I never knew daylight could be so violent, a revelation in the light of day, you can't choose what stays and what fades away
A linha foi a última coisa capturada pelos ouvidos da médica antes de estacionar e desligar o carro, pegando seus pertences do banco de trás com rapidez, a fim de ir ao encontro de mais um dia de trabalho. Checou a bolsa pela última vez em busca da embalagem de presente bege, um sorriso nervoso e feliz brotando entre as bochechas rosadas.
Exatos 5 dias atrás, recebera a terrível notícia sobre o corpo. Foram três longas noites tentando dormir quase sem sucesso, exceto pelos dois dias passados ao lado de Aaron e Jack. Não era uma dependência, certamente não, mas havia algo neles capaz de mantê-la calma até nos momentos mais dolorosos. Talvez, como ela mesma já havia pensado antes, fosse o fato de pertencer a uma família, sentir-se segura e completa.
Entretanto, Emily não hesitou em estranhar o vômito no momento em que recebeu a notícia sobre o acontecido com aquele homem cuja vida cessara em suas mãos. Ela tinha um estômago forte e, em sua carreira, era quase certeza já ter visto de tudo.
Então, surgiu a dúvida. E essa a perseguiu, levando uma inquieta Prentiss a acordar três da manhã de hoje, dirigir meia hora em busca de uma farmácia e comprar sete testes de gravidez. Durante os cinco minutos, quinhentos pensamentos cruzaram sua cabeça em um furacão louco. Considerou ligar para Hotch, chegando a digitar seu número e olhar fixamente a tela do celular por Deus sabe quanto tempo, afinal, aquilo parecia uma eternidade. Quando o despertador tocou e ela correu ao banheiro, algo dentro de si gritava que ela sabia o resultado. Toda aquela instabilidade emocional, os enjoos, a dificuldade para dormir e as dores na costa. Você é uma retardada mesmo, só pode, foi transar sem proteção trocando de anticoncepcional e ainda quer se chamar de médica. Droga, mas a culpa não é minha também se o Hotch tem habilidades maravilhosas com aquele negócio entre as pernas dele.
Apesar disso, as 14 linhas indicando positivo a esquentaram por dentro, levando a morena a passar o resto da madrugada em claro. No começo, sua mente focara em coisas ruins, brigando em seu interior e a xingando de maneiras diferentes. Por fim, as imagens de um pequeno Hotch ou uma pequena Emily cruzaram sua cabeça, alguém acompanhando Jack nas brincadeiras enquanto ela e Aaron preparavam o almoço, as covinhas e os cabelos negros enfeitando uma pequena fração de ambos.
Respirou fundo, saindo do sedan ao encontro da porta do hospital. A chave do carro foi jogada dentro da bolsa em algum momento do percurso no intuito de tomar posse do celular. Cruzou a porta de deslizar, no instante exato em que o dispositivo vibrou em sua mão direita.
“Em. descanso cti. D contando sobre a depil do fds. Corre. bjos, PG”
Tentou segurar a risada, engasgando-se com a imaginação de Morgan gritando por causa da cera quente. Aquela era uma cena que ela adoraria assistir, gravar e botar no YouTube. Viraria um hit, sem sombra de dúvidas. O nome seria algo em torno de “devastando a floresta de chocolate”. Dessa vez, mal conseguiu impedir o riso, atraindo atenção de um grupo de pessoas a esperar pela chamada da recepção principal.
Pelos minutos seguintes, Emily andou solitária - perdida em seus devaneios - em busca da porta azul clara ao final do primeiro corredor direito na nave esquerda do Hospital. Sim, era até um tanto confuso pensar nas inúmeras curvas do Mary Washington. Divertiu-se com a lembrança do dia em que adentrou a porta branca do outro lado do corredor e acabou parando no subsolo.
Era uma memória doce, a qual faria questão de manter.
(...)
