Narrador
Existiam raros momentos na vida. Segundos em que o coração conhece razões que a própria razão desconhece. Ficamos estarrecidos, por milésimos que parecem horas, completamente em silêncio enquanto os olhos conversam com os de outra pessoa em sua própria linguagem sigilosa, escondendo segredos misteriosos da racionalidade. Não se era necessário dela em momentos assim. Não se era preciso pensar quando as almas já estavam fazendo isso por si mesmas.
Para Lawliet e Brooklyn, enquanto os olhos verdes permaneciam magnetizados pela cor de noite dos dele, a mão masculina ainda repousada no mar vermelho de fios rebeldes, esse era um desses momentos. Eles não falaram uma palavra por um terço de um segundo que pareceu horas. Mal respiravam, talvez temendo quebrar o feitiço que os envolviam com tons avermelhados e a sensação de calidez que nascia de dentro e serpenteava até a garganta. Deixando um rastro de calor destilado por onde passava. Despertar daquele hemisfério significava voltar à realidade. Uma realidade onde aquele calor era apenas derivado da raiva, onde o perigo era de um assassino e não da possibilidade de qualquer toque ser incendiário.
Era o coração dela batendo tão intensamente ou era apenas imaginação dele? Seria uma emoção intensa e fervente que Lawliet via nos olhos dela? algo além do aborrecimento, algo mais quente que a própria cólera, algo…extremamente tentador.
Será que ele também sentia o ar ficar mais pesado nos pulmões? Será que L tinha sentimentos conflitantes por ela assim como ela tinha por ele? Quase como se não conseguisse pensar direito, um coquetel de irritação com uma atração estritamente proibida, imprópria e indesejada. Será que ele sentia também que estava completamente fora de controle quando estavam juntos?
Brook temia a resposta. Porque qualquer que fosse, seria igualmente explosiva e…arrebatadora.
Ela tomou o primeiro passo em direção a própria ruína.
Brook retirou a mão de Lawliet do topo de sua cabeça, sentindo instantaneamente a mudança drástica na atmosfera quando ele não estava lhe tocando. Contudo, se ele sentiu a mesma coisa, não pareceu demonstrar.
— Eu não estava tentando desobedecer as suas regras e…
— Mas desobedeceu.
Deus, como aquela boca bonita era melhor quando estava fechada!
Brook respirou fundo e cerrou os dentes. — Eu sei. Mas não foi por mal. Não estava desconsiderando todos os riscos e os seus esforços. Eu não queria bagunçar uma investigação federal.
— Então dê meia-volta, diga para aquelas pessoas que você não pode atendê-las e as mandem de volta para as suas casas.
O que?!
— E desligue essa música, por favor. Não consigo trabalhar com essa barulheira.
COMO É QUE É?!
— Olha aqui, você pode estar puto o quanto quiser comigo, mas não pode chamar Avenged Sevenfold de barulheira! Eles são um dos ícones do rock.
Nada do que L tivesse dito poderia ter causado tanta irritação em Brook quanto a arqueada de sobrancelha que ele lhe dera. Como se estivesse lidando com uma criança ou com alguém burro o suficiente para não ser digno de suas palavras.
Argh! Como era possível que ela estivesse atraída a um segundo atrás por esse homem exasperante?!
— Não que eu estivesse esperando que você tivesse bom gosto para música, de qualquer forma.
— O que te faz pensar que gostar dessa barulheira é ter bom gosto?
Santa Mãe de Deus. Ela ia matá-lo.
— O que te faz pensar que não é? O mundo deita aos pés de bandas como essas.
— Uma coisa não é boa apenas porque tem muitos seguidores. Bois seguem o berrante e isso não os fazem os bichos mais inteligentes e nem o berrante o melhor som.
— Você está me comparando a um boi?!
Se o sorriso meia lua pretensioso que L lhe dera não tivesse sido o suficiente para esgotar os resquícios da paciência dela, o que ele disse depois teria cumprido o trabalho. — Bois conseguem seguir ordens. E ainda não vi você desempenhando o que acabei de lhe pedir para fazer.
Fora um milagre que não estivesse fumaça saindo das narinas dela agora, o verde dos seus olhos crepitando em uma raiva fervente, a língua passando pelos dentes da frente da boca fechada em um claro sinal de exacerbamento. L havia tido a proeza de a tirar do sério em um nível que a muito tempo Brook não experimentava. Temendo dizer algum palavrão caso abrisse a boca, apenas o enviou um olhar que continha a promessa do apocalipse enquanto dava as costas para ele e voltava na direção das pessoas.
