Perto do destino final, Dave acordou Emily com uma música calma no rádio e um toque reconfortante no braço. Afinal, quem poderia cair em sono profundo após tudo o que ocorreu? A mulher tentou recuperar todas as memórias, cada detalhe vil e cada dúvida para enfrentar a conversa com aquele que – apesar de tudo – ainda ocupava boa parte de suas preocupações. Boa parte, sim, pois ela tinha certeza que mais de 90% estava focado em saber se tudo estava bem com a pequena vida crescendo dentro dela.
Era uma sensação estranha. Algumas horas atrás, Prentiss afirmaria com plena convicção que nada era mais importante em sua vida do que o trabalho e, dada a devida proporção, os Hotchner. Nesse momento, porém, a única coisa consumindo seus pensamentos era o bebê. Um filho ou uma filha. De repente dois. Manteve os olhos focados na imagem formando em seu horizonte e deixou passar um suspiro de surpresa pela pequena cabana em meio às árvores frondosas de um vale. Havia um riacho ao fundo, feitas suas observações durante o breve trecho em que estava acordada.
Rossi manobrou o carro na pequena garagem entre quatro paredes de pedra, permitindo a saída da morena apenas quando a porta de rolar marrom havia descendido por completo. Os pés dela tocaram o chão com mais firmeza, por mais que a apreensão estivesse a engolindo lentamente. Abraçou o corpo com a manta a cobrir os ombros, a posição defensiva permaneceu e não passou despercebida pelo homem mais velho.
- É só abrir – sua visão seguiu a uma porta de madeira escura no final do cômodo – Preciso pegar umas coisas aqui.
A mulher mais jovem permaneceu sem palavras, os olhos vazios e desnorteados, em receio sobre o que a esperava. Primeiramente, por que ela havia confiado nele mesmo? Não havia uma sequer evidência da confiabilidade daquelas pessoas. Exceto por - supostamente - serem do FBI.
Abriu a porta de modo cauteloso, uma mão instintiva permanecendo em contato com o local onde o bebê deveria estar. Ao notar a cozinha vazia, tomou alguns instantes para atentar aos pequenos detalhes da decoração à medida que prosseguia à sala de estar do outro lado de um corredor transversal à sua esquerda. O exterior não condizia com o interior. Por fora, a casa aparentava simplicidade, até certo tom rústico, pela combinação de pedra e madeira tendendo entre o marrom e o vermelho. Havia um segundo andar, como ela havia observado pela parte externa, sendo o acesso feito por uma escada no dito corredor.
Já o interior, Emily mal conseguia descrever a riqueza de cuidado e detalhes do local. O proprietário tinha um gosto refinado para escolha da mobília: tudo estava variando entre itens de madeira e superfícies de granito preto. As paredes eram embelezadas por quadros de animais ou paisagens como a que cercava o local. A mesa da cozinha contava com quatro cadeiras, mas se fosse honesta consigo mesma, somente uma – talvez eventualmente duas – era utilizada.
Era claro que o dono do pitoresco recinto: David Rossi. Duvidou por alguns instantes até adentrar a sala de estar, as órbitas trilhando cada imagem na mesinha de centro em frente ao sofá de aparência extremamente confortável. Três lugares e duas poltronas largas em cada lado compondo um ambiente familiar. Ah, claro, tudo posicionado de maneira estratégica à mercê de uma lareira de tijolos escuros e uma televisão enclausurada por um armário de portas fechadas.
- Emily... – um sussurro abafado eriçou os cabelos de sua nuca.
A mulher de olhos infinitos virou-se à visão de Aaron Hotchner. Ele estava com preocupação exposta em cada vale e curva de seu rosto, os lábios entreabertos em modo de procura pelas palavras e as pálpebras abertas, permitindo a visão de sua esclera em dimensões que destoavam do quase fechado de uso diário.
- Aaron... – ela nunca compreenderia como conseguiu pronunciar o nome dele sem ceder às lágrimas afogando sua visão.
Em meros segundos, ele estava trocando calor com o corpo feminino. A distância entre eles diminuída à menor das respirações no exato momento em que os braços masculinos a envolveram de maneira protetora. Ele a puxou para si, uma palma espalhada em sua costa e a outra em sua cabeça, fazendo-a repousar em seu ombro. Emily hesitou em envolvê-lo, o medo de aquele ser o último momento era pungente. Quando ela notou um suspiro, permitiu-se relaxar, moldando seu corpo ao dele e apertando ainda mais o gesto quase sufocante.
- Emily... – Hotch levantou a cabeça, os lábios pressionaram contra a têmpora, retirando a franja bagunçada de seu caminho – Eu sei que temos muito para conversar e que provavelmente você deve pensar que eu sou um mentiroso ou até coisas mais baixas, mas foi o único modo de proteger você e o bebê...
