Point of View of Charlotte Elizabeth Grey
- Você não sai mais desse piano? – era já a décima vez que contestava isso, enquanto passava para a cozinha comer algo – Já são dez horas da noite Tommy. Você está tocando desde que cheguei em casa. Quero conversar com você, please Tommy. Please! – sorri forçado, fazendo cara de bebê. Isso sempre funcionava com meu primo.
E como num passe de mágica, Thomas finalmente parou seus incansáveis dedos sobre as teclas do Steinway. Juro, eu não dava conta daquilo. Como não dei conta das aulas de violino, violão celo, ballet, dança clássica ou qualquer baboseira que minha mãe insistia em colocar como atividade extra quando eu era pequena. As únicas coisas que encarei de verdade na vida foram as aulas de francês e natação. Enjoei no meio da patinação artística e ginástica olímpica. Talvez venha daí minha elasticidade na cama!
Como sempre, Tommy bateu dois dedos sobre o banco de couro, me convidando para sentar. Eu amava aquilo!
- Está preparada Srta. Grey? – perguntou no mesmo tom cordial de todas as vezes.
- Eu nasci preparada! – pareci confiante, arrancando um risinho no canto da sua boca.
Thomas me fazia tocar “Bife”, aquela famosa música de um danone, todas as malditas vezes quando tirava sua carcaça da frente do instrumento. Nos curtos minutos que se seguiram, dedilhei ao seu lado a única música que sabia tocar, após meses de ensaio. Nossos braços e dedos cruzavam-se apressados entre as teclas, e ele fazia aquilo parecer mais difícil do que realmente era. Senti seu bumbum batendo no banco de couro, como se ele estivesse dançando empolgado quando alcançamos o refrão. Isso me fez lembrar uma coisa engraçada; toda vez que íamos para Nova Iorque, Tommy me arrasta para a famosa loja de brinquedos Fao Schwarz para reproduzirmos a cena do filme “Quero ser grande”, com Tom Hanks. Não importava a nossa idade. Oito. Dez. Doze. Quinze. Dezessete anos. O piano de brinquedo no chão era um espetáculo secundário toda vez que nós dois brincávamos feito duas crianças em cima dele. A cada ano aperfeiçoávamos nossa performance, já aguardada pelos funcionários e visitantes.
Com um olhar de satisfação e sorriso gigantesco no rosto, virou-se para mim, finalmente interessado no que eu tinha para falar.
- Quero informações sobre a sua carona! – despejei na lata, a fim de analisar o que aquela idiota queria ao surgir novamente após anos desaparecida.
- Não foi nada de mais – fez pouco caso, dando de ombros – Conversamos sobre ela e algumas coisas do passado. Eu perguntei por que ela tinha sumido.
- E ai? O que a ruiva disse? – Tom me encarou preocupado, mas deu a resposta que eu queria.
- Você não vai acreditar! Naquele dia do trote na cabana, quando ela chegou em casa, encontrou os pais e irmãos mortos! – ele disse chocado, esperando alguma reação mais drástica minha. Tá, okay. Que triste. Blá, blá, blá. Já conhecia a sensação ali, mas não deixaria que ela me dominasse.
- Charlie! Os pais dela morreram! – ele continuou, ainda esperando que eu tornasse meus traços faciais em alguma expressão triste ou de dor. Um adendo: havia desistido também das aulas de teatro.
- Tá! Já entendi essa parte! Continua! – pedi grossa, sem dar a esperada cara de “oh, que coitadinha!”.
- Depois que ela os enterrou, mudou-se para Londres onde ficou todo esse tempo com o primo, que é aquele loirinho babaca com pinta de badboy. Não sei por que, mas eu definitivamente não gosto dele!
Merda! Newton era o primo dela? Fui surpreendida por um nó na garganta. Não acredito que eu tinha aceitado a carona do primo galanteador daquela sonsa e ainda permitido que ele me visse nadando.
- Tá tudo bem Charlie? – Tommy perguntou ao notar que eu estava pálida e muda, pensando em algo.
- Tá sim, só estou pensando – disfarcei.
- Podemos esperar um dilúvio ou a terceira Guerra Mundial quando Charlotte Elizabeth Grey se cala e trama algo, porque eu sei que estas tramando! Mas enfim, como foi para sua aula de natação? Gally te levou? Ou foi o Minho?
