O veredito era enfim dado, as malas enfim eram levadas e a viagem era enfim inaugurada!
O cais nunca esteve tão bonito e o sol raiava em despedida ao clima tropical. No país que visitariam, o clima era temperado e com invernos rigorosos.
— O navio está em condições de se comprometer para essa viagem, majestade. — anunciava o marinheiro à imperatriz.
E Helena, já cansada de esperar, deixava um suspiro aliviado escapar-lhe dos lábios. Ela encarava as serviçais segurando suas malas e Evangeline perdida em seus pensamentos. Sua filha sempre fora sonhadora, às vezes Helena dizia-lhe que isso poderia ser um defeito, já que aprendera que “quem muito sonha não alcança”.
Evangeline via ali um passeio e tanto, descosturava da mente a ideia de responsabilidades, era melhor que pensasse naquilo como um simples e divertido passeio. Que imaginasse a vista para o mar, a decoração do salão e em que livros iria ler durante a viagem.
— Todos a bordo! — Gritava o capitão.
A princesa se fez contente, subia a escada de portaló e virava seus olhos para um último vislumbre antes de partir. O palácio agora parecia tão distante, seu peito apertava numa saudade ainda inexistente, sentia-se quase marejar numa desolação irreal e discordava de si mesma.
Ao fim das escadas, quase se esbarrara com as serviçais e os assistentes que levavam seus pertences. Evangeline se sentia um tanto perdida, mas sabia que seu quarto era o de número dezesseis.
As paredes do corredor de quartos eram cobertas por quadros, eram tantos que aquilo poderia ser estranho a alguns. Havia quadros sobre a independência, sobre a chegada dos portugueses, sobre a igreja e o catolicismo. Perdida naqueles quadros que Evangeline achava o seu caminho, pois enquanto passeava a vista sobre os quadros, uma porta de número dezesseis parava sua trilha.
— Ah! — Se fizera entendida.
No momento em que sua mão giraria a maçaneta, teve uma surpresa, a porta já estava aberta. E antes que pudesse cogitar algo, mesmo o mais simples pensamento, abria a porta e se deparava com Sofia.
Ela estava parada, estava frente a uma penteadeira, parecia absorta, com os olhos perdidos no reflexo do espelho. Sofia notava um novo rosto a compor o reflexo, via o rosto da princesa esculpido em surpresa e virava-se, dizendo:
— Este é um belo quarto.
A conselheira nada mais dissera e saía repentinamente do quarto.
Aquilo decerto era estranho, porém, Evangeline entendia que Sofia tinha razão, a madeira que se fazia presente nas paredes brilhava, a cama de dossel era estofada e o lençol azul trazia leveza.
A princesa jogara-se sobre a cama e esticava seus braços. Diferente do resto do quarto, o teto era simples, a madeira era branca e simples. Tão simples que a fazia pensar, para os outros é assim?
Às vezes parecia não ter noção do quão prestigiada nascera, que nunca lhe faltara nada e nem faltaria. Não fazia ideia das dificuldades que outros passavam, do trabalho de muito e salário de pouco, casamentos demais e amor de falta, falsidade demais e igualdade escassa. Ao repousar seu antebraço sobre o rosto, fez-se indagar a si mesma, o que eu preciso ver?
Batidas em sua porta a fazem se levantar, duas figuras conhecidas chegavam ao quarto e cumprimentavam em coro:
— Olá!
Frente à porta estavam suas primas, uma delas se compunha de um vestido rosa com mangas bufantes e um decote ombro a ombro, junto de um sorriso de orelha a orelha. E a outra usava vestido de cor roxa, sem mangas bufantes e sem decote, acompanhado de uma expressão curiosamente séria.
— Lana e Luna? — Evangeline se levantava.
As ouvirem, prestaram reverência e Lana respondia:
— Já faz muito tempo não é, prima? — Lana direcionava as mãos ao quadril.
— Não tem tanto tempo assim desde a última vez. — Luna virava o rosto para o lado.
Evangeline prestou vênia de volta para as primas e as indagava sobre o motivo de estarem a bordo.
— Sua mãe nos escolheu como suas acompanhantes. — Luna lhe respondera.
— Vai ser muito divertido! — Lana batia rápidas palmas — Poderá nos pedir ajuda, poderemos te vestir, fazer maquiagem e…
— Não digas exageros, Lana.
A princesa apertava suas próprias mãos contra as outras, desviava-se de suas próprias dúvidas, porém, acabava se entregando a elas e vulnerabilizando-se:
— Como eu poderia ser uma… boa esposa?
A reação das moças fora um encontro de olhares e um levantar de sobrancelhas. Elas já sabiam sobre o encontro da imperatriz e da princesa com o imperador austro-húngaro e seu filho, mas não imaginavam todas as possibilidades. Logo, Lana corria para lhe segurar as mãos.
— É muito simples!
Lana e Luna contaram sobre aquilo que os homens querem; Lana dizia que as esposas deveriam ser alegres, respeitosas e prestarem-se bonitas, já Luna revirava os olhos, falando que as esposas deveriam ter responsabilidades, domesticidade e prestarem respeito. Para a princesa, tudo que contavam eram rótulos, era um manual de instruções, um papel prescrito de regras que deveriam ser seguidas minuciosamente.
— Mas ele não… Ele só poderá me amar se eu seguir estas condutas? — ela indagava.
No final do dia, as vozes de suas primas ainda ecoavam em sua cabeça como ruídos incessantes. Quando se pôs defronte à sua estante, notara a realidade. Nos livros, as pessoas se apoiavam e os homens amavam as mulheres como elas são, sem necessidade de doutrinas ou adornos, numa fantasia só deles e num amor independente. Nos livros, os motivos eram desprovidos de esclarecimentos, e perto do que suas primas disseram, soavam como um paradoxo. Se por acaso sonhasse com alguém que não lhe pedisse mudanças, pensaria em tal sonho como uma tarefa impossível e se entristeceria, então apenas lhe disse a si mesma: “Espero que o destino seja bondoso comigo”.
Após essa ponderação, tomou-lhe o passo a passear pelos corredores, percebia que mal tinha visto o interno do navio. E enquanto encarava novamente os mesmos quadros, olhava para frente ao notar outro caminhar junto ao seu. Era Sofia.
Ela trajava-se casual, usava um simples vestido de algodão de palheta verde, enquanto passava pelo corredor, encontrava a presença de Evangeline, esta que, por um par de segundos, cogitara perguntar à Sofia se seria uma boa esposa.
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