Depois de ter enfrentado o cunhado sem pensar direito nas possíveis consequências que tal ato destemido provocaria, Dio precisou de algum tempo para se recompor.
Completamente sem sono, o ômega ajeitou novamente o sobrinho mais velho na cama e o cobriu com cuidado, como se agradecesse Donatello por ter se intrometido naquele instante.
Depois, tomou Rikiel em seus braços até que este se acalmasse, uma vez que o menino estava abalado com o pesadelo que tivera.
— Sonhei… que papa Diego saía do caixão… e tentava matar papai Enrico… com uma flor — contou o sonho ainda sonolento, recebendo um abraço ainda mais apertado por parte do tio.
— Foi só um sonho, Rikiel — respondeu meio sem jeito, pois ele imaginou direitinho a cena e adoraria que Diego tivesse de fato enfiado o caule de uma daquelas tulipas na garganta do alfa e as tingisse de escarlate, seria bem merecido — Tente dormir, já é tarde… Você tem bastante lição para fazer…
Aborrecido por não ter conseguido convencer Enrico de que as crianças precisavam ir para a escola — pelo menos Donatello e Rikiel, os mais velhos — Dio esperou até que o sobrinho do meio começasse a ressonar para colocá-lo de volta na cama e depois deu uma olhada em Ungalo, que realmente parecia estar respirando com dificuldade.
— Deve ter pegado uma gripe… — pensou, pousando as costas da mão na testinha quente do caçula, que dormia profundamente — Amanhã vou levá-lo ao pediatra, não quero que isso piore…
Fazendo uma nota mental de procurar pelos documentos das crianças no dia seguinte, Dio revirou os maleiros do guarda-roupa que os três dividiam e encontrou um saco de dormir velho e algumas mantas sobressalentes, que logo se transformaram em uma cama bastante improvisada, uma vez que ele não tinha a menor intenção de voltar para o próprio quarto, pelo menos não até o amanhecer.
Depois de ter se certificado que a porta estava trancada — e de que tinha trazido a chave de sua cômoda e o celular consigo — Dio enfim se deitou, lamentando o fato de que teria que passar mais uma noite desconfortável por culpa de Enrico.
Torcendo para que o cunhado não descobrisse o resultado de sua pequena expedição ao quarto deste, fechou os olhos e tentou pensar em coisas agradáveis, tática que costumava usar quando precisava dormir e não tinha sono.
E então, após um tempo que ele não soube precisar exatamente, uma sensação de sonolência começou a tomar conta de seu corpo e uma imagem, se formar em suas pálpebras cansadas.
— Você… vai vir me buscar…? — Sussurrou baixinho para o alfa alto e encorpado que apareceu em seu sonho, estendendo-lhe a mão sorridente, como se garantisse a Dio que não precisava ter medo de nada — Jonathan…
Murmurando o nome daquele que reconhecera como alma gêmea, Dio Brando enfim se rendeu ao cansaço de seu corpo, perguntando-se quanto tempo Leone Abbacchio levaria para localizar o homem que ele sentia que o salvaria daquela situação descabida… E que daria um novo sentido à sua vida.
XxX
Sem saber que Dio sonhava com ele naquele momento, Jonathan sentia seu coração apertado devido à situação em que se encontrava.
A bem da verdade, a afirmação de George sobre “odiar aquele ômega” o havia pegado de jeito e isso o estava incomodando bastante, especialmente pelo fato de que o menino chegara até a trancar a porta do quarto, algo que nunca tinha feito.
Ao mesmo tempo que o comportamento de seu filho único lhe parecia inaceitável — uma vez que seu coração e sua alma já pertenciam a Dio Brando sem sombra de dúvidas — ele também buscava alguma forma de fazer com que o garoto compreendesse que era impossível dissolver a ligação criada entre duas almas gêmeas.
Suspirando fundo — e desistindo mais uma vez de tentar insistir em conversar com George, pois não queria se indispor mais ainda com seu filho — Jonathan limitou-se a seguir em direção ao seu próprio quarto, pensando em ler algo deitado na cama já que provavelmente demoraria a pegar no sono.
Vestindo apenas a parte de baixo do pijama — o aquecedor mascarava bastante a temperatura nem um pouco convidativa que fazia lá fora — o arqueólogo se posicionou debaixo das mantas quentinhas e pegou na cabeceira o livro que estava lendo, perguntando-se por que havia esquecido de marcar a página devidamente.
Após alguns instantes procurando onde efetivamente havia parado a leitura, concentrou-se para retomá-la, mas o toque vibratório do celular chamou sua atenção.