Ao som agudo do elevador, a mulher de olhos entusiasmados levantou sua visão ao amplo corredor principal do terceiro andar. Mal conseguia evitar a mão esquerda de adentrar o bolso inferior do jaleco em desejo por sentir a textura daquela pequena caixa. A mesma que havia mudado todas as possibilidades de seu futuro em apenas duas barras. Um sorriso besta surgiu enquanto ela se aproximava da parte central a conectar as duas naves. Esse só foi ampliado após beber na visão de Aaron, o qual caminhava em sua direção com uma prancheta em mãos e um olhar absolutamente focado.
O medo de ele não desejar aquilo tanto quanto ela existia, eram pequenos ruídos insistentes desde o momento da notícia. Acalmava-se em rememorar a conversa que tiveram na última noite juntos. Os corpos estavam colados debaixo das cobertas, o braço direito masculino a envolvendo enquanto o equivalente feminino carinhosamente abraçava-o pela cintura.
- Sabe, eu sei que isso é precipitado da minha parte e não espero que seja recíproco, nem nada parecido – a palma dele acariciou sua bochecha, o dedão deslizou pela curva da maçã de seu rosto e descendeu ao toque de seus lábios – Mas, eu consigo imaginar nós três sendo uma família algum dia... talvez sejamos quatro até lá ou cinco... ou sete...
As palavras dele foram intercaladas por beijos aplicados em sua testa, sempre precedidos de um sorriso natural daquele rosto sempre tão sério. Ele estava plenamente feliz. E a sensação de tê-lo em seus braços, compartilhando covinhas sinceras entre conversas casuais, era a melhor sensação de lar que ela poderia algum dia experimentar.
A cirurgiã caiu em consciência para cumprimentar com um aceno JJ e Reid, os quais estavam a conversar apoiados no balcão da recepção principal do andar. Aaron estava a pouco mais de um metro de distância, e ela podia ver – pelo canto de seus olhos - Rossi e Blake deixando uma sala de consultórios juntos. Os olhares viajaram rapidamente sobre ela.
Talvez ela devesse ter percebido.
Emily nunca compreendera ao certo os instantes seguintes. Fora rápido, inesperado e desesperador. A visão anômala foi a de Hotch realizando um movimento para retirar algo de seu quadril. Esse algo? Uma Glock. Sentiu um frio correr a espinha quando ele apontou o cano para ela, os dedos preparados para qualquer ação brusca. Ela congelou no local, os olhos expandiram irremediavelmente em pavor, susto, decepção. Uma avalanche de sentimentos rodeando a cabeça da morena.
- FBI! Bote sua mãos onde eu possa ver! – a voz foi ríspida e forte, ecoando no corredor silencioso.
O medo comandou qualquer reação plausível. Por mais que as órbitas femininas procurassem algum sinal de compaixão nos olhos castanhos atrás daquela arma gélida, eles não entregavam nada senão foco em sua missão. Lágrimas insistiram em formar na incredulidade exposta em sua retina.
- Aaron... o que-? – olhou em volta rapidamente, observando a equipe a cerca-la com suas armas em mãos, inclusive Morgan havia surgido um pouco atrás – Eu não...
Negou com a cabeça de maneira nervosa. Nunca, em sua vida, imaginou ser a mira das seis pessoas a qual confiou seus segredos e preocupações nos últimos meses. Era surreal o sabor amargo de viver uma mentira por tanto tempo. O que faria com o bebê que estava esperando do homem pronto para enterrar uma bala em seu peito? Como se já não tivesse feito por simplesmente inventar cada palavra falsa trocada desde o dia que se conheceram. E ela ainda pensou o conhecer.
Ao levantar a cabeça, tomou o instante para expressar toda a dor sentida por intermédio do contato visual entre ambos. Ela botou as mãos ao alto, jamais quebrando aquela conexão sem necessidade de palavras. Inúmeras vezes conversaram assim, em silêncio. Hoje não seria diferente, seria? A questão rodeou sua mente à medida que ele não a dava nada com suas órbitas infinitas. Mesmo no momento de Morgan a algema-la - recitando seus direitos com serenidade inacreditável - e Blake verificar seus bolsos, ela não quebrou o contato.
Doía. Apesar da sensação de ter um pedaço de si arrancado à força fosse inebriante, Emily manteve os olhos fixos nos dele, acalmando seus sentimentos no breve minuto em que ele retornou o objeto preto ao coldre e um leve fluxo de piedade percorreu a expressão quase imutável.
