Por Katniss
Quando volto ao escritório na segunda-feira, vou direto ao setor de Recursos Humanos, onde passo a manhã preenchendo formulários, tirando fotos para a identificação, criando senhas e recebendo orientações.
A reputação impiedosa do Dr. Mellark o precede. Em todo lugar, testemunho relatos de que ele mantém todos sob sua mira e de que sempre estabelece metas inalcançáveis.
Eu me sinto preparada para encarar a supervisão de qualquer superior rigoroso, mas não sei se estou tão tranquila com o fato de Peeta ser o tal chefe.
Após finalizar todos os procedimentos no RH, mal me acomodo na sala que divido com Annie e Johanna, Finnick dá leves batidas na porta aberta.
— Reunião em quinze minutos – avisa ele.
— Vejo vocês daqui a pouco, então – digo.
— Não. Todas vocês devem comparecer – completa Finnick.
Calafrios percorrem minha espinha. Minha primeira reunião no escritório, sob outras circunstâncias, seria a oportunidade de conhecer a equipe com quem vou trabalhar. No entanto, sei que será uma sessão de tortura psicológica, por causa de Peeta.
Devo continuar patética e sem graça aos olhos dele. Foram essas as palavras que ele usou naquele dia, nas arquibancadas da escola, antes de passar correndo por elas.
Ele disse a seus amigos que a única coisa interessante em mim eram meus cadernos. E Peeta nem mesmo precisava deles, pois sempre foi tão inteligente e aplicado... Não sabia o motivo pelo qual ele os pedia emprestados.
Depois de atravessar os corredores até a sala onde acontecerá a reunião, agora sou uma das pessoas esperando o começo dela.
Tento desesperadamente parecer calma, enquanto os minutos se passam. Até esse momento, eu estava convencida de que arrumaria um jeito de entrar e sair dessa empresa sem ser notada por Peeta. Ou que algum milagre aconteceria e evitaria que ele me reconhecesse.
No entanto, agora me dou conta de que nada impedirá o que está prestes a acontecer. A menos que Peeta não apareça...
— Quem alterou o cronograma no caso do divórcio dos Latier? – Uma voz alta reverbera pelas quatro paredes e um loiro adentra a sala de reuniões.
Estou de costas para a entrada, por isso não vi o rosto da figura que passou esbravejando por ela. Todos estavam angustiados antes de aquele homem chegar, mas então parecem relaxar, depois que percebem que o tom raivoso não é direcionado a eles.
Ergo o olhar para o jovem advogado, que agora está de pé na cabeceira da mesa e o pânico sobe instantaneamente pela minha garganta. Vejo o seu perfil e... É ele.
Os cabelos agora bem curtos perderam os cachos que sempre admirei e ele está mais corpulento do que parece nas fotos de revista. Ele esquadrinha a sala à procura de um culpado e o ângulo de seu olhar está chegando em minha direção.
O sonho de trabalhar aqui vai virar um pesadelo em cinco, quatro, três, dois... Não pode ser! Seus olhos param em mim e vejo a cor de seus orbes. Verdes. Não são os olhos dele. Não é ele.
— E então? – O loiro que não é Peeta continua sua investigação.
— Foi a psicóloga, a nova integrante da equipe, Brad – informa Johanna, dando de ombros.
O nervosinho é Brad Mellark, um dos irmãos mais velhos de Peeta. Não sei se fico aliviada por não se tratar do Mellark que não quero encarar ou se fico tensa, pois o homem está esperando alguém se entregar para dar uma bronca. E esse alguém sou eu.
Apesar de muito bonito, Brad parece aterrorizante, com seu cabelo loiro estilizado em ângulos precisos e sua boca definida em uma linha sombria. Tudo nele grita: eu detesto o mundo e simplesmente odeio quem fez o relatório dos Latier.
Quando me levanto da cadeira para me apresentar, a porta atrás de mim se abre e Brad Mellark rosna entre dentes, mirando por cima do meu ombro:
— Isso só pode ter sido ideia sua, Dr. Ryan.
Enquanto me decido se continuo de pé ou não, Brad volta a olhar pra mim e sou obrigada a me denunciar:
— Sou a nova psicóloga, Dr. Mellark.
O tal Dr. Ryan ainda está atrás de mim e emite um grunhido, como uma exclamação.
— E posso saber o que andou fazendo com a agenda dos meus clientes? – Brad questiona, impaciente.
— Nossos clientes. – Faz questão de frisar o Dr. Ryan, que eu não posso ver, porque ainda está parado à porta.
— Somente acrescentei uma entrevista com os filhos dos Latier. – Eu me defendo, mas cometo o deslize de perguntar: — O senhor vê algum problema nesse contato com os filhos do casal?
— Algum problema? O treinador de um dos maiores times de basquete do país, na reta final do campeonato, vai achar maravilhoso ter que disponibilizar um dia em seu calendário de treinos e jogos pra fazer um passeio com os filhos ao nosso escritório!