Enquanto os cabelos ruivos se moviam para longe, Lawliet permaneceu com os olhos grudados nela, mentindo para si mesmo de que era apenas para garantir que dessa vez cumpriria as suas ordens, e não porque cada célula dele parecia não querer perdê-la de vista. O autocontrole batalhando contra a vontade de abaixar as íris escuras para observar aquelas pernas compridas e hipnotizantes, o coração ainda arrítmico, a pulsação estranha. Tudo era um compilado de sensação que o deixava a esmo, sem sentir que tinha controle sobre o próprio corpo.
E isso era um verdadeiro aborrecimento.
Enquanto Brooklyn executava o que lhe fora dito e a música cessara o seu canto constante, Lawliet ainda permanecia absorto em suas próprias elucubrações. Devaneando em seu privativo dicionário a fim de encontrar alguma definição para o que vinha acontecendo com o seu corpo. Entender porque sentia um misto de raiva e aborrecimento mas com uma ânsia arrebatadora de algo que ele não fazia ideia do que.
Não era como se Lawliet nunca tivera conhecido mulheres lindas e inteligentes antes. Sempre tinha que trabalhar com elas quando o caso necessitava, Naomi Misora era o clássico exemplo disso. Bonita, competente, esperta e serena, tudo o que Lawliet considerava extremamente agradável em uma mulher.
Então por quê não sentia por ela metade das coisas que sentia sempre que avistava Brooklyn? Por quê nunca se incendiava com um calor descomunal da mesma forma que fazia sempre que os olhos selvagens infinitamente verdes fixavam-se em si?
Não se arrebatava pela personificação do que seria a sua definição de mulher ideal mas sim pela única que não era certa para ele.
— Pronto, vossa majestade. — falando no diabo. — Eu mandei para casa a plebe que você não gosta.
E lá estava ela mais uma vez. Parada em sua frente, gloriosa com os seus 1,73 e pernas cumpridas de realeza. Tão esguia e delgada quanto uma Puma Negra de olhos verdes.
Santo Deus, ela era linda.
— Não tenho nenhuma aversão às pessoas que estavam aqui. Mas sim ao seu desacato.
— Eu estava ganhando dinheiro também. — sua voz tentava transmitir uma importância para aquele fato que Lawliet não compreendia.
— E por que isso deveria ser relevante?
Era uma curiosidade genuína, mas Brooklyn parecia completamente ofendida. Quase como se achasse que ele estava zombando de alguma coisa importante.
Francamente…
— Não me lembro de ter mencionado a necessidade de você ter finanças. Achei que estivesse completamente explícito que irei arcar com as suas necessidades financeiras.
O que Lawliet vira no rosto dela poderia muito bem ter sido descrito como perplexidade. Uma reação absurdamente lídima, aturdida, como se, por um segundo, todas as certezas que regiam o seu mundo se aluíram. E isso o deixara profundamente intrigado.
A quanto tempo fazia que Brooklyn Ballister precisava fornecer os seus próprios meios para viver?
Ele sabia que ela não tinha uma boa relação com a família, mas quão profunda eram as suas águas? Sempre que aqueles lindos olhos verdes se perdiam e tornavam-se translúcidos, ele conseguia entrever pelas lacunas de sua alma algumas rachaduras profundas, talvez sangrantes. Eram nesses momentos que Lawliet conseguia ver a verdade.
A quanto tempo fazia que Brooklyn Ballister não tinha alguém para cuidar dela?
Esse segundo de devaneio fora tão fugaz como fumaça. — De qualquer forma, — Brook cortou qualquer tom diferente na atmosfera — já fiz o que pediu. Tem mais algum desejo, Mi Lorde? Quer que eu tome um banho e te espere para o interrogatório do dia?
A última coisa que Lawliet queria pensar era nela no banho. As graciosas pernas molhadas, as mãos habilidosas e esguias percorrendo pela pele alva, a boca atrevida salpicada de gotículas e vapor. E muito menos ainda precisava da imagem dela lhe esperando após aquela façanha inebriante, sentada e obediente no sofá branco dele, linda e de pele úmida, com os cabelos vermelhos que o fariam ter vontade de secá-los.
Esse era um terreno perigoso e traiçoeiro, e nada de bom sucederia pormenorizar aquela insanidade.
— Pode proceder como preferir. — ele torceu para anos de estoicidade conseguissem dissimular em que labirinto do diabo os pensamentos dele estavam andando — Mas, de fato, temos uma sessão de interrogatório hoje, às 18h.
Lawliet dera as costas e entrara mais uma vez na casa, porque não sabia mais se conseguiria espantar as imagens de sua cabeça caso ainda continuasse olhando para Brooklyn. Era um absurdo que sua ética profissional estivesse ausentando a sua presença, pois, no calabouço mais profundo de seu ser atormentado, uma voz rumorejava sobre qual era a taxa de probabilidade dele quebrar e na próxima vez não a repreender de uma forma composta, das imagens em sua cabeça e os anseios de seu corpo falarem alto demais.
E Lawliet temia os números dessa porcentagem.
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