— Ué… Mas quem poderia ser a uma hora dessas…? — Perguntou-se, antes de pegar o aparelho e ver por si mesmo — Será que aconteceu alguma coisa com Will ou Speed…?
Preocupado, o alfa puxou o celular de cima da cômoda ao lado da cama e franziu a testa ao perceber o aviso piscando no visor.
NÚMERO DESCONHECIDO
Ainda mais intrigado, Jonathan optou por não atender; provavelmente devia ser algum tipo de engano, já que ele não se lembrava de ter seu telefone cadastrado em algum lugar que justificasse receber ligações de números desconhecidos.
No entanto, a pessoa do outro lado da linha parecia bastante convencida de que estava ligando para o número certo, pois continuava insistindo e não dava mostras de que desistiria.
Vencido pela irritação provocada pelo barulho constante do toque vibratório, Jonathan deixou o livro de lado — esquecendo-se mais uma vez de marcar a página apropriadamente — e enfim passou o dedo pelo ícone de “atender”, esforçando-se para não transparecer seu desagrado.
— Alô…?
— Estou falando com Jonathan Joestar…?
Uma voz grossa soou levemente hostil do outro lado da linha e aquilo o incomodou bastante.
— Quem deseja falar com ele? — Optou por responder à pergunta com outra pergunta, o que lhe pareceu mais seguro.
Um som semelhante a um suspiro de enfado chegou ao ouvido de Jonathan e a pessoa logo retrucou, agora claramente impaciente.
— Por mais estranho que possa parecer, não tenho tempo para brincadeiras. Estou falando com ele ou não?
Ponderando se realmente não havia acontecido algo com Will ou Speed, o alfa resolveu responder direito, qualquer deslize poderia ser fatal em uma situação desse tipo.
— É ele, mas… quem gostaria?
A voz se calou por alguns instantes e logo falou, parecendo aliviada.
— Meu nome é Moody Blues… Encontrei seu telefone na internet, você era um arqueólogo bastante requisitado, mas já faz algum tempo que não se envolve em pesquisas de campo… Desde que sua esposa morreu, certo?
Aquela última pergunta provocou uma espécie de gatilho em Jonathan, já que ele estava vivendo um dilema dentro de casa justamente porque havia colocado um ponto final no luto por Erina assim que conheceu sua alma gêmea.
— Se me ligou apenas para me dizer coisas que leu sobre mim na internet, está perdendo seu tempo. Vá procurar algo mais útil para fazer do que ficar passando trotes em um viúvo que só quer um pouco de sosse…
— Liguei porque uma pessoa me pediu para encontrá-lo. Um ômega que está passando por dificuldades por ter se disposto a ajudar o cunhado a cuidar dos sobrinhos que ficaram órfãos do pai ômega há um ano…
— Dio? — Jonathan cortou, sentindo seu coração bater mais forte ao ouvir aquela descrição — Dio pediu a você para me encontrar…? Onde ele está? Me diga, eu vou buscá-lo agora mesmo, se necessário…
O alívio na voz se tornou ainda mais claro, dado o modo como a pessoa misteriosa passou a conduzir a conversa a partir daquele momento.
— Por enquanto, a única coisa que tenho dele é o telefone, ele estava bastante apreensivo na ligação, como se tivesse medo de ser surpreendido pelo alfa com quem está morando. De qualquer forma, o nome seria irrelevante, já que vou providenciar documentos falsos para ele e os três meninos, mas resolvi tentar te localizar antes porque achei que isso me tomaria mais tempo… Embora pelo que pude perceber, foi a parte mais fácil disso tudo… Mesmo estando praticamente enfurnado em casa há um ano, seu nome continua bastante comentado nas redes sociais, até em páginas de fofocas…
Jonathan engoliu em seco, ele não tinha redes sociais e usava a internet apenas para pesquisas rápidas, já que ele preferia mil vezes a companhia dos livros de sua biblioteca, que nunca o decepcionaram.
— Não entendo por que alguém como eu seria assunto fora do campo da arqueologia, mas isso também não importa. Dio não te deu nem mesmo um endereço…?
— Sinto desapontá-lo, mas não — a voz respondeu, um tanto enfadada — Porém, fico satisfeito por ver que você realmente parece preocupado com ele… E prometo que, da próxima vez que eu entrar em contato, terei informações mais concretas sobre o paradeiro dele e também um plano mais eficaz para ajudar não só ele, como também as crianças. Mas digo de antemão que não acho adequado que você o abrigue em sua própria casa. Seu endereço é conhecido na internet e o alfa de quem Dio está fugindo pode encontrá-lo bem rápido.