— Não vejo problemas, Brad. – O Dr. Ryan finalmente caminha pela sala e, quando está em meu campo de visão, sua primeira atitude é se virar para ficar de frente pra mim.
Quando nossos olhares se cruzam, ele faz uma pausa no que pretendia falar e um temor irracional me invade. Peeta.
Vê-lo em revistas e vídeos não é o mesmo que estar diante dele ao vivo e a cores. E que cores! Esses olhos azuis me desestabilizam.
Fica claro que Peeta já me reconheceu e, por um único instante, ele demonstra estarrecimento, mas rapidamente se recupera.
E eu me pergunto o motivo de as pessoas no escritório o chamarem de Ryan. Também me recordo de que faço parte da equipe dele.
— Como você se chama? – Brad pergunta pra mim, ainda ríspido.
— Katniss Everdeen.
— Seu nome não me é estranho – comenta Brad, fitando Peeta com a expressão de quem divide uma recordação antiga. — Uma garota de Detroit com esse sobrenome ficou famosa na época do colegial por defender uma árvore... Você a conhece, por acaso?
Aquilo que estava deixando Brad tão irado se dilui por segundos, quando ele me encara de novo. Isso é sinal de que é possível que exista um coração mole por trás daquela armadura de inflexibilidade.
— Brad, foco. – Peeta aponta o relatório que o irmão tem nas mãos.
É claro que Peeta não quer que venha à tona qualquer ligação dele comigo. Ainda bem, pois também estou inclinada a manter o passado no passado mesmo.
Logo em seguida, Brad vislumbra o meio sorriso do irmão caçula. Seu rosto se endurece de novo e ele volta a abominar tudo à sua volta.
Brad ergue o relatório no ar.
— Isso é inconcebível. Você está achando que o escritório é uma creche? Daqui a pouco teremos uma sala especial, toda colorida, cheia de brinquedos e passatempos para abrigar suas consultas com crianças!
Sua censura mordaz e pública me faz saltar do furacão de sentimentos contraditórios que começou a girar em minha cabeça desde que revi Peeta. Reassumo o papel de psicóloga para o qual fui contratada.
— Os filhos são parte interessada no divórcio – declaro com confiança. — E a sugestão de reservar uma sala para ser uma brinquedoteca é realmente muito boa, Dr. Mellark.
Peeta mantém os olhos em mim. O indicador sobre os lábios não esconde sua expressão travessa ante minhas palavras repletas de ousadia. Sua cabeça faz um movimento afirmativo.
— Vai ficar achando graça, não é, Peeta? Sei bem o motivo – acusa Brad, olhando de esguelha pra mim. — Espere só até ler esse parecer, propondo que a guarda das crianças não deve ficar com seu amiguinho galã de séries Cato Ludwig.
— O quê? Você sugeriu que a guarda não fique com ele? – Peeta pergunta pra mim, num sobressalto. — Cato não vai nem tirar o figurino de viking pra arrancar minha cabeça.
— Dr. Mellark e Dr. Ryan – começa Annie –, eu e Katniss estudamos juntas os casos e seria interessante explicar o que nos levou a concluir nos relatórios que...
— Dra. Annie Cresta? – interrompe-a Brad. — Eu já vou checar sua participação nessa sandice. Não tenha tanta pressa.
— Sim, Dr. Mellark – Annie se encolhe.
— Pega leve, Brad – exige Finnick.
Há um açucareiro à sua frente e falta pouco para ele enfiar um punhado de torrões de açúcar goela abaixo do loiro mal-humorado.
— Também estou perfeitamente apto a avaliar se vou aproveitar um relatório ou não, Annie – complementa Peeta, um pouco menos grosseiro que Brad. — E nem preciso ler esse aqui para saber que não vou aceitá-lo.
Ledo engano. Ele é tão ou mais rude que o irmão.
Finnick se endireita na cadeira e respira fundo, olhando enfurecido para o Mellark mais novo.
— Sim, Dr. Ryan – repete Annie, já abalada, entrelaçando os dedos sobre a mesa.
Peeta ignora o olhar desaprovador de Finnick e se dirige a mim:
— É capaz de explicar o que aprontou aqui, Katniss Everdeen? – Peeta me pergunta.
Abomino o modo como ele pronuncia meu nome, como se estivesse repreendendo uma criança malcriada.
— Estou a seu dispor para qualquer esclarecimento – respondo de modo insolente.
Pareço calma por fora, mas meu sangue ferve em minhas veias. Eu quero tanto estar aqui, fazendo exatamente o que estou prestes a fazer, que não me importo que isso me transforme em alvo de dois chefes notoriamente intragáveis, embora muito charmosos, em seus ternos cortados sob medida.