- Nenhum dos dois! – falei maliciosa, deixando meu primo curioso – Foi o badboy que você já odeia! – provoquei, lambendo meus lábios com desejo após chupar meu dedo do meio e mostrar para ele.
- CHARLIE! – Thomas gritou com cara de nojo, repudiando meus pensamentos pecaminosos com relação a Newton – Com ele não! Pode escolher até o seu professor idiota de natação, ou Minho, mas você não combina com aquele garoto. E ele é primo da Anny, ou seja, você já o odeia por tabela. É a lei!
- Hahahahahaha. Você me mata de rir com esse ciúme bobo Tommy. Fique tranquilo. Newton não faz meu estilo. Tem que comer muito arroz e feijão para crescer e passar anos na academia cuidando daqueles pseudo músculos. Mas vem cá, estive pensando em algo – disse maliciosa e ele sabia onde eu queria chegar.
- Tá, já sei. Quer armar uma para Anny. Eu topo, desde que seja algo leve. Não sabemos ainda com quem estamos lidando, afinal, ela parece ter mudado bastante. Você viu o corpão dela? – perguntou quase babando.
- Nem se eu fosse lésbica. Ou bi. Ou até o último homem da face da terra iria reparar no corpo daquela anã! – Tommy riu com meu jeito de total repulsa.
Nas horas seguintes planejamos um pequeno trote para Anny, deixando bem claro que ainda estávamos na ativa. Era só um aviso de leve.
Point of View of Thomas Daniel Anderson
Na manhã seguinte, não, melhor, nas longas horas que se arrastaram até chegar na escola, pois sim, tanto eu quanto minha prima não havíamos pregado o olhos durante a madrugada, aguardávamos ansiosos a chegada de Anitta e o priminho metido. A cada trote eu confesso, nós nos superávamos. Dessa vez contamos com a ajuda de Gally, que invadiu a escola ás 4 da manhã e ajeitou tudo, enquanto eu e Charlie cortávamos temporariamente a energia daquele lugar, garantindo o sigilo das nossas identidades perante as câmeras de segurança.
Encostados no Porsche, observamos de longe os dois chegando na moto do loiro, Charlie apagou seu cigarro e fez sinal com a cabeça para seguirmos. Assim que Anitta pisou o pé na escola, pude ver sua expressão séria e possuída com o que via.
Gally e minha prima ficaram até as 3 da manhã confeccionando cartazes e imprimindo fotos da garota de três anos atrás, totalmente diferente do que se encontrava agora. Era uma Anny fechada, com roupas largas e descontraídas, que insistia em usar um gorro preto na cabeça, escondendo aqueles lindos cabelos ruivos. De graça, fizemos a propaganda de Anitta para ser a rainha do baile daquele ano.
“De gótica suave a piriguete metida. Votem em mim! I’m the fucking bitch Queen”, dizia um dos diversos cartazes espalhados pelos corredores do Seattle High School.
Com raiva, Anny e Newton passaram arrancando tudo com fúria, enquanto alguns alunos davam risada da situação dos dois. Mas o plano não terminava por ai. Mais uma surpresa aguardava ambos em seus armários e ao longe, observávamos tudo para não levantar suspeitas.
Após destravar seu cadeado, que eu sinceramente não conseguia entender como ela mantinha a mesma senha de antes, uma leve explosão de tinta vermelha atingiu sua face e sua roupa, encharcando a garota. Desesperado, o primo tirou sua jaqueta e camiseta – realmente, ele precisava malhar mais - e entregou a ela, correndo até seu armário, como se fosse pegar algo.
Como Gally desconhecia o código do loiro, arrombou o cadeado, deixando a porta semi aberta. Newton estacou na diante dele, analisando as possibilidades. Com cuidado, abriu o armário. Dessa vez nenhuma explosão nem nada, somente seus livros e pertences revirados entre ovos, catchup, farinha e sardinha crua. Dava para sentir o cheiro daquilo a metros de distância. Possesso, deu um soco na porta, amassando a mesma – okay, não é malhado, mas é forte. Charlie teria um orgasmo com aquilo.
Os dois se retiraram entre os olhares curiosos e risadas fenomenais de alguns estudantes, enquanto eu, Gally e minha prima comemoramos o plano bem sucedido. “Os desejáveis” estavam de volta.
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