O arqueólogo mordeu os lábios, nervoso.
Por mais que tentasse pensar em uma forma de rebater tal afirmação, Jonathan tinha consciência de que pessoas sempre deixam rastros. E ele duvidava muito que um ômega fugindo com três crianças não deixaria um montão de pistas para trás.
Porém, logo algo lhe ocorreu e ele sugeriu, esperançoso.
— Quando me casei, meus pais me deram de presente uma casa em Canterbury¹, mas, ironicamente, não a aproveitamos muito… Isso porque, apesar de ser natural daquela cidade, minha esposa não gostava de voltar lá e meu filho parecia odiar o local apenas por influência da mãe. No entanto, eu adoro o lugar, é cheio de natureza e bastante amplo… Poderia acomodar Dio e as crianças sem problema nenhum.
— Não tenho objeções — a voz afirmou, satisfeita por não precisar procurar ele mesmo algum lugar afastado que fosse ideal para abrigar tantos fugitivos — E também é bom que seja perto de Londres, assim, não ficará longe da capital nem levantará suspeitas. Acredito que seu filho vá ficar um pouco chateado por ter que acordar mais cedo para ir à escola todos os dias, mas…
— Posso deixar George com o padrinho — Jonathan sugeriu, pois sentia que o garoto não estaria disposto a ajudá-lo e acabaria dando com a língua nos dentes — Vou dizer ao meu filho que surgiu a oportunidade de uma viagem arqueológica, ele já ficou com Speed em outras ocasiões, especialmente quando minha esposa precisava ficar internada para fazer quimio e eu precisava acompanhá-la…
— Entendo… Sinto muito pela sua esposa, Joestar. Não deve ter sido fácil…
— Não foi e devo dizer que acho que nunca será — desabafou com o desconhecido, sem saber exatamente o porquê — George e eu estávamos visitando o túmulo de Erina quando conheci Dio e os meninos… E, desde esse dia, minha relação com meu filho só tem piorado, pois George acha que quero substituir a mãe dele. Ele ainda não entende que isso nunca vai acontecer.
— Dê tempo ao tempo… Talvez seu filho compreenda no futuro que Dio virá para somar, não para diminuir ou dividir. Agora tenho que ir, meu esposo precisa de mim…
Jonathan sorriu. Pelo visto, estava conversando com um alfa como ele.
— Tudo bem, não vou perguntar seu nome porque já entendi que quer ficar incógnito… Mas assim que tiver notícias sobre Dio, não hesite em entrar em contato.
— Assim será. Até breve, Joestar.
Dizendo isso, o homem misterioso que se apresentou como “Moody Blues” encerrou a ligação e Jonathan respirou fundo, um misto de sentimentos tomando conta de seu peito.
Afinal, ao mesmo tempo que ele sentia certo alívio por Dio estar procurando por ele, o fato de ter recorrido a outro alfa para isso não o agradava nem um pouco.
Mas, mais do que isso, o que o deixava quase irracional era a possibilidade de Dio estar em perigo… e a noção de que não poderia fazer nada além de aguardar, uma vez que não tinha a mínima ideia de onde ele morava atualmente, já que não deixara nenhuma informação com a senhoria de seu antigo apartamento e Jonathan se esquecera de perguntar por um número de contato.
Para alguém que ganhava a vida tentando refazer os passos de criaturas que já não pisavam mais sobre a Terra… ele se mostrou um verdadeiro zero à esquerda no que dizia respeito aos acontecimentos da atualidade.
E prometeu a si mesmo que daria um jeito de corrigir isso… tão logo tivesse aquele ômega seguro em seus braços.
xXx
Ferdinand encarava o ômega adormecido com um esgar de preocupação em seu rosto.
Depois de ter cheirado um por um dos caramelos caseiros que lhe entregara, o loiro simplesmente devolveu o pratinho a ele e se deitara novamente, a inquietação que o acometera durante o dia todo parecendo enfim ter amainado.
Quando perguntado se não queria comer um dos doces ou alguma outra coisa, seu paciente apenas negou com a cabeça, encolhendo-se um pouco na cama, como se estivesse com frio.
Consternado, Ferdinand resolveu perguntar apenas por desencargo, embora já imaginasse qual seria a resposta.
— Quer um cobertor? Posso pegar um ou mais para você, meu caro.
