Terceira regra do “Manual de Sobrevivência em um Mundo Danmei": O destino quase sempre não pode ser evitado, se a sua morte tem hora e data marcada para acontecer, faça questão de fugir para o fim do mundo antes do tempo acabar.
No momento em que Jaerlysson entrou no bordel, uma estranha sensação de familiaridade o acometeu.
Havia apenas duas memórias de Qin LiWei que ele carregava consigo desde que fora parar naquele mundo.
A primeira delas, era do dia em que seu pai, um comerciante influente da cidade imperial, o deixou na seita Montanha Celestial aos cuidados do Ancião Zhang, apenas para que pudesse se tornar apto a no futuro ser o protetor e braço direito do Terceiro Príncipe. Obviamente, tal intenção nunca chegou a ser concluída, afinal, Qin LiWei morreu antes que pudesse retornar.
Essa, contudo, não era a memória que Jaerlysson julgava ser a mais impactante. Sendo bastante sincero, era a segunda memória que lhe tirava o sono, pelo simples fato de não fazer o mínimo sentido para si.
Aquela memória se passava mais ou menos alguns dias depois de Qin LiWei entrar para o Pico de Jade como um discípulo. Nela, o rapaz estava no meio de um grande salão decorado com véus vermelhos e amarelos, muito parecido com o ambiente do bordel que acabara de entrar. A melodia de uma guqin podia ser escutada ao longe, e enquanto alguma mulheres dançavam descalças, com suas jóias tilintando em sincronia com a música, Luo WuFeng encontrava-se parado entre elas, sendo vergonhosamente humilhado por um homem mais alto, cujo rosto era apena um borrão.
Depois disso, Qin LiWei apenas se virava, dando as costas para aquele ambiente animado e melancólico ao mesmo tempo. Seu peito doía de uma forma estranha, e lágrimas rolavam pela face levemente avermelhada.
Jaerlysson então despertava nessa hora, depois de ter as duas memórias praticamente enfiadas em seu cérebro. Seu rosto também molhado por lágrimas, e sem entender praticamente nada do que tinha visto.
Afinal, por que o dono original daquele corpo lhe mostrou apenas essas duas cenas? Aliás, por que diferentemente das outras histórias de transmigração, ele não se lembrava absolutamente de nada do passado de Qin LiWei?
Seus gostos, seus hobbies, se tinha amigos antes de entrar na seita, se tinha outros familiares, além daquele pai, se o rapaz ao menos uma única vez na sua vida tinha sido feliz.
Sentia que isso era um pouco injusto com a sua pessoa. Ele sempre se perguntou como um garoto de quatorze anos sobreviveu até os vinte e um, naquela seita que apenas o ignorava. E talvez fosse até por esse motivo, que acima de tudo, quisesse fugir do roteiro, e ter uma vida longa e próspera.
Porque dessa forma, Qin LiWei teria a sua vingança daquela história ridícula. Bastava seguir a terceira regra do seu manual e não cair no tal "destino que não pode ser evitado", ir para uma cidadezinha no fim do mundo e ser invisível. Essa era a sua meta principal.
Ele iria sobreviver custe o que custasse.
― Então, é como shidi imaginava? ― A voz de Fai Tian soou de repente ao seu lado, e Jaerlysson disfarçou sua expressão pensativa.
― Na verdade, não muito. ― Ele admitiu virando o rosto para o encarar.
Obviamente ele sabia que diferente dos cabarés de seu mundo, aquele bordel prestava serviços sexuais, entretanto, não imaginava que o clima ali dentro fosse tão erótico ao ponto de ser desconfortável para si. Agora que parava para observar melhor, havia tantos olhares de mulheres lançados em sua direção, sendo que na verdade, ele definitivamente nem gostava de mulheres.
E ah!
Aí estava o principal motivo de Jaerlysson considerar danmei o gênero mais complicado de todos: ele não queria acabar se apaixonando por um cara bem filho da puta, tipo o protagonista Luo WuFeng.
― Shidi ainda é só um garoto, no final das contas. ― Fai Tian provocou rindo baixo, mas ainda assim, segurou firme na mão de Qin LiWei e o puxou para uma mesa de canto. ― Vamos, a comida e as apresentações daqui são boas, apenas ignore essas mulheres.
― Shixiong parece conhecer bem esse lugar, não imaginei que já tivesse vindo aqui tantas vezes. ― Jaerlysson observou, se o homem fosse hetero, talvez ele não seria um personagem principal?
"Nah, Isso não muda nada. Heteros em histórias danmei são destinados a dar o seu brioco, impossível fugir desse roteiro!"
― Eu não acabei de dizer? A comida e as apresentações daqui são boas. ― Fai Tian revirou os olhos. ― Acha mesmo que sou seu único shixiong a escapar em noites de não lua cheia?
Havia certa ambiguidade em seu tom de voz, e Jaerlysson não entendeu se ele estava falando sério ou levianamente.
Entretanto, quando estava prestes a mover os lábios para questionar, uma mulher se sentou de repente ao seu lado.
Seu dedo indicador, com uma unha bem pintada de vermelho, cutucou-lhe a bochecha com insistência, enquanto soltava uma risada melodiosa.
