechado meus olhos, de modo que pude ver íris azuis brilhando com o choro preso de relance. Uma lágrima escapou e Claire rapidamente a secou, retirando-se da sala de estar.
Um aperto no coração foi a primeira coisa que senti ao acordar. Também senti que aquele erro ainda iria me perseguir por um bom tempo. Em meio a várias sensações ruins, afastei o corpo adormecido de Claire com cuidado para não acordá-la e me levantei da cama. Alcancei a porta do quarto e a abri, seguindo para o corredor pouco iluminado e silencioso que dava acesso às escadas. Desci ao primeiro andar da casa, esperando encontrá-lo com níveis semelhantes de escuridão e quietude, porém havia algumas luzes acesas para ajudar meu pai em sua leitura. Joguei-me pesadamente no espaço ao seu lado no sofá. Ele ergueu os olhos do livro até mim.
- Shawn, está tudo bem? – me perguntou. Fiz que não com a cabeça. – O que aconteceu? Você e a Claire brigaram de novo?
Neguei outra vez: - Eu tive um pesadelo.
- Sobre...?
Dispensei explicações sobre aquele péssimo sonho e fui direto ao ponto: - Pai, eu tenho tanto, tanto medo de perder a Claire... Eu não sei mais o que seria de mim sem ela. E não sei o que fazer pra que isso não aconteça. Pai, o que eu faço?
Seus anos de experiência responderam prontamente: - Sempre a trate como se ainda estivesse tentando conquistá-la, e assim nunca irá perdê-la.
Pensei um pouco sobre o que ele disse, e acabei me lembrando da maneira como tinha agido com Claire na noite passada, o modo como eu estava tentando fazer tudo certo. Então, era exatamente daquele jeito que eu trataria Claire dali em diante.
Eu iria respeitar a ela e às vontades dela sempre, mesmo que isso pudesse não ir de acordo com as coisas que eu desejava. E também iria fazer minha palavra valer, cumprir tudo o que eu lhe prometesse, pois era o mínimo que Claire merecia e porque eu precisava merecer a confiança que ela depositava em mim. Eu iria ficar ao seu lado em seus momentos difíceis e iria tentar ao máximo mostrar como eu a amava em cada uma das minhas ações. Eu seria leal e fiel. Eu estaria ali com ela e só iria embora quando a mesma mandasse. Eu respeitaria seu tempo, suas limitações e seus sentimentos, e me esforçaria para fazer com que ela se sentisse feliz e amada por todo o tempo que passasse ao meu lado.
Eu sorri.
- Obrigado, pai. Acho que agora sei exatamente o que fazer. – era impossível esconder minha alegria.
- Você gosta mesmo dessa garota, não? – ele questionou.
- Eu amo a Claire, pai... Demais. Eu nunca amei ninguém assim antes... – eu ainda podia ouvir as palavras de minha mãe, meses antes, dizendo que Claire talvez pudesse ser a mulher da minha vida. – Pai, a mamãe foi a primeira mulher que você amou?
Meu papai sorriu: - Foi.
Senti uma chama de esperança se ascender dentro de mim: - Então, eu ainda posso casar com a Claire? E ter dois filhos? – uma cena passou em um flash pela minha cabeça: eu perguntando se Peter havia feito a lição de casa enquanto Claire arrumava o cabelo de Katherine. Ou Grace, pensei. Você precisa levar em consideração as vontades da Claire, Shawn...
- Sim, é possível, filho. – ele concordou.
- Mas no meu caso eu queria que a primeira criança fosse menina. Não sei por que, mas eu sempre quis ter uma menina. – comentei.
Meu pai riu: - Okay, Shawn, mas não vamos pensar nisso agora, né? Vocês ainda são muito novos.
- É, acho que você tá certo... Melhor esperar até os 20? – questionei, lembrando-me da regra-não-oficial de Giulia em Miami.
Ele fez que sim: - Melhorar esperar até os 20.