Ao ver o breve assentir partir da cabeça loira, o médico suspirou e, sem demora, trouxe duas mantas quentinhas, cobrindo o ômega com ambas e sorrindo inconscientemente ao vê-lo se aconchegar nelas, como se fosse uma criança.
— Se pelo menos estivesse fazendo mais sol… Poderíamos passear um pouco lá fora, não é…?
O ômega assentiu novamente, conquanto não demonstrasse vontade de continuar aquela conversa. Não demorou muito para que Ferdinand ouvisse seu ressonar, a deixa para que parasse de insistir com aquele diálogo.
No entanto, em vez de ir atender às demandas que requisitavam sua presença, o médico resignou-se a puxar uma cadeira e posicioná-la diante da cama que o ômega ocupava, observando atentamente aquele rosto pálido adormecido, os lábios entreabertos denunciando o tamanho do cansaço mental que acometia aquele corpo frágil.
Então, incapaz de controlar seus pensamentos, lembrou-se do dia em que o alfa esquentadinho entrou pela sua porta há cerca de um ano com ele nos braços…
…e de como sua vida tinha virado de ponta-cabeça desde então.
xXx
Era um dia normal como qualquer outro no laboratório de pesquisas.
Ferdinand estava pesquisando uma forma de melhorar a substância que vinha desenvolvendo no intuito de amenizar as dores de heats mais intensos quando ouviu alguém esmurrando sua porta, como se fosse o fim do mundo.
Intrigado, o médico se dirigiu ao hall de entrada e levou um susto ao ver Leone Abbacchio com o rosto todo arranhado — e sangrando — trazendo um ômega magricela nos braços.
“O que significa isso…?”, Ferdinand perguntou, incrédulo. “Por acaso voltamos ao tempo das cavernas? Solte esse pobre ômega agora mesmo.”
“Eu adoraria, mas, se eu fizer isso, ele vai se machucar, já que está sob efeito da minha voz de comando”, justificou, ignorando o ar horrorizado do beta à sua frente. “Tive que fazer isso, ele voltou a si no meio do caminho para cá e eu quase bati o carro. Ordenei a ele que ficasse quietinho e parasse de se debater e, depois de ele ter quase arrancado metade da minha cara no processo, consegui trazê-lo até aqui. Foi Cioccolata que me mandou, disse que você daria um jeito”, disse, entrando sem pedir licença e deitando o ômega no sofá da sala de estar, as unhas deste ainda manchadas do sangue que arrancara de seu rosto.
O médico xingou o “colega” de profissão de todos os palavrões possíveis apenas em pensamento, já que odiava nomes feios por serem uma clara demonstração de “falta de respeito”, algo que lhe era intolerável.
“Não me diga… que Cioccolata usou nele meu analgésico em desenvolvimento! Eu imaginei que ele o usaria em um ratinho dolorido ou algo do tipo, não em um ser humano, ainda mais um ômega em péssimas condições físicas como esse!”, reclamou, indignado.
Abbacchio deu de ombros, igualmente irritado.
“Aquele imbecille não me deu detalhes. Só disse que você teria como resolver, já que era o responsável por tê-lo deixado desse jeito… Obviamente aquele stronzo² não me disse toda a verdade e vejo que para você também não. Só que minha parte aqui está feita, espero que você consiga reverter isso…”, o ex-policial então se voltou para o ômega, compadecido de sua situação. “Me desculpe, rapaz. Só usei a voz de comando em você porque iríamos acabar morrendo se continuasse me atacando enquanto eu dirigia, mas já pode se mexer. Só não se machuque, o médico aí já tem um longo caminho pela frente e você não precisa piorar ainda mais o que já não está bom.”
Parecendo envergonhado, o ômega assentiu de leve e virou de costas para ambos, como crianças e animais fazem quando querem “sumir” das vistas de alguém.
“Bom, vou indo. Não avisei a Bruno para onde estava indo e deixei o celular desligado para não levantar suspeitas, ele deve estar puto comigo.”
“Espere!”, Ferdinand segurou o braço do alfa, que o encarou com certa surpresa. “Como é o nome dele…?”
“Não faço ideia, Cioccolata não me disse”, Abbacchio respondeu com sinceridade, mesmo porque, quanto menos ele soubesse, tanto melhor. “Agora vou nessa, boa sorte aí.”
Dizendo isso, Abbacchio partiu e Ferdinand suspirou fundo, sem saber direito o que fazer.