Spencer e JJ tomaram cada braço com segurança, encaminhando a mulher confusa ao elevador. Antes de virar-se para percorrer seu caminho em pura sensação anestésica, a morena gravou cada curva dolorida do rosto masculino ao abrir a pequena caixa entregue a ele por Alex. Havia algo a mais lutando na imagem dele.
Havia esperança.
(...)
O silencio a engolia na mala escura da SUV preta. Ela sentava com lágrimas deslizando sua face em teimosia. Tentou ser forte, elaborar teorias do motivo de aquilo tudo estar acontecendo e consolar-se na sua inocência. Sentiu ódio durante um breve período da viagem, entretanto, a sensação foi suprimida com violência pelo medo e pela decepção. Não obstante ela devesse se preocupar com o fato de o FBI acabar de prendê-la por razões desconhecidas, o pensamento mais forte era nas pessoas daquela equipe.
Como eles poderiam ser médicos e agentes? Nada plausível clareava esse nevoeiro em sua cabeça, o qual imitava o clima frio do lado de fora. Pensou na possibilidade de fingirem ter a mesma carreira dela durante todo o tempo, mas acompanhou seu – antigo – parceiro de cabelos negros no bloco várias vezes e o homem tinha experiência no serviço, era um fato.
Em meio de seu abstração, ouviu alguns barulhos advindos do interior do carro, onde se encontravam o menino gênio, sua parceira loira e a mulher mais velha de cabelos castanhos. Ponderou hesitante sobre a falta de Hotchner no veículo, afinal, ela assistiu àquela expressão de sentimentos no instante final. Era melhor esquecer daquilo, ele só estava a usando para descobrir sabe-se lá o que. Sendo esse “o que” de certo a raz-
(...)
Pela segunda vez no dia, não compreendeu muito bem o que estava a acontecer. Não sabia ao certo quanto tempo atrás, todavia tinha certeza de estar na mala de um carro em movimento antes de tudo tornar-se negro, e provavelmente pensando sobre algo que agora mal lembrava. Abriu os olhos de maneira letárgica, levantando a cabeça para notar o ambiente ao seu redor. Uma dor latente atestou a provável colisão sofrida por sua têmpora direita contra um objeto rígido. Forçou a cabeça a trazer à tona as últimas cenas de sua consciência, à medida que notava a manta quente a envolvê-la a partir da cintura e a ausência do jaleco, o qual ela tinha certeza de estar portando mais cedo.
Quieta, olhou para o motorista em busca de respostas. Pelo menos algo era certo, estava deitada no banco de trás de um esportivo qualquer, certamente de alguém prezando pelo luxo, já que o revestimento era de couro novo e lustroso. Sendo assim, não foi grande surpresa deparar-se com David Rossi ao volante, sem ninguém no passageiro.
- Dave... – sussurrou entre lábios secos – O que aconteceu?
- É uma longa história, criança, conto para você quando chegarmos ao nosso destino. Só para tranquilizá-la, Alex, Jen e Spencer estão bem – passou a marcha com atenção, a cautela redobrada pela via curva em meio a área florestada com belos pinheiros experimentando o delicioso clima do outono – Quanto a você, um pequeno corte na cabeça e de resto tudo certo, o acidente foi controlado então não é nada que não esperávamos.
- Dave... – suspirou, um medo tingindo a boca de seu estômago – Eu estou...
- Eu sei, Aaron já preparou tudo para corrermos com a ultrassom assim que chegarmos, porém, é só por uma questão de segurança – a morena tomo um instante para acalmar-se com as palavras do homem mais velho – Descanse, ainda falta meia hora de viagem.
Assentiu sem muita escolha, repousando a cabeça no travesseiro colocado para acomoda-la. Os olhos miraram nas copas das árvores em incontáveis matizes de alaranjado e verde, as quais criavam frestas por onde a luminosidade do céu em giz cinza penetrava. Em meio a toda aquela loucura, a única coisa certa na cabeça de Emily Prentiss era de que a tempestade havia chegado.
E era apenas o começo.
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