É melhor que voltar para Omaha, tendo que amargar o fracasso do meu relacionamento com Seneca e ter que pedir meu emprego de volta na Clínica que ele ainda chefia.
— Então, explique-se. – Peeta dá um passo em minha direção, com a postura nada menos que ferina, mesmo com um sorriso arrebatador enfeitando seu rosto.
Não consigo evitar uma entonação bastante desafiadora:
— Estou apenas tentando promover um divórcio humanizado. A dissolução da unidade familiar é uma experiência traumática por si só. Por isso, sem querer desmerecer o trabalho dos advogados, posso afirmar com absoluta certeza que a maioria dos casos é mais adequada a consultórios de psicólogos do que a escritórios de advocacia.
Alguns murmúrios quase imperceptíveis percorrem a sala. A boca de Peeta se abre ligeiramente, mas quem fala é Brad:
— Prossiga.
— Em processos como esses, o amparo psicológico é muito importante para remediar os efeitos negativos dos divórcios e das disputas pela guarda dos filhos. Aliás, preciso parabenizá-los pela iniciativa de abandonar a prática antiquada de induzir os clientes a travar guerras judiciais sem fim.
— Essa iniciativa foi sua, Peeta? – Brad questiona, sarcástico. — Deixar o escritório às moscas, porque uma fada vai teletransportar os clientes em potencial para o jardim encantado dos unicórnios felizes?
— Perdoe-me se não fui suficientemente clara, Dr. Mellark, mas estou falando aqui de uma abordagem multidisciplinar, com advogados e psicólogos trabalhando em conjunto – continuo. — Então, o objetivo é difundir os benefícios dessa nova forma de condução dos processos, trazendo mais e mais clientes para o seu escritório – concluo o meu discurso sem vacilar uma única vez.
Meu lado petulante me faz estreitar os olhos e inclinar a cabeça, desafiando meus superiores, especialmente Peeta.
Ele faz menção de dizer alguma coisa, mas, antes que consiga abrir a boca, há uma batida na porta.
— Dr. Mellark, Dr. Ryan – chama Delly ao abrir a porta, interrompendo minha disputa silenciosa com Peeta.
Eu torno a me sentar, quando Brad permite que ela se aproxime. Delly sussurra algo em seu ouvido. Ele assente várias vezes antes que ela termine de falar e seus olhos verdes espreitam todas as pessoas na sala.
— Temos informações recentes – anuncia Brad, com o orgulho ferido, assim que Delly se afasta dele. — Beetee Latier concordou em trazer os filhos aqui. Só é preciso fixar uma data.
Ele pigarreia para disfarçar seu constrangimento e Delly imagina que a pausa seja uma oportunidade para contar as novidades.
— Falei com ele por telefone! – Delly explana para todos dessa vez. — E ele garantiu que está muito satisfeito com a escolha do escritório, por ter essa preocupação com o bem-estar das crianças.
Esforço-me para conter meu sorriso vitorioso.
— Srta. Cartwright, por favor, a sua infeliz interrupção já foi suficiente. Entendido? – Brad esbraveja.
— Entendido, Dr. Mellark – murmura ela, franzindo a testa, mas até essa expressão no rosto dela parece querer se tornar um sorriso.
Delly se encaminha para a porta e, quando ela passa perto de Peeta, ele cochicha alguma coisa que a faz corar e rir baixinho. É um conquistador barato mesmo esse loiro!
— Você pode recebê-los no fim da semana, Srta. Everdeen? – Brad me consulta, um pouco mais contido, e eu assinto, sob o olhar atento de Peeta, que me surpreendeu observando-o enquanto ele falava com Delly, antes de ela deixar a sala.
Com um sorriso de lado, ele pega o relatório que havia dispensado anteriormente e, estendendo a mão para Brad, faz o pedido silencioso para que o irmão lhe entregue a papelada que ainda retém.
Por fim, Peeta gira o corpo para dar uma volta ao redor da mesa.
— Muito bem... Dra. Johanna Mason, em que ponto estamos com o acordo pré-nupcial de Cinna e Portia? – Peeta logo emenda em outro assunto, como se ignorasse minha participação na reunião.
Johanna começa a discorrer sobre seu relatório no exato momento em que Peeta me surpreende ao jogar meus pareceres sobre a mesa, diante de mim, quando está passando por trás da cadeira em que estou sentada. Seu braço quase toca meu ombro com o movimento.
Peeta somente interrompe a caminhada quando está de pé, do outro lado da mesa, exatamente à minha frente.
Depois, cada um dos advogados tem a oportunidade de falar sobre os casos de que estão cuidando. Peeta deixa todos terminarem e, depois de liberar todos para voltarem aos seus postos de trabalho, ele me encara de um jeito intenso.
— Precisamos ajustar alguns detalhes sobre como as coisas serão feitas daqui pra frente, Katniss Everdeen. E isso será logo.
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