Decidindo começar pelo básico, aproximou-se do sofá em que Abbacchio deitara seu agora “paciente” e encostou levemente no ombro deste, que se retraiu, mas não o atacou.
“Não vou te machucar…”, prometeu, como se estivesse tentando fazer amizade com um animal arisco. “Me diga… qual é o seu nome…?”
O ômega deu de ombros, sem saber como responder àquela pergunta.
“Entendo… Você não se lembra… Bom, o meu é Ferdinand, eu sou médico e pesquisador. Será bem-vindo em minha residência o tempo que desejar ficar nela, mas primeiro preciso cuidar de você… E acho que está precisando de um banho…”
O loiro fungou o ar, analisando se concordava com aquela afirmação e logo acabou cedendo, sentindo que aquele homem realmente não o machucaria.
Percebendo que o ômega havia concordado, Ferdinand o tomou em seus braços e sentiu um aperto no peito ao ver o quanto ele parecia magro e maltratado, olheiras profundas e escuras marcando todo o redor de seus olhos e a pele macilenta, como se não recebesse cuidados adequados nem sol há meses.
“Não se preocupe, ‘meu caro’...”, apelidou, na falta de um nome adequado para se referir ao seu hóspede inusitado. “Eu vou cuidar de você direitinho…”
E, a partir desse momento, foi exatamente o que Ferdinand se dedicou a fazer.
Aos poucos, o ômega foi reaprendendo as coisas básicas, como se alimentar e tomar banho sozinho, além de conversar, pois parecia ter se esquecido como pronunciar as palavras humanas.
Com o tempo, Ferdinand notou que ele parecia se interessar por animais — especialmente cavalos e dinossauros — e passou a comprar revistas e enciclopédias para estimulá-lo a reconhecer o vocabulário, podendo assim se comunicar melhor. Além disso, o próprio ômega começou a perceber certas coisas em si e se tornou um pouco mais curioso, embora o médico não tivesse respostas para todas as perguntas.
“Sabe… quem me fez isso…?”, apontava para a marca em seu pescoço, que Ferdinand achava diferente de todas as outras que tinha visto até então, como se fosse algo inferior. “Eu… não quero isso em mim…”
“Temo não ser possível removê-la, meu caro”, lamentou, pois gostaria de ter capacidade suficiente para isso. “Mas não se preocupe, está seguro aqui. O alfa que te fez isso nunca mais vai te machucar”, prometeu sem fundamento algum, já que não sabia absolutamente nada sobre aquele ômega que o cativava cada vez mais.
“E isto…?”, levantou a blusa do pijama que usava e mostrou a grossa cicatriz abaixo do ventre, o que indicava que havia sido feita mais de uma vez. “Ele… me machucou e eu… sobrevivi…?”
“Não acho que seja cicatriz de ferimento, mas, sim… de cesárea”, explicou, sentindo-se ainda mais aborrecido por imaginar que aquele ômega tinha filhotes perdidos em algum lugar. “Não se lembra de nada mesmo, meu caro? Para ter uma marca assim, você provavelmente deve ter dado à luz em algum momento de sua vida…”
Mas o ômega não tinha lembrança alguma a respeito da cicatriz, então tudo que fazia era sacudir a cabeça em negativa e depois voltar ao silêncio, como se tentasse procurar em sua mente vazia todas as inúmeras lacunas de seu passado.
No entanto, a reação dele ao cheiro de caramelo despertou certa esperança em Ferdinand, conquanto aquilo também fosse sinal de uma outra coisa.
Se aquele odor era tão especial para seu paciente, provavelmente a pessoa que provocava tal sensação de nostalgia nele não era a mesma que fizera a marca.
E isso implicava que, em algum lugar, havia dois alfas que poderiam tentar reivindicar aquele ômega e ele não teria como impedir.
— Ah, meu caro… — acariciou os cabelos loiros grudados à testa do ômega, cujo sono parecia tranquilo como não fora há meses — Sinto que logo, logo, teremos que nos separar… E não pensei que isso me doeria tanto.
Levantando-se da cadeira, Ferdinand limitou-se a recolher o pratinho com os caramelos e sair do cômodo que reservara para o ômega, apagando a luz ao sair e fechando a porta com delicadeza para não acordá-lo.
E então, odiando-se por não saber se seria capaz de respeitar a escolha do ômega quando a hora chegasse, foi até o laboratório para trabalhar um pouco.
Pelo menos em meio a todos aqueles materiais e utensílios…
…ele não precisaria ficar pensando em como faria para conseguir se despedir daqueles olhos verdes que mexeram tanto consigo.
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