Fiquei mais um tempo conversando com meu pai, até que o sono começou a ser mais forte do que eu. Despedi-me dele e retornei ao meu quarto. Claire ainda dormia calmamente. Eu me perguntava como ela podia ser tão linda mesmo dormindo. Como sempre, a própria Bela Adormecida. Voltei para o meu lugar ao seu lado, entrando debaixo dos edredons azuis. Mesmo que ela não fosse se lembrar de nada no dia seguinte, inclinei-me e depositei um beijo no topo de sua cabeça.
- Boa noite, minha princesa.
(...)
- A gente só vai passar em casa pra pegar o presente dela e trocar de roupa. – Claire explicou à minha mãe na manhã seguinte. – Voltamos antes de ela acordar.
- Certo. Aproveita e já traz algumas roupas pra deixar aqui. – sugeriu mamãe, desfazendo a mesa do café da manhã, já que todos já tínhamos comido e o de Aaliyah seria servido em seu quarto. – Assim você sempre vai ter quando ficar pra dormir. – ela completou. Eu sorri. Jamais a imaginei dizendo algo do tipo para alguma namorada minha; ela não era nada fã de deixar Morgan dormir em casa e eu acabei pensando que isso fosse se aplicar para todas as namoradas seguintes. Por sorte, mamãe parecia ter um carinho fora do normal por Claire.
Claire também sorriu: - Tudo bem, vou separar algumas. E me desculpa mais uma vez se eu incomodei vocês.
- Sua presença jamais será um incomodo, Claire. – afirmou meu pai, tomando um gole de sua xícara de café.
- Isso mesmo, e o meu pai fala por todos. – acrescentei e, em seguida, estendi a mão para Claire. – Vamos?
- Vamos. – ela assentiu e nós fomos juntos em direção à porta de casa.
- Caramba, que lerdeza! – reclamou Nash quando entramos no carro. – Desse jeito a pequena Ally vai acordar e nós não vamos nem ter chegado em casa ainda.
- Desculpa. – Claire e eu rimos da irritação matinal dele.
Ninguém falou muita coisa durante o caminho até a residência dos Griers; Nash tinha colocado numa radio muito boa e nós ficamos quietos para apreciar as canções de qualidade. Em algum momento, a música mudou e a melodia de Here Comes The Sun começou a preencher o carro.
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It's all right
Nash e Cams já haviam reconhecido a canção e começado a cantar.
Little darling
It's been a long cold lonely winter
Little darling
It feels like years since it's been here
Meu olhar encontrou o de Claire, que estava logo ao meu lado. Aquela música se encaixava tão bem no nosso momento atual... Depois daquela sombria semana repleta de sofrimento e preocupação, parecia que finalmente a luz estava voltando às nossas vidas.
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It's all right
Little darling
The smiles returning to the faces
Little darling
It seems like years since it's been here
Senti as pontas dos dedos de Claire passeando pelas costas da minha mão. Voltei a palma para cima e entrelacei meus dedos aos seus. Nossos olhares se encontraram outra vez, porém agora por um breve momento. Claire repousou a cabeça no meu ombro e eu a abracei de lado.
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It's all right
Cameron se virou para trás para ver porque não estávamos cantando. Afinal, Claire tinha uma voz de anjo e eu também não era nada mal. Após rir um pouco da expressão com cenho franzido dele, nós nos juntamos à cantoria.
Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes
Sun, sun, sun, here it comes
Little darling
I feel that ice is slowly melting
Little darling
It seems like years since it's been clear
Here comes the sun
Here comes the sun
And I say
It's all right
Here comes the sun
Here comes the sun
It's all right
It's all right
Após mais alguns minutos de música e cantoria, Nash finalmente parou o carro em frente à casa onde eu conhecera Claire, quase três meses antes. Nós descemos do veículo e seguimos em direção à entrada. Nash e Cameron correram para a escada, fazendo barulho e acionando o instinto de mãe de Elizabeth.
- Claire, posso falar com você? – chamou da cozinha. Eu estava olhando para os dois garotos que competiam para ver quem chegava primeiro ao quarto, de modo que só percebi sua presença e me voltei em sua direção quando ela falou. Ao pronunciar o nome da filha, seu olhar se fixava em nossas mãos entrelaçadas. Já ao fim da pergunta, ele já havia se erguido até o rosto de Claire.