― O jovem mestre Fai trouxe dessa vez um amigo tão novinho e encantador… ― Ela cantarolou de modo coquete. ― Qual o seu nome, jovem mestre bonito?
Jaerlysson quase soltou uma gargalhada diante de tais palavras, mas ele se conteve heroicamente.
"Irmã, você gosta de fazer piadas? Olhe bem para mim, eu ando desarrumado assim apenas para parecer uma pessoa comum, como pode dizer que sou bonito? Mentir é tão feio…"
― Senhorita, eu não sou um jovem mestre bonito, não diga uma coisa dessas tão despretensiosamente.
― Despretensiosamente? ― A mulher, cujo traje era em vários tons de rosa, não conteve a sua gargalhada, porém. ― MeiMei reconhece um rosto bonito quando vê um, o jovem mestre esconde sua grande beleza, gostaria de saber por qual motivo.
Velha desgraçada.
Jaerlysson quase engasgou com a própria saliva ao escutar aquilo, ele teve até que se virar às pressas para verificar cuidadosamente a reação de Fai Tian. O homem não iria acreditar que alguém esconderia uma grande beleza de propósito, certo?
Qin LiWei era, de fato, muito bonito. A primeira vez que Jaerlysson se encarou em um espelho, realmente ficou admirado com o quanto as pessoas naquele universo poderiam ser bonitas. Consequentemente, ele logo chegou a óbvia conclusão de que isso poderia ser um problema para si no futuro, então resolveu andar por aí o mais desarrumado possível. Já achavam que ele era um covarde, que mal havia em pensarem que também era um feioso?
― A senhorita está…
― Está completamente certa, meu shidi é uma grande beleza, e como sou um shixiong muito ciumento, pedi que escondesse o quão bonito ele é. ― Fai Tian respondeu antes mesmo que Jaerlysson pudesse terminar sua fala. ― A senhorita tem algum problema quanto a isso?
Jaerlysson voltou a virar a cabeça para encarar o homem ao seu lado. Estava fazendo isso com tanta frequência naquela noite, que certamente teria um torcicolo pela manhã.
― Shixiong... ― Tentou decifrar o que estava acontecendo ali, no final das contas, mas se sentiu mais perdido do que tudo.
Fai Tian estava o defendendo por não acreditar no que a mulher acabou de dizer, ou era justamente porque sabia que era verdade?
Talvez o Qin LiWei original já tivesse cruzado alguma vez com Fai Tian antes dele transmigrar e ele não sabia por não conseguir se lembrar de nada?
― Oh, claro que não, jovem mestre Fai, eu compreendo. ― A tal MeiMei se levantou às pressas, uma expressão estranha se formando em seu rosto, e ela parecia até um pouco ansiosa. ― Peço mil perdões, pedirei para alguém mais apropriado trazer alguns lanches e vinho para servi-los. ― Com um sorriso sem graça, ela se virou e foi embora.
Jaerlysson ainda ergueu o braço para detê-la, mas as próximas palavras de Fai Tian o deixaram em choque.
― Qualquer um pode ver que shidi é bonito mesmo desarrumado. ― Ele sorriu. ― Talvez seja melhor shidi voltar a se arrumar de uma vez.
Oh, então eles realmente já haviam se encontrado antes?
Jaerlysson se sentiu muito, mas muito injustiçado.
― Pequena irmã, o jovem mestre Fai é tão difícil de agradar, não quero mais ser designada para ele, ah…
― Por que você está falando essas coisas MeiMei, o jovem mestre gosta de belezas, o que há de tão difícil nisso?
Dentro da sala reservada, um homem de traços impecáveis, escutava com bastante atenção a conversa que se passava do lado de fora.
― Ah, mas desta vez o jovem mestre ficou irritado quando fui brincar com o irmãozinho que ele trouxe. ― A voz de MeiMei soava com puro descontentamento.
― Apenas esqueça isso, não podemos ofender o filho do General Fai. ― Em resposta, a segunda mulher apenas ignorou suas queixas.
E o restante da conversa não foi mais de serventia para o homem dentro da sala, que se ergueu com um movimento das mangas de seu manto externo, e então saiu do cômodo.
Ele seguiu pelo enorme corredor, até chegar no salão, logo avistando a pessoa que antes era o assunto da conversa daquelas duas mulheres.
Quando Fai Tian ergueu o olhar e se deparou com aquela figura há muito não vista por si, ele teve que se esforçar para sua expressão neutra não quebrar.
Nos últimos dias, tudo o que fizera foi ir até aquele bordel, esperando a oportunidade de encontrar o homem que agora estava a sua frente.
O rosto impecavelmente belo como o mais fino jade, em contraste com aqueles longos cabelos negros amarrados no topo de sua cabeça que caíam como cascatas por suas costas largas. Tão belo como se lembrava que era.
― Jovem mestre Fai, finalmente nos encontramos. ― Ele o cumprimentou com um gesto cortês. ― Imagino que já tenha escutado sobre mim.
Ah sim, obviamente ele já escutou, afinal, não se daria ao trabalho de fingir ser Fai Tian se esse não fosse o caso.
Luo WuFeng sentiu que finalmente as peças do xadrez eram colocadas nos seus devidos lugares.
Bem ali na sua frente, estava o Bispo.
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