- Shh... – os olhares encontraram-se; olhos castanhos mergulhando em olhos quase negros pelo que seria, talvez, a milionésima vez desde o primeiro dia – Sinceramente, eu não estou nem aí, isso é o que interessa...
Uma palma delicada cobriu a bochecha de seu parceiro, sempre mantendo o contato visual, ao passo que a outra guiou a mão esquerda dele para repousar junto à dela sobre aquele pequeno pedaço deles dois. O sorriso de sincera felicidade – e certo alívio – gracejou o rosto do homem de cabelos negros.
- Eu te amo, Emily Prentiss – as palavras eram novas aos ouvidos femininos e levaram um breve minuto para registrar. A onda de esperança a devorou por completo, e seu único desejo era se afogar. L’amour, ah, l’amour.
- Eu te amo, Aaron Hotchner.
(...)
Expressar todo e qualquer sentimento com os olhos era uma das especialidades do homem trajando a camisa social branca com o primeiro botão aberto e a gravata meticulosamente guardada no bolso da calça. Todavia, a morena conseguia ler todas as emoções sem muita dificuldade, principalmente quando o aparelho deslizou sobre o gel em sua barriga e parou em uma pequena imagem. Os olhos dela encheram-se de felicidade pela presença - e primeira visão - daquela criaturinha crescendo vigorosamente dentro de si. Era uma sensação única, renovadora, e apesar da situação adversa, ela não poderia pedir por nada mais em sua vida.
A sensação de calma tomou conta de Hotch, junto a a de plenitude por ter a vida de seu filho ou filha em curso. Seus pensamentos mergulharam na imagem de Emily no final da gestação, eles e Jack escolhendo a decoração do quarto como uma família. Família. Tal palavra tornara-se estrangeira ao homem desde que Haley o deixou, anos atrás.
- Eu tenho uma pergunta – a voz feminina escapou um tom revelador de: “Na verdade, são muitas”.
- Sim, senhora – ele capturou a imagem na pequena tela, fazendo medidas algumas vezes até retirar o aparelho do contato com a pele alva de sua parceira.
- Eu vi você pegar o teste, mas você parecia sem dúvidas em relação ao bebê quando chegamos aqui, como se já soubesse... – a mulher limpou o gel com o papel entregue a ela, terminando de vestir-se – Foi a J.J., não foi?
- Sim – ele suspirou sem muita hesitação – Ela me contou pouco após o aparecimento do corpo.
- Certo – Emily pôs-se de pé rapidamente, mil pensamentos fluindo – Acho que realmente precisamos conversar.
- Concordo – Aaron retirou o aparelho da tomada, andando em direção à porta com Emily pouco atrás – Vamos! Eu deixei o almoço pronto para quando você chegasse. Imaginei que estaria faminta e cansada.
- E você estava certíssimo, apesar de ser presunçoso da sua parte assumir que eu não estaria nem com o mínimo de ressentimento por não ter me contado sobre... – ponderou, chegando à breve conclusão de que nem ela sabia – Tudo isso.
Um silêncio permaneceu ao ocuparem a cozinha. Dave esquentara a comida e estava pondo a mesa no exato momento em que o casal surgiu no ambiente. Emily o cumprimentou com um sorriso fraco, o cheiro de lasanha levando seu cérebro de grávida a concentrar-se de maneira única naquilo. Não conseguiria pensar em qualquer questionamento com uma massa tão saborosa em sua frente, então comera em silêncio. Bem, isso até o amigo de cavanhaque romper o barulho de garfos e facas.
- Você já contou à ela? – o cotovelo cutucou Aaron em seu braço, pouco antes de jogar mais um pedaço do alimento para a mastigação.
- Não, prefiro esperar ela perguntar – o amigo de sapatos Oxford repetiu o gesto do mais velho – Além do mais, ela parece bem entretida com o almoço.
- Vem cá, vocês vão ficar falando de mim como se eu não estivesse ouvindo ou vão direto ao assunto?
Os dois homens pausaram, olhares surpresos – e nervosos - observando a reação enérgica da companheira. Prentiss queria estar em posse de uma câmera para gravar aquela cena. Hotch e Dave parecendo duas crianças depois de serem pegos pela mãe roubando doce de outra criancinha. Tentou manter a postura séria, mas caiu em risada e levou ambos consigo.
- Podemos conversar sobre isso agora, não tem problema – fez uso do suco de laranja para deglutir um último pedaço – Acho que seria bom começarem pelo motivo de eu ter sido presa pelo FBI, seguido pelo porquê de estar numa cabana comendo lasanha com as pessoas que me prenderam e terminando por como vocês fingiram ser médicos.
- Bem...
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