Se eu tivesse que adivinhar, diria que Elizabeth não esperava me ver ali. Minha namorada olhou para mim. Ela mordia o lábio inferior, como costumava fazer quando nervosa, e havia certo medo dentro de suas íris cor do céu. Apertei um pouco mais forte sua mão antes de soltá-la. Estava claro que Elizabeth queria conversar a sós com a filha, provavelmente sobre mim e o fato de nós dois termos voltado. Claire seguiu hesitante até a cozinha, com passos lentos. Ela parou em frente à porta, de modo que eu ainda podia vê-la enquanto conversava.
O tempo foi se passando até chegar a um ponto em que eu não aguentava mais permanecer ali parado apenas observando enquanto Claire ouvia a mãe; a expressão cheia de nervosismo, medo e culpa, como se tivesse feito algo de errado. Mas a única pessoa que fizera algo de errado ali era eu. Por que minha namorada estava suportando a pressão que deveria cair sobre mim? Tomando minha decisão, caminhei até lá.
A conversa se interrompeu no mesmo instante. A postura de Elizabeth era séria e a de Claire era demasiadamente frágil. Eu não sabia o que havia sido dito ali, porém notei que os olhos de Claire brilhavam e que ela se segurava para não chorar. Coloquei uma mão em seu ombro, afagando a região com o polegar, e disse baixo em seu ouvido: - Vida, tudo bem se eu falar sozinho com a sua mãe um minutinho?
Seu olhar azul molhado encontrou o meu por um momento, repleto de dúvida. Contudo, eu sustentei tal olhar com firmeza, fazendo-a por fim concordar. Claire saiu do cômodo, deixando-me a sós com sua mãe. Eu respirei fundo.
- Eu sei que você não esperava me ver aqui depois de tudo o que aconteceu nessa última semana. – comecei. – Você provavelmente deve estar me odiando agora... – lembrei-me do choro incontrolável de Claire após o pesadelo, da maneira como Nash a reconfortou e do momento em que ela pediu para que ele a levasse até o quarto da mãe. Aquele tipo de cena provavelmente não fora incomum para Elizabeth durante a última semana. – Mas eu nunca quis machucar a Claire de forma alguma. Eu a amo. E vou entender e respeitar se você não quiser mais que eu volte aqui, mas eu e ela vamos continuar juntos independente disso.
Por um momento, Elizabeth não fez nada além de me fitar com dúvida. Não pude deixar de perceber como seu olhar era extremamente parecido com o de Claire, apesar da diferença em relação à coloração das íris das duas. Por fim, ela disse: - Eu acredito que a Claire já seja bem grandinha pra fazer as próprias escolhas e decidir o que é melhor pra si mesma. Não vou fazer nada pra tentar separar vocês, não vou te proibir de vir aqui em casa. Mas minha tolerância se esgota em certo ponto. O que aconteceu nessa semana não pode mais se repetir. Se magoá-la desse jeito outra vez, você não pisa mais aqui. Nem como namorado da minha filha, nem como amigo da família. Você entendeu?
- E-entendi. – eu pretendia continuar soando firme, no entanto, foi impossível.
Elizabeth não era exatamente o tipo de mãe severa. Jamais usara esse tom nem nada parecido com algum dos filhos – apenas chamava a atenção deles uma vez ou outra em tom leve – e obviamente também jamais o usara comigo. Apesar disso, ela sabia usá-lo muito bem. Ele não era alto; pelo contrário, era assustadoramente calmo. E, mesmo assim, impunha o reconhecimento e o respeito da sua autoridade e conseguia provocar temor em qualquer ser humano. E eu não pude deixar de me perguntar: será que fora aquele o tom usado com Claire?
Senti meu coração doer de um jeito horrível. Eu era o único que merecia ouvir palavras duras; ninguém mais além de mim. Entretanto, mesmo tendo conhecimento desse fato, foi um alívio para mim quando Elizabeth expirou e abandonou um pouco a postura rigorosa.
- Olha, eu normalmente não agiria assim com você. Eu te conheço desde antes de vocês dois namorarem e sei que você é um bom garoto. Mas a verdade é que a Claire mora comigo porque não tem opção. Eu sei que, se as coisas tivessem tomado um rumo diferente, ela teria ficado ao lado do pai pra sempre. Ou seja, quem lidaria com os namorados dela seria ele. Estou sendo dura com você porque é o que ele teria feito, porque é o que ele teria julgado melhor pra filha dele. E não podemos esquecer que a Claire só é quem ela é hoje porque foi criada do jeito que ele achava melhor pra ela. – havia uma espécie de admiração contida por trás de sua fala quando mencionava meu falecido sogro, mas não como a que eu tinha por Claire ou que esta tinha por mim, não era no sentido amoroso; eu não sabia definir exatamente que tipo de admiração era, apenas sabia que estava ali.
- Eu entendo. De verdade. E o que aconteceu não vai mais se repetir. Eu prometo. – e eu iria cumprir com o que estava dizendo. Nunca mais beijaria outra garota enquanto estivesse comprometido com Claire. Não esperava pelo beijo da Morgan na noite no Canadá, estava com a guarda muito baixa, mas não cometeria o mesmo erro novamente.
- Que bom. Espero que cumpra essa promessa e todas as outras que fizer pra minha filha. – eu assenti. Afinal, era isso ou Claire terminaria comigo definitivamente. – Bem, agora acho que ela iria gostar que você fosse lá em cima e dissesse que está tudo bem.
- Sim, você tem razão. – eu sentia um impulso de ir logo ver Claire, porém também sentia que faltava alguma coisa. – Me desculpa por todos os problemas e preocupações que eu causei nos últimos dias. Sei que cuidar da Claire não é uma tarefa das mais fáceis, mas, agora que ela me perdoou, vou ajudar e fazer tudo o que eu puder pra que ela fique bem.
Pela primeira vez naquele dia, Elizabeth sorriu – e essa foi sua única resposta. Depois disso, eu deixei a cozinha e segui para o quarto onde minha namorada se encontrava. Logo ao abrir a porta, notei que ela ainda estava com a mesma roupa e falava ao telefone.
- Cara, não acredito... Que mancada, isso não é coisa que se faça, jovem... – ela ouviu uma resposta do outro lado da linha. – Não, não desculpo... Ok, também te amo... Tchau. – Claire encerrou a chamada.
- Quem era? – questionei, indo até o espaço ao seu lado em sua cama.
- A Tainá me trollando pra um vídeo no canal dela. Desculpa por não ter me trocado ainda, é que ela começou a falar que tava grávida e umas merdas assim...
- Tudo bem... – respondi, e minha frase ficou com aquele final parecendo inacabado, pois meus pensamentos voaram para bem longe. Tainá. O que a garota me dissera no Brasil com um olhar verde sério ainda estava fresco em minha memória. Se fizer minha amiga sofrer de novo, melhor se afastar de uma vez.
Meu Deus, como eu podia ter esquecido? Tainá, Giulia, Sarah e Daniel eram extremamente protetores em relação à Claire, e eu garantira a todos eles que cuidaria bem dela. Seria quase impossível conseguir o perdão dos quatro. E se eles deixassem de apoiar Claire e eu? Eu sabia que a opinião deles contava muito para ela, mas será que contava ao ponto de levá-la a terminar comigo?
- Vida, tá tudo bem? – Claire se aproximou de mim, pousando uma de suas mãos em uma das minhas.
- Claire... – meu olhar estava fixo nas nossas mãos. – A China sabe sobre... Sobre... – eu procurava por um termo que não trouxesse consigo um peso tão ruim, como “traição”. – A pizzaria?
- Não. – negou. – Nem ela, nem a Giu, nem a Sa e nem o Danny. Os únicos que sabem são o Cams, o Nash e a Ally.
- Meu Deus, eles vão querer me matar quando souberem. – eu já conseguia imaginar o jeito que olhariam para mim, como o monstro que partira o coração da garotinha deles.
- Por que eles precisariam saber? – questionou Claire.
- Porque... Bem, porque eles são seus melhores amigos... E eles sabem de tudo que acontece com você...
- Shawn... – a postura dela era tensa e seus olhos continuavam um pouco molhados. – Você sabe que, na próxima vez que nós virmos os meninos, eles vão querer saber o que aconteceu com a gente... E podem até achar que estamos um pouco diferentes de antes e fazer perguntas... Mas eu prefiro... Eu prefiro que ninguém saiba sobre o que aconteceu. Tudo bem se isso ficar só entre a gente? – encarou-me com olhos excessivamente brilhantes.
- Tudo bem... Mas por que isso? – indaguei.
- É só... É só que... – notei quando Claire piscou com força e respirou profundamente. – Eles se importam muito comigo... E vão me dizer coisas... Coisas que eu não quero ouvir...
Eu não estava entendendo muito bem: - Como, por exemplo...?
- Como, por exemplo, “Você tem certeza de que quer continuar com o Shawn? Ele pode acabar te magoando outra vez” e “Você sabe que, se ele já te traiu duas vezes, nada impede de trair mais uma, não sabe?”. – em um momento de compreensão instantânea, percebi que a conversa dela e de sua mãe alguns minutos antes tinha sido mais ou menos por aí. Enquanto Claire dava os exemplos, sua voz falhava e o brilho em seus olhos só aumentava. No entanto, ela estava fazendo tudo possível para manter o controle: as piscadas com força, as inspirações profundas, as mãos cerradas em punhos, as mordidas no lábio inferior.
- Claire, por que você tá fazendo isso? – questionei. Estávamos apenas nós dois ali; por que se conter?
- Isso o quê?
- Prendendo o choro.
- Porque eu queria que tivesse acabado! – ela levantou da cama, desfazendo-se do contato físico que mantínhamos. Parou a alguns passos de distância, de costas para mim, as lágrimas finalmente se libertando do confinamento.
- O que você queria que tivesse acabado? – tentei manter o tom leve enquanto levantava e me aproximava lentamente dela.
- Tudo isso... O sofrimento, a preocupação... Eu só queria esquecer o que aconteceu... Não quero chorar por uma coisa que quero esquecer... Mas as pessoas ficam me lembrando... – sua fala se interrompia aqui e ali em razão do choro.
- Vida, olha pra mim. – a virei de frente, envolvendo sua cintura. Suas mãos pousaram em meu peitoral e em meu ombro, enquanto seus olhos azuis pousaram nos meus. Eles estavam mais claros do que o habitual. O sofrimento em sua forma líquida caía deles, em uma tentativa de botar para fora o peso presente no coração de Claire. – Não precisa se preocupar. Ninguém mais vai saber sobre o que aconteceu. Isso é entre você e eu. Está bem? – Claire assentiu e baixou o olhar, levando a cabeça até um dos meus ombros. Eu acariciei seus cabelos e continuei a falar de modo suave em seu ouvido até que estivesse mais calma: - Não precisa mais se preocupar... Não precisa mais...
Após algum tempo, sua respiração já tinha se regularizado. Juntando coragem, falei: - Vida, posso te fazer uma pergunta?
- Acabou de fazer, mas pode fazer outra. – disse Claire.
- Por que a família ficou dividida assim quando os seus pais se separaram? – expressei em voz alta aquela dúvida que tinha havia tempo. – Quero dizer, você foi pra um país cuja língua nem sabia e que era super longe... E o Nash ficou aqui... E até onde eu sei vocês eram muito próximos...
Senti o corpo de Claire, que já tinha relaxado, retomar toda a tensão: - A gente precisa mesmo falar disso agora?
- Não. Não se você não quiser. É só que eu perguntei pro Nash uma vez e ele ficou meio estranho... E aí ele respondeu mas parecia que tinha mais coisa, sabe? Então eu pensei que talvez com você fosse diferente, que você não visse problema em falar sobre isso. Mas eu entendo se você não quiser.
- O que o Nash disse? – Claire quis saber.
- Ele disse que seu pai ficou com você porque não queria que você crescesse e ficasse igual a sua mãe. – respondi, tomando cuidado com o meu tom pois sabia que o assunto era delicado. – E que a sua mãe ficou com ele e com o Will porque não queria que eles ficassem iguais ao seu pai.
Por um momento, Claire ficou em silêncio.
- O que ele disse é verdade, mas é só parte da verdade. – afirmou por fim. – É só que é muito difícil pra ele falar sobre isso... E pra mim, pra mamãe e pro Will também. Nós não gostamos de lembrar, e ainda menos de expressar nossos pensamentos em voz alta. Mas, se você quiser mesmo saber, eu te conto. Só... Tudo bem se for outro dia? Depois que as coisas voltarem ao normal...
- Claro. E desculpa por perguntar assim. É só que eu sempre estranhei isso... E, agora que estava falando com a sua mãe, me lembrei de te perguntar.
- Tudo bem. – disse Claire, mas sua voz era um tanto quanto triste. – Falando nisso, como foi com ela?
- Está tudo certo. Nós meio que chegamos a um acordo. – informei. – Como eu disse, não precisa se preocupar.
- Entendi... – foi sua resposta. Apesar de já ter colocado o que sentia para fora e já estar mais calma, ainda havia leve traços de tristeza em sua expressão. Talvez pelos avisos de que eu pudesse voltar a machucá-la, talvez por ter lembrado de quando seus pais se separaram, ou talvez por ambos os motivos.
Então, senti-me no dever de encontrar uma maneira de fazê-la se sentir melhor. Com o som de suas risadas e as imagens de seus sorrisos radiantes do dia anterior na cabeça, tentei lembrar por que mesmo Claire estivera tão alegre. A resposta era tão óbvia que eu não sabia por que não tinha pensado nisso antes – Claire antes estava mais focada no fato de que eu a amava do que em qualquer outro.
- Vida? – a chamei.
- Oi? – sua cabeça ainda repousava no meu ombro, e o movimento de seus lábios contra a pele do meu pescoço me provocou cócegas. Por esse motivo, eu estava sorrindo ao pronunciar a frase seguinte.
- Eu amo você. Muito. – o toque de seus lábios no meu pescoço desapareceu. Claire sorrira.
- Verdade, tem isso também, né? – o desânimo já tinha abandonado sua voz e estava bem longe.
- Sim. – confirmei. – Você tinha esquecido, não tinha?
- Tinha. – ela admitiu. – Mas só por um momentinho... Bem pequeno mesmo; um espaço de tempo realmente curto.
Eu ri: - Não tem problema. Mas não esquece mais disso, ok? Sempre que se sentir triste, lembra que eu te amo muito. Isso vai fazer você se sentir melhor. Quando qualquer coisa ruim estiver acontecendo, pensa no que nós sentimos um pelo outro, e o quão forte é.
- Como aço. – Claire pensou em voz alta.
- Exato. Como aço. – eu concordei. – Mesmo sob forte impacto, o aço deforma, mas não se rompe.
- E, agora que eu sei que você me ama, isso é o nosso zinco. – ela ainda não tinha deixado de sorrir.
- Zinco?
- É. Ele protege o aço da corrosão.
Eu também sorri: - Olha essa Grier manjando das ciências. – consegui arrancar uma risadinha dela. – Eu ia dizer que é o nosso sol, mas zinco é uma boa também.
Claire se afastou um pouco para poder me olhar nos olhos e, quando o fez, eles eram carregados de carinho e afeto: - Eu preciso me trocar agora pra gente ir pro aniversário da Ally... Mas antes eu queria fazer uma coisa.
- Prossiga. – a incentivei.
Claire se aproximou de mim e selou seus lábios com os meus. Seu beijo continuava sendo calmo e bom num nível fora do normal, como sempre, mas daquela vez havia algo diferente nele. Parecia que todo o carinho e afeto antes contidos no olhar que ela direcionara a mim agora estavam no beijo, e parecia também que Claire queria me dizer alguma coisa com ele. Assim como o beijo que eu lhe dera na nossa última noite em Miami, percebi.
Eu só queria tanto que ela dissesse em voz alta...
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